ADOÇÃO - UMA INTRODUÇÃO AO SEU ESTUDO HISTÓRICO
Emmanuel Pedro S. G. Ribeiro - Graduado em Direito e mestrando em sociologia pelaUFPB
A adoção
como parentesco fictício originou-se na Antiguidade, forçosamente
criada
para atender
imperativos de natureza religiosa.
No direito primitivo
encontra-se o instituto da adoção disciplinado entre os
Babilonenses,
Hebreus, Gregos e Romanos, segundo as fontes históricas. Assegura
o
historiador
francês Fustel de Coulanges que o instituto jurídico da adoção
deriva da
religião,
pois esta é a causa principal de união dos membros da família
antiga. Não foi o
nascimento,
o sentimento ou a força física que uniu os membros da família
antiga, foi
algo mais poderoso.
Encontra-se esse poder na religião do lar dos antepassados.
Assim, a família
antiga é menos associação natural do que associação
religiosa. Desta
forma, o dever
de perpetuar o culto doméstico foi o princípio do direito
de adoção entre
os antigos(cf.
Fustel de Coulanges, 1987: 44/56).
Percebemos que
no direito antigo a adoção exercia uma função
religiosa, pois era o
último
recurso encontrado para que uma família sem filhos não sofresse
a desgraça da
extinção
e desse continuidade ao culto doméstico. O que dissemos fica muito
claro e
se conforma
perfeitamente com o que dizem as leis de Manu, IX, 10: "Aquele a quem a
natureza não
der filhos pode adotar um, para que não cessem as cerimônias
fúnebres"(Fustel
de Coulanges, 1987:56).
Assim sendo,
os fatores de natureza religiosa impuseram e justificaram a criação
da
adoção
no direito antigo. Tinha sua razão de ser na necessidade de salvação
do lar pela
prevenção
da extinção de um culto, só se permitindo a quem não
tinha filhos.
Na Idade Média
a adoção caiu em desuso. Com o advento do Cristianismo erigiu-se
uma nova base
religiosa que veio em substituição à antiga que dava
sustento ao
instituto. Com
o sacramento do matrimônio a igreja só reconhecia a família
e os filhos
que fossem provenientes
do casamento. Desta forma, a Igreja passou a combater o
instituto da
adoção, não disciplinando-o o direito Canônico,
pois os sacerdotes só
vislumbravam
críticas e desvantagens em relação à adoção.
Viam no instituto uma
maneira de suprir
o casamento e a constituição da família legítima,
como também a
possibilidade
de fraudar as normas que proibiam o reconhecimento de filhos
adulterinos
e incestuosos. Assim, a adoção era tida como um concorrente,
um rival do
matrimônio.
Enfim, pouco foi o seu uso durante este período.
A Idade Moderna
marca o início de uma mudança na forma de pensar. Durante
a Idade
Média
o pensamento predominante era o Teocentrismo, centrado na figura de Deus.
Vários
fatores contribuíram para essa mudança e que caracterizam
a época Moderna:
na economia
o surgimento do sistema capitalista, na sociedade a importância
crescente da
burguesia, na política o surgimento do Estado Nacional, na cultura
o
Renascimento,
na Religião a Reforma Protestante.
O pensamento
moderno põe o homem no centro dos interesses e das decisões.
A
secularização
do saber, da moral, da política e do direito é fomentada
pela capacidade
de livre investigação,
levando o homem moderno a opor à fé e à revelação,
o poder da
razão
de entender, diferenciar e comparar. Assim, em mudando a forma de pensar
ressurge o instituto
da adoção em três legislações, como nos
informa Valdir Sznick, a
saber: em 1683
no Código Dinamarquês, em 1751 no Código Prussiano
e em 1756 no
Codex Maximilianus
da Bavária (cf. Valdir Sznick, 1993: 23 ).
A partir do Código
Napoleônico de 1804 a adoção recebe novos contornos,
Napoleão
sabendo que
a Imperatriz Josefina era estéril resolveu incluir o instituto no
Código
Civil, com a
finalidade de adotar seu sobrinho Eugene de Branharnais e deixá-lo
como
herdeiro do
trono. Desta forma os fatores que levaram ao surgimento da adoção
foram
de natureza
política (acima citado) e privada, pois tinha também a função
de perpetuar
a tradição
patronímica.
As dificuldades
foram encontradas em todas as legislações da época.
