® BuscaLegis.ccj.ufsc.br



Caderno 2 - Mortes Violentas
 
 

Apresentação


 
 

A preocupação da sociedade brasileira com relação às diferentes formas de violência que enfrenta a infância e adolescência no Brasil não é nova. Nos anos 80, o Movimento Nacional em Favor dos Meninos e Meninas de Rua trouxe à tona e denunciou a constante e sistemática violação de seus direitos como pessoas humanas e cidadãos. Denunciava também a violência pessoal na família, nas ruas, por parte da polícia e da justiça e nas instituições de bem-estar do menor.

 Este movimento serviu como estopim para iniciar um amplo processo de sensibilização, conscientização e mobilização de políticos, opinião pública e grupos dos mais diferentes matizes ideológicos e composição social, para inserir os direitos da criança e adolescente na Carta Constitucional de 1988, que marcou uma nova etapa na luta pelos direitos da infância no Brasil.

Conquistada a vitória da Constituição, e tendo como marco inspirador os preceitos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovados pelas Nações Unidas em 1989, foi possível revogar a velha doutrina do Código de Menores e regulamentar e aprovar, em julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que inicia um novo ordenamento jurídico que situa crianças e adolescentes como sujeitos de direitos sociais e civis, além de dispor de medidas de proteção para colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

Apesar dos avanços no panorama legal e no reordenamento institucional que vem ocorrendo desde a aprovação do ECA, são ainda milhões de crianças sobrevivendo em condições desumanas, expostas a toda sorte de violência e privações.

Para contribuir ao debate sobre a questão da violência e sensibilizar os tomadores de decisão acerca da gravidade da situação, no presente trabalho o UNICEF coloca à disposição da sociedade brasileira uma série de estatísticas sobre a evolução dos óbitos de crianças e adolescentes por causas violentas no período 1979-93. Esperamos que as estatísticas aqui apresentadas possam servir de base para análises mais aprofundadas e contribuir no estabelecimento de estratégias que permitam reverter a tendência observada nas últimas décadas.
 
 

Agop Kayayan

Representante do UNICEF no Brasil
 
 
 

Introdução

 A preocupação da sociedade brasileira com relação às diferentes formas de violência que enfrenta a infância e adolescência no Brasil não é nova. Nos anos 80, o Movimento Nacional em Favor dos Meninos e Meninas de Rua trouxe à tona e denunciou a constante e sistemática violação de seus direitos como pessoas humanas e cidadãos. Denunciava também a violência pessoal na família, nas ruas, por parte da polícia e da justiça e nas instituições de bem-estar do menor.

 Para contribuir ao debate sobre a questão da violência e sensibilizar os tomadores de decisão acerca da gravidade da situação, no presente trabalho se colocam à disposição da sociedade brasileira uma série de estatísticas sobre a evolução dos óbitos de crianças e adolescentes por causas violentas no período 1979-93. Esperamos que as estatísticas aqui apresentadas possam servir de base para análises mais aprofundadas e contribuir no estabelecimento de estratégias que permitam reverter a tendência observada nas últimas décadas.

 É dado especial destaque ao grupo etário de 10 a 17 anos, idades em que as mortes por causas violentas começam a ter um peso realmente significativo com relação ao total de óbitos deste grupo, sobretudo àqueles causados por homicídios, atropelamento, acidentes em veículos motorizados e afogamento. Também se analisam os óbitos de crianças menores de 10 anos e dos jovens entre 18 e 21 anos. Para todos os grupos etários, os dados apresentam-se desagregados por macroregião, unidade federativa (UF), regiões metropolitanas e municípios núcleos das grandes capitais, além de cortes por gênero.

Para aqueles interessados em estudar com maior profundidade as estatísticas analisadas nesta publicação ou efetuar cruzamentos diferentes dos apresentados, o UNICEF desenhou uma base de dados que está disponível em meio magnético e que se encontra formatada num programa de fácil uso. Esta base pode ser solicitada à Área de Políticas Sociais do UNICEF, Brasília.

