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Proposta Pedagógica para
Adolescentes Privados de Liberdade: Reflexões Iniciais
Regina Lúcia Barros Leal da Silveira
Resumo:
O texto descreve
a evolução do paradigma adotado na questão da
criança e do adolescente, traçando um
paralelo entre
as propostas pedagógicas existentes durante a vigência do
Código de Menores, baseadas
no modelo do
controle, da criminalização da pobreza e da exclusão;
e aquelas inauguradas pela Lei
8069/90, fundamentadas
na política da proteção integral e da desinstitucionalização.
Constatando a
fragilidade
das propostas educativas oferecidas para o atendimento dos adolescentes
em conflito com a
lei e privados
de sua liberdade, a autora sugere pressupostos básicos que poderão
construir uma nova
fase pedagógica.
Introdução
A postura que assumimos nessas reflexões iniciais
firma-se na convicção de que a ação educativa
direcionada ao
adolescente privado de liberdade deve basear-se na concepção
de que o jovem é um sujeito concreto, enraizado num
contexto sócio - histórico - político
e co-participante de processo educativo.
Sustenta-se, ainda, na busca de uma sociedade justa
e igualitária, em oposição ao modelo excludente que
privilegia o
individualismo e a fragmentação social
em classes ou grupos.
Fundamenta-se na cidadania que consagra os direitos
já consignados no ECA e na busca de uma nova ética no cotidiano
institucional. Uma ética de solidariedade
que aproxima e constrói relações de ajuda.
"É nesse clima que emergem novos sujeitos sociais
conscientes e baseados na esperança e na união de esforços
que
buscam uma cidadania efetiva e plena." 1
Apoia-se na crença de que o processo educativo deve ser tomado como projeto, definindo claramente sua intencionalidade.
"O caráter pedagógico da postura educativa
se verifica como ação consciente, intencional e planejada
no processo de
formação humana, através de objetivos
e meios estabelecidos por critérios socialmente determinados, o
que indicam o tipo
de homem a formar para qual sociedade e com que propósitos."2
Portanto, a elaboração de uma proposta pedagógica
pressupões bases axiológicas, mantendo sobretudo uma atitude
filosófica acerca dos problemas que a realidade
apresenta.
Para Saviane, "uma reflexão filosófica para ser tal deve ser radical, rigorosa e de conjunto."3
Radical, no sentido que vá até as raízes
do problema, até seus fundamentos. Isto nos leva a afirmar a importância
de
conhecer-se as causas da delinqüência, os motivos
que geram os comportamentos delituosos, bem com suas relações
com as questões mais amplas.
Rigorosa - porque deve proceder a análise do problema segundo métodos determinados.
De conjunto - porquanto o problema não deve ser
examinado de modo parcial, relacionar o aspecto em questão com os
demais fatores em que o contexto está inserido.
Desta forma, este texto é inicial e merece um aprofundamento
para verticalizar os estudos nessa área, revisitando o
cotidiano institucional de unidades de privação
de liberdade, desvendando os significados que impregnam as relações
entre
adolescentes e educadores, consolidando as contribuições
de diferentes correntes pedagógicas.
I - Considerações
Preliminares
Em primeiro lugar, registramos que a fragilidade dos projetos
nessa área específica do adolescente em conflito com a lei
nos permite, sem pretensões maiores, apontar alguns
pressupostos básicos que poderão nortear propostas pedagógicas,
bem como indicar diferentes dimensões que sinalizarão
cortes no cenário institucional, advindos do compromisso com uma
práxis transformadora.
Inicialmente, tentaremos pontuar questões que nos parecem significativas dentro deste vasto campo de discussão.
No contexto das Políticas de Atendimento com relação
ao adolescente autor de ato infracional é importante remeter-nos
ao
cenário histórico anterior ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, quando os órgãos executores
cumpriam as medidas
definidas pelo Código de Menores, medidas estas
revestidas de uma visão preconceituosa e estigmatizante do adolescente.
A internação, estritamente repressora e
sobretudo punitiva , baseada no modelo do controle, da criminalização
da pobreza e
da culpabilização do adolescente, ratificava
junto à sociedade a necessidade do afastamento, do isolamento destes
jovens
do convívio social. Observamos que, durante todos
esses anos, exercitou-se uma prática de violenta exclusão
social. Além
do mais, destaque-se a grande influência da linguagem
médica, terapêutica, determinando a recuperação
dos jovens
"doentes" como uma das únicas formas de mudar seu
comportamento anti-social.
