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Evolução do Direito Infanto-Juvenil no Brasil

 

 

Lenildo Queiroz Bezerra

Assessor Ministerial do MP/RN

 

 

De início, cumpre destacar que na medida em que procedermos à análise das correntes doutrinárias que influenciaram o tratamento legal das crianças e adolescentes no país, discorreremos acerca do contexto social em que foram introduzidas as diversas mudanças, traçando um paradigma com a evolução do direito menorista em outros sistemas jurídicos.

 

Historicamente, a sociedade brasileira encara a criança e o adolescente como seres inferiores, de somenos importância, existindo, por exemplo, uma tendência insofismável de reprovação muito mais intensa dos atos ilícitos praticados por menores[1] de dezoito anos que os cometidos por aqueles que já atingiram a idade adulta, razão pela qual as conquistas no campo do direito infanto-juvenil, por mais insignificantes que possam parecer, devem ser sublimadas, inobstante não reproduzam com exatidão os anseios da maioria, mas sejam o reflexo do regime democrático que busca assegurar o direito à participação, à articulação, à inclusão social.

 

Poucos são os que efetivamente se interessam em garantir uma proteção à criança e ao adolescente, muito embora estes sejam a garantia de sobrevivência futura da geração que deveria por eles zelar, que, a título ilustrativo, confere uma atenção e preocupação muito maior com relação à indexação das taxas de juros, que à vida e dignidade da criança e do adolescente.

 

Em meio a uma sociedade tão injusta e cruel, o direito menorista conseguiu importantes avanços que culminaram com a promulgação do moderno e revolucionário Estatuto da Criança e do Adolescente, um dos mais vanguardistas diplomas protetivos do planeta, reflexo de uma Constituição que valorizou profundamente a infância e a juventude, em que pese a realidade dura e dramática e o tratamento da questão no país apresente um quadro indigno de legislação tão especial.

 

Promovendo-se uma retrospectiva, observa-se que anterior ao surgimento da Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, foi amplamente aceita em nosso sistema a Doutrina do Direito Penal do Menor, que inspirou o Código Criminal do Império (1830), o primeiro Código Penal Republicano (1890) e, menos nitidamente, o primitivo Código de Menores de 1927.

 

Essa doutrina tratava a questão infanto-juvenil apenas sob o ângulo da delinqüência, não conferindo acréscimo algum ao direito comum das crianças e adolescentes, disseminando normas que previam exclusivamente a sua tutela penal.

 

O Código de 1830 tratava da responsabilidade penal dos menores, classificando-os em quatro categorias, segundo a idade e o grau de discernimento. Assim, além do critério cronológico, segundo o qual aos vinte e um anos atingia-se a imputabilidade penal plena, adotou o critério do discernimento, ao prever que, na hipótese do menor de 14 anos praticar fato delituoso com consciência e capacidade de entendimento, seria reconhecido como imputável e receberia, então, penas corporais.

 

O CP de 1890 alterou em alguns aspectos a legislação anterior, prevendo que os menores de nove anos de idade, em hipótese alguma, poderiam ser considerados imputáveis. Esses eram tratados como não criminosos. Inovou, também, ao criar os estabelecimentos disciplinares industriais para encaminhamento dos maiores de nove e menores de catorze anos que praticassem ilícitos com discernimento sobre sua conduta.

 

Em 1927 surge o primeiro Código de Menores brasileiro, tratando, apenas, sobre as medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos considerados infrações penais, muito embora, em menor escala tenha introduzido normas de proteção do menor em situação irregular, ao estabelecer medidas de assistência ao menor abandonado e coibir o trabalho do menor de doze anos e o trabalho noturno do menor de dezoito.

 

No ano de 1979, o Código de Menores (Lei nº 6.697), rompendo definitivamente com a Doutrina do Direito Penal do Menor, adota inteiramente, em seus dispositivos, a Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, que representa um avanço em relação à doutrina anterior, muito embora no contexto internacional já existissem inúmeros diplomas e tratados inspirados na Doutrina Jurídica da Proteção Integral.

 

A Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular propõe que a proteção estatal deve dirigir-se à erradicação da irregularidade da situação em que eventualmente se encontre o menor, sempre com a preocupação de assisti-los, protegê-los e vigiá-los.

