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POR FAVOR NÃO JOGUEM NOSSOS MENINOS NO LIXO !
André Viana Custódio
Josiane Rose Petry Veronese

Temos acompanhado, pela imprensa, a divulgação freqüente de determinados projetos que empregam adolescentes carentes na separação e reciclagem de lixo, principalmente, papel, plástico e vidros.
Nosso questionamento inicial com relação a tais iniciativas seria no que tange a sua legalidade. Isso porque a Constituição proíbe expressamente o trabalho perigoso e insalubre a qualquer adolescente menor de 18 anos, dado o prejuízo ao desenvolvimento físico daqueles que serão os futuros trabalhadores. O Ministério do Trabalho determina que o empregador deve ter laudo técnico apontando a periculosidade e insalubridade. Entretanto, no trabalho junto aos detritos entendemos que estas são presumidas. Vale lembrar, também, que a utilização de equipamento de proteção individual não descaracteriza a insalubridade, e sequer a periculosidade. Devemos salientar que tais projetos tocam numa outra questão de igual importância: a preservação da auto-estima.
Se o adolescente é, como define a Lei 8.069/90, pessoa em processo de desenvolvimento, devem ser, portanto, respeitados alguns valores intrínsecos desse cidadão como sua auto-imagem e sua auto-estima. Que conceito terá de si mesmo o adolescente que no seu primeiro exercício labora foi colocado em contato com o lixo?
Entendemos que, em função de seu processo especial de desenvolvimento, o adolescente deve ter seu tempo e espaço preenchidos com atividades ligadas ao lazer, como também e, sobretudo, com ensino, cultura e esporte, ou seja, em atividades que ensejam em benefício de sua formação moral, intelectual e física. Questionamos aqui se algum pai ou mãe gostaria que seu filho adolescente trabalhasse na separação do lixo, pelo simples fato de pôr um fim a sua ociosidade.
O que encontramos nas ruas, na verdade, é a chamada “ponta do iceberg”, isto é, a exposição pública e irreversível do processo histórico de exclusão social que se encontra nosso país: meninos carentes que estão na rua servem como elemento simbólico para que a sociedade lembre do crescente empobrecimento de sua população.
O equívoco neste caso é pensar que o problema social será solucionado apenas atacando seus resultados. Se o adolescente está na rua e em condições de marginalidade, é porque, com relação a esse indivíduo falharam: a família, a sociedade e todas as políticas básicas do Estado. A implementação de um projeto que vise empregar os adolescentes carentes na separação do lixo, é na verdade, uma ação compensatória, que ataca apenas as conseqüências e, que em momento algum, conseguirá reverter a situação de pobreza e marginalidade que enfrentam estes meninos e suas famílias. Se é louvada por alguns, a necessidade de políticas ou ações compensatórias, significa que as políticas públicas do Estado estão falhando, o que equivale a dizer que, este não está cumprindo suas obrigações perante seus cidadãos. O que precisamos é o fortalecimento das políticas públicas básicas que ataquem a origem do problema e não seus resultados.
A utilização do trabalho infanto-juvenil agrava, ainda mais, o problema do desemprego e da exclusão social, reproduzindo a situação de miséria em que vivem. Eticamente deve-se falar em trabalho de adolescentes, apenas quando o emprego de seus pais estiverem garantidos. Assim, o adolescente exercerá a faculdade, que lhe é típica, de trabalhar ou não. Se o trabalho for importante para a sua formação deve desenvolvê-lo, caso contrário, deverá educar-se e qualificar-se para ser um futuro trabalhador do sistema produtivo.
Preocupa-nos, também, o desempenho escolar desses adolescentes. Já que trabalhando em um período, estando na escola em outro, quando é que terá tempo e disposição para fazer seus estudos e tarefas escolares ? O trabalho, desse modo, pode ser um estímulo para futura evasão escolar. A Confederação Nacional da Indústria tem dados que indicam que a grande maioria dos trabalhadores no Brasil não têm sequer a terceira série primária, o que vem acarretar prejuízos à produção industrial.
Não se justifica, ainda, colocar os meninos para trabalharem no lixo sob o argumento que estão aprendendo uma nova profissão, por dois motivos: nenhum adolescente tem como expectativa trabalhar junto ao lixo em sua fase adulta e, depois, o avanço tecnológico e a transformação dos processos industriais têm se modificado de forma tão rápida que os conhecimento adquiridos hoje, certamente terão pouca ou nenhuma utilidade para o desenvolvimento de trabalho no futuro, quando estes jovens estiverem na fase adulta.
O adolescente de hoje é o trabalhador de amanhã. Se não pensarmos imediatamente num sistema educacional condizente com a realidade, ficaremos para sempre gastando dinheiro e, muito dinheiro, em cursos de capacitação, qualificação profissional, em projetos filantrópicos e assistencialistas, que tentam recuperar a cidadania da população carente ratificando apenas a sua situação de exclusão, resultado, também, de uma educação inadequada e de um sistema econômico injusto.
Entendemos que deveriam ser desenvolvidas outros tipos de iniciativas, ao invés da separação do lixo, que é uma atividade rotineira e inadequada ao adolescente, poder- se-ia utilizar uma idéia que já vem sendo desenvolvida em Florianópolis/SC: organizar oficinas de reciclagem através do artesanato. Estas seriam muito mais produtivas ao adolescente e atenderiam a necessidade pedagógica do trabalho com condições de proporcionar a geração de renda através da comercialização dos produtos confeccionados em regime de cooperativa. Não teríamos dessa forma a exploração da mão-de-obra juvenil e, certamente, não estaríamos jogando nossos meninos no lixo.

 Retirado de: http://www.ccj.ufsc.br/~a9612212/crianca/bigacu1.txt