O processo de construção de um novo direito - o Direito
da Criança e do Adolescente - que não tem a pretensão de ser
autônomo, haja vista que cada vez mais tomamos consciência da
interdisciplinariedade, se apresenta hoje como uma das mais
importantes discussões. Esse direito, sobre o qual nos
debruçamos, evidencia não somente a importância mas a
imprescindibilidade da conjugação de conhecimentos.
O novo Direito da Criança e do Adolescente se constrói
com vistas ao Direito Internacional Público e Privado, ante os
Tratados e as Convenções Internacionais; ao Direito
Constitucional, que no caso brasileiro, defere absoluta prioridade à
criança e ao adolescente; ao Direito Civil, Penal, Trabalhista,
Processual e, ainda, certas leis extravagantes, como a Lei da Ação
Civil Pública, imprescindível em se tratando da tutela dos
interesses difusos.
Há que se considerar, ainda, o seu entrelaçamento com
outras áreas do conhecimento, que não o jurídico, como a
sociologia, psicologia, a criminologia, etc.
Este primeiro tema: Os Direitos da Criança e do
Adolescente: por onde caminham? pretende situar o leitor, ainda
que brevemente, sobre a origem dessa suposta proteção à criança
nas esferas legal e assistencial.
Para tanto, entendo como necessário elaborarmos um
resgate histórico das nossas leis e ações em favor da criança
brasileira, para daí compreendermos no que consiste, efetivamente,
a mudança de paradigma ocorrida.
Ou seja, do Direito Tutelar,
cacterizador da "doutrina da situação
irregular", para um Direito
Protetor- responsabilizador, da "doutrina da proteção integral".
Reconstituir a história da criança e do adolescente
através das legislações e iniciativas assistenciais surgidas em seu
favor no Brasil, a partir de 1823 - logo após a independência
política de Portugal (7 de setembro de 1822) -, implicou em
resgatar aspectos específicos
que traçaram e estruturaram esse
movimento.
O tímido surgimento das primeiras leis e instituições foi
sendo firmado gradativamente. Quando da primeira colocação
sobre o problema da criança, atente-se: da criança negra, em
virtude do nosso sistema escravocrata, na Constituinte de 1823,
não houve uma preocupação com a criança negra em si, quando
JOSÉ BONIFÁCIO defendia que a escrava depois do parto teria
m mês de convalescência, e durante o ano que se seguisse não
trabalharia longe "da cria" ; antes, o que se pretendia era zelar
or aquele que constituiria em breve força de trabalho gratuito: o
escravo.
Com a decretação, em 1871, da Lei do Ventre Livre,
fruto da campanha abolicionista, os senhores de escravos
elineavam dois caminhos: ou recebiam do Estado uma
indenização, deixando no abandono as crianças libertas cujos pais
permaneciam no cativeiro, ou as sustentariam e, em seguida,
cobrariam tal generosidade através de trabalhos forçados até que
completassem 21 anos.
Observando-se o processo de formação das instituições
que prestavam serviços de assistência a menores, verifica-se que
no período colonial e no Império, a mesma se dava em três níveis:
uma caritativa, prestada pela Igreja através das ordens religiosas e
associações civis; outra filantrópica, oriunda da aristocracia rural e
mercantilista e, a terceira, em menor número, fruto de algumas
realizações da Coroa Portuguesa.
Com as mutações sociais, políticas e econômicas que se
sucederam à abolição dos escravos (1888) e à Proclamação da
República (1889), a proteção e assistência à criança carente
tornou-se cada vez mais uma necessidade, sentida sobretudo pelo
próprio corpo social.
A partir de 1920, fortaleceu-se a opinião de que ao
Estado caberia assistir a criança. Tanto que surge desse
período o
trabalho de formulação de uma legislação específica para menores,
o que se consolidou no Decreto n. 17.943 - A, de 12 de outubro de
1927, cuja elaboração foi confiada pelo Presidente Washington
Luiz, ao jurista Mello Mattos.
