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Adoção: o amor acima de qualquer preconceito

 

 

Laila Menezes*

 

 

O filho por natureza ama-se porque é filho;

o filho por adoção é filho porque se ama.

Padre Antônio Vieira


Inicialmente, queremos esclarecer que  nos atearemos à abordagem da hipótese em que há a procura de uma criança a ser adotada, procurando inserir a questão da homossexualidade do adotante nesta temática.

A adoção é, na sua essência, um ato de amor.

Os pais homossexuais se deparam com inúmeros problemas, como a homofobia (aversão aos homossexuais) e a ausência de igualdade de direitos perante a lei, além das preocupações legais, financeiras e emocionais que um processo de adoção acarreta.

Mas, no Rio de Janeiro, tal questão tem sido tratada com toda isenção e respeito que o caso merece, sempre buscando o melhor para a criança e o adolescente.

Em 1997, O Desembargador Siro Darlan, à época Juiz da 1ª Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro, foi pioneiro ao deferir a primeira adoção para homossexual em nosso Estado, entendendo que não pode haver preconceito no momento de garantir a uma criança abandonada o direito a uma segunda família.

Em 1998, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu na AC 1998.001.14332 que “a afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado”.

Assim, observamos um grande avanço nas decisões de nossa Justiça, que tem na 1ª Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro, uma referência nacional ao caso.
 

 A seguir analisaremos dúvidas freqüentes na adoção:

 
1. Existe muita burocracia para adotar uma criança? Quais são os trâmites legais? É necessário desembolsar dinheiro?

Trata-se de um procedimento simples, com poucas formalidades e razoáveis requisitos a serem preenchidos.

O pretenso adotante deve requerer à Divisão de Serviço Social - DSS da 1ª Vara da Infância e Juventude, Praça Onze de Junho, 403, Praça Onze – RJ (2ª a 6ª feira, das 09 às 16 horas), sua inscrição no cadastro de pessoas interessadas em adotar, munido da carteira de identidade, certidão de casamento (se for o caso) e comprovante de residência. Será instaurado um procedimento, onde este será entrevistado pela equipe técnica do juízo (assistentes sociais e/ou psicólogos), com possível visita a sua residência. Finda esta fase de instrução, o Ministério Público dará seu parecer e o Juiz poderá ou não deferir a habilitação do adotante. Em seguida, este passará a integrar um cadastro de adoção, cuja classificação será a data de aprovação da habilitação. Na inscrição, o pretenso adotante traça um perfil da criança a ser adotada, como sexo, cor da pele, cor dos olhos, idade, etc. Isto é o que influenciará o tempo de espera na adoção. Os grupos de adoção possuem duração prevista de 60 dias e visam auxiliar os interessados em adotar, que recebem um certificado com validade de 1 ano e com o qual podem se apresentar às instituições de abrigo ou simplesmente aguardar a indicação de uma criança ou adolescente pela própria DSS. Encaminhada a criança ao lar do adotante, este terá a sua guarda durante um período de estágio de convivência determinado pelo Juiz, para as adaptações que se fizerem necessárias, sempre sendo verificados os interesses da criança. Finda esta fase, a adoção será formalizada, não podendo mais haver desistência, pois, pela lei, a adoção é irrevogável. Há o rompimento do vínculo da criança ou do adolescente com sua família biológica. O registro civil original é cancelado e na elaboração do novo, o prenome do adotado poderá até ser alterado, sendo vetado qualquer menção de adoção no novo registro civil.

Todo o procedimento da adoção é isento de custas, não havendo qualquer despesa financeira, taxas ou emolumentos a serem pagos.
 

