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PARLAMENTO EUROPEU
 

22 de Novembro de 1996

A4-0392/96

RELATÓRIO sobre o reforço da legislação e da cooperação entre os Estados-membros em matéria de adopção de menoresComissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos Relator: Carlo Casini


Na sessão de 15 de Fevereiro de 1995, o Presidente do Parlamento Europeu comunicou o envio da proposta de resolução apresentada, nos termos do artigo 45. do Regimento, pelos Deputados COLI COMELLI e DANESIN, em nome do Grupo Força Europa, sobre o reforço da legislação e da cooperação entre os Estados-membros em matéria de adopção de menores, à Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos, competente quanto à matéria de fundo.

Na sua reunião de 23 de Março de 1995, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos decidiu elaborar um relatório, para o que solicitou autorização, por carta de 24 de Março de 1995. Na sessão de 13 de Junho de 1995, o Presidente do Parlamento Europeu comunicou que a Conferência dos Presidentes havia autorizado a Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos a elaborar um relatório sobre esse assunto (e que a Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos, bem como a Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social, haviam sido encarregadas de emitir parecer).

Na sua reunião de 23 de Março de 1995, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos designara relator o Deputado Carlo Casini.

Nas suas reuniões de 27 de Novembro de 1995, 1 e 2 de Outubro de 1996, 28 de Outubro de 1996 e 19 de novembro de 1996, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos procedeu à apreciação do projecto de relatório.

Na última reunião, a comissão aprovou a proposta de resolução por dez votos a favor e sete abstenções.

Encontravam-se presentes no momento da votação os seguintes Deputados: Casini, presidente e relator; Rothley, primeiro vice-presidente; Palacio Vallelersundi, segundo vice-presidente; Barzanti, terceiro vice-presidente; Ahlqvist, Añoveros Trias de Bes, Berger, Colombo Svevo (em substituição do Deputado Janssen van Raay), Fabre-Aubrespy, Falconer, Ferri, Gebhardt, Gröner (em substituição do Deputado Cot), Lehne, Oddy, Schlecheter, Sierra Gonzalez e Zimmermann.

Os pareceres da Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos, bem como da Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social figuram em anexo ao presente relatório.

O relatório foi entregue em 22 de Novembro de 1996

O prazo para a entrega de alterações ao presente relatório constará do projecto de ordem do dia do período de sessões em que for apreciado.


A.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO
 

Resolução sobre o reforço da legislação e da cooperação entre os Estados-membros em matéria de adopção de menores

O Parlamento Europeu,

- Tendo em conta a proposta de resolução apresentada pelos Deputados Colli Comeli e Danesin em nome do Grupo Forza Europa, sobre a melhoria das leis relativas à adopção (B4-0568/94),

- Tendo em conta o artigo 45. do seu Regimento,

- Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

- Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989,

- Tendo em conta o Tratado da União Europeia, nomeadamente os artigos K.1, n. 6, e K.3 relativos à cooperação judiciária em matéria civil, bem como o artigo 220. do Tratado CE,

- Tendo em conta a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4 de Novembro de 1950,

- Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu de 16 de Março de 1989 sobre a fecundação artificial in vivo e in vitro1,

- Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu sobre os problemas das crianças na Comunidade Europeia de 13 de Dezembro de 19912,

- Tendo em conta a Convenção Europeia em matéria de Adopção de Crianças do Conselho da Europa de 24 de Abril de 1967,

- Tendo em conta a Convenção de 29 de Maio de 1993 sobre a Protecção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adopção Internacional,

- Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos, bem como os pareceres da Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos e da Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social (Doc. A4- 0392/96),

A. Considerando que o objectivo fundamental da adopção é o bem-estar da criança a adoptar e a protecção dos seus direitos,
B. Considerando que a criança deverá preferencialmente ser adoptada por uma família composta por um pai e uma mãe e que é necessário assegurar uma boa cooperação entre as instituições do Estado, as organizações não-governamentais e os candidatos à adopção,

C. Considerando que o menor, na medida do possível, tem o direito de ser educado pelos pais de origem; que, nos casos em que estes não possam educá-lo temporariamente, ele deve ser confiado a pessoas capazes de proteger a sua dignidade e os seus direitos, evitando, na medida do possível, colocá-lo numa instituição; que, caso se verifique uma situação de abandono real e constatado pelas autoridades competentes, o menor pode ser adoptado, rompendo-se, assim, as suas ligações com a família de origem,

D. Considerando que, através da adopção, a criança em estado de abandono se torna filho dos pais adoptivos,

E. Considerando que em todos os Estados da União se regista uma considerável queda da taxa de natalidade e, simultaneamente, uma elevada procura de adopções que pode apenas ser satisfeita numa reduzida percentagem, o que provoca o aumento das adopções internacionais,

F. Considerando que actualmente a figura jurídica da adopção corre o risco de degenerar, sobretudo no sector da adopção internacional, pelo que é necessário proceder a uma redefinição do seu significado como instrumento que atribui um lar a crianças abandonadas, independentemente da separação de fronteiras, com um controlo através de processos mais rigorosos, desde que esse rigor não impeça a prática da adopção,

G. Considerando que se recorrerá à adopção internacional unicamente quando não é, de facto, possível, nem sequer através de ajudas económicas e sociais, a permanência da criança na sua família de origem ou, pelo menos, numa família de acolhimentono seu país, mas que, quando a situação de abandono é efectiva, se deve dar preferência à adopção internacional, nomeadamente através de medidas de acompanhamento dos processos no estrangeiro que, por um lado, os tornem mais transparentes e, por outro lado, evitem dificuldades inúteis aos candidatos a adoptantes,

H. Considerando que, consequentemente, é indispensável que, na adopção internacional, se supere o actual regime privado que prevê para os processos que se desenrolem no estrangeiro a intervenção obrigatória de organismos autorizados, sem fins lucrativos, e sujeitos a um controlo público,

I. Considerando que existem outras soluções tais como a tutela ou o acolhimento temporário nacional e internacional para fazer face a situações de emergência decorrentes de conflitos armados ou de catástrofes naturais ou ainda do facto de os candidatos a asilo serem menores,

J. Considerando que é necessário criar um estatuto jurídico do adoptado que deve garantir, com base num sistema de cooperação entre os Estados, o reconhecimento recíproco das adopções realizadas nos Estados-membros,


1. Entende que qualquer intervenção legislativa ou administrativa que vise facilitar a adopção se deveria inserir sempre no âmbito de uma política activa de apoio económico e social às famílias em dificuldades e de medidas de apoio com vista a prevenir o abandono dos menores ou o seu internamento numa instituição;

2. Convida os Estados-membros a conceder o direito de adoptar às pessoas que vivem sós e em união de facto;

3. Solicita aos Estados-membros que não o tenham ainda feito que ratifiquem quanto antes a Convenção de Haia de 1993, pondo, assim, termo às disparidades existentes entre as legislações que prevêem uma competência da autoridade judicial e as que prevêem uma competência da autoridade administrativa em matéria de adopção;

4. Convida a Comissão e o Conselho a exercer uma pressão constante sobre os países terceiros, de onde são originários os menores adoptados nos países da União Europeia, a fim de que estes ratifiquem quanto antes a Convenção de Haia;

5. Considera que o carácter contratual da adopção prevista em alguns sistemas jurídicos nacionais com um controlo jurisdicional limitado à fase da homologação pode criar problemas de carácter ético e jurídico para além da relação entre os pais de origem e os pais adoptivos;

6. Reitera o princípio de que a adopção quer nacional quer internacional só pode verificar-se depois de o menor ter sido declarado em condições de ser adoptado pelas autoridades públicas competentes com a garantia de que o consentimento - caso seja necessário - por parte das pessoas, das instituições ou de quem detenha o poder parental tenha sido prestado livremente e por escrito;

7. Convida os Estados-membros a criar instrumentos destinados a preparar, apoiar e acompanhar os casais candidatos à adopção nacional e internacional;

8. Apela aos Estados-membros para que harmonizem o leque de idade em que os adoptantes têm o direito de se candidatar a uma adopção;

9. Solicita que, dadas as dificuldades decorrentes da adopção internacional, os Estados-membros apenas reconheçam idoneidade após a verificação da observância das condições exigidas relativamente aos candidatos a pais adoptivos;

10. Convida os Estados-membros a consentir que apenas as organizações públicas ou reconhecidas e autorizadas pelo Estado, sem fins lucrativos e que inspirem total confiança, intervenham nos processos de adopção;

