Educação, Direito
e Cidadania.
Paulo Afonso Garrido de Paula
Resumo:
"A educação,
como direito e bem fundamental da vida, é um dos atributos da própria
cidadania, fazendo
parte de sua
própria essência". Partindo desta afirmação,
o autor, reconhecendo a educação como um
dos meios mais
eficazes de realização da equidade social, analisa o papel
do Estado e da família na
sua promoção.
Apresentando as formas de atuação do Estado no desenvolvimento
da educação ,
destaca a obrigação
de oferecer o ensino básico para todos e sua atuação
como ente fiscalizador junto
às
entidades de ensino particular. Neste contexto, o judiciário é
apontado pelo autor como importante
instrumento
para a efetivação do direito à educação,
devendo ser acionado sempre que por negligência
esta não
seja oferecida.
A educação, como direito e bem fundamental
da vida, é um dos atributos da própria cidadania, fazendo
parte de sua própria
essência.
1. Estado de Direito, Estado Democrático de Direito.
2. Democracia. Democracia Participativa.
3. Fundamentos e objetivos principais da República
Federativa do Brasil.
4. Cidadania.
5. Políticas sociais básicas e direito público
subjetivo.
6. Educação. Abrangência do direito
à educação. Plano nacional de educação:
fundamentos e objetivos.
7. Educação e deveres do Estado. Competências:
aplicação compulsória de recursos.
8. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos.
A Constituição da República e o Estatuto da Criança
e do
Adolescente.
9. A escola pública: acesso e permanência.
A exclusão do ensino fundamental obrigatório.
10. A escola particular. Condições para
funcionamento. Relação do consumo: prestador de serviços
e consumidor.
Inadimplência dos pais e atos discriminatórios.
11. A responsabilidade da escola na coibição
de maus-tratos.
12. Direitos fundamentais do educando. Igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola; Direito ao
respeito; Direito de contestar critérios avaliativos;
Direito de organização e participação em entidades
estudantis.
13. Direitos fundamentais dos pais em relação
à escola. Ciência do processo educativo; Participação
na definição das
propostas educacionais.
14. Deveres dos pais em relação à
educação dos filhos.
15. Palavra final.
1- Estado de Direito
Em conseqüência das necessidades humanas brota
a noção de interesse, concebido como razão entre o
sujeito e o objeto.
Objeto do interesse do homem é um bem, podendo
ser, "grosso modo", material ou imaterial. Como os bens são finitos,
inexistindo em quantidade ou qualidade para satisfazer
a todos os interesses humanos, inexoravelmente advêm conflitos.
Quando um mesmo homem tem interesse sobre dois ou mais
bens, podendo, contudo, adquirir ou usufruir apenas de um
deles, fala-se da existência de conflito subjetivo
ou individual. Através da renúncia, sacrifício e aceitação,
se suas condições
possibilitam relacionar-se apenas com um bem, acaba por
escolher aquele que, dentro de sua escala de valores, atenda
melhor às suas necessidades. Por outro lado, quando
duas ou mais pessoas têm interesse sobre o mesmo bem verifica-se
a existência de um conflito intersubjetivo ou interpessoal,
ou meramente conflito de interesses, caracterizado pela unidade
de objeto e pluralidade de sujeitos.
Instalando-se o conflito de interesses as possíveis
soluções podem ter por fulcro a violência ou a civilidade.
Força ou
racionalidade, emprego das armas ou da razão, subjugação
ou composição, constituem-se meios de solução
dos conflitos
intersubjetivos. A prevalência do interesse de um
em relação ao interesse de outrem repousa, em síntese,
na capacidade
dos sujeitos em utilizarem meios violentos ou pacíficos
para a solução dos conflitos.
Qualquer que seja o meio utilizado - violência ou
civilidade - as soluções são sempre precárias.
Subsistem enquanto
perduram as condições de força ou
racionalidade. Enfraquecido o adversário, o vencido pode, muito
bem, fazer prevalecer,
igualmente pela força, aquele seu interesse anteriormente
contrariado, da mesma forma que o acordo negociado pode ser
rompido a qualquer tempo, bastando que um dos sujeitos
reveja sua posição.
A organização social busca, tendo por fulcro
a realidade dos conflitos de interesses, encontrar soluções
adequadas e
definitivas para as controvérsias. Isto se faz
através do Direito, instrumento pelo qual a sociedade regula os
conflitos de
interesses, estabelecendo, em cada caso, o interesse que
prevalece sobre o outro, bem como criando mecanismos que
possam emprestar definitividade às soluções
propostas pela lei.
O Direito, portanto, tutela interesses individuais e sociais,
protegendo-os com a força da organização social. Estado
de
Direito, portanto, é aquele em que as soluções
dos conflitos obedecem aos primados da lei. É o contraponto do Estado
violento e arbitrário.
Estado Democrático de Direito
Não basta, contudo, o primado da legalidade estrita,
que as soluções dos conflitos de interesses tenham lastro
no Direito.
Sendo este, basicamente, o instrumento definidor de qual
interesse, em caso de conflito, prevalece sobre o outro, não raras
vezes acaba protegendo o poder econômico ou político.