Na segunda parte do trabalho caracteriza-se a informação trabalhada e o plano tabular adotado. A seguir, é analisada a evolução da proporção da população brasileira segundo diferentes grupos etários, mortos por causas violentas, no período 1980-1990. Os óbitos de crianças e adolescentes (10 a 14 e 15 a 17 anos) por tipo de causa são focalizados no capítulo 4. Nos capítulos 5 e 6, são analisadas as mortes violentas das crianças abaixo de 10 anos e dos jovens entre 18 e 21 anos. Na última parte, apresentam-se algumas considerações finais.
 
 

Sobre a base de dados

 A base de dados trabalhada neste estudo foi extraída do CD ROM "Sistema de Informação sobre Mortalidade, 1979 a 1993 - Dados de Declarações de Óbito - Situação da Base Nacional em junho 95", distribuída pela Coordenação de Informações de Saúde (COINS) do Departamento de Informática (DATASUS) do Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo a documentação contida neste cd rom, para os anos de 1991 a 1993, os dados ainda são provisórios, sujeitos à revisão e correção, pois há inconsistências e os mesmos não abrangem todo o universo de declarações de óbitos. São utilizados apenas os dados recebidos pelo Ministério da Saúde até 30 de junho de 1995.

Do ponto de vista do número de registros efetuados, é fato conhecido por todos que trabalham no setor, a ocorrência de inúmeros sepultamentos sem o correspondente registro, determinando uma redução do número de óbitos conhecidos (sub-registro), com as conseqüentes repercussões em todos os indicadores de saúde. Admite-se que os dados apresentados nesta publicação representam algo em torno de 80% do total de óbitos ocorridos no país em 1990, estimados em cerca de mais de um milhão de registros. Além do fator sub-registro, a documentação menciona um outro problema - a cobertura incompleta do sistema nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Na realização das análises comparativas das diferentes áreas do país, é fundamental levar em conta as diferenças quantitativas dos dados, já que o Sul e Sudeste, além de apresentarem integral cobertura geográfica, revelam menores índices de sub-registro em relação às demais regiões. Não existe, ademais, uma adequada mensuração do fenômeno do sub-registro em nenhuma região do país. Além disso, é também desigual a proporção de óbitos por causas mal definidas. Dos fatos assinalados, depreende-se que as tabelas a nível de Brasil (total) não expressam, quantitativamente, a magnitude da mortalidade do país, não refletindo, igualmente, o padrão geral da mesma, por estarem as regiões Sul e Sudeste melhor representadas, com características diferentes das demais. Pelos problemas expostos, não é recomendável o cálculo de coeficientes que usem população como denominador, sugerindo-se, como alternativa, o emprego de indicadores de mortalidade proporcional.

Por último, vale assinalar que quanto à informação sobre a causa básica da morte, restam ainda os problemas inerentes ao preenchimento do atestado de óbito por parte dos médicos no que se refere à sua correção e clareza, bem como a existência de óbitos sem assistência médica.
 
 

Descrição das informações contidas no CD-ROM

Foi utilizado neste estudo, o conjunto de arquivos de declarações de óbitos não-fetais por unidade da federação (UF) informante de 1979 a 1993 (um arquivo para cada UF-ano). Estes arquivos, armazenados no formato DBC (padrão dBase compactado), contêm um total de aproximadamente 11,4 milhões de registros (óbitos) com informações, dentre outras, sobre o tipo de óbito, mês e ano da ocorrência, estado civil, sexo, idade, grau de instrução e ocupação habitual, local da ocorrência, município de ocorrência e de residência, e a causa básica do óbito. Destas, foram selecionadas as seguintes variáveis para geração de uma base de dados e sua exploração posterior: mês e ano do óbito, sexo, idade e grau de instrução, município de ocorrência, e causa básica.

Foram detectadas pequenas imperfeições (basicamente valores ignorados) nos registros existentes, sem significância estatística, e que em nenhum caso prejudicaram as tabulações e análises feitas. Por exemplo, a variável sexo apresentou um percentual de ignorados inferior a 0,19% para todos os anos estudados (em 1980 foi de 0,14% e em 1990 este percentual não chegou a 0,1%). No caso da variável idade, para cada ano, apresentou um percentual de ignorado menor que 1,19% (0,85% para 1980 e 1% para 1990).

O procedimento adotado foi a utilização de todos os registros para a tabulação, eliminando aqueles com valores ignorados somente no caso que a variável sexo ou idade aparecesse com valor ignorado; ou seja, os registros com sexo ignorado foram considerados para todas as tabelas que não levassem em consideração o sexo da pessoa.
 