O Código de Menores de 1927 conseguiu corporificar
leis e decretos que, desde 1902, propunham-se a aprovar um
mecanismo legal que desse especial relevo à questão do menor de
idade. Alterou e substituiu concepções obsoletas como as de
discernimento, culpabilidade, responsabilidade, disciplinando,
ainda, que a assistência à infância deveria passar da esfera
punitiva para a educacional.
A concepção dessa Lei pôs em relevo questões
controversas em relação à legislação civil em vigor. Com o Código
de Menores, o pátrio poder foi transformado em pátrio dever, pois
ao Estado era permitido intervir na relação pai/filho, ou mesmo
substituir a autoridade paterna, caso este não tivesse condições ou
se recusasse a dar ao filho uma educação regular, recorrendo então
o Estado à utilização do internato. Já para o Código Civil (1916),
o pai, enquanto chefe da prole continuava detendo o pátrio poder
sobre todos os que compunham a estrutura familiar: mulher, filhos,
agregados, pessoas e bens sob o seu domínio.
Na esfera constitucional, as Cartas de 1824 e 1891 são
omissas com relação à criança. A primeira a se referir sobre o
assunto foi a Constituição de 1934, ao proibir o trabalho para os
de idade inferior a 14 anos. A partir de 1937, é ampliada a esfera
de proteção à criança desde a infância, ficando ao encargo do
Estado assisti-la nos casos de carência. A Constituição de 1946,
continuou, de igual modo, protegendo-a, desde a maternidade.
Por sua vez a Constituição Federal de 1967, seguida
pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, ao instituir a assistência
ao universo infanto-juvenil, não seguiu no todo as constituições
precedentes, determinando duas modificações específicas. A
primeira, referente à idade mínima para a iniciação ao trabalho,
que passa a ser de 12 anos, e, a segunda, instituindo o ensino
obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais para as
crianças de 7 a 14 anos de idade. A postura assumida pelo Estado
brasileiro de permitir o trabalho de crianças com 12 anos, a partir
de 1967, significou um retrocesso com relação às legislações da
maioria dos países.
A Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 5 de outubro de 1988, significou um grande avanço
nos direitos sociais e isto por sua vez beneficiou, entre outros, a
criança e o adolescente. Nessa perspectiva, tem-se,
exemplificativamente, que a idade mínima para admissão ao
trabalho é, novamente, fixada aos 14 anos - art. 7º, XXXIII.
Quanto à educação, tal Carta Política, em seu art. 208, determina
como dever do Estado garantir ensino fundamental (primeiro grau),
obrigatório e gratuito, até mesmo para os que a ele não tiverem
acesso na idade própria.
Consoante a presente análise histórica, verificou-se que
a expressão "menor" foi usada como categoria jurídica, desde as
Ordenações do Reino, como caracterizadora da criança ou
adolescente envolvido com a prática de infrações penais. Já no
Código de Menores de 1927, o termo foi utilizado para designar
aqueles que se encontravam em situações de carência material ou
moral, além das infratoras.
Com o surgimento do Código de Menores de 1979,
surge uma nova categoria: "menor em situação irregular", isto é, o
menor de 18 anos abandonado materialmente, vítima de maus-
tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de
conduta ou autor de infração penal.
O Código de Menores de 1979, apesar de ter
constituído, em relação ao anterior (de 1927), um avanço em
alguma direções, continha, no entanto, aspectos controversos que
permitiam questionamentos e críticas, como é o caso das
características inquisitoriais do processo envolvendo crianças e
adolescentes, quando a própria Constituição garantia ao maior de
18 anos defesa ampla; o referido Código não previa o princípio do
contraditório. Outro fato que pode ser colocado como exemplo
dessa distorção era a existência para os menores de 18 anos da
"prisão cautelar", uma vez que o menor, ao qual se atribuía a
autoria de infração penal, podia ser apreendido para fins de
verificação, o que significava uma verdadeira afronta aos direitos
da criança, na medida em que para o adulto a prisão preventiva só
poderia se aplicada em dois casos: flagrante delito ou ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente - art.