Leis podem ser criadas, e muitas o são, com o único propósito
de
manter privilégios, reforçando a dominação
e garantindo a ordem social desigual e injusta. Assim, o Estado baseado
no
Direito não garante a existência de um Estado
de Justiça Social. Para este, é mister que o Direito tenha
como origem um
processo de criação popular, onde as definições
da prevalência de um interesse sobre o outro brotem da livre discussão.
Além disso, considerando que a organização
social tem na preservação do homem sua finalidade primordial,
é
imprescindível que esse Direito assegure garantias
que permitam a satisfação das necessidades e a atualização
das
potencialidades humanas. E deve conter também instrumentos
controladores do poder, de sorte que a população conduza,
de fato, os destinos da Nação. Um Estado
nestes pressupostos constitui-se em Estado Democrático de Direito,
que, em
suma, significa:
a) prevalência da soberania popular no processo
de condução dos destinos da Nação;
b) existência de mecanismos que garantam o controle
popular do exercício do poder;
c) respeito incondicional às liberdades públicas,
especialmente no que concerne aos direitos fundamentais da pessoa
humana, garantindo-se, através de meios adequados,
a efetivação concreta dos enunciados constitucionais;
d) definição de relações sócio-econômicas
que possibilitem a eliminação da opressão, da fome,
da miséria, da ignorância,
fornecendo condições de exercício
da cidadania a toda população.
2 - Democracia. Democracia
Participativa
Apontaram os estudiosos três requisitos básicos
relacionados à existência da democracia, notadamente aquela
adjetivada
de representativa:
a) existência de uma Constituição;
b) respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa
humana;
c) possibilidade de escolha de representantes para administrar
a Nação.
Para a democracia participativa, contudo, não basta
a presença destes requisitos, exige-se, também, que a população
participe diretamente da gestão dos negócios
públicos. Assim, a população não se limita
ao exercício do direito de voto,
podendo e devendo influir, diretamente e nos termos da
lei, na administração pública. O poder político,
ínsito a cada
cidadão, extravasa a mera escolha de representantes,
alcançando outras atividades do Estado, da sorte que a definição
de
prioridades públicas não fique circunscrita
somente à esfera de decisão dos eleitos. Tem-se em conta,
nesta concepção, o
verdadeiro alcance da soberania popular.
3 - Fundamentos e Objetivos Principais da República
Federativa do Brasil
O artigo 1º da Constituição de 1988
estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em
Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Programaticamente também adota a democracia representativa
e participativa ao estabelecer, no parágrafo único desse
mesmo artigo (1º), que todo o poder emana do povo,
que o exerce por meios de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.
Em síntese, do ponto de vista constitucional, afirma-se
a existência de um Estado Democrático de Direito, onde a soberania
popular materializa-se na democracia representativa e
participativa, tendo por objetivos fundamentais construir uma
sociedade livre, justa e solidária, garantir o
desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação
(CF, art. 3º).
4 - Cidadania
Podemos entender por cidadania a efetivação
dos direitos civis, econômicos e sociais que pertinem a cada pessoa
humana.
A cidadania não se verifica pela mera possibilidade
de exercício de tais direitos; reclama atendimento aos interesses
protegidos pela lei, porquanto, como direitos fundamentais,
são essenciais para o desenvolvimento da pessoa humana e
manutenção da própria dignidade.
Desta forma, entende-se que tem caráter universal,
abrangendo a totalidade das pessoas, o que, obviamente, conflita com
aquelas organizações sociais onde as necessidades
de poucos, inclusive não essenciais, são supridas pelo sacrifício
dos
interesses fundamentais de muitos.
Em suma, considerar cidadão aquele que pode exercer
o direito de votar e de ser votado é muito pouco, pois somente o
é
aquele que participa da divisão da riqueza da cidade,
da Nação, podendo atender às suas necessidades básicas
e vitais,
sem as quais não vive, não se desenvolve
e nem atualiza suas potencialidades.
5 - Políticas Sociais Básicas
e Direito Público Subjetivo
Para o atendimento de determinadas necessidades individuais,
como educação, saúde, alimentação, habitação,
transporte,
lazer etc., o Estado, concebido como nação
politicamente organizada para o atendimento de seus objetivos primordiais,
é
responsável pela definição de políticas
sociais, implementando ações e serviços coletivos
que resultem em benefícios
concretos para a população.
Direito de todos e dever do Estado constitui-se em expressão
designativa de direito social a que correspondem obrigações
do Poder Público, materializadas em ações
governamentais previamente definidas e priorizadas, reunidas em um conjunto
integrado pela busca da mesma finalidade.
Se o dever do Estado conduz à definição
de políticas sociais básicas, o direito de todos leva à
existência de direito público
subjetivo, exercitável, portanto, contra o Poder
Público. Assim, reconhece-se que o interesse tutelado pelo direito
social
tem força subordinante, isto é, subordina
o Estado ao atendimento das necessidades humanas protegidas pela lei.
