® BuscaLegis.ccj.ufsc.br



PROSTITUIÇÃO INFANTIL E A EXPLORAÇÃO SEXUAL



 

INTRODUÇÃO


 
 

Diante da atual crise econômica, política e social que assola nosso país, não parece mais causar espanto qualquer notícia veiculada pela imprensa que se refira à prostituição infantil ligada à exploração sexual. Será que aquele que vê o assunto ser tratado pela imprensa não se identifica como um igual, sujeito às mesmas violências, e por isso não consegue realmente sentir a problemática? Ou já se encontra tão acostumado a essa realidade que a vê, consciente ou inconscientemente, como algo normal, ao qual fatalmente seus vizinhos e parentes se verão envolvidos no futuro, se assim já não estão?

Encarar o problema da prostituição infantil, aliado à exploração sexual, é certamente matéria delicada e dolorosa, uma vez que se toca em assunto íntimo demais para ser discutido em uma roda entre amigos, saboreando-se um chope. É o direito à liberdade sexual, à escolha de um trabalho que dignifique a pessoa humana e que não a exponha a situações de coação, e à infância sadia que prepara o adulto do amanhã que estão em jogo. É analisar o porquê de existir uma clientela tão numerosa que procura saciar sua sede por sexo de forma brutal, ou mesmo delicada, mas sempre sem o consentimento do outro. É também tentar encontrar explicação para o descaso com que o assunto é tratado (ou ignorado) pelo Estado, aquele à quem concedemos parte de nossa liberdade individual, para organizar o caos em que 'vivíamos'.

No decorrer do trabalho cujo relatório final ora segue, procedemos à análise dos aspectos jurídicos concernentes ao tema, isto é, a legislação penal, sua doutrina e jurisprudência, e dos inúmeros textos jornalísticos e livros relativos à problemática em foco. Por fim, apresentamos nossas conclusões acerca dos subsídios acima citados, sem deixar de mencionar algumas ações já em curso para o ataque à prostituição infantil e exploração sexual, com suas devidas apreciações críticas. Assim, esperamos contribuir para a divulgação desse problema, expondo a realidade da vida das crianças brasileiras escravizadas e prostituídas (especialmente as meninas), e lançando algumas luzes acerca do porquê dessa situação existir no Brasil e ainda não ser tratada com a devida importância pela sociedade como um todo.
 
 

CAPÍTULO I

Regulamentação Referente a

Prostituição Infanto-Juvenil
 
 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do e Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, ao lazer, profissionalização, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

...

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
 
 

Este artigo constitucional foi o primeiro a ser mencionado, de forma específica, em uma constituição, tratando diretamente do abuso e exploração sexual da criança e do adolescente.

As outras constituições brasileiras, desde o tempo do império, quando se referiam à criança e ao adolescente, apenas faziam menção ao sistema de trabalho e, quando muito, ao bem; não eram específicas como a atual (violência e exploração sexual).
 
 
 
 

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - 1989

Art. 187. O Estado assegurará os direitos da criança e do adolescente previstos na Constituição Federal.

...

A Constituição do Estado de Santa Catarina, promulgada em 20 de janeiro de 1970, estabelece em seu

Art. 157. O Estado promoverá a proteção aos menores desempregados e às pessoas desvalidas.

Da mesma forma que a Constituição Federal, a Estadual não tinha qualquer preocupação no tocante à violência e exploração sexual anteriormente a sua nova promulgação em 1989.

ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Além de ter os benefícios pautados por esta Lei, (Lei nº 8.069/90), a criança e o adolescente continuam a usufruir as prerrogativas estabelecidas no Código Penal.
 
 

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

A exploração, violência e crueldade, impostas a criança e ao adolescente são punidas na forma desta Lei e em conformidade com o Código Penal.
 
 
 
 

CÓDIGO PENAL

PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA

Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima:

a) não é maior de 14 (catorze) anos;

b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode por qualquer outra causa, oferecer resistência.
 
 
 
 

AUMENTO DE PENA

Art. 226. A pena é aumentada de quarta parte:

I - se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas;

II - se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregado da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

III - se o agente é casado.

CÓDIGO PENAL (Decreto-lei nº 2.848/40 e alterações)
 
 

CRIMES PROPRIAMENTE DITOS

ESTUPRO

Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Revogado

Parágrafo único. Se a ofendida é menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
 
 

Quando esta lei foi criada, em 1940, sua pena inicial era de 3 a 8 anos. Com o advento da Lei 8.069/90 (art. 263), foi criado o parágrafo único que qualificava o crime de estupro, quando este era cometido em "mulher" menor de 14 anos, fixando uma pena de 4 a 10 anos. Mas, também em 1990, com a Lei 8.072, que definiu o estupro como crime hediondo, especificou a pena de 6 a 10 anos, revogando, de forma tácita, o parágrafo único do referido artigo. Também fica o autor deste crime, descoberto, sem direito ao benefício da anistia, graça ou indulto, além de ser crime inafiançável e sem liberdade provisória.