11. Lamenta a insuficiência dos progressos registados no Capítulo VI do Tratado relativo aos assuntos internos e no domínio da justiça relativamente às ambições da União e aos desafios com que se defronta;

12. Convida o Conselho da Europa a prosseguir a sua acção jurídica e social relativa à política da família em geral e à adopção em particular, em colaboração com os Estados-membros, nomeadamente para desempenhar, juntamente com os Estados da Europa Central e Oriental (países fornecedores de crianças a adoptar), o seu papel de órgão de coordenação entre os países em transição democrática e os Estados de direito europeu;

13. Exorta o Conselho e a Comissão a reforçar, no âmbito da cooperação com os Estados associados, as suas actividades nos domínios jurídico e social relacionadas com as questões da adopção, tendo em conta as normas em vigor a nível internacional;

14. Solicita à Comissão Europeia que apresente propostas concretas relativas a acções adequadas que favoreçam a cooperação em matéria civil, destinadas, nomeadamente, a prevenir o abandono e a garantir, na medida do possível, que a criança permaneça na sua família de origem ou, consoante as situações, numa família adoptiva ou de acolhimento do seu país;

15. Considera indispensável que o Conselho adopte o mais rapidamente possível "acções comuns" com base no artigo K.3, n.2 (b) do TUE que visem:

- instaurar uma política de concessão de vistos para evitar que as crianças sejam objecto de práticas ilícitas levadas a cabo por redes de adopção internacional com o pretexto da livre circulação de pessoas na União Europeia,

- prevenir e lutar contra o tráfico de crianças,

- estabelecer um programa de desenvolvimento de iniciativas em matéria de formação e intercâmbios destinado aos responsáveis em matéria de luta contra o rapto e o tráfico de crianças,

- atribuir competência à unidade "Droga" da EUROPOL também para a luta contra o rapto e o tráfico de crianças;

16. Solicita às autoridades comunitárias competentes que incluam projectos específicos para a aplicação de programas de prevenção e de protecção das crianças abandonadas e que visem controlar, pelo país de origem, os intermediários necessários à adopção internacional;

17. Solicita que se inclua a dimensão europeia no âmbito da adopção internacional para, por um lado, formalizar os contactos entre as autoridades centrais designadas pelos Estados-membros e, por outro, criar instrumentos de decisão e de gestão adequados, em particular um centro de referências internacionais sob a forma de banco de dados informatizado e de uma unidade de investigação e de avaliação ao serviço das iniciativas em matéria de adopção;

18. Convida os Estados-membros a difundir o conceito de adopção como instrumento ao serviço dos direitos das crianças e não dos adultos, demonstrando, ao fazê-lo, o valor social da adopção como instrumento de acolhimento, mesmo nos casos em que os pais se recusem a criar os filhos num ambiente familiar adequado ou em que se deparem com dificuldades insuperáveis para o fazerem;

19. Encarrega o seu presidente de transmitir a presente resolução aos governos e aos parlamentos dos Estados-membros, à UNICEF, à Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, ao Conselho e à Comissão.


B.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

I. PREÂMBULO

A doutrina da adopção tem sofrido, ao longo da história, profundas transformações. Cabe, antes de mais, esclarecer que o presente relatório se irá debruçar exclusivamente sobre a adopção de menores, no quadro do interesse geral do Parlamento Europeu na promoção, por todos os meios ao seu alcance, dos direitos humanos e, mais concretamente, dos direitos da criança. É, por conseguinte, oportuno estabelecer uma distinção entre a concepção tradicional da adopção, decorrente do direito romano, que diz igualmente respeito aos adultos e é juridicamente estruturada com base no objectivo de dar um filho a quem os não possui e de atribuir direitos patrimoniais sucessórios, e a moderna adopção de menores, cujo escopo é dar uma família ao menor que a não possui. No nosso documento, é apenas este segundo tipo de adopção que está em causa.

As transformações sofridas pelo tipo de adopção de que nos ocupamos são transformações tanto de ordem cultural como transformações determinadas por mudanças concretas de aspectos factuais.

O conjunto destas transformações coloca a adopção numa encruzilhada da modernidade, em que o que está em causa é a nossa própria concepção dos direitos humanos, da família, das relações entre o Estado, os indivíduos e as estruturas sociais de base, e, inclusivamente, a própria definição de criança. Por outro lado, a mundialização dos problemas, as relações entre países ricos e países pobres, a facilidade de circulação e a evolução demográfica possuem reflexos de ordem prática na adopção. As próprias técnicas modernas de procriação artificial podem ser encaradas como uma alternativa à adopção ou, em certos casos mais extremos (aluguer de útero, maternidade sub-rogada, oferta de gestação de embriões "supranumerários" ou "supérfluos"), como uma extensão da mesma.

Trata-se de uma matéria particularmente sensível à diversidade dos sistemas jurídicos, já que se inscreve no domínio do direito internacional privado e envolve a circulação das pessoas. Neste âmbito, a cooperação judiciária em matéria civil e penal é considerada pela União como uma questão de interesse comum (artigo K.1) susceptível de justificar acções comuns, adoptadas pelo Conselho, por iniciativa da Comissão ou de um Estado-membro. Justifica-se, por conseguinte, plenamente o interesse do Parlamento Europeu por esta matéria.

II. ADOPÇÃO: UM PROBLEMA CULTURAL E POLÍTICO

A. O direito do menor à família

Há que, antes de mais, constatar a profunda transformação cultural ocorrida: a adopção de um menor é hoje encarada, já não como um meio de dar um filho a quem o não tem, mas, pelo contrário, como um meio de dar pais a quem os não tem. Embora esta abordagem seja actualmente objecto de um consenso generalizado, na prática, não é levada até ás suas últimas consequências jurídicas e culturais. Esta abordagem deve, aliás, entrar em linha de conta com outro ponto de vista, tantas vezes reafirmado, segundo o qual o menor deve ser reconhecido como pessoa jurídica, expressão que, embora imprópria de um ponto de vista jurídico (dado que nos modernos sistemas jurídicos, todos os seres humanos são considerados pessoas jurídicas), se revela eficaz na determinação dos comportamentos a adoptar na prática. Em resumo, é necessário não perdermos de vista que são os interesses das crianças e não os dos adultos que se trata de proteger.

A experiência tem demonstrado a função indispensável desempenhada pela família - caracterizada pela estabilidade, pela exclusividade e pela presença simultânea da figura masculina (o pai) e da figura feminina (a mãe) - na formação da personalidade. É verdade que este modelo familiar nem sempre produz os melhores resultados em termos de educação, mas é igualmente certo que é o modelo que maiores garantias oferece. É cada vez mais acentuada, quer a nível de correntes de pensamento, quer no âmbito do debate político actualmente em curso, a tendência para reconhecer a existência de outros modelos familiares, tendência essa que vai inclusivamente ao ponto de reclamar o reconhecimento jurídico dos casais homossexuais. Podemos, porém, abster-nos de participar neste debate, na medida em que é a defesa dos interesses dos menores que para nós está em causa. É evidente que compete às autoridades públicas apoiar as soluções que melhor defendam os interesses do menor e que maiores garantias lhe ofereçam. Por conseguinte, o direito do menor à família deve ser entendido como o seu direito a viver num ambiente familiar caracterizado pela orientação de um pai e de uma mãe, unidos entre si por uma relação estável de afecto mútuo. Pelos mesmos motivos, se deveria preferir a adopção plena por parte de um casal unido pelos laços do matrimónio à adopção por um casal em regime de união de facto ou à adopção por parte de uma pessoa só, na medida em que a primeira fornece maiores garantias de estabilidade. O princípio da defesa dos interesses da criança invalida quaisquer acusações de discriminação, que apenas se justificariam se o objectivo da adopção fosse, não a defesa dos interesses das crianças, mas sim a defesa dos interesses dos adultos. Pelos mesmos motivos, se deveria inverter a situação no que respeita à antiga abordagem da adopção, que a subordinava ao facto de não existirem filhos. A experiência da fraternidade constitui um factor estruturante da personalidade, permitindo, por essa mesma razão, encarar a possibilidade de preferir a adopção de mais de uma criança por uma família com filhos à adopção por um casal sem filhos, que nela procura a solução dos seus problemas pessoais. Na mesma linha de raciocínio, dever-se-á defender que vários irmãos abandonados sejam, de preferência, adoptados por uma mesma família. Empregou-se o termo "preferência" e não de forma casual, pois, obviamente, poderão ocorrer situações excepcionais, em que, por exemplo, a adopção por parte de uma pessoa só seja a única solução possível , preferível à manutenção da situação de abandono ou ao acolhimento num centro.

