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REPRESENTAÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA.
MAIORIDADE CIVIL ALCANÇADA PELO REPRESENTADO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
CARÊNCIA DE AÇÃO – FALTA DE CONDIÇÃO DE AÇÃO.
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
Divino Marcos de Melo Amorim
promotor de Justiça em Goiás,
coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude
  
 
I – Introdução

          O Direito Pátrio vem enfrentando, durante longos anos, a polêmica discussão acerca das consequências jurídicas para a Ação Sócio Educativa do fato do(a) Representado(a) alcançar a maioridade civil (vinte um anos) durante o regular trâmite daquela. Muito se tem discutido e, inclusive, tem sido escrito sob a aplicação analógica do diploma processual penal com a o entendimento de ocorrência de causa extintiva da punibilidade. Ocorre que, concessa maxima venia, seria inaplicável tal regra pela análise do sistema legal pertinente à matéria (Estatuto da Criança do Adolescente). 

II – Inexistência de Causa Extintiva de Punibilidade

          A legislação penal é clara e, no dizer dos doutos traz como numerus clausus, o elenco de hipóteses reveladoras de causas extintivas de punibilidade previstas no artigo 107 e incisos I a IX, do diploma penal. Não se vislumbra, na questão supra exposta, a ocorrência de morte do "agente"; anistia, graça ou indulto; pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como "criminoso"; pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos "crimes de ação penal privada"; pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; pelo casamento do agente com a vítima, nos "crimes contra os costumes" e pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Assim, exaustivamente mencionadas, tais hipóteses em nada se refeririam com a aquisição, pelo(a) representado(a), da maioridade civil (21 anos) durante o regular trâmite da ação sócio educativa. A legislação infanto-juvenil indica, claramente, a possibilidade de utilização subsidiária dos demais diplomas legais pertinentes (código de processo civil e penal) no dizer expresso do texto do artigo 152, da Lei nº 8.069/90. 

          Entretanto, como dito linhas acima, é inaplicável a aplicação subsidiária do dispositivo penal em comento (art. 107, C.P.), inexistindo como ser tratada como hipótese de causa extintiva da punibilidade. III – Aplicação das normas sócio-educativas até vinte e um anos incompletos: A legislação vigente dita que considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, aplicando-se excepcionalmente, nos casos expressos em lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (artigo 2º e par. Único, do E.C.A.). No caso específico da prática de ato infracional por adolescente que, no curso da ação sócio-educativa, vem alcançar idade entre dezoito e vinte anos, a indagação anterior seria sobre a aplicabilidade ou não de medida sócio-educativa a tal pessoa. 

          A jurisprudência e doutrina pátrias tornaram tal discussão página virada ao demonstrar, cabalmente, que aplicar-se-ia a medida referida, em caráter excepcional, àqueles que tivessem ultrapassado a barreira dos dezoito anos de idade e ainda não teriam atingido a da maioridade civil. A estrutura legal pertinente à apuração de ato infracional indica que a autoridade judiciária, ao final da ação pertinente, poderá diante do lastro probatório produzido entregar a prestação jurisdicional sancionatório ou absolutório. A legislação dita que a autoridade judiciária não aplicará nenhuma medida sócio-educativa se estiver provada a inexistência do fato; não haver prova da existência deste; não constituir o fato ato infracional e inexistir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional, ex vi do artigo 189, incisos I a IV, do ECA. 

          Assim sendo, findo a instrução da ação sócio-educativa, ouvidas as partes e convencida a autoridade judiciária da existência do ato infracional e de sua autoria, não tendo o(a) representado(a) atingido a maioridade civil (21 anos), é cogente que aquela aplique a este(a) uma das medidas sócio-educativas passíveis na legislação correlata, em aplicação expressa do artigo 2º, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.069/90. Tal conclusão é cristalina quando se observa que o próprio legislador previu a liberação compulsória de pessoa sujeita a internação aos vinte e um anos no dizer do artigo 121, §5º, da Lei Federal nº 8.069/90. É óbvio que o legislador ao prever que alguém deve ser liberado compulsoriamente da execução da medida de internação, indicou que tal medida é aplicável inclusive àquele que já completou dezoito anos e ainda não atingiu sua maioridade civil. 