Ainda, no que se refere ao parágrafo único, foi necessário editar uma lei, a 9.281, de 4 de junho de 1996, para que muitos juristas não apoiassem a idéia de que, cometer este crime contra criança ou adolescente teria pena mais branda.

O estupro é crime, como o próprio artigo menciona, de conjunção carnal, por meio de violência ou grave ameaça. Pelo sentido da lei, é a cópula vagínica, completa ou incompleta (RT 590/333) entre homem e mulher, ficando assim, excluída a cópula vestibular ou vulvar (RT 488/337).

Dá-se a consumação do delito com a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina da mulher (RT 657/280). Segundo Almeida Júnior, a cópula vestibular é considerada conjunção carnal quando produz gravidez.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, faz-se necessário existir credibilidade na palavra da ofendida, pois já se tem decidido na jurisprudência o seguinte:

"Se a menor ofendida, criada em zona rural, não teve condições morais e psíquicas de se opor aos desejos criminosos do pai, pessoa, ademais violenta e arbitrária, que ameaçava voltar a maltratar toda a família caso aquela não cedesse, configurando resultou o estupro, pela violência moral" (RT 442/397).

A estipulação do termo "mulher", neste artigo, denota que a consideração pelas meninas, capazes de serem estupradas, não foi levado em consideração, pois como podemos auferir a espécie mulher, desde a sua geração, sofre desenvolvimento, que passa pelos estágios de criança, menina, adolescente para depois sim ser considerada mulher, ou seja, só após um desenvolvimento psíquico e físico determinados, que em regra começam a ocorrer quando esta beira os 16 anos. Sendo assim, ressaltamos que este crime deveria ser contra a pessoa e não contra a especificidade "mulher". Portanto, as "meninas", menores, não consideradas mulheres, sem terem condições de prudente defesa (física ou psíquica) são equiparadas às mulheres adultas, não tendo nenhum agravante para o autor desta barbárie.

Quando o crime de estupro for praticado em menor de 14 anos, a violência torna-se presumida (art. 224, CP).
 
 
 
 
 
 

ATENTADO VIOLENTO PUDOR

Art. 214. Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de 6(seis) a 10(dez) anos.

Revogado

Parágrafo único. Se o ofendido é menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 9 (nove) anos.
 
 

Neste artigo, ocorre caso semelhante ao artigo anterior, onde o parágrafo único está revogado pela lei 9.281/96. Os casos são semelhantes, pois a diferença está em que, no artigo anterior, o sujeito passivo era somente "mulher" e neste pode ser qualquer pessoa (menino/menina) e no sujeito ativo, que antes era somente o homem, agora pode ser qualquer um, desde que excluída a conjunção carnal. Fato a ser salientado é que mulher que força homem à conjunção carnal, somente responderá por constrangimento ilegal (art. 146, CP).

Para que haja atentado violento ao pudor é necessário que haja o constrangimento pela violência ou grave ameaça, exigindo-se o dissenso sério da vítima (RT 614/288).

O motivo em mira pode ser outro que não o de satisfazer a lascívia, como o desprezo, o ridículo da vítima embora a intenção seja sempre a mesma: praticar ato que lese o pudor (RT 500/310).

Este artigo é mais visado pelos que têm o instinto de, por alguma forma, constranger alguém, seja criança, adolescente, homem ou mulher (diferente de conjunção carnal). O atentado violento ao pudor significa usufruir ou fazer que usufruam em aspecto anal da criança que ainda imatura está despertando para a vida sexual.

Este crime é qualificado quando da sua autoria resultar as formas previstas nos arts. 223 e 226, do CP.

Após análise deste artigo com o 224, entendemos que a qualificação é imposta automaticamente para os menores de 14 anos, sendo assim, não está caracterizado como crime atípico, o cometido em menores de 14 anos.
 
 
 
 

POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos
 
 

Observamos, o termo utilizado para especificar este crime, que seria a honestidade da mulher.