Não se trata, obviamente, de atribuir qualquer conotação negativa ao desejo de ter um filho. Pretende-se, tão somente, favorecer as opções mais consentâneas com a defesa dos interesses da criança, precisamente, fazendo-as coincidir com esse legítimo desejo. O direito do menor à família é, em primeiro lugar, o direito à família natural, ou seja, o direito a ser acolhido, reconhecido e amado por aqueles que o geraram. Fala-se, cada vez mais frequentemente, de um direito de cada ser humano à sua identidade, o qual implica a intangibilidade do seu património genético específico e o direito a conhecer as suas origens. Um dos aspectos deste direito à identidade está relacionado com o interesse de que se reveste para a criança a coincidência entre paternidade e maternidade biológica, por um lado, e paternidade e maternidade social, afectiva e legal, por outro. A nossa identidade está igualmente ligada à nossa origem e as incertezas e confusões que sobre este aspecto possam subsistir poderão induzir, na criança, uma incerteza negativa no tocante à sua identidade psicológica. Razão pela qual o abandono por parte dos progenitores biológicos jamais poderá ser considerada como algo de positivo. A adopção dos menores deve, em consequência, ser encarada como um instrumento altamente eficaz para reparar um mal, muitas vezes inevitável. Esta linha de raciocínio leva-nos a algumas importantes conclusões:
1. Qualquer política destinada a favorecer a adopção deverá ser sempre acompanhada de uma política muitíssimo determinada de assistência às famílias, por forma a evitar, em toda a medida do possível, o abandono de crianças;

2. Todas as formas de comércio de crianças para efeitos de adopção são totalmente inadmissíveis, não só porque contrárias à dignidade da pessoa humana, mas também porque constituiriam um inadmissível incentivo ao abandono de crianças por parte de progenitores que vivem na miséria;

3. A concepção contratual tradicional da adopção, derivada do direito romano, deveria ser abandonada. A família biológica não pode "ceder" o filho. O pressuposto da capacidade de um menor para efeitos de adopção não deverá ser o consentimento dos progenitores, mas sim a situação intransponível de abandono. O consentimento dos progenitores deve ser tido em consideração, sendo inclusivamente desejável, mas apenas enquanto elemento de prova da situação de abandono e instrumento consciente e privilegiado de cooperação dos progenitores com a sociedade, com vista à consecução do maior bem-estar possível da criança;

4. A pobreza jamais pode ser considerada como razão suficiente para subtrair um menor à tutela dos progenitores; a pobreza constitui, pelo contrário, um pressuposto para a concessão de assistência económica à família;

5. A família a que o menor tem direito não é apenas biológica, implicando, sobretudo, uma comunhão de afectos e um capacidades insubstituíveis em termos de educação. Na ausência destas características, a existência de família será meramente formal. Poderá, então, verificar-se um estado de abandono moral, algumas vezes mais prejudicial do que o abandono material, que justifique a intervenção pública, a fim de tornar possível a adopção;

6. O primado da família sobre o Estado impõe, no entanto, uma grande cautela, quer no tocante às declarações relativas à capacidade das crianças para sem adoptadas, quer, segundo as circunstâncias, no que respeita às tentativas de apoiar as famílias naturais, inclusivamente mediante formas de colocação temporária dos menores junto de outras famílias.

B . Consequências da queda da taxa de natalidade na adopção internacional

O desejo, por parte dos adultos, de ter filhos deve, em consequência, ser considerado não um direito, mas sim um instrumento natural, altamente positivo, para solucionar da melhor maneira os problemas de um menor abandonado. Torna-se, neste âmbito, necessário reflectir sobre uma outra grande transformação.

Tempos houve em que as crianças susceptíveis de serem adoptadas eram mais numerosas do que as famílias dispostas a acolhê-las. Actualmente, a situação inverteu-se em todos os Estados-membros da União, sendo muitos os pedidos de adopção e poucas as crianças com capacidade para serem adoptadas. Ouve-se, erradamente, repetir que os centros de acolhimento de menores se encontram cheios. De uma maneira geral, esta situação não se verifica nos Estados-membros da União, em cujos centros apenas permanecem os menores que ninguém quer (porque a procura incide maioritariamente sobre crianças de tenra idade e saudáveis) ou aqueles que não se encontram em situação de abandono total por parte dos progenitores biológicos. Naturalmente, a carência de crianças susceptíveis de adopção não é em si um mal, podendo ser interpretada como consequência de um maior grau de responsabilidade a nível da procriação e de uma maior relutância ao abandono. Pretendemos apenas constatar um facto, o qual gera consequências. A impressão colhida em todos os países da União é a de uma profunda complexidade e morosidade dos procedimentos. Na realidade, a escassez de crianças determina que a maioria das crianças com capacidade para serem adoptadas seja subtraída às famílias biológicas, o que exige inevitavelmente garantias jurídicas muito fortes. A principal consequência é, porém, o acentuado crescimento do número de adopções internacionais, que, em alguns países da União, supera actualmente o número de adopções de crianças do mesmo país. Os riscos de degeneração do instituto da adopção, determinado pela procura de menores no estrangeiro, designadamente, nos países em vias de desenvolvimento, são muitíssimo fortes. Os órgãos estatais europeus não possuem, com efeito, meios para controlar os processos no estrangeiro, onde a situação de pobreza disseminada em certos estratos da população torna fácil o comércio de crianças. Assinale-se, por outro lado, que o casal que se desloca a um território extracomunitário para efeitos de adopção se depara com enormes dificuldades: o desconhecimento da língua e dos processos, os problemas económicos, a interrupção da sua actividade laboral. Por outro lado, é imperativo garantir igualmente às crianças extracomunitárias as mesmas condições aplicáveis às crianças comunitárias, já que não se trata de crianças de "segunda". Há que ter igualmente presente que a transplantação de um menor para uma família de cultura e tradições completamente distintas das existentes no seu ambiente de origem poderá determinar graves dificuldades, quer para os adoptantes, quer para os adoptandos. De facto, pode inclusivamente verificar- se uma inaceitável concorrência entre Estados, organismos e particulares, pertencentes a diversos países e todos eles movidos pelo mesmo interesse de transferir para as nações respectivas crianças estrangeiras, a fim de satisfazer a procura dos casais nacionais. Por último, refiram-se as complicações geradas pelas relações entre sistemas jurídicos distintos. Não obstante, a adopção internacional não deve ser desencorajada, mas sim apoiada enquanto instrumento de solidariedade a nível mundial a que recorrer em casos extremos em que não seja possível encontrar famílias de acolhimento para as crianças nos próprios países e culturas em que nasceram. Estas reflexões acarretam as seguintes conclusões:

1. Antes de recorrer à adopção internacional, é necessário verificar se o problema do abandono dos menores em países estrangeiros poderá ser solucionado a nível local, mediante intervenções no âmbito da política familiar ou através da adopção local;

2. É necessário progredir no sentido da harmonização das legislações europeias, principiando pela ratificação e plena aplicação das convenções internacionais;

3. O regime de contratação privada deveria ser evitado e dever-se-ia prever a intermediação obrigatória de organismos ou entidades sob controlo público;

4. Os organismos e entidades em questão não deveriam ter fins lucrativos e os aspirantes à adopção apenas deveriam ser obrigados a reembolsar as despesas de acordo com tarifas pré-determinadas e uniformes;

5. Deveria ser consagrada uma atenção muito especial à preparação dos casais que solicitam a adopção internacional, cuja idoneidade deveria ser avaliada segundo critérios específicos. Estes casais deveriam ser apoiados e acompanhados, inclusivamente após lhes ter sido confiada a criança;

6. A União Europeia deveria prever, no âmbito da política de cooperação para o desenvolvimento, projectos específicos de ajuda à infância e de apoio e garantia às adopções internacionais. Seria igualmente desejável que os organismos de intermediação desenvolvessem igualmente acções de assistência ás famílias e aos menores em território estrangeiro, independentemente de qualquer intenção de adopção ;

7. As autoridades nacionais e comunitárias competentes deveriam prever e regulamentar o acompanhamento dos casais que se deslocam ao estrangeiro, a fim de simplificar os procedimentos e de os tornar mais transparentes.

