O legislador menorista, na elaboração do Estatuto da Criança
e do Adolescente, erigiu à condição de infrações
administrativas as condutas descritas nos artigos 245 a 258, do referido
diploma legal especial, cominando, relativamente à sua infringência,
multa administrativa, diferenciada da multa fiscal e da multa criminal.
Tem-se, pois, que o agente uma vez incorrendo na prática de conduta
considerada infração administrativa, ficará sujeito
à condenação ao pagamento de uma multa na modalidade
de pena pecuniária. A doutrina leciona que tal multa, por advir
do Direito Administrativo, é de cunho objetivo, independendo de
dolo ou culpa do agente.
II - DO PROCEDIMENTO LEGAL
O diploma menorista contemplou o procedimento para apuração
das infrações administrativas nos artigos 194 a 197, da Lei
n° 8.069/90. Legitimados foram, ad causam, o Ministério
Público, o Conselho Tutelar ou qualquer serventuário efetivo
ou voluntário credenciado pelo respectivo Juízo da Infância
e Juventude, ex vi do art. 194, caput, do ECA.
Para a movimentação do Poder Judiciário, in
casu, os legitimados deverão interpor a denominada representação,
ou instá-lo via do auto de infração lavrado por quem
de Direito (art. 194, §§1° e 2°, ECA).
III - IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO - INADMISSIBILIDADE
A discussão a que se propõe este singelo artigo é
acerca da representação por advogado do Conselho Tutelar
ou de serventuário efetivo ou do voluntário credenciado para
formular, em Juízo, a representação e atuar, no feito,
na qualidade de parte. Superficialmente, poder-se-ia vislumbrar que o legislador
teria erigido o procedimento para imposição de multa administrativa,
pela prática de infração administrativa, quando iniciado
por auto de infração, em verdadeiro contencioso administrativo,
pelo fato de ter admitido que o autuado fosse intimado pelo Conselheiro
ou outro serventuário para em dez dias efetuar sua defesa (art.
195, I, ECA).
A permissão dada ao Conselheiro ou congênere dá
a impressão de que o autuado poderia fazer sua defesa perante o
próprio Conselho Tutelar, o que é uma falácia, pois
àquele Órgão não compete analisar tais defesas,
não estando, entre suas atribuições, conhecer e julgar
peça defensiva. Por outro turno, tem-se que, afastada a hipótese
do contencioso administrativo, a leitura da legislação indica
que o legitimado - Conselho Tutelar/serventuário - poderia representar
perante a autoridade judiciária para a instauração
do procedimento contra o autuado, contando-se o prazo de defesa do mesmo
da data de intimação constante do auto de infração,
caso tenha havido tal intimação.
Entretanto, indagar-se-á se o Conselho Tutelar, mesmo
via de seu Presidente, poderia representar, em Juízo, sem advogado
habilitado e, posteriormente, na qualidade de autor, manifestar-se nos
autos, na conformidade da legislação processual civil aplicada
à espécie por determinação do art. 152, do
ECA.
Analisando-se os princípios norteadores do estatuto menorista,
tendo-se em vista a busca incessante de fórmulas descomplicadas
para o resguardo dos interesses e direitos das crianças e adolescentes,
tem-se que o legislador, ao que tudo indica, preferiu optar pela possibilidade
do Conselho Tutelar atuar, perante a autoridade judiciária, de forma
direta, podendo representar no caso em comento, para que o fato, administrativamente
ilícito, fosse logo apurado e, comprovadas as responsabilidades,
os culpados sofressem as sanções da lei. Evitar-se-ia, com
tal possibilidade, o descrédito do Judiciário e do próprio
Conselho Tutelar, bem como o crescimento da impunidade tão odiosa
em nossa sociedade.
Desse modo, permitiu-se ao Conselho Tutelar, bem como ao serventuário
efetivo ou voluntários credenciados, pelo Juízo da I.J.,
que representassem perante o Juízo competente para o fim colimado
em lei, não fazendo, a legislação, menção
à obrigatoriedade de tal representação ser firmada
por advogado habilitado. Tal questão, em nossas lides forenses,
é relevante, tendo em vista que a maior parte dos Conselhos Tutelares
não têm plenas condições de funcionamento, quanto
mais contar com profissional habilitado para tal mister. O próprio
legislador, no que se refere ao agente da infração administrativa,
exige que qualquer pessoa que tenha interesse na solução
da lide relacionada com questão afeta à criança e
adolescente, poderá intervir no procedimento, através de
advogado, ex vi do art. 206, do ECA.
A própria doutrina, ao analisar a defesa do agente da
infração, no procedimento em comento, afirma que sobre a
"...formalização da peça de defesa, é
importante deixar assentado que a mesma deverá ser necessariamente
subscrita por advogado, como determinado pelo art. 206 da Lei 8.069/90..."(1).