Honesta é a mulher honrada, decente, de compostura, "não somente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista moral, é irrepreensível, senão também aquela que ainda não rompeu com o minimum de decência exigido pelos bons costumes."(HUNGRIA, p.139)

Segundo o mesmo autor não perde a qualidade de honesta nem mesmo a amásia, a concubina, a adultera, a atriz de cabaré, desde que não se despeça dos banais preconceitos ou elementares reservas de pudor.

A jurisprudência tem decidido que a lei restringe a proteção à mulher honesta, embora não exija que seja ela virgem (RT 410/97). Outros entendem que é necessário a existência da virgindade para ser concretizado este crime, além de ter, a "mulher", mais de 14 e menos de 18 anos.

Por entender que a fraude é uma violência ao psíquico da pessoa, salientamos que as vítimas menores de 14 anos estão sendo automaticamente violentadas (art. 224, CP - violência).
 
 
 
 

ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE

Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso de conjunção carnal:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. Se a ofendida é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Aplica-se no que couber o salientado no artigo anterior (art. 215).
 
 
 
 

SEDUÇÃO

Art. 217. Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
 
 

Este artigo, por ter sido elaborado em 1940, teve e tem por objetivo a proteção a virgindade da mulher. Hoje, entretanto, tem-se uma liberdade sexual mais aberta sem muitos preconceitos. Esta liberdade sexual deve estar contida dentro da moralidade média e bons costumes.

Vejamos o que exemplifica a RT 577/337.

"Não poderá ser vítima de sedução a mulher que foi vítima de estupro."

Entendemos perfeitamente possível ocorrer a sedução após a vítima ter sofrido estupro, pois quando esta foi violentada não sentiu sequer a sensação da sedução e, muito menos, se ela sofreu o referido crime quando era menor de 14 anos, ou seja, ainda uma criança, quase que incapaz de sentir a sedução.

Portanto, não podemos desconsiderar os sentimentos que foram moldados, segundo uma postura ética e moral, que por ironia do destino ou ao "bel prazer" de um desvairado, que venha a cometer o crime de estupro, se percam mediante interpretações de alguns juristas.

A sedução poderá ser de dois tipos, que são: simples (quando o sujeito ativo apenas beija, acaricia, ... a vítima) e qualificado (este quando o autor faz promessas de casamento, namoro sério, ...).
 
 
 
 

CORRUPÇÃO DE MENORES

Art. 218. Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticado ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo:

Pena - reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos.
 
 

A jurisprudência tem entendido que sendo a menor já corrompida não haverá mais este crime (ver análise feita no artigo anterior - art. 217).

Entendemos que deverá ser caracterizado o caráter da pessoa, sua idoneidade, para depois se chegar a esta decisão.

Dra. Josiane Rose Petry Veronese entende que a corrupção é algo escalonável. Sendo assim, é necessário que o legislador se preocupe com aquele que faz com que a pessoa continue na corrupção, e não somente com aquele que introduziu.

Uma crítica que se faz a este artigo é que fica impune aquele que induz menor de 14 anos a assistir à prática de ato libidinoso de terceiro, pois não presume-se a violência do art. 224, nem o crime do 214, podendo-se assim ser considerado um fato atípico.
 
 
 
 

RAPTO VIOLENTO MEDIANTE FRAUDE

Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
 
 

Este artigo tem por objetivo intimidar os possíveis infratores, capazes de "fazer tudo por amor", não se importando com o resultado final. Sendo assim, quando da edição do Código Penal, em 1940, o artigo tinha como objetivo específico manter a ordem familiar.

Para este crime também é necessário a comprovação de que a mulher é honesta, como já elucidado nos artigos anteriores.

Aqui, também salientamos a crítica que se refere a expressão "mulher", pois dever-se-ia levar em consideração a pessoa, no sentido lato senso e não simplesmente a "mulher". Se pensarmos exclusivamente na mulher, aquela formada fisicamente e psicologicamente, estaremos excluindo as que pertencem a "espécie mulher" e ainda não possuem estas características devidamente formadas, o que acabaria por inocentar o sujeito passivo deste crime, como se nada tivesse cometido.

Aqui, ao contrário do que se observou em outros artigos, não elenca a idade mínima nem a máxima para que se possa considerar como crime. Alguns doutrinadores entendem que este crime não contempla os menores de 18 anos.

Entendemos que por se tratar de crime com uso de violência, poderá ser aplicado o artigo 224, CP, que presume a violência aos menores de 14 anos. Sendo assim, está de forma implícita que, quem pode mais, pode menos, ou seja, se este crime pode ser aplicado aos menores de 14 anos, poderá perfeitamente ser aplicado aos maiores de 14 e menores de 18 anos.