Devemos, por último, procurar estabelecer se a diminuição do número de crianças entregue para adopção no território da União é, de facto, o reflexo de um maior sentido das responsabilidades e de uma menor quantidade de abandonos. O método tradicional de abandono - que consiste em abandonar, com riscos gravíssimos para a sua sobrevivência, os recém-nascidos em locais públicos - continua a ser correntemente praticado. É absolutamente inadmissível que situações semelhantes se reproduzam numa sociedade moderna e em que existe um tão grande número de famílias adoptantes disponíveis. É necessário e oportuno divulgar entre a população as leis que permitem a uma mãe não reconhecer o filho à nascença (salvaguardada a possibilidade de reconsiderar a decisão dentro de um determinado prazo). Dever-se-iam, em consequência, adoptar instrumentos rápidos e eficazes, tais como a instituição de números telefónicos especiais de intervenção rápida, com o objectivo de facultar às mães que não querem dar a conhecer a sua gravidez nem ficar com o filho a possibilidade de serem aconselhadas, a fim de disporem de alternativas ao infanticídio ou ao abandono do filho em locais públicos. Embora seja dificilmente aceitável para a nossa cultura que uma mãe possa não querer tornar público o nascimento de um filho, trata-se de um facto que, ainda que marginalmente, se verifica e a que é necessário dar uma resposta humana.

Para que essa resposta seja coerente, é igualmente necessário equacionar a questão da interrupção voluntária da gravidez, prática difundida e legal, nas suas diferentes formas e modalidades, em quase todos os países da União. As polémicas e as divergências, algumas vezes ásperas, em torno da legislação neste domínio não deverão ocultar uma convicção generalizada, aliás igualmente consagrada no texto de algumas legislações, a saber, que a interrupção da gravidez, praticada de acordo com as limitações impostas pela lei, deverá constituir um recurso de última instância, uma vez esgotadas todas as alternativas de acolhimento do nascituro. Neste contexto, a adopção é seguramente uma alternativa possível. Não se trata, é certo, de tornar o nascituro susceptível de adopção, na medida em que tal estaria em contradição com a responsabilidade da mãe e a sua liberdade de conservar a criança consigo, mas de difundir uma cultura da adopção, que, a nível educativos e dos meios de comunicação, ponha em evidência a existência de uma alternativa exequível à interrupção voluntária da gravidez.

Refira-se, por último, que o reduzido êxito dos métodos de procriação artificial in vitro, o seu carácter de intromissão no corpo da mulher, os problemas éticos gravíssimos que os mesmo colocam, sobretudo no que respeita ao inevitável desperdício e à selecção de embriões humanos, e o seu elevado custo em termos económicos requerem uma reflexão mais atenta e profunda sobre a questão da adopção, prática que deveria ser subsequentemente incentivada e cujas regras deveriam, por analogia, servir de critério para a regulamentação do novo fenómeno da procriação artificial.

II. ASPECTOS JURÍDICOS DA ADOPÇÃO

Dada a incerteza jurídica que lamentavelmente caracteriza muitos dos aspectos do regime da adopção internacional torna necessário, começaremos por precisar o quadro jurídico que regulamenta a protecção dos direitos da criança e, designadamente, a protecção que lhes é devida por parte da sua própria família e das autoridades públicas, passando, em seguida, a expor os princípios por que se deve nortear a adopção internacional. Por último, gostaríamos igualmente de centrar esta problemática no contexto comunitário, com particular incidência nas perspectivas que se oferecem no que respeita à adopção de acções comuns no âmbito das disposições do título VI do Tratado da União.

A) Sobre o quadro jurídico em que se inscreve a protecção da criança

Preocupado em garantir, a nível internacional, às crianças desenraizadas a atenção especial que a sua situação, particularmente vulnerável, exige, o Parlamento Europeu deverá providenciar no sentido de que a questão da adopção internacional seja plenamente enquadrada do ponto de vista jurídico.

Qualquer criança nacional da União Europeia deve desfrutar de todos os direitos enunciados no Tratado da União Europeia, em conformidade com as modalidades fixadas nas legislações nacionais e nos princípios do direito comunitário.

Todas as crianças a cargo de um nacional de um Estado-membro devem, independentemente da sua origem, poder beneficiar de todas as vantagens que a legislação comunitária concede à respectiva família.

Todas as crianças originárias de países terceiros cujos pais residem legalmente num Estado-membro da União Europeia devem poder beneficiar dos mesmos direitos que as crianças com cidadania europeia e da mesma igualdade de tratamento que os nacionais do país da União em que residem.

Nenhuma criança poderá ser objecto, no território da União, de uma discriminação baseada em considerações de nacionalidade, filiação, etnia, cor, sexo, língua, origem social, religião, estado de saúde, incluindo quando estas considerações se referem aos pais.

Face à preocupante deriva a que o lema de "uma criança a todo o custo seja por que preço for" conduziu, é um dever para a comunidade internacional e para União Europeia, em especial, encontrar uma resposta eficaz, a fim de moralizar a adopção de crianças estrangeiras.

A aprovação, ao cabo de catorze anos de negociações, em 29 de Maio de 1993, da Convenção de Haia sobre a protecção das crianças e a cooperação em matéria de adopção internacional, por 67 Estados, constitui um passo da maior importância. Este instrumento jurídico, cuja ratificação se encontra em curso - no caso da União Europeia, apenas foi ratificado pela Espanha -, vem completar, sem a eles se substituir, os instrumentos jurídicos bilaterais existentes nos Estados-membros da União, sem prejuízo da aplicação do princípio de subsidiariedade a esta matéria, tal como disposto no Tratado.

A Convenção de Haia constitui um instrumento jurídico multilateral ambicioso em matéria de adopção, que garante um elevado grau de protecção das crianças. Trata-se agora de assegurar a sua eficácia, nomeadamente através da promoção de uma ratificação o mais lata possível, por forma a proteger o maior número possível de crianças no mundo. Esta dimensão universal do instrumento jurídico pode, com efeito, constituir uma resposta adequada à dimensão mundial da adopção, nisso consagrando o carácter obsoleto dos instrumentos regionais que haviam sido concebidos por países geográfica e culturalmente próximos (a Convenção Europeia de 24 de Abril de 1967 ou ainda a Convenção Interamericana de La Paz de 29 de Maio de 1984).

O campo de aplicação da Convenção de Haia é muito lato. Obrigatória, tal como consagrado no seu artigo 2., esta convenção aplica-se desde que o projecto de adopção assente na deslocação de uma criança com menos de 18 anos entre dois Estados contratantes. Nela se contemplam todas as formas de adopção, desde que criando um vínculo de filiação, que exclui, em consequência, a "leafala" do direito muçulmano.

Sem pretender uniformizar o direito internacional privado em matéria de adopção, a Convenção de Haia visa, principalmente, favorecer a cooperação, nisso constituindo, acima de tudo, um Tratado de cooperação. Pragmático, este acordo privilegia, com efeito, a cooperação entre autoridades no domínio da harmonização dos processos e das soluções a adoptar em caso de conflitos de leis. A convenção não se ocupa directamente das decisões de adopção em si mesmas, antes centrando o seu articulado nos aspectos situados a montante e a jusante da adopção.

São, com efeito, o tráfico de crianças, nas suas várias formas, e as situações jurídicas confusas que constituem posteriormente os maiores atentados aos superiores interesses da criança. Torna-se, pois, necessário colocar efectivamente a tónica nas fases em que os riscos de tráfico são maiores, ou seja, a situação jurídica da criança abandonada, o processo que conduz à colocação da criança numa instituição ou junto dos seus futuros pais adoptivos e a validade internacional da decisão de adopção, tudo isto a fim de garantir a segurança jurídica da criança adoptada e uma relativa coerência do seu estatuto.

B) Os princípios directores da adopção internacional

São quatro os princípios directores que constituem a filosofia de qualquer projecto de adopção internacional. Todos estes princípio têm a sua origem na Convenção das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1989 sobre os Direitos da Criança.

É indispensável uma consagração internacional do princípio do superior interesse da criança, e a constante reafirmação deste princípio tem por objectivo afirmar energicamente que é acima de tudo e fundamentalmente o interesse da criança que é necessário determinar e satisfazer; trata-se, efectivamente, de dar uma família à criança e não de dar crianças a uma família.