 

O Código de 1979 previu que somente nas hipóteses em que o menor não estivesse enquadrado nos padrões sociais normais, é que seriam tutelados por seus dispositivos. Enfim, protegia-se o menor carente, abandonado e infrator, bem como qualquer outro que estivesse em situação irregular, sem, no entanto, proporcionar-lhe proteção integral.

 

Importante destacar que o Código de Menores foi previsto e criado em prol da família, que como base da sociedade, poderia ajudar a reconstruir um Estado mais organizado. O objeto principal dessa lei não foi o menor, mas a família, não acrescentando quaisquer direitos às crianças e adolescentes que se achassem em situação regular.

 

Superando inúmeros obstáculos, a Constituição Federal de 1988 introduziu em nosso ordenamento legal a Doutrina da Proteção Integral, garantindo, em seu art. 127, às crianças e aos adolescentes prioridade absoluta, estabelecendo o dever de proteção pela família, sociedade e Estado, não obstante, no cenário internacional desde 1924, com a Declaração de Genebra, já se vislumbrasse cogentemente a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

 

Merece destaque, ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Paris, no ano de 1948, que reclamava o direito a cuidados e assistências especiais aos menores e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ao dispor que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado.

 

Anterior à Carta Constitucional, ainda temos as Regras de Beijing (Res. 40/33 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 29.11.1985), que anunciou as Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude.

 

Como já destacado anteriormente, no Brasil, o direito menorista, infraconstitucionalmente, atinge seu ápice com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), intensamente influenciado pela Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada na Assembléia-Geral da ONU em 20.11.1989, que para muitos possui o texto que mais se aproxima da Doutrina da Proteção Integral, não tutelando apenas as situações em que a criança e o adolescente estão sofrendo ou encontram-se ameaçados de sofrer alguma forma de violência em seus direitos, mas, sobretudo, buscando evitar-se o surgimento de abusos com a adoção de uma política de prioridade absoluta à criança e ao adolescente.

 

Considerando que o Código de Menores não foi recepcionado pela CF/88, o ECA, representando um avanço jurídico e cultural da sociedade, surgiu como a lei que consagrou os princípios anunciados pela nova ordem constitucional, que confere responsabilidade solidária à família, à sociedade e ao Estado no que se refere à proteção dos direitos das crianças e adolescentes e passam a considerá-los como sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento físico e mental e com prioridade absoluta.

 

A condição de pessoas em desenvolvimento era tratada pela legislação anterior como um fator “restritivo de direitos”, ao passo que à luz da nova doutrina representa um fator de incorporação de novos direitos, existindo uma tendência de amparo e proteção ao hipossuficiente menor de dezoito anos.

 

Ao passo que a lei anterior tratava o menor como objeto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, fulcrado na Doutrina da Proteção Integral, considerou-o sujeito de direitos, ao estabelecer que têm preferência em relação a qualquer outra pessoa no que se refere, por exemplo, ao atendimento por serviço ou órgão público de qualquer dos poderes, às políticas sociais públicas e à destinação de recursos públicos para a proteção da infância e da juventude.

 

A tendência trazida pela nova ordem constitucional e pelas normas estatutárias é de resgate dos direitos da nova geração, com o objetivo de construção de uma sociedade mais justa e democrática num futuro próximo.

 

Tecidas essas considerações, verifica-se que o arcabouço jurídico, é bastante promissor, mas ainda não foi posto em prática. É preciso implementar no seio social a doutrina adotada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, tendo em vista que, ultrapassada mais de uma década da entrada em vigora da legislação protetiva, as estatísticas apontam para um acréscimo nos abusos praticados contra os sujeitos que suas regras buscam tutelar, com a conscientização da sociedade para a importância da observância aos direitos do menor, através de uma campanha permanente e patrocinada pelo Estado, como forma de se atingir uma eficiência muito maior no trabalho a ser desenvolvido, valorizando a importância da família e a solidariedade social, adequando-as, o quanto possível, aos valores da atualidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente.  4 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.  255p.

 

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. São Paulo Saraiva, 1998. 439 p.

 

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 720 p.

 

 

BEZERRA, Lenildo Queiroz. Evolução do Direito Infanto-Juvenil no Brasil. Disponível em: < http://www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina225.doc >. Acesso em: 24 nov 2006.

 



[1] Terminologia discriminatória, que vem sendo abolida do ordenamento jurídico legal.