Atender ao direito social protegido pela lei significa
cumprir, qualitativa e quantitativamente, as obrigações que
dele
decorrem, produzindo ações e serviços
que satisfaçam os titulares daquele direito. Existindo oferta irregular
dessas ações e
serviços por parte do Estado, a força subordinante
do direito social violado conduz à necessidade de prestação
jurisdicional,
de modo que a ordem social violada pelo Poder Público,
notadamente através de seu Poder Executivo, possa ser restaurada
pelo Poder Judiciário.
Assim, deflui do direito público subjetivo força
subordinante em relação ao Estado, não só no
que diz respeito ao
cumprimento voluntário das obrigações,
mas também na garantia de acesso ao Judiciário para o suprimento
coercitivo das
omissões governamentais.
6 - Educação. Abrangência do
Direito à Educação. Plano Nacional de Educação:
Fundamentos e
Objetivos
A Constituição Federal, em seu artigo
6º, estabelece que são direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Ao se referir à educação de forma
específica o legislador constituinte insculpiu, no artigo 205 da
Lei Maior, a regra
consoante a qual a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvmento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua
qualificação para o trabalho.
Juridicamente podemos conceber a Educação
como um direito social público subjetivo. Deve ser materializado
através de
política social básica, porquanto indiscutivelmente
relacionado à cidadania da pessoa humana, dois dos fundamentos
constitucionais da República Federativa do Brasil
(CF, art. 1º), bem como é pertinente aos objetivos primordiais
e
permanentes do Estado brasileiro (CF, art. 3º), notadamente
o referente à erradicação da marginalidade.
Educação, em sentido amplo, abrange o atendimento em creches
e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade,
o ensino fundamental, inclusive àqueles que a ele
não tiveram acesso na idade própria, o ensino médio
e o ensino em seus
níveis mais elevados, inclusive aqueles relacionados
à pesquisa e à educação artística. Contempla,
ainda, o atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência,
prestado, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Considerando o objeto formal da educação, prescreve a Constituição Federal a obrigatoriedade da lei ordinária instituir Plano Nacional de Educação, estabelecendo previamente seus objetivos, ou seja, priorizando metas que devem necessariamente constar quando da definição desta política social básica. Assim, as ações do Poder Público devem conduzir à erradicação do analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à formação para o trabalho e à promoção humanística, científica e tecnológica do País (cf. CF, art. 214).
Assim, constata-se que a própria Constituição
Federal estabeleceu balizas para o estabelecimento da política de
educação
a ser implantada no Brasil, priorizando ações
que considera essenciais para o desenvolvimento das pessoas e do País.
Em outras palavras, considerando a relação
entre Educação e os fundamentos e objetivos do Estado, seu
conteúdo formal
e as ações consideradas essenciais, podemos
concebê-la, notadamente para as classes populares, como instrumento
de
transposição da marginalidade para a cidadania.
Retomando conceito inicial - efetivação dos
direitos civis, sociais e políticos - a Educação é
muito mais do que o preparo
para o exercício da cidadania, como menciona a
Constituição Federal (art. 205), na medida em que a saída
da
marginalidade pressupõe a aquisição
de conhecimento que possibilite condições para a superação
das adversidades
decorrentes da falta de cumprimento das obrigações
ínsitas aos demais direitos fundamentais.
A Educação, como direito e bem fundamental
da vida, é um dos atributos da própria cidadania, fazendo
parte de sua
própria essência.
7 - Educação e Deveres do Estado.
Competências: Aplicação Cumpulsória de Recursos
A educação, como dever do Estado, importa
desenvolvimento de ações governamentais que conduzam ao atendimento
das
pessoas na creche e pré-escola, no ensino fundamental,
no ensino médio e superior, além do atendimento educacional
especializado às pessoas portadoras de deficiência.
Além disso, consoante consignado no artigo 208 da Constituição
Federal, o Estado, aqui e na Lei Maior utilizado como
designativo do Poder Público, deve promover a progressiva extensão
da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio,
ofertar ensino noturno regular e atender ao educando, no ensino
fundamental, através de programas suplementares
e de material didático-escolar, transporte, alimentação
e assistência à
saúde.
O acesso gratuito, contudo, somente encontra-se assegurado
ao ensino fundamental (CF, art. 208 § 1º). Nos demais níveis
contentou-se o legislador constituinte em garantir a gratuidade
em estabelecimento oficiais (art. 205, inciso IV), ou seja, não
ficou obrigado a garantir o acesso de todos ao ensino
médio e superior.
Isto não significa que o Estado só tenha
obrigações relacionadas ao ensino fundamental. Quis o legislador
apenas excluir
dos demais níveis de ensino a obrigatoriedade e
garantia de acesso, ficando, contudo, responsável pelo implemento
de tudo
aquilo que se encontra elencado no art. 208 da Constituição
Federal.
Prevê a Constituição Federal uma espécie
de sistema integrado de ensino público (art. 211), ficando a União
responsável
pela organização e financiamento do sistema
federal de ensino, bem como pela prestação de assistência
técnica e
financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios,
sendo que estes devem atuar prioritariamente no ensino fundamental.