O princípio da subsidiariedade foi afirmado pela primeira vez na alínea b) do artigo 21. da Convenção da ONU e encontramo-lo igualmente consagrado no Tratado da União. A adopção internacional apenas deve ser encarada na impossibilidade de encontrar uma solução a nível nacional, nomeadamente quando não seja possível encontrar no Estado de origem da criança uma família de acolhimento "adequada".

A Convenção de Haia consagra solenemente este princípio, confiando a responsabilidade do controlo da sua aplicação exclusivamente às autoridades do Estado de origem. São estas autoridades que efectivamente detêm as melhores condições para o exercício desta responsabilidade.

A passagem obrigatória por intermediários autorizados constitui uma garantia internacional da adopção. Qualquer filosofia em matéria de adopção internacional deve ter por objectivo levar os candidatos à adopção de uma criança estrangeira a solicitar a intervenção de intermediários autorizados e claramente identificados. É formalmente rejeitada a adopção levada a cabo de forma individual. Em conformidade com as disposições do artigo 14. da Convenção de Haia, os candidatos à adopção devem dirigir-se à autoridade central do Estado onde residem habitualmente.

Trata-se de uma opção importante, que merece ser sublinhada. Esta orientação ditada pelos autores do texto da Convenção de Haia merece a nossa aprovação, na medida em que, efectivamente, constitui uma das condições indispensáveis à moralização da adopção internacional.
Foi o mesmo espírito que presidiu a proibição de contactos directos entre os candidatos adoptantes, o adoptando e a sua família biológica ou os seus representantes, enquanto não tiverem sido concedido o necessário consentimento.

C) A adopção no contexto da cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos

Há que, antes do mais, constatar que a adopção, enquanto tal, constitui uma matéria que se inscreve no âmbito das competências exclusivas dos Estados-membros. Não obstante, as legislações nacionais são por vezes divergentes, o que pode levantar alguns problemas; por outro lado, podem daí advir entraves à livre circulação das crianças; por último, salientamos a importância de que se reveste o problema do tráfico de crianças, no contexto da adopção. Estes dados não pretendem de forma alguma ser exaustivos.

Tem-se assistido nos últimos anos a uma tomada de consciência relativamente à necessidade de uma cooperação europeia e internacional, nomeadamente nos seus aspectos civis e penais, sendo disso testemunho os últimos trabalhos do Conselho, no âmbito do título VI do Tratado da União Europeia.

Foi assim que o Conselho "Justiça e Assuntos Internos" de 25 e 26 de Setembro de 1995 decidiu incluir a questão da guarda das crianças no âmbito da aplicação da Convenção relativa à Competências Judiciária e à Execução das Decisões em Matéria Matrimonial3. Na mesma reunião, o Conselho adoptou conclusões sobre o terrorismo e outras formas de criminalidade grave, preconizando um reforço da colaboração policial em matéria de intercâmbio de informações e uma harmonização das legislações nacionais susceptível de facilitar a realização deste objectivo.

Nas conclusões da Presidência espanhola (Madrid, 15 e 16 de Dezembro de 1995), o Conselho Europeu formulou o desejo de que, em matéria de cooperação judiciária, os trabalhos se concentrassem, nomeadamente na entre ajuda judiciária em matéria penal, bem como na extensão da Convenção de Bruxelas e na transmissão dos actos em matérias civis.

Em 27 de Setembro de 1996, a Presidência do Conselho "Telecomunicações" declarou que será necessário adoptar medidas concretas no domínio da protecção dos menores face a uma utilização ilegal da INTERNET.

Todas estas iniciativas são, no seu conjunto, o reflexo da necessidade generalizadamente sentida de adoptar medidas, a nível europeu, que visem, por um lado, a prevenção e a luta contra a criminalidade que tem os menores por objecto e, por outro, reforçar a cooperação judiciária (em matéria penal e civil). No domínio da adopção internacional, trata-se essencialmente de prevenir e de lutar contra o rapto, a venda ou o tráfico de crianças e, igualmente, de tomar as disposições necessárias para que a adopção respeite, na prática, o superior interesse da criança e os seus direitos fundamentais. Neste âmbito, o Tratado da União consagra os seguinte domínios enquanto "assuntos do interesse comum":

- a cooperação judiciária em matéria civil;
- a cooperação judiciária em matéria penal; - a cooperação policial tendo em vista a prevenção e a luta contra certas formas de criminalidade internacional;

(vide n. 3, alíneas 6), 7) e 9), do artigo K.1). Para esse efeito, o Tratado prevê nomeadamente a adopção de "(...) acções comuns, na medida em que os objectivos da União possam ser melhor realizados por meio de uma acção comum que pelos Estados-membros actuando isoladamente, atendo à dimensão ou aos efeitos da acção prevista(...)" (n. 2, alínea b), do artigo K.3). Iremos seguidamente analisar estas três vertentes.

1) Cooperação judiciária em matéria penal

Embora apenas disponhamos de dados meramente estimativos, podemos afirmar que, sob determinadas formas, a adopção é ilegal. Pode, nesses casos, a adopção ser comparada um tráfico de crianças, que convém combater com a mais firme determinação; é a razão pela qual se torna necessário que a União adopte uma estratégia a nível penal para erradicar estas práticas internacionais prejudiciais à criança.

Essa estratégia é tanto mais necessária, na medida em que a definição dos delitos pode diferir de um Estado para outro. Face a redes situadas no exterior da União, é igualmente possível que o autor não caia sob a alçada do poder judicial do Estado em que o delito foi cometido. Ora, na medida em que o direito penal não é aplicável senão no interior das fronteiras nacionais e que mercê desse facto as actividades criminosas relacionadas com o rapto e o tráfico de crianças correm o risco de permanecerem impunes, torna-se, em consequência, indispensável que, por um lado, os Estados punam, nos respectivos códigos penais, este tipo de crimes com penas equivalentes e, por outro, que a cooperação em matéria de direito penal e de polícia seja reforçado entre os Estados-membros da União e que o mesmo tipo de cooperação seja estabelecido com os Estados terceiros de onde é proveniente a maior parte das crianças em situação de adopção internacional.

Recordaremos, neste âmbito, que os ministros da Justiça e dos Assuntos Internos adoptaram, na reunião de 26 e 27 de Setembro último, em Dublim, um acordo político destinado a reforçar a cooperação policial no quadro da Convenção Europol contra a pedofilia e o tráfico de crianças e mulheres.

Será agora necessário que o Conselho conduza a bom termo os trabalhos que já iniciou e, designadamente, que:

- com base no n. 2, alínea b), do artigo K.3 do TUE, adopte, com a maior urgência, uma acção comum, destinada a combater de forma rigorosa o tráfico de crianças, não só quando ligado aos casos mais graves de exploração sexual, mas também quando o mesmo visa a adopção de crianças num outro país; o tráfico deveria ser igualmente qualificado como sendo um "delito" punível pelas disposições de direito penal de todos os Estados-membros; cada Estado-membro deveria, além disso, prever a responsabilidade (criminal ou civil) das pessoas colectivas implicadas, sem prejuízo da responsabilidade das pessoas singulares igualmente implicadas, bem como a aplicação às mesmas das disposições da Directiva 91/305 de 10 de Junho de 1991 sobre branqueamento de capitais; cada Estado-membro poderia velar pela criação de uma estrutura administrativa específica a nível nacional e/ou regional, competente para combater o tráfico de crianças, e que operasse em estreita cooperação com as autoridades nacionais competentes no domínio da polícia, da emigração e da segurança social, bem como com as várias estruturas homólogas criadas nos outros Estados-membros; estas últimas deverão comunicar às restantes todos os casos de desaparecimento de crianças de que tomem conhecimento;

- adopte, com a maior brevidade, uma "acção comum", baseada no n. 2, alínea b), do artigo K.3, com vista à implementação de um programa de desenvolvimento de iniciativas coordenadas no âmbito da luta contra o tráfico de crianças e dos desaparecimentos de menores; este programa visaria, à semelhança do programa "Grotius", entre os demais aspectos, a formação, intercâmbios e estágios, bem como a circulação de informações, e destinar-se-ia aos juízes, procuradores, serviços de polícia, funcionários públicos, serviços competentes em matéria de imigração e de controlo nas fronteiras, de direito social e de direito fiscal, bem como aos organismos de direito público ou privado competentes em matéria de crianças;

- adopte uma acção comum, com base no segundo parágrafo, alínea b), do artigo K.3, que preveja a extensão das competências da unidade "Droga" da EUROPOL aos casos de rapto e de tráfico de crianças.