De qualquer sorte, tal questão parece ser esclarecida,
com cristalina face, pela imposição constitucional presente
no art. 133, da Carta Magna pátria e na legislação
pertinente infra-constitucional. Tem-se, então, que o próprio
legislador menorista, talvez atento para a impossibilidade da manifestação
daqueles legitimados, sem assistência de advogado, os excluiu de
manifestação, na qualidade de parte, na audiência de
instrução e julgamento respectiva.
A legislação prevê que, uma vez colhida
a prova oral, manifestar-se-ão, sucessivamente, o Parquet
e o procurador do Requerido (art. 197, parágrafo único, Lei
8.069/90), não se fazendo menção aos demais legitimados,
caso fossem os autores da representação prefalada. O próprio
Estatuto menorista determina a aplicação aos procedimentos
regulados pelo mesmo, subsidiariamente, das normas gerais previstas na
legislação processual pertinente.
A falta de representação, através de advogado
habilitado, constitui-se em ausência de um pressuposto processual
fatal, o da representação da parte, impossibilitando que
o legitimado resida em Juízo, acarretando, inclusive, a extinção
do feito, sem julgamento do mérito, ex vi do art.
269, inciso IV, do diploma processual civil.
IV - REPRESENTAÇÃO NA MODALIDADE DE COMUNICAÇÃO ÀS AUTORIDADES COMPETENTES - ATENUAÇÃO DO FORMALISMO LEGAL
Parece-nos, contudo, que uma vez que o Conselho Tutelar ou o serventuário
ou voluntário [p.ex. comissário de menores], represente à
autoridade judiciária competente, sem estar representado por advogado
habilitado, o Juiz deverá receber tal peça como comunicação
do fato infracional e, ex officio, determinar a instauração
do procedimento, o qual será regulado pelo rito preconizado
no estatuto menorista, não sendo possível àqueles
legitimados se manifestarem nos autos, a não ser na condição
de informantes do Juízo, na colheita de prova, sob pena de nulidade
dos atos praticados. A presente assertiva, alvo certamente de inúmeras
críticas, poderá levar, numa análise superficial,
à indagação de que se aqueles legitimados, não
podem atuar diretamente no feito como parte, também não poderiam,
inclusive, ofertar a representação em comento, por falta
de representação.
Concessa maxima venia, dos discordantes, vislumbra-se
que tal raciocínio, à luz da legislação processual
civil, estaria completamente acertado. Ocorre, como dito linhas antes,
o legislador menorista, tendo em vista a relevância dos interesses
e direitos tutelados, optou por uma atenuação do formalismo
processual, inclusive permitindo ao Juiz (art. 153, ECA), não havendo
procedimento previsto no ECA correspondente à medida judicial a
ser adotada, o poder de investigar os fatos e tomar as providências
necessárias, ex officio, pelo que os doutos ensinam
que isto "...bem revela que o Estatuto perfilhou a tendência
doutrinária que procura conferir ao juiz, cada vez mais, um papel
mais ativo no processo..."(2).
Tal questão, contudo, é de alta indagação
e, certamente, merecedora de profundas análises, sendo que o presente
artigo não tem pretensão de esgotá-la.
V - CONCLUSÃO
Consoante análise prática do dia-a-dia forense, estando
o membro do Ministério Público, na maior parte das vezes,
envolvido com Conselhos Tutelares - isto nas Comarcas que realmente existem
tais órgãos em funcionamento - sem nenhuma estrutura e, muito
menos, com assistência de advogado habilitado, o bom senso indica
que deve haver orientação aos membros daquele e, inclusive
para Comissários da Infância e Juventude, no sentido de que
procedam as autuações na forma da lei, reformulando-se os
autos de infração, com fórmulas já expressas,
retirando destes a certidão de intimação do infrator
para que, em dez dias, apresente ou não sua defesa. Retira-se,
tal certidão, a fim de que não haja necessidade plena do
Conselho fazer a respectiva representação perante a autoridade
judiciária e, também, para que não haja confusão
quanto ao prazo de defesa e, em Juízo, sejam apresentadas eventuais
alegações de nulidade de tal intimação.
Uma vez feita a autuação, por quem de direito,
sem haver a intimação prefalada, o Conselheiro ou servidor/voluntário
deve, imediatamente, remeter a primeira via do mesmo, com relato resumido,
via ofício, à respectiva Promotoria de Justiça (art.
136, IV, ECA) para que o Promotor de Justiça proceda na forma dos
arts. 194 e ss., do ECA., evitando-se toda a discussão sobre a representação
daquele legitimado, buscando-se, pois, a apuração cabal dos
fatos e, uma vez comprovados, obtendo-se a punição exemplar
dos infratores, tudo para o resguardo dos interesses e direitos das crianças
e dos adolescentes de nossa nação!
NOTAS (1) Munir Cury e outros, in Estatuto da Criança
e do Adolescente Comentado, Malheiros Editores, 1992, p. 566;
(2) Munir Cury e outros, in ob. cit., p. 455.
retirado de: http://www.jus.com.br/doutrina