Quanto aos recursos relacionados à manutenção
deste sistema estabeleceu a Constituição Federal a obrigatoriedade
de
aplicação de parte da receita resultante
de impostos, estabelecendo para a União limite mínimo de
dezoito e para os
Estados, Distrito Federal e Municípios percentual
nunca inferior a vinte e cinco por cento (art. 212).
Além desses deveres do Estado, relacionados ao ensino
público, tem a obrigação, pois o ensino é livre
à iniciativa privada,
de estabelecer e fiscalizar o cumprimento de normas gerais
da educação nacional, bem como autorizar o funcionamento
de
instituições privadas e avaliar sua qualidade
(CF, art. 209).
8 - A Criança e o Adolescente como Sujeitos
de Direitos. A Constituição da República e o
Estatuto da Criança e do Adolescente
Convém, neste momento, tecer algumas considerações
a respeito dos direitos da criança e do adolescente, porquanto
representam a principal clientela do sistema educacional.
Crianças e adolescentes, não só do
ponto de vista jurídico, sempre foram vistos como meros objetos
de intervenção do
mundo adulto, seja ele representado pela Família,
pela Sociedade e pelo Estado. Não se lhes reconheciam direitos
próprios, exercitáveis contra aqueles que
negassem subordinação aos seus interesses.
No máximo, juridicamente, eram tidos como pequenos
adultos, podendo exercitar, via representação ou assistência
dos
pais ou responsável legal, alguns direitos, comuns
a toda e qualquer pessoa, como, por exemplo, o direito de propriedade.
Não se considerava, ainda, que crianças e
adolescentes estão na condição peculiar de pessoas
em processo de
desenvolvimento e, via de conseqüência, têm
interesses especiais, decorrentes da própria infância e adolescência,
e que
tais interesses, pela sua importância, merecem contar
com proteção jurídica.
O Brasil, com o advento da Constituição Federal
de 1988, rompeu com esta tradição jurídica, e, em
seu artigo 227, filiou-se
à idéia de que crianças e adolescentes
são sujeitos de direitos, podendo exercitá-los frente à
família, à sociedade e ao
Estado.
Assim, consignou neste artigo que é dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com
absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Considerando a posição assumida pelo legislador
constituinte, foi necessária a substituição do Código
de Menores por um
diploma legal que regulamentasse aqueles direitos fundamentais,
disciplinando as relações jurídicas estabelecidas
entre
crianças e adolescentes e família, crianças
e adolescentes e sociedade e crianças e adolescentes e Estado.
Surgiu, então, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei Federal 8.069, de 13 de junho de 1990.
O processo do qual resultou a inserção de
dispositivos relacionados a crianças e adolescentes na Constituição
Federal,
bem como o advento do Estatuto da Criança e do
Adolescente, nasce, desenvolve-se e atinge sua finalidade notadamente
através da mobilização popular, através
de organizações representativas da sociedade civil, e da
participação de pessoas
ligadas a instituições públicas e
privadas que, somadas, levaram avante a idéia de transformação
legislativa.
Tal lembrança é necessária de sorte
a frisar que as transformações sociais, em regra, resultam
do poder popular
organizado, representando conquistas advindas dos embates,
das lutas, da perseverança.
Por outro lado, anote-se que nenhuma lei, por melhor que
seja, pode substituir o substrato econômico e social que falta à
maioria da população brasileira. Contudo,
a lei pode ser concebida, levando-se em conta os interesses de seus
destinatários, como um instrumento de transformação
social, como garantia de possibilidades, de sorte que a ação
transformadora possa nela buscar respaldo.
Ainda em caráter genérico é mister
consignar que criança e adolescente, nos termos do ECA, são
locuções com conteúdo
certo. Assim, a expressão criança é
reservada para a designação de pessoas de até 12 anos
incompletos, enquanto que
adolescente refere-se à pesoa entre 12 e 18 anos
de idade (ECA, art. 2º).
Também anote-se que o Estatuto não regulamenta
todas as relações entre crianças e adolescentes e
família, sociedade e
Estado; apenas disciplina as questões fundamentais,
não substituindo as legislações especiais, como, por
exemplo, a CLT
(relações de trabalho de adolescentes).
Deste modo, no que concerne ao Direito à educação,
o Estatuto da Criança e do Adolescente apenas disciplina seus
aspectos principais, não substituindo, e nem poderia
fazê-lo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB). O
ECA, em resumo, apenas protege juridicamente interesses
de crianças e adolescentes considerados fundamentais em
relação à educação,
estabelecendo normas de caráter geral.
9 - A Escola Pública: Acesso e Permanência.
A Exclusão do Ensino Fundamental Obrigatório
Como anteriormente consignado, o legislador constituinte
adotou como princípio a coexistência de instituições
públicas de
ensino (art. 206, inciso III, segunda parte).
Quanto à escola pública, ou seja, aquela
instituída e mantida pelo Poder Público, preocupou-se o legislador
notamente com
o ensino fundamental, compreendendo a 1ª até
a 8ª série da educação básica, inicial.