O Parlamento Europeu deveria ser consultado sobre estas acções comuns e os respectivos pontos de vista "devidamente tomados em consideração", em conformidade com o disposto no terceiro parágrafo do artigo K.6 do TUE.

Paralelamente a estas acções, dever-se-ia, bem entendido, reforçar a cooperação, a nível internacional, com os países terceiros de onde são originárias as crianças, sendo desejável, neste âmbito, que o Parlamento continue a efectuar, junto das instâncias políticas adequadas, as diligências necessárias com vista à assinatura e ratificação, nomeadamente, da já atrás citada Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 por todos os Estados-membros.

2. A cooperação judiciária em matéria civil

A cooperação judiciária em matéria civil deveria facilitar, sem prejuízo das medidas adoptadas pelos Estados-membros em matéria de regulamentação, o exercício dos direitos das pessoas, mediante uma maior cooperação em matéria de adopção. Esta poderia, mais particularmente, visar a transmissão e o reconhecimento dos actos judiciários e extrajudiciários, por um lado, e a simplificação do intercâmbio sistemático de informações entre as autoridades administrativas competentes em matéria de família e adopção, por outro.

Trata-se de promover a aproximação entre a legislação e as práticas existentes com vista à supressão de todos os entraves legais e judiciários injustificados e que decorrem tanto do direito civil e do processo civil como das práticas administrativas. Estes entraves são, com demasiada frequência, factores de discriminação e de impedimento da igualdade de acesso à justiça e às instâncias administrativas.

Neste âmbito, seria conveniente apoiar as seguintes iniciativas que o Conselho tenciona adoptar durante os dois próximos anos:

- projecto de convenção sobre a transmissão dos actos judiciários e extrajudiciários em matéria civil e comercial;
- projecto de convenção "Bruxelas II"(matéria matrimonial e guarda de crianças);
- implementação de uma acção comum relativa aos magistrados de ligação e avaliação da oportunidade de criar uma rede de magistrados de contacto.
Seria desejável que os trabalhos do Conselho produzissem resultados com a maior brevidade possível.

Os Estados-membros deveriam concentrar, por outro lado, os seus esforços nos seguintes domínios:

- transparência dos processos de adopção;
- encurtamento dos prazos de adopção;
- equivalência/reconhecimento das decisões administrativas e judiciárias;
- constituição de uma lista de peritos (redes de peritos susceptíveis de elaborar uma carta deontológica em matéria de adopção).


Anexo I

Proposta de resolução apresentada nos termos do artigo 45. do Regimento pelos Deputados Coli Comelli e A. Danesin, em nome do Grupo FE, sobre a melhoria das leis relativas à adopção
(B4-0568/94)

O Parlamento Europeu,

A. Tomando conhecimento de que, em diversos países da União Europeia, as diligências que é necessário empreender para a adopção de um menor são extremamente difíceis, se não mesmo deveras desencorajantes, devido a inultrapassáveis dificuldades de ordem burocrática,

B. Considerando que, na União Europeia, existem centenas de milhar de crianças que aguardam adopção e que essas condições as obrigam a viver numa situação de carência afectiva e, frequentemente, de isolamento em instituições que nem sempre têm capacidade para assegurar uma qualidade de vida adequada,

C. Consciente do facto de que no exterior da União Europeia a situação se apresenta em termos muito mais graves, chegando a assumir formas dramáticas;

1. Solicita que a União Europeia assuma um compromisso muito preciso a fim de atingir um justo objectivo de dignidade e igualdade de condições para um tão elevado número de crianças, bem como assegurar a prossecução do objectivo principal de todas as famílias que consiste na educação dos seus filhos;

2. Solicita à Comissão e ao Conselho que elaborem um conjunto de disposições destinadas a simplificar os procedimentos burocráticos para a adopção de menores;

3. Salienta a necessidade de analisar, com extrema prudência (tanto do ponto de vista moral como psicológico), a possibilidade de alargar a prática da adopção a pessoas que vivem sós mas que apresentam as condições adequadas.


PARECER

(Artigo 147. do Regimento)

emitido pela Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos e

destinado à Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos

Relatora de parecer: Deputada Viviane Reding

Na sua reunião de 29 de Setembro de 1995, a Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos designou relatora de parecer a Deputada Viviane Reding.

Nas suas reuniões de 31 de Outubro e 11 de Novembro de 1996, a comissão procedeu à apreciação do projecto de parecer.

Na última reunião, a comissão aprovou as conclusões que seguidamente se expõem por unanimidade.

Participaram na votação os seguintes Deputados: Marinho, presidente; Colombo Svevo, vice- presidente; Reding, relatora de parecer; D'Ancona, Berger (em substituição da Deputada Crawley), Caccavale, Camisón Asensio (em substituição do Deputado D'Andrea), Cederschiöld, Chanterie (em substituição do Deputado Stewart-Clark), De Esteban Martin, Deprez, Elliott, Haarder, Lambrias (em substituição do Deputado Posselt), Lehne, Lööw, Oostlander (em substituição do Deputado Linzer), Nassauer, Pailler, Pradier, Terrón i Cusi e Zimmermann.


I. INTRODUÇÃO

Criado a fim de assegurar a transmissão do património, o instituto da adopção não constituía, originariamente, uma forma de filiação. Efectivamente, tratava-se de um contrato celebrado entre o adoptante e o adoptado e só era possível a favor de maiores. Felizmente, esta noção evoluiu e, nos nossos dias, a sociedade reconhece que, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, a criança deverá crescer num meio familiar, num clima de felicidade, amor e compreensão. Consequentemente, a adopção tem hoje por objectivo primordial dar uma família aos menores que não a possuam, tendo em conta o interesse superior da criança e o respeito dos direitos fundamentais que lhe são reconhecidos a nível do direito internacional.

II. ADOPÇÃO: PROBLEMA DE SOCIEDADE

Dado o seu conteúdo afectivo, psicológico, moral e educativo e o impacto que tem na opinião pública, a adopção é um dos problemas da sociedade.

Na União Europeia verificam-se, anualmente, entre 30 e 35 mil adopções plenas, o que é aritmeticamente pouco significativo se comparado com os 13.5 milhões de nascimentos registados durante o mesmo período: uma relação de 1 para 100. aliás, este número de 35.000 adopções corresponde apenas a um quarto dos pedidos formulados. Tal situação resulta:

- da disparidade dos regimes jurídicos relativos à adopção entre os Estados-membros;

- da rigidez e complexidade das diligências requeridas;

- do facto de a criança se ter tornado mais "rara" e mais "preciosa" e de a oferta ser inferior à procura.

A redução do número de adoptandos na União Europeia é uma consequência dos progressos verificados na contracepção e na IVG, do trabalho das mulheres, da diminuição dos números de casamentos, do aumento do número de segundas uniões que atrasam a idade da maternidade, do facto de os pais, mesmo debatendo-se com grandes dificuldades, não desejarem separarem-se dos filhos.

A situação descrita supra dá lugar a um incremento das adopções internacionais, as quais suscitam outros problemas. Com efeito, a adopção de crianças oriundas de países em vias de desenvolvimento (PVD) representa, há já alguns anos, um fenómeno mundial que coloca diversos problemas administrativos e jurídicos devidos ao afastamento geográfico e às diferenças das culturas (jurídicas) em causa, e, em particular, a um aumento exponencial das práticas de adopção irregulares, que se traduzem frequentemente no rapto e no tráfico de crianças.

Todos os anos, cerca de 25.000 crianças são objecto de adopção internacional. Todavia, é preciso não esquecer que há mais de 200 milhões de crianças abandonadas no mundo que necessitam de uma família.

Neste contexto, entendemos que é fundamental, no âmbito do presente parecer, o reforço da protecção da criança, dos seus direitos e dos seus interesses, nomeadamente a nível da adopção e no âmbito do mercado único, que implica a abertura das fronteiras, e do incremento das adopções internacionais, por sua vez, que favorecem um novo flagelo: o tráfico de crianças.