2. Qual é a legislação aplicável à adoção? Ela é igual em todos os Estados Brasileiros?

É o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990, de âmbito nacional, com recepção pelo Novo Código Civil, que estabelece regras e restrições:

  • A idade mínima para se adotar é de 18 anos (antes do NCC era de 21 anos), independente do estado civil;
  • O menor a ser adotado deve ter no máximo 18 anos, salvo quando já conviva com os adotantes, caso em que o limite de idade será 21 anos;
  • O adotante deve ser pelo menos 16 anos mais velho que a criança ou adolescente a ser adotado;
  • Os ascendentes (avós, bisavós) não podem adotar seus descendentes, assim como os irmãos também não podem;
  • Tratando-se de adolescente maior de 12 anos, a adoção dependerá de seu consentimento expresso;
  • Antes da sentença de adoção, a lei determina um estágio de convivência fixado pelo Juiz, que poderá ser dispensado se a criança tiver menos de 1 ano de idade.

 
3. Existe alguma diferença na adoção de casal gay e heterossexual?

Sim, existe. Primeiramente cabe esclarecer que, por determinação da lei, uma criança só pode ser adotada por entidade familiar, isto é, a comunidade advinda da união entre homem e mulher por meio de casamento ou de união estável. O Novo Código Civil é expresso no art. 1.622 ao aduzir que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou se viverem em união estável.

Assim, a lei não reconhece o casal homossexual como entidade familiar, haja vista não reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, a adoção só poderá ser concedida a um dos companheiros e não aos dois concomitantemente.

A concessão da adoção ao homossexual já é pacífica, o grande impasse está em ser permitida para casais homossexuais.

Aqui, nos parece haver uma grande incoerência de nossa legislação, já que no papel constará apenas o nome de um adotante, mas na prática o adotado será criado por duas pessoas.

Isto gera vários prejuízos para o próprio adotado, pois a criança só entrará na linha sucessória daquele que a adotou oficialmente, só podendo buscar eventuais direitos, alimentos e benefícios previdenciários com relação ao adotante, não podendo pleitear pensão alimentícia, nem visitação do outro, no caso de separação do casal.

Entendemos que uma união homossexual masculina ou feminina, com um lar respeitável e duradouro, alicerçada na lealdade, fidelidade, assistência recíproca, respeito mútuo, com comunhão de vida e de interesses está mais do que apta a oferecer um ambiente familiar adequado à educação da criança ou do adolescente.

A concessão da adoção a homossexuais ajuda a minimizar o drama de menores, que podem ser educados com toda a assistência material, moral e intelectual, recebendo amor, para no futuro se tornarem adultos dignos, evitando serem relegadas ao abandono e à marginalidade. Além disso, os homossexuais, exatamente por sofrerem com a discriminação, não escolhem o adotado por suas características físicas, mas sim pela relação de afeto desenvolvida, contrariando a corriqueira escolha de apenas meninas brancas, loiras, de olhos azuis, com até 3 meses de vida.

Toda pessoa é livre para fazer a sua opção sexual, o que não significa que ao contrariar a opção da maioria, estaria se tornando incapaz de dar todo o carinho, amor e um lar para uma criança.
 

4. O casal pode assumir publicamente perante o Juizado que é homossexual e que quer adotar um filho?

Com todo o respeito à opinião de colegas que orientam seus clientes a esconderem tal fato, orientamos no sentido de que não há motivo para esconder a homossexualidade perante o Juizado de Infância e Juventude, até porque isto certamente será averiguado pela equipe interprofissional, composta de assistentes sociais e psicólogos, que farão rigoroso estudo sócio-psicológico do caso, dando uma análise detalhada do comportamento do adotante ou adotantes homossexuais. Embora a decisão seja do Juiz, estes pareceres técnicos são decisivos, pois é neles que o Magistrado e o Promotor de Justiça se baseiam para avaliar o caso. A orientação sexual do adotante não passa despercebida, mas o grande enfoque é o fato dele ter uma estrutura emocional adequada, revelando uma forma sadia de lidar com sua orientação sexual. O foco é a relação de afeto que poderá ser proporcionada à criança, ou seja, o seu bem-estar.

O único fato que poderia ensejar no indeferimento da adoção seria o comportamento desajustado do homossexual, mas jamais a sua opção sexual, ou seja, a sua homossexualidade.