Construímos, a partir dessa visão " instituições
totais" como bem assinala Foucault 4 na análise desses modelos.
Edificamos unidades educacionais segregadoras, escolas
da delinqüência, do abandono e da desesperança. A atitude
de
fuga que nos parecia subversiva à ordem, às
normas institucionais, era a expressão concreta da intensidade do
sofrimento
diante da perda da liberdade. Os ritos, o presente vivido
pelos adolescentes, o fracasso dos projetos pedagógicos estão
relacionados aos preconceitos e estigmas dirigidos aos
adolescentes. Marcados por uma existência de perdas e
significados, comprimidos pela exigência da sociedade
em puni–los, gera-se uma perspectiva trágica de seus "destinos
marginais".
"Um dos momentos mais dolorosos que vivenciei como Diretora
do Centro Educacional Aldaci Barbosa (triagem feminina)
foi quando deparei-me com um motim das meninas … Com disposição
para quebrar as regras institucionais, na busca da
liberdade, elas denunciavam de forma contundente, transgressora,
a violenta opressão a que estavam submetidas."5
Esta prática lesionou pessoas, necrosou sentimentos
e alterou a percepção daqueles envolvidos com o trabalho.
Durante
esses anos, os educadores perderam de vista a dimensão
humanizada do processo educativo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, baseado
na Doutrina da Proteção Integral, colocou-nos diante de um
novo
momento com relação aos direitos da criança
e do adolescente, inaugurando uma etapa diferenciada em favor desta
população.
O que o novo ordenamento jurídico provocou em termos de mudanças ? A municipalização do atendimento ? A participação popular nas novas instâncias deliberativas e executoras ? Uma moderna concepção de desenvolvimento infanto-juvenil e o reconhecimento da prioridade absoluta dos seus direitos ? A história nos tem revelado, ao longo desses seis anos, que há ainda muito o que fazer, conquistar e ousar para mudar a situação da infância e da juventude neste país e que a lei, por si só, não resolve e não resolverá essas questões. Todavia, ela constitui um instrumento de luta pela garantia dos direitos da criança e do adolescente.
"Em primeiro lugar quando digo sonho impossível
é porque há na verdade sonhos impossíveis e o critério
de possibilidades
ou impossibilidades dos sonhos, é um critério
histórico-social e não individual. "6
Com relação às medidas sócio-educativas
aplicáveis aos adolescentes infratores, o Estatuto guarda estrita
coerência com
as normativas internacionais, sobretudo quando evidencia
que as medidas não têm um sentido de pena; muito pelo
contrário, estão sedimentadas no caráter
educativo e em nenhum momento podem perder de vista a natureza omnilateral
da
ação educativa.
Discorrendo sobre as medidas sócio-educativas, César Barros Leal afirma:
"Endereçadas ao adolescente autor de ato infracional,
as medidas sócio educativas visam, em primeiro plano, sua
reintegração familiar e comunitária,
devendo ter em conta, em sua aplicação individualizada, a
capacidade do jovem de
cumpri-la, bem como as circunstâncias e a gravidade
da situação." 7
O que vem a ser a medida sócio-educativa de internação ? Refere César Barros Leal:
"Tal como definida pelo Estatuto a internação
é uma medida privativa de liberdade…. Permitida a realização
de atividades
externas, a internação deverá cumprir-se
em entidade exclusiva para adolescentes (retirou-se a possibilidade anterior
de
sê-lo em, unidades penais), onde serão obrigatórias
atividades pedagógicas, obedecer-se-á a rigorosa separação
(com
fundamento em três critérios: idade, compleição
física e gravidade de infração) e se assegurarão
ao adolescente privado de
liberdade os direitos assegurados no art. 124." 8
Não é nosso objeto de análise aprofundar
a natureza e eficácia das medidas sócio-educativas, sob a
ótica legal mas, sim,
refletir sobre as sutilezas do atendimento ao adolescente
que cumpre medida sócio-educativa de internação, privado
de sua
liberdade.