III. ADOPÇÃO: INSTRUMENTOS JURÍDICOS

A importância de que se reveste esta matéria não passou despercebida às instituições internacionais. Deste modo, a Convenção da ONU sobre os direitos da criança, de 1989, coloca problemas tais como a adopção e o tráfico de crianças nos seus artigos 20., 34. e 35.. O Conselho da Europa adoptou, em 24 de Abril de 1967, a Convenção Europeia em matéria de adopção de crianças. A Organização de Estados Americanos adoptou, em 1984, a Convenção sobre o conflito de leis em matéria de adopção de menores. Todavia, a Convenção sobre a protecção de crianças e a cooperação em matéria de adopção internacional, adoptada em 29 de Maio de 1993, por ocasião da 17. sessão da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (CDIP), constitui, sem dúvida, o instrumento jurídico mais completo neste domínio. O texto de Haia parte do princípio de que o interesse superior da criança reside na "manutenção na sua família de origem" ou, pelo menos, "no seu Estado de origem". Reconhece, porém, que, na impossibilidade de tal se verificar, "a adopção internacional pode apresentar a vantagem de proporcionar uma família permanente". Deste modo, o escopo principal que se prossegue é possibilitar a adopção "instaurando o sistema de cooperação entre os estados". A convenção prevê, sobretudo, que os Estados signatários designarão uma autoridade central incumbida de "seleccionar", conforme os casos, os adoptandos e os adoptantes, e de cooperar com os seus homólogos a fim de levar a bom termo a operação de adopção. Este sistema baseia-se num determinado número de princípios comuns, tais como o respeito e interesse superior do menor, o consentimento livre e sem quaisquer contrapartidas das pessoas implicadas e a proibição de ganhos indevidos numa adopção.

A nível comunitário, a problemática da adopção foi abordada pelo Parlamento Europeu, em diversas ocasiões, mediante a apresentação de propostas de resolução e de diversas perguntas escritas e pelo Comité Económico e Social, que aprovou um parecer sobre este tema em 1 de Julho de 1992. Nem a Comissão nem o Conselho tomaram qualquer iniciativa, atendendo a que estas instituições consideram não ter competência para abordar este tema. O Tratado da União Europeia não prevê, efectivamente, competências explícitas no domínio da adopção de crianças. Impõe-se, no entanto, uma acção a nível da União a este domínio e, nomeadamente, na luta contra o tráfico de crianças. Em conformidade com o artigo 220. do Tratado CEE, bem como no espírito do título VI do TUE, que tem em vista criar um espaço judicial europeu, seria desejável uma aproximação das legislações dos quinze relativas à adopção e, nomeadamente, no que respeita aos procedimentos existentes, assim como uma estratégia de prevenção no domínio da luta contra o crime organizado internacional que gere o tráfico de crianças com vista à adopção.

Neste contexto, a acção da União a nível da adopção poderia ter com base jurídica o artigo F, que faz referência ao respeito da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950 (e, consequentemente, de todas as convenções adoptadas no seu quadro, nomeadamente a Convenção em matéria de adopção de crianças, de 1967), bem como o artigo K.1 (6) sobre a cooperação judiciária em matéria civil. Consequentemente, o Conselho poderia adoptar uma acção comum com base no artigo K.3, tendo em vista aproximar as legislações nacionais competentes. Verifica-se, pois, uma relação de complementaridade entre as disposições do primeiro pilar e as do terceiro pilar.
Por outro lado, a Conferência Intergovernamental de 1996 deverá igualmente examinar a possibilidade de introduzir no futuro Tratado revisto disposições relativas aos direitos da criança e da família.

IV. ADOPÇÃO: MELHORIA DOS PROCEDIMENTOS

Não se poderá falar de grandes divergências entre os procedimentos relativos à adopção que existem nos diversos Estados-membros. Algumas diferenças subsistem, e seria desejável proceder a uma aproximação dos procedimentos, conferindo-lhes mais simplicidade, segurança e justiça.

Em primeiro lugar, o interesse superior da criança deverá constituir sempre o fundamento das legislações, procedimentos e meios relativos à adopção.

Num processo que conduz à adopção de uma criança há várias entidades implicadas: autoridades judiciais, autoridades regionais ou locais, agências especializadas. Seia aconselhável, conforme previsto na Convenção de Haia, artigo 6., que cada Estado-membro criasse um organismo nacional de coordenação de adopção (ONCA), incumbido de centralizar os dossiers dos adoptandos que residam no território nacional e as adopções de crianças nascidas no estrangeiro e de registar os pedidos de aprovação, coordenando a acção dos diferentes serviços implicados.

Apenas as autoridades públicas competentes, nomeadamente a ONCA e os organismos privados especializados, devidamente autorizados pelo Estado, poderão intervir na adopção.

Nesta perspectiva de melhoria dos procedimentos conducentes à adopção, e no âmbito da livre circulação criada pelo mercado único, seria aconselhável que os Estados-membros aderissem à Convenção de Haia supramencionada, o que constituiria um primeiro passo de concertação entre os Estados da União nesta matéria. Atendendo, porém, ao facto de os Estados europeus serem essencialmente "importadores" de crianças adoptáveis, é fundamental que os Estados da Ásia e da América Latina adiram igualmente à Convenção, que assegura aliás o reconhecimento pelos estados signatários das adopções a realizar em conformidade com as suas disposições.

V. TRÁFICO E VENDA DE CRIANÇAS À ESCALA INTERNACIONAL COM VISTA À ADOPÇÃO

O tráfico ilícito de crianças com vista à sua adopção não constitui uma novidade; embora em escala mais reduzida, remonta aos anos 50.

Hoje, este tráfico adquiriu uma dimensão mundial, implicando diversos países da Ásia, da América Latina e da Europa Oriental, por um lado, e os países da América do Norte e da Europa Ocidental, por outro.

O tráfico de crianças obedece a vários métodos: a compra, o consentimento obtido por métodos fraudulentos ou de coacção no rapto de crianças. Estes métodos podem ser combinados (por exemplo, pode exercer-se pressão sobre os pais para venderem o filho); além disso, será difícil dizer, em determinados casos, se o menor foi raptado ou se os pais biológicos deram o seu consentimento.
Em alguns países, juristas e notários, trabalhadores no âmbito da segurança social (por vezes mesmo os que são designados pelos tribunais), hospitais, médicos, estabelecimentos para crianças, transformados em verdadeiras "baby farms", e muitos outros conjugam esforços para obter crianças e tirar partido do desespero dos pais, nomeadamente das mulheres, que se encontram em situação aflitiva.

Para que o tráfico seja bem sucedido, é indispensável que o menor abandone o país de origem de forma legal ou aparentemente legal.

Há várias formas de dissimular a verdadeira situação de um menor, por exemplo:

- os clientes, "pais", podem declarar que o menor é seu filho e passando por obter uma falsa certidão de nascimento como comprovativo desse laço de "parentesco";

- uma falsa mãe pode reconhecer o menor como sendo seu filho e assinar de imediato uma declaração de abandono que abre caminho a uma adopção por clientes que residam no estrangeiro;

- o cliente, pretenso "pai", reconhece o menor como sendo seu filho e este é subsequentemente adoptado pela mãe adoptiva.

Atendendo aos interesses financeiros que frequentemente envolvem as adopções internacionais, é necessário que as agências que organizam este tipo de adopções sejam vigiadas. Para impedir eventuais abusos, será necessário que sejam aplicadas as garantias previstas nas convenções internacionais pertinentes, nomeadamente na Convenção de Haia. A colocação familiar deve ser efectuada pelas autoridades ou organismos competentes reconhecidos para o efeito e no respeito de garantias equivalentes às que são utilizadas em matéria de adopção nacional.

Finalmente, atendendo à inexistência de um sistema repressivo deste tráfico a nível internacional, é evidente que a União deverá dotar-se dos instrumentos operacionais para colmatar esta falha. Consequentemente, poderia prever-se (eventualmente através de uma acção comum) alargar as funções da Europol às organizações que controlam o tráfico de crianças, no âmbito das responsabilidades da Europol em matéria de tráfico de seres humanos.

VI. CONCLUSÕES

A Comissão das Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos insta a Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar no seu relatório as seguintes conclusões:

1. O interesse superior do menor deverá constituir sempre o fundamento das legislações, procedimentos e meios relativos à adopção. A adopção constitui o instrumento para dar uma família às crianças que não a possuam.