Entretanto, só a
partir de 1940
iniciaram-se as alterações nas legislações,
impostas pelos fatos sociais,
objetivando
dar um cunho social ao instituto, procurando tornar menos rigorosas as
condições
oferecidas para a prática legal da adoção.
No direito brasileiro
anterior a 1916, mais precisamente nos períodos das Ordenações
Afonsinas, Manuelinas
e Filipinas o instituto da adoção não era sistematizado,
havendo
apenas referências
à adoção em alguns passos de onde resultaram divergências
e
confusões.
Apenas com a
promulgação do Código Civil, Lei nº 3.071 de
1916, o instituto da adoção
conheceu sistematização.
Sua inclusão no Código Civil aconteceu com algumas
restrições,
pois muitos eram os seus críticos. Nos revela o Professor Washington
de
Barros Monteiro
que o instituto da adoção é objeto das mais contraditórias
apreciações,
pois de um lado
situam-se seus defensores e de outro os críticos ferrenhos.
Alguns críticos
como Lafayette Rodrigues Pereira, Coelho da Rocha, José Monjardim,
Duarte Azevedo
entre outros, consideram o instituto anacrônico e inútil,
favoreceria o
celibato, facilitaria
a fraude fiscal em matéria de direito de suscessão, conforme
nos
ensina o Professor
Antônio Chaves (cf. Antônio Chaves, 1995:25 ).
Mostrando a postura
dos críticos diz Washington de Barros que "através da adoção,
podem ser introduzidas,
na comunidade familiar, os filhos incestuosos e adulterinos,
burlando-se
a proibição legal de seu reconhecimento e imputando-se assim
situação
incompatível
com a existência da família legítima. É ainda
causa de muitas ingratidões e
arrependimentos".
Por fim, arremata, "cuida-se de instituto supérfluo, porque dele
não
carece o adotante,
em absoluto, para colher e amparar filhos de outrem, ou para
proteger criaturas
desvalidas e abandonadas" (Washington de Barros, 1970: 268).
Constatamos nesta
passagem o apego excessivo dos juristas à lei, deixando suplantar
o aspecto puramente
jurídico ao aspecto social. Podemos constatar neste trecho o
distanciamento
da realidade proporcionado por um pensamento lógico-formalista
abstrato que
domina o pensamento jurídico moderno.
Apesar das críticas,
o instituto da adoção foi disciplinado no Código Civil
nos artigos
368 a 378. Após
a leitura da lei verificamos o caráter eminentemente privado que
permeia o instituto.
Era destinado a pessoas com mais de 50 anos, exigia uma
diferença
de idade entre adotante/adotado de 18 anos, bem como a inexistência
de
prole dos adotantes.
Contava ainda com a discriminação no que diz respeito ao
direito
suscessório,
pois se ficasse provado que o filho estava concebido no momento da
adoção,
o adotado nada herdaria. Assim sendo, os fatores que nortearam a adoção
eram de ordem
privada pois o intuito era dar um filho a uma família para suprir
uma
deficiência
que a natureza criara.
Desde a vigência
do Código Civil em 1º de janeiro de 1917, o instituto da adoção
foi
alterado por
quatro vezes.
A primeira alteração
ocorreu com a Lei nº 3.133/57, no intuito de atualizar o instituto.
Alterou cinco
artigos de Código Civil buscando dar-lhe mais elasticidade, pois
a partir
daí podia-se
adotar aos 30 anos, desde que a diferença de idade entre
adotante/adotando
fosse de 16 anos. Impõe, por outro lado aos casais um prazo de
cinco anos após
o casamento para adotar. Bem como, incluiu um dispositivo afirmando
que se o adotante
tivesse filhos, a relação de adoção não
envolvia a de sucessão
hereditária.
Constata-se expressamente um dispositivo que discrimina o filho adotivo,
nos levando
a entender que em matéria de sucessão o filho adotivo não
era filho.
A partir da década
de 50 os próprios fatos sociais encarregaram-se de impor
modificações
nas leis que regulamentavam o instituto da adoção.
Duas guerras
mundiais em menos de cinqüenta anos contribuíram para uma mudança
de mentalidade,
sobretudo nos países europeus, que mais sofreram com seus efeitos.
As mudanças
ocasionadas pelas guerras modificaram as condições geográficas,
demográficas,
econômicas, sociais, políticas e jurídicas de muitos
países que tiveram
suas estruturas
carcomidas. A situação do pós-guerra era de uma grande
quantidade
de órfãos
e menores abandonados espalhados pelo mundo, que precisavam de uma
família,
de um novo lar.