Emílio Garcia chama atenção para se
promover a "desarticulação do caráter total da privação
de liberdade ratificando as
normas internacionais que estabelece uma ruptura radical
com a velha concepção "protecionista-segregacionista" que
propunha a criação de serviços especiais
e exclusivos para os privados de liberdade."9
Destaca-se, na complexidade da ação educativa
direcionada para os adolescentes privados de liberdade, os seus aspectos
objetivos e subjetivos. Aqui, levantamos a questão
da heterogeneidade dos grupos de adolescentes, recorrendo a
classificação de Mª de Lourdes F. Teixeira:
"adolescentes que fazem uso de drogas, adolescentes que cometem pequenos
delitos associados à sobrevivência e adolescentes
que cometem delitos graves."10
1 - Os adolescentes que fazem uso de drogas. É inadequado
se tratar uma questão de saúde como caso de polícia.
Mesmo quando, ao uso da droga soma-se a prática
de infrações temos que considerar o problema relacionando-o
a outros
fatores resultantes da patologia social, do abandono,
da ausência de cuidados especiais, da desorganização
pessoal e da
desesperança.
2 - Os adolescentes que cometem pequenos delitos associados
à sobrevivência, ou que estão no momento inicial da
trajetória de praticar furtos e infrações
leves. Estarmos atentos para perceber a sutileza do ato a partir do entendimento
da
problemática compreendendo que os delitos por este
grupo associado à sobrevivência evidenciam condições
de vida
precárias e extenuantes. Analisar sobre a ótica
da alteridade, da diversidade, das experiências de vida do adolescente.
Isto
nos coloca frente à intencionalidade compreensiva
das condições de aprendizagem do adolescente, suas peculiaridades
e
diferenças.
3 - Adolescentes que cometem delitos graves como latrocínio,
homicídio, estupro, dentre outros. Nestes casos é também
importante que não se percam de vista elementos
como a gravidade do delito, a reincidência, o contexto da história
de vida
do adolescente, as possibilidades de estabelecer condições
facilitadoras do processo educativo, evitando atitudes
paternalistas, piedosas e falseadoras da realidade. Não
olhar o delito pelo delito, como se fosse o fim em si mesmo,
porquanto, assim o fazendo, reproduzimos um viés
danoso, uma visão fragmentada, reducionista, perdendo de vista os
nexos, os motivos e a complexidade do problema.
A situação de adolescentes, autores de ato
infracional, em sua grande maioria, revela um quadro de pobreza,
desestruturação familiar, maus tratos, negligência,
prostituição, vivência de rua, uso de drogas, baixa
escolaridade,
fragilidade nos vínculos familiares.
São adolescentes que, de um modo geral, representam
uma ameaça para si mesmos e para a sociedade pela
agressividade acentuada, baixa auto-estima, reduzida tolerância
à frustação, dificuldades de estabelecer vínculos
afetivos e
de aceitar regras sociais.
Tais aspectos, dentre tantos outros, como a individualidade,
as histórias de vida, a condição de classe, a primariedade
do
delito, servem de trilhas para percorrermos um caminho
em que visualizamos os sinais de partida e conhecemos alguns de
seus atalhos. Para isso há uma caminhada a ser
feita e esta deverá ser realizada em conjunto, como bem cantou Vandré:
"caminhando e cantando a mesma canção" e
"quem sabe faz a hora não espera acontecer". O significado está,
portanto,
em compreendermos que os adolescentes podem e merecem
a chance de construir outra história de vida. Como
educadores precisamos "crer para ver", assim disse Antônio
Carlos Gomes da Costa 11, com sua singular visão
humanista.
As medidas sócio-educativas ao aplicar-se, englobam
orientações diversificadas. A semi-liberdade, a internação,
a
liberdade assistida, a prestação de serviços
à comunidade, merecem por parte dos responsáveis por sua
execução, o
crédito nas possibilidades que elas oferecem.
O processo de articulação interinstitucional
é imprescindível, bem como o envolvimento da comunidade.
Quando a família,
os moradores do bairro, a escola, a igreja, os grupos
de jovens e os movimentos comunitários se envolverem com as ações
junto aos jovens, poderemos chegar a resultados mais positivos.
As experiências que consagram parcerias fortalecem
o compromisso no processo de ajuda ao adolescente. As regras, os
acordos de convivência, as manifestações
culturais permitem que se recuperem os vínculos, elementos necessários
à
passagem para um novo começo.
II - Quem é esse Adolescente
Provado de Liberdade ?
Falar do adolescente privado de liberdade precede a uma
reflexão sobre sua família. Essa família é
comumente identificada
como desestruturada e desorganizada.