 

Recodificação das causas de óbito

A causa básica de morte informada nos registros segue o padrão da Classificação Internacional de Doenças (CID), 9ª Revisão, de 4 algarismos. Foram utilizados somente os três primeiros algarismos da causa básica para a definição de tipo de morte. Assim, foram consideradas "mortes violentas" todas aquelas com código maior ou igual a 800. Para a tipificação das mortes violentas, usou-se o seguinte critério:
 
 
 
 
Tipo Códigos de causa de morte
Suicídio 950 a 959
Homicídio 960 a 969
Atropelamento 814
Acidentes com veículo motorizado 810 a 825, exceto 814
Afogamento 910
Outros acidentes 800 a 949, exceto os já mencionados
Outras causas violentas 970 a 999

 
 

Na categoria de "outros acidentes" foram classificados os óbitos ocorridos por acidentes de natureza diversa, tais como acidentes em estrada de ferro, acidente por veículo a pedal, de tração animal, intoxicação e envenenamento acidental, incêndio, quedas, etc, e nas "outras causas violentas" aqueles ocorridos por várias causas acidentais ou intencionais, tais como os provocados por arma de fogo, gás, explosivos, objetos cortantes, etc. Nos dois casos cada um dos códigos incluídos apresentava menos de 1% dos registros.
 
 
 

O plano tabular

Este estudo teve como base um plano tabular desenvolvido a partir de duas variáveis- chave, idade e gênero da vítima que foram relacionadas com o tipo de óbito violento. Foi produzido um conjunto de 22 tabelas com proporções de óbitos violentos e uma tabela com valores absolutos para poder dimensionar o significado das proporções (ver apêndice).

Cabe esclarecer que nas tabelas 1 a 4, as proporções de óbitos violentos foram calculadas em relação ao total de óbitos. Nas seguintes, a proporção de óbitos (violentos) por tipo foi calculada em relação ao total de óbitos violentos.

As tabelas 1 e 2 foram apresentadas para os anos de 1980 e 1990 calculando a variação absoluta e relativa dos percentuais, podendo ser consideradas as tabelas de conteúdo mais geral e de exploração do tema. A primeira, que trata do conjunto da população, foi processada em 33 níveis de agregação geográfica, isto é, Brasil, Grandes Regiões e Regiões Metropolitanas/RMs (núcleo e periferia) . As restantes foram processadas para Brasil, Grandes Regiões e RMs.

Com o objetivo de dar maior consistência à comparação dos dados no período, nas tabelas que detalham o tipo de óbito violento, foi utilizada a média dos triênios 1979/81 e 1989/91.
 
 

As causas violentas das mortes no Brasil

Os dados levantados pelo Ministério da Saúde, através dos registros de óbitos, revelam que houve um crescimento significativo das causas violentas nas mortes das crianças e adolescentes brasileiros no período que vai de 1979 a 1993.

Este fenômeno, sem dúvida, tem a ver com o modelo de desenvolvimento sócio-econômico, concentrador de renda e excludente, que vem gerando uma série de problemas, entre os quais pode-se destacar o crescimento da violência, principalmente nos grandes centros urbanos. Nessa medida, o estudo dos dados colocados à disposição da sociedade pelo Ministério da Saúde vem divulgar informações que são fundamentais para a identificação de questões, visando a implementação de políticas sociais em favor da infância e de campanhas nacionais e internacionais a serem veiculadas pelos organismos que se ocupam da causa da criança e do adolescente brasileiro.

A observação dos dados de óbitos ocorridos no país nos anos de 1980 e 1990 para a população infanto-juvenil mostra um crescimento relativo das mortes por causas violentas, com dimensões significativas em todos os grupos etários. A primeira observação a ser feita a partir da tabela 1, que contém a proporção de óbitos para o conjunto da população por grupos de idade para 1980 e 1990, para o conjunto do país, aponta para a importância das mortes violentas nas diversas faixas etárias e seu crescimento no período.