Declarou a gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental,
garantindo o acesso à escola pública a toda e qualquer
pessoa. Expressamente consignou que este acesso constitui
direito público subjetivo (CF, art. 208, § 1º), possibilitando
sua exigência, em juízo ou fora dele.
Em resumo, isto significa cobrança de vagas em número
suficiente para atender à demanda, bem como necessidade de
oferta, pelo Poder Público, capaz de atender a
todos aqueles dependentes do ensino fundamental. Não se trata de
ação de
assistência social, prestada somente àquele
que dela necessitar, ou seja, motivada pela carência; o acesso ao
ensino
fundamental público e, portanto, gratuito é
direito de todos e independe da capacidade econômica de seu titular.
Visando imprimir concretude ao direito de acesso ao ensino
fundamental público o legislador constituinte prescreveu o
atendimento, através de programas suplementares,
de material didático-escolar, transporte, alimentação
e assistência à
saúde (art. 208, inciso VII).
Tais obrigações, reiteradas no artigo 53,
inciso VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o
próprio direito de acesso encontram na ação civil
pública um poderoso instrumento de coerção do Poder
Público, quando omisso ou
negligente. Verifica-se pela leitura do artigo 208 do
ECA a possibilidade de ingresso de ações judiciais de responsabilidade
em razão do não-oferecimento ou oferta irregular
do ensino obrigatório ou de programas suplementares de oferta de
material
didático-escolar, transporte e assistência
à saúde do educando em ensino fundamental (incisos I e V).
A lei, portanto,
permite que os interessados ingressem em juízo,
pugnando do Poder Judiciário providência asseguradora de seus
direitos
relacionados ao ensino fundamental, de sorte que tenham
eficácia, ou seja, materializem-se em resultados do cotidiano.
A lei não se limita a garantir o acesso ao ensino
público e estabelecer mecanismo visando compelir o Poder Público
ao
cumprimento de suas obrigações. Prevê
também uma forma de controle externo da manutenção
do educando no ensino
fundamental, de modo a contribuir para que a própria
escola não motive a exclusão. Assim, estabelece como dever
dos
dirigentes de ensino fundamental, seja de escola pública
ou partícular, comunicar ao Conselho Tutelar do Município
e, na
sua falta, à autoridade judiciária os casos
de reiteração de faltas injustificadas e de evasão
escolar, esgotados os recursos
escolares, bem como a ocorrência de elevados níveis
de repetência (ECA, art. 56, incisos II e III).
Tal comunicação, de caráter obrigatório,
tem por fito inserir a comunidade, interessada socialmente na escolaridade
de
seus integrantes e representada pelo Conselho Tutelar,
na discussão dos casos de evasão escolar. O Conselho pode
acionar mecanismos possibilitadores do retorno dos excluidos,
inclusive, se for e conforme o caso, acionando o Ministério
Público e o Judiciário para as providências
que lhes competem.
Estas providências podem ser de várias ordens.
A título de exemplificação e tendo como fonte experiências
concretas, a
evasão escolar pode ter como causa principal a
falta de recursos locais que garantam o transporte de crianças e
adolescentes, razão pela qual, se implementado
ou reimplantado o serviço, os excluídos poderiam voltar à
escola.
Continuando com a exemplificação, a exclusão
poderia ter como motivo punições disciplinares injustificadas,
podendo,
através de ação própria, ser
revistas pelo Judiciário. Considere-se, ainda, que como os pais
ou responsável têm não só a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos
na rede regular de ensino (ECA, art. 55), mas também devem zelar
pela
freqüência à escola, podem também
ser responsabilizados, incluvise criminalmente, pelas suas omissões
injustificadas.
Assim, a comunicação obrigatória
tem por objeto possibilitar intervenção de órgão
externo na tentativa de reinserção dos
excluídos da rede escolar.
Anote-se que a própria lei ressalva prévio
esgotamento dos recursos escolares. Isto significa que a escola é
a primeira e
primordial responsável pela reinserção
dos excluídos. Deve encetar todas as iniciativas tendentes a possibilitar
o retorno e
freqüência às aulas, observando-se,
neste sentido, que o Poder Público estimulará pesquisas,
experiências e novas
propostas relativas a calendário, seriação,
currículo, metodologia, didática e avaliação
com vistas à inserção de crianças e
adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório
(ECA, art. 57).
Cabe, aqui, uma pergunta: como a lei, constitucional e
ordinária, garante o acesso e permanência no ensino obrigatório,
é
legal punição disciplinar consistente na
expulsão ? Entendemos que não. Isto porque a via administrativa
não pode coartar o
exercício de direito, notadamente em se tratando
de direito fundamental da criança ou adolescente, previsto na própria
Constituição Federal.
Evidentemente que isto não faz da escola refém do mau
aluno, que tenham professores e diretores de submterem-se aos
caprichos, omissões e até aos atos infracionais
de seus educandos. Contudo, a expulsão, notadamente naquelas
localidades onde exista apenas uma única escola,
redundará na exclusão do educando do ensino fundamental,
impedindo o
regular exercício de um direito. Outras formas
disciplinares devem ser encontradas no sentido de garantir a disciplina
escolar, sem que impliquem em obstáculos ao acesso
e permanência do educando no ensino fundamental.