Por outro lado,
países como o Brasil, sofriam com a situação de dependência
econômica
e política em relação a países que dominavam
o conflito a nível mundial e
com as fortes
desigualdades sociais encontradas internamente. Um intenso êxodo
rural provocando
desequilíbrio entre o campo e a cidade, levou a uma hipertrofia
das
cidades, gerando
novos fenômenos como: favelização, aumento da prostituição,
aumento da criminalidade,
um número crescente de menores nas ruas, com o
envolvimento
destes com a prostituição e a criminalidade, problemas estes
próprios e
oriundos do
desenvolvimento das sociedades no âmbito capitalista. Assim sendo,
houve a necessidade
de se repensar o instituto da adoção, como colocação
de criança
em lar substituto.
Buscou-se uma redefinição do instituto, uma modificação
em sua
essência,
retirando-lhe o caráter privatístico e dando-lhe natureza
publicística. Desta
forma, o instituto
assume contornos eminentemente sociais, com finalidades
assistenciais,
humanitárias e filantrópicas. A partir daí, sua função
não é mais a de dar
um filho a uma
família para suprir uma deficiência natural, mas antes assume
um papel
mais relevante
no direito moderno, o de dar uma família a uma criança abandonada.
Daí em
diante, surgiram em nosso cenário jurídico as Leis de nº4.655/65
sobre
legitimidade
adotiva, 6.697/79 Código de Menores, culminando com a 8.069/90 Estatuto
da Criança
e do Adolescente.
Verificamos que
os fatores de ordem social foram as fontes inspiradoras do legislador
brasileiro.
A reflexão sobre a realidade brasileira fez com que o legislador
oferecesse
novas alternativas
para a prática legal da adoção, com a finalidade de
ampliar sua
incidência,
no combate ao problema crônico do chamado "menor abandonado".
Desta maneira,
abre as portas da adoção não só a casais estéreis,
mas também a
casais com filhos,
a solteiros, a viúvas, a divorciados, a separados judicialmente,
aos
que vivam em
regime de concubinato, porque no direito contemporâneo, a razão
de
ser da adoção
não é mais a esterilidade,a falta de companhia e nem a carência
de afeto
sentida pelos
adotantes, mas a busca de solução para o problema da
infanto-adolescência
abandonada.
Percebemos que
o legislador pátrio buscou redefinir o papel da adoção
em nossa
sociedade, dando-lhe
caráter filantrópico e humanitário. Constatamos isso
através de
estudo histórico
da adoção no Brasil, do Código Civil (1916) ao Estatuto
da Criança e do
Adolescente
(1990).
Conforme salienta
o jurista Jason Albergaria é com o objetivo ampliar a adoção
para
enfrenta o desafio
da "infância abandonada", que o legislador desce de 30 para 21 anos
o requisito
de idade do adotante, sobe de 07 para 18 anos o requisito de idade máxima
do adotando,
permitindo ainda que não apenas as crianças que se encontrem
em
situação
irregular possam ser adotadas, mas qualquer criança, independentemente
de
sua situação
jurídica (cf. Albergaria, 20: 1990).
Desta maneira,
dando continuidade ao raciocínio acima exposto, mostramos que o
legislador,
com o objetivo de ampliar a adoção para enfrentar o desafio
da infância e
adolescência
abandonada, permitiu que não apenas os casais, os viúvos
e os
separados judicialmente,
cumpridas as observações legais (Código de Menores
arts.
32,33 e 34)
pudessem adotar, como também os solteiros, os concubinos e os
divorciados,
conforme dispõe o art. 42 e parágrafos do ECA.
Verificamos conforme
o exposto, que o legislador pátrio, buscou ampliar o universo de
adotantes e
adotandos, com a finalidade de aumentar o número de adoções
legais e
retirar do abandono
um número cada vez maior de crianças e de adolescentes.
Reforçando
nossa compreensão, arrematamos com a lição de Valério
Bronzeado,
dizendo que
"adoção apresenta-se como lenitivo e alívio para consequências
dramáticas
da conjuntura
atual. Urge, pois, incentivá-la, simplificá-la, desburocratizá-la,
de acordo
com o fim social-teleológico
a que se destina"(Bronzeado, 15:1991).
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Retirado de: http://www.datavenia.inf.br/frame-artig.html