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Temos acompanhado, pela imprensa,
a divulgação freqüente de determinados projetos que
empregam adolescentes carentes na separação e reciclagem
de lixo, principalmente, papel, plástico e vidros.
Nosso questionamento inicial com
relação a tais iniciativas seria no que tange a sua legalidade.
Isso porque a Constituição proíbe expressamente o
trabalho perigoso e insalubre a qualquer adolescente menor de 18 anos,
dado o prejuízo ao desenvolvimento físico daqueles que serão
os futuros trabalhadores. O Ministério do Trabalho determina que
o empregador deve ter laudo técnico apontando a periculosidade e
insalubridade. Entretanto, no trabalho junto aos detritos entendemos que
estas são presumidas. Vale lembrar, também, que a utilização
de equipamento de proteção individual não descaracteriza
a insalubridade, e sequer a periculosidade. Devemos salientar que tais
projetos tocam numa outra questão de igual importância: a
preservação da auto-estima.
Se o adolescente é, como
define a Lei 8.069/90, pessoa em processo de desenvolvimento, devem ser,
portanto, respeitados alguns valores intrínsecos desse cidadão
como sua auto-imagem e sua auto-estima. Que conceito terá de si
mesmo o adolescente que no seu primeiro exercício labora foi colocado
em contato com o lixo?
Entendemos que, em função
de seu processo especial de desenvolvimento, o adolescente deve ter seu
tempo e espaço preenchidos com atividades ligadas ao lazer, como
também e, sobretudo, com ensino, cultura e esporte, ou seja, em
atividades que ensejam em benefício de sua formação
moral, intelectual e física. Questionamos aqui se algum pai ou mãe
gostaria que seu filho adolescente trabalhasse na separação
do lixo, pelo simples fato de pôr um fim a sua ociosidade.
O que encontramos nas ruas, na verdade,
é a chamada “ponta do iceberg”, isto é, a exposição
pública e irreversível do processo histórico de exclusão
social que se encontra nosso país: meninos carentes que estão
na rua servem como elemento simbólico para que a sociedade lembre
do crescente empobrecimento de sua população.
O equívoco neste caso é
pensar que o problema social será solucionado apenas atacando seus
resultados. Se o adolescente está na rua e em condições
de marginalidade, é porque, com relação a esse indivíduo
falharam: a família, a sociedade e todas as políticas básicas
do Estado. A implementação de um projeto que vise empregar
os adolescentes carentes na separação do lixo, é na
verdade, uma ação compensatória, que ataca apenas
as conseqüências e, que em momento algum, conseguirá
reverter a situação de pobreza e marginalidade que enfrentam
estes meninos e suas famílias. Se é louvada por alguns, a
necessidade de políticas ou ações compensatórias,
significa que as políticas públicas do Estado estão
falhando, o que equivale a dizer que, este não está cumprindo
suas obrigações perante seus cidadãos. O que precisamos
é o fortalecimento das políticas públicas básicas
que ataquem a origem do problema e não seus resultados.
A utilização do trabalho
infanto-juvenil agrava, ainda mais, o problema do desemprego e da exclusão
social, reproduzindo a situação de miséria em que
vivem. Eticamente deve-se falar em trabalho de adolescentes, apenas quando
o emprego de seus pais estiverem garantidos. Assim, o adolescente exercerá
a faculdade, que lhe é típica, de trabalhar ou não.
Se o trabalho for importante para a sua formação deve desenvolvê-lo,
caso contrário, deverá educar-se e qualificar-se para ser
um futuro trabalhador do sistema produtivo.
Preocupa-nos, também, o desempenho
escolar desses adolescentes. Já que trabalhando em um período,
estando na escola em outro, quando é que terá tempo e disposição
para fazer seus estudos e tarefas escolares ? O trabalho, desse modo, pode
ser um estímulo para futura evasão escolar. A Confederação
Nacional da Indústria tem dados que indicam que a grande maioria
dos trabalhadores no Brasil não têm sequer a terceira série
primária, o que vem acarretar prejuízos à produção
industrial.
Não se justifica, ainda,
colocar os meninos para trabalharem no lixo sob o argumento que estão
aprendendo uma nova profissão, por dois motivos: nenhum adolescente
tem como expectativa trabalhar junto ao lixo em sua fase adulta e, depois,
o avanço tecnológico e a transformação dos
processos industriais têm se modificado de forma tão rápida
que os conhecimento adquiridos hoje, certamente terão pouca ou nenhuma
utilidade para o desenvolvimento de trabalho no futuro, quando estes jovens
estiverem na fase adulta.
O adolescente de hoje é o
trabalhador de amanhã. Se não pensarmos imediatamente num
sistema educacional condizente com a realidade, ficaremos para sempre gastando
dinheiro e, muito dinheiro, em cursos de capacitação, qualificação
profissional, em projetos filantrópicos e assistencialistas, que
tentam recuperar a cidadania da população carente ratificando
apenas a sua situação de exclusão, resultado, também,
de uma educação inadequada e de um sistema econômico
injusto.
Entendemos que deveriam ser desenvolvidas
outros tipos de iniciativas, ao invés da separação
do lixo, que é uma atividade rotineira e inadequada ao adolescente,
poder- se-ia utilizar uma idéia que já vem sendo desenvolvida
em Florianópolis/SC: organizar oficinas de reciclagem através
do artesanato. Estas seriam muito mais produtivas ao adolescente e atenderiam
a necessidade pedagógica do trabalho com condições
de proporcionar a geração de renda através da comercialização
dos produtos confeccionados em regime de cooperativa. Não teríamos
dessa forma a exploração da mão-de-obra juvenil e,
certamente, não estaríamos jogando nossos meninos no lixo.
Retirado de: http://www.ccj.ufsc.br/~a9612212/crianca/bigacu1.txt