®
BuscaLegis.ccj.ufsc.br
TRABALHO INFANTIL OU ESCRAVO?
João Gaspar Rodrigues
promotor de Justiça da Infância e Juventude da Comarca
de Boa Vista (RR)
-
Quando se fala de criança carente, a primeira imagem que se tem
é a de meninos e meninas de ruas, pedindo dinheiro em semáforos
para sobreviver. Quando não, o pior, menores furtando ou cheirando
cola para fugir da dura realidade em que vivem. Todavia, quando mergulham
nesta mesma realidade, ela se torna, talvez, ainda pior e fantasmagórica,
vez que, o infante vê sua incipiente força de trabalho ser
explorada abusivo e desumanamente.
-
-
Dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) dão conta que 20% dos brasileiros já trabalham antes
dos dez anos e 65,7% antes dos 15. Além disso, 7,5 milhões
de brasileiros com idades entre dez e dezessete anos trabalham, representando
11,6% da mão-de-obra no país. Sendo que 70% dos casos recebem,
em média, apenas meio salário mínimo.
-
-
Desde 1995, 145 fiscais do Ministério do Trabalho, coordenados pela
Secretaria de Fiscalização do Trabalho do referido Ministério,
percorrem o país de Norte a Sul para traçar um mapa do trabalho
infantil. O relatório fica pronto em agosto. Até agora, estão
prontos os mapas das regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste.
-
-
No Nordeste brasileiro, as crianças e adolescentes estão
presentes em mais de 11 atividades. Destas, a colheita da cana-de-açúcar
é a principal atividade onde o trabalho infantil está envolvido.
Os Estados do Ceará e Pernambuco, juntamente com o Rio de Janeiro,
são os recordistas na exploração de mão-de-obra
infantil nos canaviais. Nesta atividade, as crianças cortam a cana,
suportam o peso de sacos da planta e correm o risco até de sofrerem
mutilação. Ademais, não trabalham menos de dez horas
por dia, ficam expostos ao sol e fazem o serviço sem proteção
nenhuma.
-
-
O mesmo panorama odioso se descortina nos sisais da Bahia; na cultura do
fumo em Alagoas; na colheita da uva em Pernambuco e Rio Grande do Norte;
nas salinas do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte; nas cerâmicas
de Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Piauí, Sergipe
e Maranhão; e nas pedreiras de Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio Grande
do Norte, Paraíba e Piauí.
-
-
Na região Sul, que ao lado do Sudeste, é considerada a mais
rica e desenvolvida, a mão-de-obra infantil é explorada em
21 atividades. Só o Rio Grande do Sul concentra 11 dessas atividades.
-
-
As extrações de acácia e ametista no Rio Grande do
Sul, pelos menores, são as que mais chocam. As crianças lavam
as pedras de ametista com produtos químicos tóxicos sem nenhuma
proteção, ficam expostos à fuligem da máquina
de lixar a pedra e suportam o peso do minério das minas até
o local de beneficiamento. Saliente-se que, nas lixas elas podem até
perder o dedo.
-
-
Outrossim, a mão-de-obra infantil é usada nas madeireiras
de Santa Catarina e Paraná; na produção de cerâmica
no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; nas cristaleiras
de Santa Catarina; na construção civil dos centros urbanos
do Paraná e Santa Catarina; na indústria moveleira e no curtume
dos três estados sulistas.
-
-
Na zona urbana dos Estados do Sul, a situação se iguala ao
Nordeste — escritórios, comércios e supermercados.
-
-
No Centro-Oeste a exploração da força de trabalho
infantil é deprimente. Em Goiás, os adolescentes trabalham
duro em jornadas diárias que não duram menos que 10 horas
na colheita do algodão, do tomate e do alho. Todavia, o que mais
impressiona são as olarias e cerâmicas, onde as crianças
começam a trabalhar às quatro da manhã e vão
até às cinco e meia da tarde. Segundo Eliana Bragança,
assistente social que acompanha as pesquisas, nas pequenas e precárias
fábricas de cerâmica, adolescentes menores de 14 anos chegam
a empurrar carretas com mais de 150 quilos de tijolos sob um terreno irregular.
E suportam o calor intenso dos fornos por horas até os tijolos ficarem
prontos.
-
-
Na zona urbana de Mato Grosso, há crianças catadoras de lixo,
que brincam, comem e tiram o sustento do dia, tentando separar o lixo reciclável
para vender em outros lugares. Já no Mato Grosso do Sul as carvoarias
batem recorde na exploração do trabalho infantil.
-
-
A Constituição Federal de 1988 dispõe que é
proibido qualquer trabalho a menores de 14 (quatorze) anos, salvo na
condição de aprendiz (cf. art. 7º, XXXIII c/c o
art. 227, §3º, I). Além do que, é dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde(...)
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (cf. art. 227, caput, da CF).
-
-
A norma constitucional acima é escancaradamente desrespeitada pelos
seguintes motivos: 1º- O trabalho infantil é mais barato; 2º-
Serve como complemento à renda familiar, muitas vezes, inexistente;
3º- falta de Programas do Poder Público que complementem a
renda familiar.
-
-
O trabalho precoce de pessoas em desenvolvimento (crianças e adolescentes)
é um ácido corrosivo que estrangula as perspectivas de aperfeiçoamento
cultural e até mesmo físico desses entes. A sociedade e o
Estado precisam despertar imediatamente para esta problemática que
desafia, inclusive, o ordenamento jurídico pátrio.
-
-
O povo brasileiro precisa ver na criança e adolescente menos um
caso de polícia, punição ou privação
de liberdade e mais um caso de educação, ajuda e apoio. Precisa,
também, desvencilhar-se dessa mentalidade arcaica e amoldar-se aos
salutares princípios do Estatuto da Criança e Adolescência.
Constata-se, facilmente, que a dificuldade não reside no compreender
as idéias novas, mas no abandonar as antigas.
-
-
Nessa perspectiva, o Programa Bolsa-Familiar — que consiste em pagar determinado
montante à família que tenha seus filhos matriculados na
escola pública e com determinada freqüência (implantado
em algumas cidades brasileiras: Brasília, Boa Vista) — atende à
necessidade de manter a criança na escola e complementar a renda
familiar. Além do que, extingue o malfazejo trabalho infantil, tão
prejudicial ao futuro do país e de nossas crianças. Desse
modo, a própria família tem o máximo interesse em
que a criança permaneça na escola.
retirado de: http://www.jus.com.br/doutrina