Mirabete elenca que o erro justificado exclui o dolo, não respondendo pelo crime aquele que pratica ato libidinoso com jovem que supõe ter mais de 18 anos ou corrompida, como aquela que é encontrada, por exemplo, em um lupanar.1
 
 
 
 
 
 

MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM

Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3(três) anos.

§ 1º. Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 2º. Se o crime é cometido com o emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º. Se o criem é cometido como fim de lucro, aplica-se também multa.
 
 

Como salienta a Dra. Josiane R. P. Veronese, este tipo penal tem, justamente, ao penalizar tais condutas, o objetivo de evitar o desenvolvimento da prostituição ou da corrupção moral.(p.38)

Neste crime o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como, o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa.

O artigo menciona em induzir, ou seja, é necessário ocorrer promessas, dádivas, e que a pessoa seja determinada e não somente quem serve de intermediário de proposta desonesta feita por terceiro ou a um número indeterminado de pessoas (ver art. 228, CP).

Mirabete salienta que esta incluso neste crime aquele agente que pratica o ato, limitando-se o terceiro a presenciá-lo com o fim de satisfazer a própria lascívia.

Aqui, como em outros artigos, ocorre a presunção de violência, quando o ato é cometido contra menor de 14 anos (art. 224, CP), o que implica em um agravamento da pena, e crime como estupro, atentado violento pudor. Assim como o § 1º, qualifica do delito quando cometido contra menor de 18 e maior de 14 anos.
 
 
 
 

FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO

Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1º. Se ocorrer qualquer da hipótese do § 1º do artigo anterior:

Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 2º. Se o crime é cometido com o emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º. Se o crime é cometido como fim de lucro, aplica-se também multa.
 
 

O artigo menciona o fato de induzir, facilitar ou impedir que alguém abandone a prostituição. É pacífico na doutrina que também comete este crime aquele que se omite ou tolera à prostituição; Esta responsabilidade poderá ser imposta ao pai ou a mãe ou de quem tenha o dever jurídico de impedi-la.

Pelo que se tem analisado constitui-se a prostituição na habitualidade de prestações carnais a um número indeterminado de pessoas. Este fato é o que caracteriza a prostituição e não o fato de ela ter fim de lucro.

Podemos ainda elucidar que pelo enunciado no artigo, a prostituição não é crime mas pode ser considerada como contravenção penal (art. 61 da Lei de Contravenções Penais).

Já o crime de favorecimento da prostituição não é crime habitual, bastando a prática de uma das condutas, por uma vez, para que se aperfeiçoe o ilícito (RT 414/55, 449/382). O favorecimento da prostituição não se confunde com o de mediação para servir a lascívia de outrem, pois neste a conduta do agente se destina a servir pessoa determinada, ao passo que naquele a conduta do agente é destinada a servir pessoa indeterminada.

Aplica-se, no que couber, as elucidações feitas no artigo anterior.
 
 
 
 

CASA DE PROSTITUIÇÃO

Art. 229. Manter, por sua conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
 
 

Aplica-se, no que couber, as elucidações feitas nos artigos anteriores.

Quem comete este crime são aqueles que detém de forma explícita local destinado ao desfrute do "prazer do sexo". Damásio de Jesus salienta que a casa de prostituição é o local onde as prostitutas exercem o comércio carnal2. Observando esta definição, do ilustre doutrinador, e analisando algumas jurisprudências como a RT 401/85, RJTJERGS 147/183, esclarecem que se a prostituta recebe seus clientes em casa não pratica o crime, pois não mantém, mas exerce o meretrício; sendo assim este local utilizado para a conjunção carnal não é considerado como casa de prostituição, além deste ato poder ser celebrado de forma gratuita, apenas por prazer e não por comércio, o torna um tanto quanto arrojada esta definição.

Fato importante a ser ressaltado neste artigo, é que o sujeito passivo deste crime não é a mulher, que lá utiliza da prostituição, ou do homem que ali utiliza da pederastia, mas sim o Estado que sofre pelos danos morais imputados a ele.

Para que este crime se concretize é necessário ter como requisito essencial o artigo 227, do CP, que trata da mediação para satisfazer a lascívia de outrem, pois sem ele não se chegará ao objetivo almejado que é manter a casa de prostituição.

Salientamos também, que os motéis, hotéis de alta rotatividade, os drive in, as casas de massagem e muitos outros, desde que licenciados, não são alcançados pela norma penal, pois sua alegação é de que sua função não se destina a prostituição, mesmo sabendo-se que ela ocorre. Isto decorre do fato de que o licenciamento caracteriza a presunção de licitude de suas atividades.