As maiores taxas são encontradas entre os jovens adultos (18/21 anos). A seguir vem o intervalo de 22/24 anos e os adolescentes de 15 a 17 anos. Logo depois são encontradas as faixas de 25 a 34 anos e as crianças de 10 a 14 anos. O crescimento das proporções de mortes violentas é impressionante. Excetuando-se as pessoas acima de 59 anos, todos os demais tiveram grandes incrementos relativos. Em termos absolutos, os maiores aumentos ocorreram entre 15 e 21 anos, embora estes já possuíssem em 1980 os maiores percentuais de mortes violentas. Os dados para 1990 mostram que de cada três mortes de jovens adultos, entre 18 e 21 anos, duas eram de natureza violenta.

Quando se observa estes mesmos dados para as grandes regiões do país, verifica-se que é no Centro-Oeste onde o percentual de óbitos violentos é mais elevado para o conjunto da população (17,4% em 1990). Os adolescentes e jovens adultos (15 a 24 anos) são aqueles que apresentam os maiores percentuais de óbitos violentos em todas as regiões, especialmente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No grupo de 18 a 21 anos as proporções de mortes violentas atingiam cerca de 70% nas três regiões mencionadas em 1990.

Nas 9 Regiões Metropolitanas a proporção de óbitos violentos para o conjunto da população varia de 10,6% em Belo Horizonte a 15,7% em São Paulo em 1990. Cabe destacar que em todas as RMs houve crescimento da proporção de óbitos violentos entre 1980 e 1990, sobretudo em Recife e São Paulo, cuja variação relativa na década passada foi da ordem de 50%. Além da RM de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife são as duas outras regiões com maior incidência de óbitos violentos - 15,2% e 14,1%, respectivamente.

Também no conjunto das RMs os grupos etários mais atingidos por mortes violentas estão entre 15 e 24 anos de idade. Em vários casos, os percentuais atingidos superam 70%, chegando inclusive a 81,5% para a faixa de 18 a 21 anos no Rio de Janeiro. Para um exame mais apurado das Regiões Metropolitanas, a desagregação dos dados por núcleo e periferia é bastante adequada e fornece novas informações.

Como regra geral, os municípios que constituem as periferias das diversas RMs são regiões mais violentas que os núcleos das mesmas. A única exceção encontrada é Recife, onde a proporção de mortes violentas em seu núcleo é ligeiramente superior à periferia. Por outro lado, a tendência observada entre 1980 e 1990 foi de crescimento da proporção de mortes violentas, tanto nas regiões centrais quanto nas periferias. (O caso de Belém foge à regra, mas os dados referentes à sua periferia em 1980 são bastante questionáveis.)

Alguns dados merecem destaque. O núcleo da RM de Belo Horizonte apresenta as menores taxas de óbitos violentos para o conjunto da população, mantendo seu valor estável em 8,6% durante a década. Entre os destaques negativos, pode-se mencionar as periferias de Fortaleza (21,0%), Rio de Janeiro (18,4%), São Paulo (18,0%), Salvador (17,7%) e Belo Horizonte (17,1%) em 1990. No caso da periferia de Fortaleza, a taxa mais que dobrou em um período de apenas dez anos. O crescimento relativo foi também significativo nas regiões periféricas de Recife (90,3%) e São Paulo (68,1%).

Analisando os diversos grupos etários nos núcleos e regiões periféricas das RMs, confirma-se a alta incidência e o crescimento de óbitos violentos entre a população jovem.

É comum observar-se taxas superiores a 80%, especialmente nas periferias das metrópoles. No caso da zona periférica de Salvador, observou-se a taxa de 92,3% de mortes violentas na faixa 15/17 anos em 1990. Neste mesmo ano, as taxas ultrapassavam 80% nas faixas 15/21 anos na periferia de São Paulo, 18/24 anos na do Rio de Janeiro, 18/24 anos na de Porto Alegre, 18/21 anos na de Curitiba, 18/21 anos na de Recife e 18/21 anos na de Fortaleza. Embora um pouco menores, foram observadas taxas superiores a 70% entre a população jovem de alguns núcleos em 1990 - 15/21 anos em São Paulo e 15/24 anos no Rio de Janeiro. (As taxas de 100% encontradas nas periferias de Fortaleza, Salvador e Belém são imprecisões dos dados e devem ser desconsideradas, pois não é possível que todos os óbitos tenham ocorrido por causas violentas).

Retirado de: http://www.unicef.org.br/socpol/mortvio