10 - A Escola Particular. Condições
para Funcionamento. Relação de Consumo: Prestador de
Serviços e Consumidor. Inadimplência
dos Pais e Atos Discriminatórios
É evidente que a escola particular presta um serviço
público. Desta forma, porquanto a educação é
primordialmente um
dever do Estado, estabelece a Constituição
Federal condições gerais para que o ensino possa ser ministrado
via iniciativa
privada (art. 209).
Entre as condições exigidas constitucionalmente,
destaca-se a autorização para funcionamento, que se encontra
ao
cumprimento das normas gerais da educação
nacional, previstas em lei (Constituição Federal, ECA, LDB
etc.) e portarias
da autoridaade administrativa competente (Ministério,
Conselhos e Secretarias de Educação). Além disso,
fica o Poder
Público com a obrigação fiscalizatória,
entendida como avaliação do controle de qualidade de ensino
ministrado pelo escola
particular.
A escola particular não deixa de ser uma prestadora
de serviços. Serviço, na definição inserta
no Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), é
qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante
remuneração. Assim, entre o contratante
do serviço (aluno ou pais ou responsável) e a escola particular
estabelece-se uma
relação de consumo, figurando de um lado
o consumidor e, de outro, o fornecedor de serviços.
Isto, contudo, não desnatura o caráter público
da educação. A existência de uma relação
de consumo, de natureza
patrimonial, não elide obrigações
sociais decorrentes de direitos fundamentais da criança e do adolescente
que,
obviamente, escapam da esfera eminentemente negocial.
Assim, por exemplo, a inadimplência dos pais não autoriza,
por
parte da escola, qualquer forma de retaliação
à criança e ao adolescente que possa violar ou ameaçar
seus direitos
básicos. Isto porque tais direitos decorrem não
de um contrato, mas, essencialmente, da própria condição
peculiar de
pessoas em processo de desenvolvimento e do caráter
público da educação.
Desta forma, as pendências patrimoniais entre os
contratantes, via de regra pais e a escola particular, devem ser resolvidas
entre as partes maiores e capazes, em juízo ou
fora dele, afastada qualquer prática que possa redundar em prejuízo
pessoal para o aluno.
Inconcebíveis, a nosso ver, atos discriminatórios
em razão da inadimplência dos pais (suspensão, proibição
de provas,
etc.), retenção de documenos ou recusa em
fornecê-los, mesmo porque é dever de todos colocar crianças
e adolescentes
a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão
(CF, art. 227, "in fine").
A conduta daquele dirigente de escola particular que, em
razão de pendência com os pais, submete criança ou
adolescente
a vexame ou a constrangimento é incriminada com
pena de detenção de seis meses a dois anos (ECA, art. 232).
A nosso
ver, estaria este crime configurado quando criança
ou adolescente, filho de pai inadimplente, tivesse sua situação,
na sua
presença e de outros alunos, tornada pública,
de forma ultrajante, pelo funcionário ou dirigente escolar.
Como consignado anteriormente, a pendência entre
os contratantes deve ser solucionada pelos meios legais,
protegendo-se a criança ou adolescente de qualquer
ato que importe violação do direito ao respeito.
11 - A Responsabilidade da Escola na
Coibição de Maus-Tratos
A Constituição Federal de 1988 preocupou-se
com um problema fundamental, infelizmente comum a todos os Países,
classe econômica, nível cultural etc., ou
seja, a violência dentro da própria família. Expressamente
consignou no artigo 226,
§ 8º, que o Estado assegurará a assistência
à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações.
Em síntese, abandonou a concepção maniqueísta
de que a família
representa sempre a harmonia, a paz, a segurança,
e que o mundo externo somente encerra perigo e desordem,
reconhecendo que na família podem desenvolver-se
relações violentas, notadamente incidindo sobre os mais fragilizados.
Ante o imperativo constitucional que determina a necessidade
de criação de mecanismos visando a coibição
da violência no
âmbito das relações familiares, o
Estatuto da Criança e do Adolescente previu a possibilidade de aplicação
de uma série de
medidas aos pais ou responsável (art. 129), desde
tratamento, orientação etc. até a suspensão
ou destituição do pátrio
poder. Além disso, inovou ao consignar que, verificada
a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos
pelo
pai ou responsável, a autoridade judiciária
poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor
da moradia
comum (art. 130).
A violência dos pais ou responsável contra
os filhos ou pupilos também pode configurar crimes previstos no
Código Penal,
como por exemplo maus-tratos e lesões corporais,
anotando-se que o ECA acrescentou outros, como a submissão da
criança ou adolescente a vexame ou constrangimento
(art. 232) e a tortura (art. 233).
Para que as providências civis ou criminais, conforme
o caso, possam ser adotadas, o ECA, considerando que não raras
vezes a violência familiar é percebida na
escola, estabeleceu, no artigo 56, inciso I, a obrigação
dos dirigentes de
estabelecimentos de ensino de comunicar ao Conselho Tutelar
ou, na sua falta, ao Juiz da Infância e da Juventude, os
casos de maus-tratos envolvendo seus alunos.