Salientamos ainda que poderá haver concurso material, quando o agente participa tanto do artigo 228, induzindo ou facilitando para que alguém adentre a prática do meretrício, como no 229, mantendo casa de prostituição, pois ambos são autônomos.
 
 
 
 

RUFIANISMO

Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º. Se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227;

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, além de multa.

§ 2º. Se a emprego de violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da multa e sem prejuízo da pena correspondente a violência.
 
 

Para Mirabete, este crime se expressa como uma espécie de lenocínio, em que o agente explora a prostituta que vai servir a lascívia de outrem.

Pelo que nos é transmitido através deste artigo, a expressão "tirar proveito", observamos que este crime é essencialmente oneroso, seja por via de pagamento ou gratificações, ou seja, tem que visar o lucro, para que haja a mantença do rufião, através do "trabalho" da pessoa. O gigolô, que se serve gratuitamente da meretriz, ou que dela recebe esporadicamente presentes, não pratica este crime.

Neste crime "não se exige que a iniciativa parta do agente. Existe rufianismo ainda que haja oferecimento espontâneo da prostituta (RT 227/126). A passividade do rufião, que se limita a auferir proveitos da prostituição alheia, não desfigura o crime (RT 329/123)."3

Este crime interposto contra o rufião, procura coibir a exploração da prostituição e conseqüentemente diminuir com o número de agenciadores da prostituição, principalmente infantil, como veremos no desenrolar deste trabalho.

Já a eventual tolerância da polícia em relação ao lenocínio não se aproveita ao rufião (RT 522/458).

O § 2º deve ser interpretado em conformidade ao art. 232 c/c 224, do CP, que pressupõe a prática de violência aos menores de 14 anos.
 
 
 
 

TRÁFICO DE MULHERES

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º. Se ocorre qualquer da hipóteses do § 1º do art. 227:

Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 2º. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente a violência.

§ 3º. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
 
 

O Brasil desde 1902 vem se preocupando com o tráfico de mulheres, principalmente quando estas servem de simples objeto de manipulação nas zonas de meretrício. Em 1950, foi signatário da Convenção para Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, posteriormente aderiu a Convenção Americana sobre Direitos do Humanos, dentre outros.

Pelo que elucida o artigo poderá ser qualquer pessoa a responsável ativamente pelo crime, mas de forma passiva estabelece que somente as mulheres poderão sofrer este tipo delito, deixando de fora os travestis e as meninas ou meninos, menores de 18 e maiores de 14 anos, pois para os menores de 14 a violência é presumida (art. 224, CP) com o conseqüente agravamento. Assim, podemos observar que o Código Penal de 1940 não tinha a preocupação de proteger os menores da prostituição infanto-juvenil, preocupando-se especificamente com os maiores "plenamente desenvolvidos". Com exceção dos travestis, podemos observar o que já foi elucidado em artigos anteriores.

Este artigo tem por finalidade evitar o parasitismo da prostituição, como relembra Mirabete, pois o objeto jurídico do delito é a moralidade pública sexual.
 
 
 
 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90)
 
 

Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica:

Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente.
 
 

O artigo mencionado, em si já é bastante claro, o que temos a acrescentar refere-se ao fato de que em espetáculos onde figuram crianças, em sua forma mais pura, atraem número maior de pessoas.

Aqui, não é necessário o fato do teatro ser apresentado ou do filme entrar em cartaz, somente o fato dos ensaios ou gravações com menores, utilizando-os de forma indevida, aproveitando-os de seu nú e da prostituição infantil, é suficiente para que os produtores e os que contracenam incorram neste crime.
 
 
 
 

Art. 241. Fotografar ou explicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena - reclusão de um a quatro anos.

Além do que o próprio artigo especifica, aplica-se no que couber o mencionado no artigo anterior.
 
 
 
 

CAPÍTULO II

PROCESSO ............................................... : Apelação criminal

NÚMERO ACÓRDÃO ........................... : 32.422

COMARCA ............................................... : Seara

DES. RELATOR ..................................... : Solon d'Eça Neves

ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Primeira Câmara Criminal

DATA DECISÃO ..................................... : 14 de fevereiro de 1995

Apelação criminal n. 32.422, de Seara.

Relator: Des. Solon d'Eça Neves.

_

Apelação criminal - Favorecimento à prostituição - Pretendida absolvição sob o argumento de que é um mal necessário - Não acolhimento.

Comete o crime de favorecimento à prostituição o agente que fornece moradia, local e angaria clientes, com o fim de lucro, para que mulher exerça a prostituição, especialmente quando ainda acoberta a menoridade dessas mulheres. Recurso desprovido.