          A jurisprudência leciona que até "...os 21 anos de idade, o infrator pode e deve ser acompanhado pelo Juizado a Infância e Juventude, conforme dispõe o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.069..." (1) . IV – Circunstância superveniente acarretadora de carência de ação – Ilegitimidade Passiva: Praticado o ato infracional, observadas as providências legais pertinentes com a instauração de ação sócio-educativa, é possível que, por razões diversas, o procedimento para apuração de tal ato venha a ter seu trâmite regular até que o(a) representado(a) alcance a maioridade civil, ou seja, complete os vinte e um anos de idade. Assim sendo, diante deste fato natural, imperiosa é a discussão das consequências jurídicas para o procedimento judicial em comento. 

          Após várias análises pertinentes, havendo inclusive certa divergência jurisprudencial, tem-se a lógica conclusão de que tal fato constituir-se-ia em causa superveniente de ilegitimidade passiva ad causam. Ocorre que a medida sócio-educativa mais drástica e excepcional de nossa legislação infanto-juvenil seria a de internação, a qual deve ter caráter breve e provisório, prevendo expressamente a legislação pátria a liberação compulsória quando a pessoa venha a completar vinte e um anos de idade (art. 121, §5º, da Lei Federal nº 8.069/90). O legislador do diploma infanto-juvenil previu seu alcance legal somente às pessoas de até vinte e um anos de idade, sendo que após dezoito até esta última idade, a aplicação seria excepcional (artigo 2º, parágrafo único, E.C.A.). Lógico tal raciocínio, a indagação surgida seria o das consequências jurídicas para o procedimento judicial em andamento – ação sócio educativa – pois em linhas volvidas acima foi mencionado o entendimento de que não se trataria de "causa extintiva de punibilidade". 

          Assim sendo, no dizer permissivo do artigo 152 (2), da Lei Federal nº 8.069/90, a autoridade judiciária pode aplicar, subsidiariamente, as normas gerais previstas na legislação processual civil. Havendo esta causa natural superveniente à instauração de ação sócio-educativa, ainda em seu curso instrutório, reputa-se manifesta a falta de uma das condições de ação, as quais no dizer dos doutos é assim tratada: "...a existência da ação depende de alguns requisitos constitutivos que se chamam `condições da ação`, cuja ausência de qualquer deles leva à `carência de ação` e cujo exame deve ser feito, em cada caso concreto, preliminarmente à apreciação do mérito, em caráter prejudicial..." (3)

          A doutrina leciona que na qualidade de "condições de ação" tem-se: a)possibilidade jurídica do pedido; b)interesse de agir, e c)legitimidade de parte (legitimatio ad causam). Esta última, no dizer de Liebman, seria a "pertinência subjetiva da ação..." (4). O douto Arruda Alvim leciona que "estará legitimado o autor quando for o possível titular do direito pretendido, ao passo que a do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, A SUPORTAR OS EFEITOS ORIUNDOS DA SENTENÇA" (5)

          Atingindo a maioridade civil (21 anos), o(a) representado(a) torna-se ilegítimo para ser alcançado(a) pela norma da Lei Federal nº 8.069/90, não sendo passível de sancionamento via medida sócio-educativa. Restando ausente uma das condições de ação, a autoridade judiciária, antes de enfrentado o meritum causae, pode ex officio extinguir o feito, sem julgamento de mérito, na forma do artigo 267, inciso VI e §3º, do diploma processual civil. V – Conclusão: Constatado no curso instrutório da ação sócio-educativa que o(a) representado(a) atingiu vinte e um anos de idade, o membro do Ministério Público poderá requerer à autoridade judiciária, antes da proclamação de sentença meritória, diante do fato natural superveniente à instauração da ação sócio-educativa que tornou aquele(a) ilegítimo para figurar no polo passivo do feito – ilegitimidade passiva – que reconheça tal fato extinguindo o processo, sem julgamento do mérito, ex vi do artigo 267, inciso VI, do diploma processual civil(6), arquivando-se os autos com as cautelas de lei. 

 

 

 
  
Retirado de: http://www.jus.com.br/doutrina/repmaior.html