Essa caracterização que se lhe dá
reflete a força com que o modelo burguês de família
nuclear está presente no imaginário
social e se configura como o ponto de referência,
o padrão idealizado, perseguido, que permeia o desejo inconsciente
da
sociedade.
Essa família, advinda em sua esmagadora maioria,
das classes menos favorecidas vive a ausência de direitos de cidadania
em seus mais amplos aspectos: saúde, educação,
habitação, segurança, lazer. A participação-exclusão
no mercado de
trabalho a mantém no limiar da sobrevivência.
definindo as relações familiares e determinando sua dinâmica.
Quem é esse adolescente situado neste contexto familiar ?
A visão desse adolescente precede ainda a uma reflexão
sobre a sua infância. A criança, na maioria das vezes, não
é
objeto de desejo de seus pais. Já nesta condição
ingressa em seu mundo particular, privado de afetividade e experienciará
a partir de então uma outra gama de privações.
Será primordialmente privado do direito de ser criança.
Dentro de uma família já usurpada de seus
direitos vivendo a dura experiência da fome, da exclusão,
a criança sai para as
ruas. Criará novos vínculos, formará
novos comportamentos e crescerá em um convívio onde os limites
são mais amplos,
onde outro sistema de valores cria corpo e dimensão
próprios. Crescerá participando de todo o circuito da
institucionalização/liberdade e se tornará
o adolescente ora encarado como digno de pena, de apoio, ora encarado como
aquele que inspira medo, revolta e que requer punições.
Os fatores que se agregam e são facilitadores para
o ingresso na prática de atos infracionais de natureza grave e que
determinam a decisão judicial de privação
de liberdade são os mais complexos possíveis e dificilmente
poderão ser vistos
através de uma só ótica. Nesse sentido,
não se pode analisar o ato de infringir a lei como resultante unilateral
de uma
privação sócio-econômica sem
que se considerem outros fatores também determinantes das ações
humanas.
III - Elementos Basilares de uma
Proposta Pedagógica
·Pressupostos teóricos: são as teorias
sustentadoras das ações educativas. Que tipo de homem queremos
formar e para
que tipo de sociedade ?
·Experiências anteriores: valorização
da experiência adquirida sem perder de vista a necessidade de repensar
a prática e
reavaliar atitudes e convicções. Este é
o processo de reinvenção, da recriação de formas
alternativas de abordagem na
perspectiva do novo como resultado da experiência
redimensionada.
·Destinatários da proposta: quem são
os adolescentes ? Qual o retrato sócio-cultural deste destinatário
? Quais são
suas necessidades, interesses e expectativas ? Quais são
seus anseios e seus temores ?
·Executores da proposta: quem são os educadores
que irão executá-la ? Qual o perfil sócio-cultural
e profissional ?
Quais os projetos profissionais ? Quais são suas
crenças, valores e convicções ?
· Condições de trabalho: aspectos
físicos e materiais necessários. O que é preciso para
ampliar, reconstruir, modificar e
adquirir para atender as diretrizes do ECA ?
A Medida Sócio-Educativa da Internação
Art. 121- ECA. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Art. 122- ECA. A medida de internação
só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido durante
mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento
de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável
da medida anteriormente imposta.
A grande questão passa a ser a reflexão sobre
em que medida a promoção individual pode acontecer no espaço
fechado da
instituição, onde a medida punitiva permeia
o seu cotidiano. Será possível que a educação
possa ocorrer em busca da
liberdade interna quando a realidade é a privação
real da liberdade externa e sua segregação social ?
"A instituição afasta o adolescente de outros
não-infratores introduzindo-o num ambiente em que o modelo criminoso
é a
regra e não a exceção."12
O maior desafio seria o encontro e a articulação do objetivo, concreto, com a subjetividade pessoal.
O internato é uma passagem, sendo portanto relacionado
a um momento temporário que ocorre dentro de um espaço
limitado. A filosofia institucional deve conter, em sua
linha de ação, o compromisso de que este momento possa ser,
apesar de seu tempo de duração, uma oportunidade
para uma vivência positiva que favoreça o crescimento pessoal
e possa
acompanhar o jovem, após seu desligamento, contribuindo
para reestruturação de seus vínculos e relações
com o mundo
exterior.