_

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 32.422, da comarca de Seara, em que é apelante Nadir Domingues Machado Kraus, sendo apelada a Justiça, por seu Promotor:

_

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Custas legais.

_

Na comarca de Seara, Nadir Domingues Machado Kraus restou condenada à pena de 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, como infratora do artigo 228, parágrafos 1° e 3o, do Código Penal.

Inconformada, apela a tempo, pleiteando sua absolvição, argumentando que não cometeu o delito pelo qual restou condenada, porquanto a "casa", inobstante em seu nome, era explorada pelo seu amásio, conhecido como "Gringo", que veio a falecer em acidente de trânsito, durante o processar da ação penal.

Argumenta que a cidade de Itá, em função da construção da barragem sobre o Rio Uruguai, viu triplicada sua população, com a vinda de aproximadamente três mil homens que trabalham na obra, e que nestas circunstâncias, as casas de prostituição servem como "mal necessário", para a paz e a tranqüilidade dos habitantes.

Rebatido o recurso, nesta Instância, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, manifestou-se o Dr. Paulo Antonio Günther, opinando pelo desprovimento do recurso.

Na verdade, a pequena comunidade de Itá, no Oeste do Estado, com aproximadamente dois mil habitantes, viu-se completamente transtornada pela construção da barragem sobre o Rio Uruguai, que não só transferiu a cidade para outro local, como também pela invasão de milhares de operários que abalaram a tranqüilidade de uma pacata cidade de interior. Há notícia nos autos de crescimento assustador de delitos de furto e de estupro, entre outros, e que a casa de prostituição é inegavelmente um local onde todo este contingente de trabalhadores braçais descarrega suas tensões nos finais de semana, que a pequena cidade pouco oferece para lazer e diversão.

No entanto, é inadmissível que, para tanto, se utilizem de mulheres menores, ainda na adolescência, idade de grandes transformações, que vem a comprometer todo seu desenvolvimento futuro.

Como salientou o ilustre parecerista, "A ação, no crime de favorecimento, consiste em induzir alguém à prostituição, e induzir significa persuadir, aliciar, levar, por qualquer meio, alguém à prática de alguma ação. Atrair é, praticamente, sinônimo de induzir e facilitar é tornar mais fácil o comércio da prostituta, o que se dá, conforme lição de Heleno Fragoso, pela obtenção de clientes ou outro benefício material que favoreça o exercício da prostituição.

Depois de aliciar as menores, passou o réu a facilitar-lhes a prostituição. Proporcionando-lhes encontros com clientes e dando-lhes moradia.

Em qualquer das modalidades previstas na definição legal do crime, ensina o eminente Heleno Cláudio Fragoso, "não se exige que a vítima se entregue efetivamente à prostituição, o que exigiria a multiplicidade de contactos carnais. O que se tem em mira, no induzimento e na facilitação, é a resolução ou deliberação da vítima de dedicar-se à prostituição, o que será demonstrado pelo seu estabelecimento em local adequado, modo de vida, etc." (inRJ/TJ/SP-59/408).

Os autos retratam que Nadir Domingues Machado Kraus vem dedicando sua vida no sentido de infelicitar outrém, explorando mulheres que caem em suas garras, induzindo as "meninas" a se prostituírem, auferindo a recorrente altos lucros com a miséria moral alheia.

O que as mulheres disseram, no decorrer da instrução criminal, demonstrou, sem sombra de dúvida, que o agir da apelante caracterizou o delito pelo qual foi condenada.

Diles (fls. 89) informou:

"J. CONTAVA COM QUINZE ANOS DE IDADE"; "SOUBE, POSTERIORMENTE, QUE J. E L. ESTAVAM MESMO ERA NUMA BOATE NA CIDADE DE ITÁ, ONDE TRABALHAVAM COMO PROSTITUTAS".

Tanto Nádia (fls. 113), como Diles (fls. 89), afirmaram que a "boate" era, na verdade, uma casa de prostituição e que ali várias moças faziam "ponto" e "programas" com os homens.

Comprovado, no ventre processual, que Nadir embolsava o valor pago pelo uso dos quartos e da venda de bebidas, enquanto as "bailarinas" ficavam com o dinheiro referente ao pagamento da atividade sexual (prostituição) que era levada a efeito no estabelecimento.

Nádia (fls. 113) esclareceu:

"TODAS AS MULHERES QUE ESTAVAM NA BOATE SE DEDICAVAM À PROSTITUIÇÃO;

"OS 'PROGRAMAS' FEITOS COM OS FREQÜENTADORES DO LOCAL ERAM COBRADOS, SENDO QUE A DENUNCIADA NADIR FICAVA COM O PREÇO DO QUARTO E DA BEBIDA".