5º, LXI da C.F.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio pôr fim a
estas situações e tantas outras que implicavam numa ameaça aos
direitos das crianças e dos adolescentes, suscitando, no seu
conjunto de medidas, uma nova postura a ser tomada tanto pela
família, pela escola, pelas entidades de atendimento, pela
sociedade e pelo Estado, objetivando resguardar os direitos das
crianças e adolescentes, zelando para que não sejam sequer
ameaçados.
Do universo de documentos internacionais que
objetivam os resguardos das garantias dos Direitos Infanto-juvenis,
destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada
com unanimidade pela Assembléia das Nações Unidas em sua
sessão de 20 de novembro de 1989. Se elaborarmos uma análise
pormenorizada desse tratado de Direitos humanos constatamos a
sua efetiva influência sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Nesse sentido, chama atenção o fato de que a
Convenção Internacional, diferentemente da Declaração Universal
dos Direitos da Criança, não se configura numa simples carta de
intenções, uma vez que tem natureza coercitiva e exige do Estado
Parte que a subscreveu e ratificou um determinado agir,
consistindo, portanto, num documento que expressa de forma
clara, sem subterfúgios, a responsabilidade de todos com o futuro.
A citada Convenção, trouxe para o universo jurídico a
Doutrina da Proteção integral. Situa a criança dentro de um
quadro de garantia integral, evidencia que cada país deverá dirigir
suas políticas e diretrizes tendo por objetivo priorizar os interesses
das novas gerações; pois a infância passa a ser concebida não
mais como um objeto de "medidas tuteladoras", o que implica
reconhecer a criança sob a perspectiva de sujeito de direitos.
Interessante ressaltar que o Estatuto não apenas
reconhece os princípios da Convenção como os desenvolve,
convencido de que a criança e o adolescente são merecedores de
direitos próprios e especiais e que, em razão de sua condição
específica de pessoa em desenvolvimento, estão a necessitar de
uma proteção especializada, diferenciada e integral, consoante os
ditames da atual Constituição, art. 227.
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao assegurar
em seu art. 1º a proteção integral à criança e ao adolescente,
reconheceu como fundamentação doutrinária o princípio da
Convenção que em seu art. 19 determina: "Os Estados Partes
adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e
educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as
formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento
negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual,
enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do
representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por
ela".
A nível constitucional, a Constituição Federal de 1988
dispõe em seu art. 227, caput: "É dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão".
Assim, também a atual Carta Política tem essa nova
base doutrinária, a qual implica que, fundamentalmente, as
crianças e adolescentes brasileiros passam a ser sujeitos de
direitos. Essa categoria encontra sua expressão mais significativa
na própria concepção de Direitos Humanos de LEFORT: "o direito
a ter direitos" , ou seja, da dinâmica dos novos direitos que surge
a partir do exercício dos direitos já conquistados. Desse ponto de
partida o sujeito de direitos seria o indivíduo apreendido do
ordenamento jurídico com possibilidades de, efetivamente, ser um
sujeito-cidadão.
Convém recordar que a Lei anterior ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, o Código de Menores de 1979,
fundamentava-se na Doutrina da situação irregular, isto é, havia
um conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de
criança ou adolescente específicos, aqueles que estavam inseridos
num quadro de patologia social, elencados no art. 2º do referido
Código. O que equivale afirmar, entende AMARAL E SILVA, que
tal doutrina "confunde na mesma situação irregular, abandonados,
maltratados, vítimas e infratores. Causa perplexidade que se
considerasse em situação irregular o menino abandonado ou
maltratado pelo pai, ou aquele privado de saúde ou da educação
por incúria do Estado". Salienta o autor citado que estará sim em
situação irregular "aquele que descumprir os deveres inerentes ao
pátrio poder ou quem negligenciar políticas sociais básicas. Está
em situação irregular, de ilegalidade, o pai que abandona ou o
Estado que negligencia, nunca o abandonado, a vítima".
O Código de Menores de 1979, ao se dirigir a uma
categoria de crianças e adolescentes, os que se encontravam em
situação irregular, colocava-se como uma legislação tutelar. Na
realidade tal tutela pode ser ententida como culturalmente
inferiorizadora, pois implica no resguardo da superioridade de
alguns, ou mesmo de grupos, sobre outros, como a história
registrou ter ocorrido, e ainda, ocorrer com as mulheres, índios e
outros.