 
5. É necessário ter uma condição financeira definida para poder adotar uma criança?

Certamente este é um fator que influencia muito na adoção. Mais do que se ter condição financeira é de extrema importância, a segurança financeira, com uma profissão remunerada, para propiciar ao adotado a garantia de que suas necessidades básicas poderão ser supridas. Mas, não é só o aspecto financeiro que importa, o equilíbrio emocional da relação também é de suma importância, somados a todos os outros fatores já aqui expostos. Todos os aspectos da vida e do lar do adotante serão considerados, para que o menor possa ter os seus direitos e interesses resguardados.

 
6. O casal deve constituir um advogado para poder resolver todos os trâmites que o Juizado exige?

No caso da adoção em que há a procura da criança a ser adotada, não há exigência de se postular o pedido por meio de um advogado. Entretanto, é conveniente que o casal contrate um advogado da área de Direito de Família, especialista em Direito Homoafetivo, para a análise do caso e a devida orientação, evitando possíveis constrangimentos ou atitudes inadequadas nas entrevistas e visitas das assistentes sociais e psicólogos.

 
Rebatendo as Opiniões Contrárias à Adoção por Casal Homossexual:

"Como no registro há a identificação dos genitores e o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que no assento de nascimento do adotado, sejam os adotantes inscritos como pais, pressupõem-se que o legislador previu a diversidade de sexo do casal adotante, o que impossibilita que os pais registrais sejam do mesmo sexo."

Ora, esta tese de que haveria a impossibilidade de adoção por dois homens ou duas mulheres não possui nenhuma consistência.

A adoção é um instituto em que se vislumbra uma ficção jurídica, isto é, cria-se um vínculo parental que não corresponde à realidade biológica.

Por analogia ao caso, quando o registro é levado a efeito somente pela mãe, não significa que a criança não tenha pai. Nestes dois casos, o que é consignado não retrata a verdade real. Em assim sendo, não vislumbro qualquer óbice para que não haja o registro por duas pessoas do mesmo sexo.

 
"Há o questionamento de que a ausência de uma referência de um pai e uma mãe, ou seja, indivíduos de sexos diferentes, tornaria confusa a identidade sexual da criança, correndo o risco do menor vir a tornar-se homossexual."

Entendemos tratar-se de um raciocínio totalmente ilógico. Se isto procedesse, a Lei do Divórcio, jamais poderia ter sido sancionada, uma vez que com a separação dos pais, a criança ao passar a viver exclusivamente com um dos genitores, sem a referência do sexo oposto no seu dia-a-dia, também teria enorme possibilidade de vir a tornar-se homossexual, o que não nos parece ser o caso.

Além do mais, quantas famílias heterossexuais, ditas como “normais”, têm filhos que desde pequenos dão indícios de uma homossexualidade latente e têm dentro de seus lares a figura tanto do homem como da mulher muito bem definidas.

 
"Grandes são as possibilidades da criança ser alvo de repúdio na escola ou vítima de escárnio por parte dos colegas e vizinhos, o que poderia acarretar graves perturbações de ordem psíquica."

Este é outro argumento também insubsistente, haja vista esta preocupação não ter sido impedimento para a promulgação da Lei do Divórcio, pois neste sentido filhos de pais divorciados também poderiam ser repudiados socialmente. Trata-se de uma questão de discriminação. A Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação, não sendo aceitas, nem permitidas tais atitudes no nosso meio social. Da mesma forma que filhos de negros, de índios e de pais divorciados, os filhos de pais homossexuais estão sujeitos aos dissabores do preconceito, cabendo a nossa própria sociedade repudiar tal atitude, revendo os seus conceitos, na busca de uma sociedade mais justa, digna e igualitária.

 

 

*Advogada - OAB/RJ 107190
Membro efetiva do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

 

 

Disponível em: http://www.menezesjuridico.com.br/page_1132926654022.html

Acesso: 08 de junho de 2007