Nádia (fls. 113) e J. (fls. 7) relataram que Nadir sabia que J. estava com apenas 15 anos de idade.

Evidente que os "encontros", que tinham finalidade sexual, eram intermediados por Nadir, que com tal atividade ilícita favoreceu a prostituição alheia e auferiu altos lucros com o comércio ilícito.

Evidenciado que a apelante facilitou a prostituição de J., uma adolescente que estava com apenas 15 anos de idade. Nadir recebeu J. na casa de prostituição, foi a recorrente quem deu um quarto ali para a menor, e permitiu que naquele local J. "trabalhasse", mantendo ali seus encontros sexuais pagos pelos homens.

Aliás, conforme ensinamento de Hungria: facilitar a prostituição é prestar qualquer auxílio ao seu exercício (promover a instalação de prostituta, angariar-lhe clientes, até mesmo tolerar coniventemente, contra o próprio dever jurídico, que alguém exerça a prostituição (Comentários ao Código Penal, vol. VIII, pág. 286, n. 76).

Os Tribunais tem entendido que: "Quem, com o fito de lucro, arranja parceiro a mulher, embora já desencaminhada, para fins de relacionamento sexual, comete o delito de favorecimento à prostituição" (RT 546/381).

Por isso, nega-se provimento ao recurso.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Cláudio Marques.

Florianópolis, 14 de fevereiro de 1995.

_

Aloysio de Almeida Gonçalves

PRESIDENTE COM VOTO

_

Solon d'Eça Neves

RELATOR

CAPÍTULO III

Pesquisas Jornalísticas Acerca do Tema
 
 

1. Introdução

Diversas foram as fontes de que nos utilizamos para pesquisarmos a realidade da problemática da prostituição infantil e da exploração sexual. A imprensa escrita e televisionada divulga com bastante freqüência casos relacionados ao tema, dos quais colhemos informações para a abordagem dos pontos que julgamos de maior relevância, que seguem após esta breve introdução.

O livro "Meninas da Noite", do jornalista Gilberto Dimenstein, merece destaque por reunir depoimentos valiosos para aqueles que desejam conhecer, da própria boca das vítimas, a realidade da prostituição e da escravidão infantis. Tal obra é o resultado de uma pesquisa que efetuou na Amazônia Legal, nos anos de 1991-1192, durante os quais percorreu as cidades de Belém, Imperatriz, Laranjal do Jari, Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Cuiabá, Alta Floresta, Itaituba e Cuiú-Cuiú, à cata de meninas-escravas-prostituídas.

Primeiramente, cabe ressaltar que, durante a pesquisa, o jornalista deparou-se com o natural constrangimento que as meninas sentiam ao serem indagadas sobre a prostituição. Percebeu, por exemplo, que usavam códigos para expressarem seus sentimentos e experiências de vida, utilizando-se do pronome "ela", referindo-se a outra menina para, na realidade, contarem aquilo que elas próprias vivenciavam. Assim, afirmavam que " (...) a irmãzinha fica e ela vai pra cama com o homem. Aí quando ela sai de lá, ela vai pra casa dela, dá dinheiro pra mãe dela, dá dinheiro pra irmã não contar nada"4. O próprio fato de ser um homem também dificultou seu trabalho, uma vez "poderia aparecer diante das meninas como a figura do opressor ou do cliente"5.

Finalmente, é importante salientar que Dimenstein se valeu da contribuição de diversas pessoas, dentre as quais freiras, padres, e mesmo prostitutas, que, por lidarem bem proximamente com a problemática objeto de sua pesquisa, funcionavam como tradutores dos códigos de cada região e o indicavam os locais a serem visitados.
 
 
 
 

2. Análise dos depoimentos

Dos depoimentos que coletamos de fontes jornalísticas, formou-se um quadro significativo para a compreensão da prostituição infantil, aliada à exploração sexual. Dentre os diversos fatos que trouxe à tona, podemos elencar os seguintes:

I. A faixa etária das meninas que são aliciadas para serem sexualmente exploradas encontra-se em franco declínio, girando em torno dos 12-14 anos.

II. A clientela da prostituição infantil é difícil de ser caracterizada, uma vez que se estende por diversas classes sociais, desde intelectuais até garimpeiros.