2. Os Estados-membros deverão ratificar quanto antes a Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional, adoptada em 29 de Maio de 1993 pela Conferência de Haia em Direito Internacional Privado (CDIP).
3. A Comissão e o Conselho deverão exercer uma pressão constante sobre os países terceiros, de onde são originários os menores adoptados nos países da União, a fim de que estes ratifiquem quanto antes a Convenção de Haia.

4. A Conferência Intergovernamental de 1996 deverá examinar a possibilidade de introduzir no futuro tratado revisto disposições relativos aos direitos da criança e da família.

5. A fim de evitar o tráfico internacional de crianças, os Estados-membros deverão prever nas respectivas legislações nacionais os seguintes princípios:

- Qualquer pessoa jurídica, de direito público ou privado, que transmita menores com vista à sua adopção deve receber previamente a aprovação do organismo de tutela nacional. Não serão aceites adopções através de organismos não reconhecidos.

- Para os adoptantes nacionais de um país da União, serão aplicadas as leis em vigor no país da residência permanente. A adopção será, seguidamente, reconhecida nos outros Estados- membros.

- Para uma adopção plena, deverá ser previamente apresentada a prova formal do abandono legal do adoptando.

- A adopção de uma legislação que permita processar directamente os próprios cidadãos autores de tráficos destinados à adopção, ainda que cometidos no estrangeiro.

6. O Conselho e a Comissão devem estudar aprofundadamente a possibilidade de estabelecer um código de conduta e de prática comunitária em matéria de adopção, de modo a permitir uma melhor coordenação das diferentes legislações em matéria de adopção.

7. A entrada ilegal de menores deverá ser combatida com base numa abordagem uniforme na União, e o Sistema de Informação Schengen poderá ser utilizado neste âmbito.

8. A União deve encarar a possibilidade de alargar as funções da Europol igualmente às organizações que controlam o tráfico de crianças com vista à sua adopção, no âmbito das responsabilidades da Europol em matéria de tráfico de seres humanos.

9. Exorta os Estados-membros a darem a possibilidade às crianças que sejam adoptadas por cidadãos da União e que provenham de fora dela de adquirir a nacionalidade do país em questão.


PARECER
(Artigo 147. do Regimento)

destinado à Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos

sobre a melhoria das leis relativas à adopção

Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social

Relatora de parecer: Deputada Luisa Todini


Na sua reunião de 5 de Setembro de 1995, a Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social, designou relatora de parecer a Deputada Luisa Todini.

Nas suas reuniões de 24 de Outubro e de 24 de Novembro de 1995, a comissão procedeu à apreciação do projecto de parecer.

Na última reunião, a comissão aprovou as conclusões por unanimidade.

Participaram na votação os seguintes Deputados: Dillen, presidente; Ahlquist, Aparicio Sanchez, Arroni, Azzolini (em substituição de Todini), Barzanti (em substituição de Augias), Berend (em substituição de Banotti), de Coene, Holm (em substituição de Ripa di Meana), Leperre-Verier, Mouskouri, Pack, Ryynanen e Seillier.


INTRODUÇÃO

A adopção de menores suscita, em todos os países da União, numerosas questões de ordem jurídica, administrativa, ética e cultural.

Cada uma das nossas sociedades nacionais se baseia em valores e princípios éticos e culturais que diferem, nomeadamente, no domínio da família. Todavia, existem questões comuns em todos os países membros da União, que foram objecto de intercâmbios de experiências e informações, bem como de seminários e conferências organizados pela Comissão Europeia por ocasião do Ano Europeu da Família.

A fim de resolver os problemas que têm a ver com o direito internacional privado, foi assinada, em 1965, em Haia, uma Convenção sobre a adopção de crianças: foi ratificada por todos os países membros da União com excepção do Reino Unido.

A aplicação da Convenção e da legislação relativa aos direitos das crianças -e, logo, à adopção - são essencialmente da competência dos Estados-membros.

O problema de uma intervenção comunitária através de um instrumento jurídico levantou-se contudo muitas vezes: tal problema merece um estudo atento por parte do Parlamento Europeu.

Há que salientar em primeiro lugar o facto de, em numerosos países membros, a legislação nacional ter evoluído passando do princípio

"deve-se facilitar a adopção de menores por parte das famílias que não têm filhos"

para o princípio

"deve-se facilitar a adopção de menores para dar uma família às crianças que a não têm".

Esta evolução permitiu, inter alia, dar prioridade aos direitos e ao bem estar das crianças quando há que estabelecer as condições nas quais a adopção é permissível, condições ligadas à idade, à situação económica, social e ambiente dos pais adoptivos.

Em diversos Estados-membros, a legislação em matéria de adopção - se bem que dando prioridade aos interesses das crianças - tem em conta a existência de família monoparentais e de uniões de facto.

O melhoramento da legislação sobre a adopção levanta questões diferentes conforme se trate de menores nacionais de um país membro da União ou de menores nacionais de um país terceiro, e designadamente de um país em vias de desenvolvimento.

Para milhares de órfãos ou crianças sem família do terceiro mundo, a única possibilidade de escapar ao abandono é ter a sorte de ser acolhido numa família de um país desenvolvido.
O método de adopção à distância está a desenvolver-se em muitos dos nossos países, e esta possibilidade permite enfrentar os problemas mais agudos das crianças nos países pobres, fazendo-as viver no seu meio social e cultural de origem.

As privações económicas e sociais dos países em vias de desenvolvimento, bem como uma "procura" correlativa dos países desenvolvidos são por vezes acompanhadas pela instituição de mercados de crianças de países pobres para os países ricos, como se verificou recentemente no Paraguai.

Em todo o caso, a protecção dos direitos dos menores no âmbito da adopção deve tomar em consideração simultaneamente a responsabilidade dos pais, o papel dos poderes públicos e da sociedade no seu conjunto, e as medidas de prevenção de delitos e abusos contra os menores, incluindo a exploração sexual.

A fim de ser eficaz, tal protecção deve alargar-se para além da saúde e da segurança, incluindo também a educação das crianças e dos adultos.

Os problemas de ordem humana suscitados pela oposição das famílias adoptivas e das famílias naturais deveriam também ser tomados em consideração pela legislação relativa à adopção. Finalmente, deveríamos reflectir acerca das relações entre a cultura de origem das crianças adoptadas e a cultura da família de acolhimento.
 

CONCLUSÕES

Com base nestas considerações, a Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social solicita à Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos que inclua no seu relatório as seguintes conclusões:

A. Se bem que tenha consciência do facto de que a legislação sobre a adopção é essencialmente da competência dos Estados nacionais, considera que os intercâmbios de experiências e informações em matéria de adopção deverão ser encorajados;

B. Sublinha a conveniência de este intercâmbio ser acompanhado pela organização de uma consulta à escala da União - a qual deverá ser promovida pela Comissão Europeia e pelo Parlamento - de todas as associações implicadas nas questões relacionadas com os direitos das crianças e com a adopção de menores;

C. Considera que tal consulta deverá permitir às autoridades comunitárias e nacionais pôr em evidência a existência de valores comuns tais como o princípio "deve-se facilitar a adopção para dar uma família às crianças que a não têm";

D. Relembra que um dos elementos fundamentais da sociedade europeia reside no seu carácter multiétnico e multicultural, sendo conveniente tê-lo em conta no domínio da adopção e da protecção de menores;

E. Considera que a protecção da família, e nomeadamente dos menores, deverá ser indicada como uma das tarefas da União aquando da revisão do Tratado de Maastricht;
F. Convida o Conselho a apreciar a hipótese de inserir no Tratado da União Europeia um artigo consagrado aos menores e a instituir um observatório europeu das crianças tendo em vista uma maior coordenação das acções específicas dos Estados-membros neste domínio;

G. Convida o Conselho e a Comissão a estudarem atentamente a oportunidade de dirigir aos Estados-membros uma recomendação tendo em vista uma melhor coordenação da legislação desses Estados em matéria de adopção;

H. Considera que a protecção dos menores contra os delitos e abusos deverá ser reforçada nas legislações nacionais, e dever-se-ia também prever o recurso aos instrumentos do terceiro pilar do Tratado da União Europeia para combater as formas organizadas de criminalidade contra os menores.


1JO C 96 de 17 de Abril de 1989, p. 171.
2JO C 13 de 20 de Janeiro de 1992, p.534.
3 Esta convenção - que não foi ainda adoptada - tem por objectivo estender ao domínio do direito matrimonial o conceito da Convenção de Bruxelas relativa à Competência Judiciária e à Execução das Decisões em Matéria Civil e Comercial.