Dessa forma, a Lei n. 8.069/90 significou para o direito
infanto-juvenil uma verdadeira revolução, ao adotar a doutrina da
proteção integral.
Essa nova postura tem como alicerce a convicção de
que a criança e o adolescente são merecedores de direitos próprios
e especiais que, em razão de sua condição específica de pessoas
em desenvolvimento, estão a necessitar de uma proteção
especializada, diferenciada e integral.
O surgimento de uma legislação que se ocupasse
seriamente dos direitos da infância e da adolescência era de
caráter imprescindível, pois havia uma necessidade fundamental de
que estes passassem da condição de menores para a de cidadãos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante
função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que
este último não se constitua em letra morta. No entanto, a simples
existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só não
consegue mudar as estruturas, antes há que se conjugar aos
direitos uma política social eficaz, que de fato assegure
materialmente os direitos já positivados.
E isto significa que se dê um impulso aos dois grandes
princípios da Lei n. 8.069/90: o da descentralização e o da
participação. A implementação deste primeiro princípio -
descentralização - deve resultar numa melhor divisão de tarefas, de
empenhos, entre a União, os Estados e os Municípios, no
cumprimento dos direitos sociais. No que tange à participação,
esta importa na atuação sempre progressiva e constante da
sociedade em todos os campos de ação. Faz-se assim imperiosa a
edificação de uma cidadania organizada, ou seja, o próprio corpo
social a mobilizar-se. Eis aí o porquê do grande estímulo que o
ECA dá às associações, na formulação, reivindicação e controle
das políticas públicas.
Outra questão presente na Lei 8.069/90 diz respeito a
possibilidade dos direitos da criança e do adolescente serem
demandados em juízo. Portanto, ao tratar da tutela jurisdicional
dos interesses individuais, difusos e coletivos, chama a atenção o
fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente está em
consonância com as novas diretrizes da processualística civil, por
três motivos:
Primeiro, ao contemplar os meios judiciais garantidores
dos interesses da criança e do adolescente, sobretudo no que diz
respeito aos coletivos e difusos, percebe-se que a natureza
privatista do direito processual está sendo objeto de profundas
modificações, as quais remetem à necessidade de superação de
determinadas estruturas tradicionais. Por conseguinte, a Lei n.
8.069/90, ao admitir o ingresso em juízo dos mais variados tipos
de demandas que visem à proteção de seus interesses, importa um
significativo avanço no campo processual, uma vez que não está
presa à idéia de procedimento, de rito, considerando merecedor de
atenção o conteúdo do direito que está sendo pleiteado.
Segundo, ao se preocupar com o tema do acesso à
Justiça, está a nova Lei atenta ao fato de que hoje a garantia desse
acesso se constitui num dos mais elementares direitos, pois a
sociedade pouco a pouco passou a compreender que não mais é
suficiente que o ordenamento jurídico contemple direitos, antes é
imprescindível que estes sejam efetivados, sendo que a propositura
em juízo é, portanto, um dos mecanismos que visam a sua
aplicabilidade.
Terceiro, o acesso à Justiça na interposição de
interesses afetos à criança e ao adolescente se constitui, ainda, em
mais um fator a corroborar no processo de transformação do
próprio Poder Judiciário, o qual passa a ser um instrumento de
expansão da cidadania. Isso se dá porque, da antiga posição de
árbitro de litígios de natureza inter-subjetiva, agora é chamado a
posicionar-se diante de situações de caráter transindividual, como
o são os direitos sociais.