III. A prostituição infantil é produto da miséria existente naquela região. As meninas são seduzidas pela promessa de empregos (lavadeira, doméstica, cozinheira, balconista, etc) em cidades distantes de onde moram; lá chegando, são comunicadas que terão que trabalhar como prostitutas, se quiserem pagar a passagem que já devem àqueles que lhes prometeram trabalho honesto e terem o direito de voltar para suas cidades de origem. Como tudo de que tiverem necessidade terá que ser adquirido por intermédio do explorador, e o dinheiro proveniente ser entregue a eles diretamente, a dívida geralmente só aumenta, num círculo vicioso sem fim.

IV. A prostituição infantil está intimamente ligada às drogas e vícios. As meninas são comumente usadas como "aviões", isto é, acompanhantes daqueles que carregam a droga, ou como "formigas", termo vulgarmente utilizado para denominar aquelas que transportam drogas por si mesmas, procedendo dessa forma para conseguirem saldar a eterna dívida que têm com seus exploradores. Também são por estes estimuladas a viciarem-se em drogas e álcool, a fim de aumentar sua dependência e inércia perante o explorador.

V. As meninas são entregues à prostituição não somente por desconhecidos, sendo comum que familiares, até pais e mães, negociem a ida de suas filhas para estabelecimentos de exploração sexual, mediante uma espécie de "dote" a eles pago.

VI. A virgindade da menina é vista pelos clientes como um atrativo capaz de colocar a leilão a oportunidade de ser o primeiro a possui-la, por muitos deles preferirem as inexperientes para o sexo.

VII. O desejo de obter um bem de consumo que lhes agrade pode ser fato gerador de exploração, devido à ingenuidade das meninas diante da chance de serem presenteadas com aquilo que sonham possuir mas que, por se encontrarem em situação de miséria, não podem obter por outros meios senão vendendo seus próprios corpos.

VIII. Muitas meninas, depois de toda a exploração à qual são submetidas, sentem-se tão humilhadas a ponto de não se considerarem "gente", desumanizando-se, sem esperanças de viverem outra vida. Outras sonham em se casarem com algum cliente bondoso, pelos quais se apaixonam facilmente, e terem uma família, um lar, uma casa.

IX. A grande maioria desconhece os perigos da AIDS, chegando até a confundi-la com outras doenças, como a malária. A camisinha é majoritariamente desconhecida pelas meninas.

X. Como também desconhecem quaisquer métodos contraceptivos, engravidam com a mesma facilidade com que provocam abortos das mais variadas formas, pondo em risco suas próprias vidas por não obedecerem a regras mínimas de assepsia.

XI. A regra do "passe", comumente utilizada para a toca de jogadores de futebol entre times, também é praticada pelas boates, que trocam de meninas entre si para apresentarem maior rotatividade para seus clientes.

XII. Além de serem obrigadas a manterem relações sexuais com quem se dispuser a pagar pelo serviço, muitas meninas são estupradas por agentes da Polícia, que se aproveitam da prerrogativa de poderem prendê-las para abusarem sexualmente delas.

XIII. a exploração sexual de índias no interior da Amazônia Legal é impressionante. Os chefes das tribos, já ocidentalizados o suficiente para se encontrarem dependentes do álcool, oferecem suas índias, até suas esposas e filhas, em troca de cachaça.
 
 
 
 

CAPÍTULO IV

A prostituição infantil no Brasil

Dentre graves problemas sócio-jurídicos que afligem o país, merece destaque por sua ampla incidência a lamentável figura da prostituição infantil. Em dados citados pelo escritor e jornalista, Gilberto Dimenstein, em sua notória obra Meninas da Noite, na estatística realizada em 1992 pelo Centro Brasileiro para Infância e Adolescência divulgados pelo Ministério da Ação Social, estima que o número de meninas prostitutas no país chegue aos 500 mil. Cujo cálculo foi contestado, outrora, pela reportagem da revista Veja em edição de 1 de outubro de 1997 com a justificativa de que esse tipo de mercado sempre viveu "na bruma", o que deu margem à super estimativas. O que, mesmo em cifra de quantificações de menor porte, ao estimado pela pesquisa supra-citada, ainda, compreende uma situação fática de inquestionável problemática hodierna.
 
 
 

UNIVERDIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ

DEPARTAMENTO DE DIREITO - DIR

DISCIPLINA: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

PROFESSORA: JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ACADÊMICOS: SÉRGIO PAULO JACOBY

ÉRICA BEZERA QUIROZ

PAULO OSMAR VARGAS TITO

RICARDO

ANDRÉ FABIANO TORRI
 
 

  Florianópolis, novembro de 1997
 
 

Retirado de: http://www.ccj.ufsc.br/~nejusca/trabalhos/Prostituicao_infantil.htm