Verificados indícios de que a criança ou
adolescente tem sido vítima de violência, valendo ressaltar
que os artigos 13 e 245
do ECA contentam-se com suspeita, a comunicação
obrigatória se faz necessária para que a intervenção
da autoridade
faça cessar a agressão.
Convém ressaltar que a omissão do professor
ou responsável por estabelecimento de ensino fundamental, creche
ou
pré-escola, em comunicar à autoridade competente
os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou
confirmação de maus-tratos, configura infração
administrativa, punida com multa de três a vinte salários
de referência, que
se aplica em dobro quando da reincidência (art.
245).
12 - Direitos Fundamentais do Educando
Igualdade de Condições
para o Acesso e Permanência na Escola
Tal direito, previsto na Constituição Federal
(art. 206, inciso I) e no ECA (art. 56, inciso I), deflui do artigos 5º
e 227, "caput", da Lei Maior, que, em razão do princípio
da isonomia, vedam distinção de qualquer natureza e obrigam,
a nós todos,
colocar crianças e adolescentes a salvo de toda
forma de discriminação.
Desta forma, ainda que se trate de escola particular, vedados
estão os privilégios para uns e obstáculos para outros,
de vez
que as regras de acesso devem ser comuns a toda e qualquer
criança ou adolescente, tendo como critério básico
a
igualdade de condições.
Direito ao Respeito
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo
53, inciso II, assegura o direito do aluno de ser respeitado por seus
educadores. Isto decorre do direito ao respeito, mencionado
no artigo 227 da Constituição Federal e definido no artigo
17 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A incolumidade física da criança ou adolescente
não pode, de forma alguma, sofrer qualquer agressão. Abolidos
estão da
escola os castigos físicos, desde a moderna palmada
pedagógica até a antiga palmatória.
Por outro lado, a integridade psíquica e moral,
que abrange a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos
valores, idéias e crenças, dos espaços
e objetos pessoais, constitui-se em patrimônio individual inviolável,
próprio de cada
pessoa, inclusive crianças e adolescentes. Aquele
que desrespeitar em público o aluno, submetendo-o a vexame ou
constrangimento, fica sujeito a pena de detenção
de seis meses a dois anos, porquanto sua conduta é considerada
criminosa (ECA, art. 231).
Exclareça-se que o aluno também deve respeito
aos diretores, professores e funcionários da escola. A conduta
desrespeitosa poderá, até, configurar ato
infracional que, consoante definição do ECA, corresponde
a qualquer crime ou
contravenção penal, como, por exemplo, injúria.
Direito de Contestar Critérios Avaliativos
Prescreve o artigo 53, inciso III, do ECA que o aluno tem
direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer a
instâncias escolares superiores.
A avaliação, notadamente sob a forma de nota,
crédito ou conceito, deve ter por principais fundamentos critérios
objetivos,
de sorte a afastar a possibilidade de prepotência
e até mesmo perseguição, pois somente encontram terreno
fértil na
aferição subjetiva.
A contestação de critério avaliativo
não pode ser confundida com indisciplina ou insubordinação,
não só pelo fato de hoje
constituir direito exercitável em face do professor
e da escola, como também em razão da necessidade de democratização
do ensino, onde a onipotência e autoritarismo do
mestre são substituídos pela concepção de que
é um instrumento de
socialização do saber, indispensável
à própria construção da cidadania.
Direito de Organização e Participação em Entidades Estudantis
Este direito (ECA, art. 53, inciso IV) decorre da garantia
constitucional da plena liberdade de associação para fins
lícitos
(art. 5º, inciso XVII).
A entidade estudantil, para sua criação,
independe de autorização da escola, vedada qualquer interferência
ou seu
funcionamento. Sequer o Poder Público pode intervir
(CF, art. 5º, inciso XVIII). Somente pode ser compulsoriamente
dissolvida ou ter suas atividades suspensas por decisão
judicial, sendo que no primeiro caso exige-se trânsito em julgado,
ou seja, decisão judicial irrecorrível (CF,
art. 5º, inciso XIX).
13 - Direitos Fundamentais dos Pais em Relação
à Escola. Ciência do Processo Educativo
O Estatuto da Criança e do Adolescente consignou
que os pais ou responsável têm a obrigação de
matricular seus filhos ou
pupilos na rede regular de ensino (art. 55), incumbindo-lhes
o dever de educação dos filhos menores (art. 22), importando
a
omissão até em causa de destituição
do pátrio poder (art. 24), sem prejuízo de eventual responsabilidade
penal em razão do
crime de abandono intelectual (CP, art. 246). Isto decorre
do fato de que a educação é um dever não só
do Estado mas
também da família (CF, art. 205).
Visando o cumprimento dessas obrigações,
mesmo porque, nos termos do Código Civil, um dos atributos do pátrio
poder
consiste na incumbência dos pais em dirigir a criação
e educação dos filhos menores (art. 384, inciso I), prevê
o Estatuto
da Criança e do Adolescente o direito de conhecer
o processo educativo adotado pela escola (art. 53, parágrafo único),
de
sorte que os pais possam avaliá-lo à luz
de seus princípios e expectativas quanto à formação
integral dos filhos.