Uma das inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente consiste, justamente, na possibilidade de cobrar do
Estado através, por exemplo, da interposição de uma Ação Civil
Pública, o cumprimento de determinados direitos como o acesso à
escola, a um sistema de saúde, a um programa especial para
portadores de doenças físicas e mentais, etc., previstos na
Constituição Federal e regulamentados pela Lei 8.069/90
Como afirma NOGUEIRA, inegável é o fato de que no
Brasil há toda uma produção legislativa "em favor do cidadão,
concedendo-lhe os direitos individuais, difusos ou coletivos,
através da Constituição Federal, das Constituições Estaduais e das
Leis Orgânicas Municipais, além de outras leis ordinárias, como o
Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o que falta, nesse
complexo de leis, é fazer justamente o Estado funcionar, através
de seus governantes, que conhecem os problemas e têm as
soluções, mas que só se preocupam em desfrutar o poder"
Entende PAULA que a lei anterior, ou seja, o Código
de Menores de 1979, "a despeito de ser tratado, por alguns, como
instrumento de proteção e tutela, olvidou que o Estado é o grande
responsável por essa degradante situação na qual se encontra a
maioria da população infanto-juvenil, isentando-o de qualquer
responsabilidade. Considerando os pais ou responsável como
exclusivos causadores da situação irregular, nenhuma menção
existe em relação à omissa participação do Estado e, via de
conseqüência, tão pouco contempla o Código de Menores
mecanismos jurídicos visando compelir o Poder Público a cumprir
suas funções. Assim, restringiu-se a Justiça de Menores do
julgamento de conflitos eminentemente individuais, jamais
colocando a Administração no banco dos réus. O Estado nunca foi
chamado perante o judiciário, sequer para justificar suas
constantes omissões".
Isto posto entendemos que o postular junto ao Poder
Judiciário, visando à garantia dos direitos e interesses individuais,
difusos e coletivos, representa uma evolução do processo
civilizatório. Eis que se evidencia que não mais é suficiente que os
ordenamentos jurídicos proclamem direitos, tornando
imprescindível antes que os mesmos sejam concretizados.
Portanto, o acesso à Justiça se coloca como um dos
direitos humanos, isto é, consiste num caminho ou numa
possibilidade de que os direitos existentes a nível formal, de fato,
venham a ter eficácia plena no mundo dos fatos.
Diante dessas colocações acerca da interposição de
demandas que visam resguardar os interesses afetos à criança e ao
adolescente, o tema conduz também a uma reflexão de que tal
acesso constitui um avanço na construção da cidadania em dois
planos: o primeiro, no sentido de que torna mais explícitos os
direitos da criança e do adolescente, possibilitando à sociedade
uma maior conscientização no que tange ao seu papel de contínua
reivindicação dos citados direitos e interesses. Em segundo lugar,
o próprio Poder Judiciário passa ser encarado como um
instrumento de expansão dessa cidadania, pois suas sentenças, se
deferidoras dos direitos pleiteados, ensejarão, para a sua eficácia,
determinadas realizações por parte do Poder Executivo,
notadamente no campo social.
O tema do acesso à Justiça, o qual não pode ser
entendido como mera capacidade de ingressar em juízo, tem em
seu fundamento a necessidade de uma maior politização por parte
das camadas populares. Nesse sentido, o entendimento de que toda
pessoa humana é sujeito de direitos faz-se imprescindível na
formulação do conceito de cidadania, isto é, como a condição que
identifica os direitos e garantias dos indivíduos, os quais já
satisfeitos em suas necessidades humanas básicas, tenham
condições, quer enquanto indivíduos singularmente considerados,
quer enquanto organizados em grupos, de participarem
efetivamente nos destinos da sociedade e da vida política do país.
Segundo tal leitura, as inovações trazidas pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente devem gradativamente revolucionar o modo da
família, da sociedade e do Estado de encararem as questões
relativas à infância e juventude brasileira.
Resta colocar que, ao longo da pesquisa, foi possível
constatar que a questão da criança e do adolescente não deixou de
ser contemplada em leis. No entanto, nem sempre as mesmas
foram obedecidas, o que reforça a idéia de que meros dispositivos
legais não resolvem os problemas sociais. Urgem, portanto,
medidas públicas adequadas à demanda. Faz-se necessária a
implantação de políticas que garantam acesso a uma educação
popular, ao trabalho e ao salário justo; o engajamento de todo o
corpo social, na edificação
de uma nação efetivamente cidadã.
Retirado de: http://www.ccj.ufsc.br/~a9612212/crianca/tema1.txt