"De fato, o adolescente institucionalizado, ao se deparar
novamente com a sociedade tem dificuldade em compreender as
regras sociais vigentes, sentindo-se excluído e
incapaz de realizar qualquer espécie de função."13
Comemoram-se seis anos do ECA e se convive com um novo
conceito referente à privação de liberdade. O adolescente
infrator retratado no Código de Menores sofria
a punição legal, sendo internado e excepcionalmente alojado
em
estabelecimento penal para que o Estado pudesse cumprir
sua função de conservar a ordem social. Castigado, o jovem
deveria aprender a não mais delinqüir. Muito
mais importante que a punição em si era a intenção
de que ela tivesse efeitos
decisivos sobre o jovem a fim de que não mais reincidisse,
o que garantiria a manutenção da ordem.
O crescente aumento da pobreza enfraqueceu o poder provedor
do Estado trazendo como conseqüência uma necessidade
cada vez maior de controlar a criminalidade. A falência
do Estado em sua função de resguardar as políticas
sociais básicas
causa sérios entraves no desenvolvimento pessoal
dos indivíduos e propicia uma situação de violência
onde estão inscritos
os adolescentes que tem prejudicada sua condição
de participação social.
A criminalização da pobreza favorece
a percepção de que o jovem pobre está potencialmente
ligado ao crime. Colocado na condição de periculoso provoca
a demanda da sociedade para que as medidas de segurança/coerção
sejam adotadas com
eficiência.
O entendimento do menor infrator presente no Código
de Menores aponta para uma visão unilateral da infração,
cometida
em detrimento de uma visão integral do adolescente,
com características próprias, inscrito em uma classe social.
Assim,
focaliza-se o estigma e se perde a identidade pessoal.
O ECA interrompe este discurso-prática e apresenta
como fundamento legal a visão do adolescente como sujeito de
direitos e em fase de desenvolvimento procura fazer a
permuta entre castigo e pena por reeducação e medidas de
segurança.
O internato é uma medida extrema para a privação
de liberdade mas não significa que deva conter a privação
dos direitos
de cidadania. Deve ser um espaço de formação,
um local da prática da ação solidária.
A internação não deve perder de vista
a perspectiva da promoção humana e social do adolescente
que comete um delito e
deverá realizar experiências que integrem
novas perspectivas. Em sua dimensão subjetiva o internato deverá
ser um
ambiente acolhedor.
O processo reeducativo, embora contendo uma dimensão
socializadora, também deverá privilegiar uma ação
individualizada,
o que contribuirá para o desenvolvimento integrativo
do adolescente.
O trabalho institucional que acontece em âmbito interno,
fechado, deverá fazer intermediações com as famílias,
convocando
sua participação ativa no processo de reinserção
social. Evidenciamos muitas vezes que este grupo de pertencimento não
é
o local ideal para o retorno do jovem, pois ele próprio
já vive as consequências da desorganização social,
não sendo mais
sua família uma referência positiva.
O que fazer para viabilizar estas propostas ?
As elites deste país, governo, sociedade devem enfrentar
a questão de forma radical assumindo o compromisso com o
resgate da cidadania dos jovens. Na verdade, não
é fácil desenvolver atitudes criativas, perseverantes, generosas,
inteligentes, solidárias, quando se perdem de vista
os elos de humanidade e a crença no ser humano.
Na nossa compreensão de educadora que aprende diariamente
a viver e lutar para não fatalizar a vida nem os erros,
apontamos algumas da dimensões que acreditamos
devam estar presentes nas propostas pedagógicas para adolescentes
privados de liberdade. Inspiramo-nos naqueles educadores
que construíram um pensamento pedagógico baseado no
diálogo, na tarefa amorosa de educar, na crença
no amanhã, na confiança no fazer coletivo, na arte de sonhar,
construindo
pontes de humanidade, juntando as peças do quebra
cabeça que a vida nos apresenta. Citamos Paulo Freire.
"Eu agora diria a nós, como educadores e educadoras,
ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com sua
capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar
e anunciar. Ai daqueles que , em lugar de visitar de vez em
quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento
com o hoje, com o aqui e o agora, ai daqueles que em lugar desta
viagem constante do amanhã, se atrelam, a um passado
de exploração e rotina. " 14
As instituições, de uma maneira geral, ainda
não construíram propostas pedagógicas compatíveis
com os princípios do
ECA e com as necessidades dos jovens.
Retirado de: http://www.abmp.org.br