Paticipação na Definição das Propostas Educacionais
Têm os pais, também, o direito de participar
da definição das propostas educacionais, influenciando para
que o ensino
ministrado sirva aos seus filhos como instrumento de atualização
de potencialidades e seja adequado às condições
peculiares das famílias. Neste último aspecto,
convém destacar que se o Poder Público estimulará
pesquisas, experiências
e novas propostas relativas a calendário, seriação,
currículo, metodologia, didática e avaliação
com vistas à inserção de
crianças e adolescentes excluídos do ensino
fundamental obrigatório (ECA, art. 57), obviamente deverá
levar em conta as
necessidades dos destinatários principais da atividade,
expostas pelos próprios interessados.
14 - Deveres dos Pais em Relação
à Educação dos Filhos
A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família (CF, art. 205), reclama atenção especial
dos pais, pois estes
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores (CF, art. 229).
Tais normas constitucionais encontram no Código
Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente outras disposições,
valendo lembrar que aos pais, enquanto titulares do pátrio
poder, compete-lhes, quanto à pessoa dos filhos, dirigir-lhes a
criação e educação (CC, art.
384, iniciso I), afirmando o ECA que aos mesmos incumbe o dever de sustento,
guarda e
educação dos filhos menores (art. 22).
Dever dos pais, qualquer que seja o estado civil dos mesmos, servindo
a norma insculpida no artigo 231, inciso IV,
do Código Civil, relacionada às obrigações
dos cônjuges, apenas como referência a possibilitar sanção
decorrente da
falta de cumprimento de um dos deveres fundamentais do
casamento do qual resulte prole.
Criar é também educar, de sorte que o primeiro
seria um dever genérico do qual o segundo seria uma de suas espeçies.
Educar, por outro lado, em sentido amplo, no propósito
de transmitir e possibilitar conhecimentos, despertando valores e
habilitando o filho para enfrentar os desafios do cotidiano.
A educação, neste sentido, viabilizaria o desenvovimento
mental,
moral, espiritual e social da criança e do adolescente.
Este ofertar de um processo educativo, dever dos pais,
encontra limite nas condições de seu oferecimento, que devem
se
pautar pelo respeito à liberdade e dignidade da
criança e do adolescente (ECA, art. 3º, parte final). Tal observação
se faz
necessária porque, se educar também é
corrigir, de modo que o erro seja afastado, a correção ínsita
ao direito-dever de
educação não pode ir ao ponto de
violar outros direitos fundamentais, como a integridade física ou
a saúde do filho,
encontrando balizas nos delitos de maus-tratos, lesões
corporais etc.
No que concerne à escolaridade, o principal dever
consiste em matricular os filhos na rede regular de ensino (ECA, art. 55).
valendo lembrar que constitui crime de abandono intelectual,
punido com deteção de 15 dias a um mês, ou multa, deixar,
tem justa causa, de prover a instrução primária
de filho em idade escolar (CP, art. 246). Excluem a ilicitude da conduta
situações reveladoras de miséria,
pobreza, graves dificuldades financeiras, falta de vagas em estabelecimentos
públicos etc,
porquanto, como é óbvio, não houve
omissão dolosa.
Deflui do artigo 129, inciso V, do ECA que os pais, além
da matrícula, têm o dever de acompanhar a freqüência
e o
aproveitamento escolar do filho. O mero colocar na escola
não elide a obrigação dos pais, reclamando a lei atuação
no
sentido de garantir a permanência, bem como no de
observar e participar da evolução escolar da criança
ou adolescente,
avaliando seus progressos individuais e estimulando-os
para que o estudo seja-lhes rendoso.
Evidente que as condições dos pais devem
ser consideradas, porquanto ninguém é obrigado a dar o que
não possui, de
modo que eventuais omissões sejam aferidas à
luz do caso concreto. A atribuição de desídia deve
ser ponderada como
negligência inescusável, descaso para o qual
inexiste qualquer desculpa.
Por fim, é de assinalar que o descumprimento indesculpável
dos deveres relacionados à educação dos filhos faz
incidir as
medidas previstas no artigo 129 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, sendo a mais grave a destituição do pátrio
poder.
15 - Palavra Final
Garantidas a vida e a saúde de uma pessoa, a educação
representa o bem mais valioso da existência humana, porquanto
confere a possibilidade de influir para que os demais
direitos se materializem e prevaleçam. Somente reivindica aquele
que
conhece, que tem informação, saber, instrução,
e, portanto, cria e domina meios capazes de levar transformações
à sua
própria vida e história. Se a ignorância
é a principal arma dos exploradores, a educação é
o instrumento para a transposição
da marginalidade para a cidadania, única medida
do desenvolvimento de um povo.
Inexiste algo mais nobre do que socializar o conhecimento,
de vez que aquele que ensina aprende o real sentido do saber,
e aquele que aprende ensina o verdadeiro propósito
de educar.
Retirado de: http://www.abmp.org.br