® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
 
 


ININPUTABILIDADE - MEDIDA SÓCIO EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO - PRESCRIÇÃO - QUESTÕES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
 

Wilson Donizeti Liberati
Promotor de Justiça - Brasil
 
 
 
 

SUMÁRIO
 

I. Introdução

II. Inimputabilidade

III.Impossibilidade de aplicação de medidas sócio-educativas quando o infrator atinge 21 anos

IV. Conclusões
 

I. Introdução
 

A lei, quando editada e promulgada, tem abrangência erga omnes, impedindo a declaração de seu desconhecimento.
Tal princípio, já consagrado em nosso ordenamento jurídico, tem a função de aplicar a lei eqüitativa e coercitivamente. Sua interpretação, todavia, merece estudo e análise.
Assim, é a leitura dos artigos 121 e 122. da Lei nº 8.069/90, conhecida por Estatuto da Criança e do Adolescente, que disciplina a medida sócio-educativa de internação.
A análise desses dispositivos reclama um estudo sócio-psicológico da inimputabilidade do agente que deságua numa conseqüência sui generis em nosso sistema jurídico, que é a não aplicação de medidas sócio-educativas ao infrator que atingiu 21 anos de idade (ECA, art. 121, § 5º).
Essa vedação imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente poderia conduzir os menos avisados à conclusão de que a lei é discriminatória e parcial, protegendo o infrator e fazendo com que se estabeleça uma “extinção forçada da punibilidade” operada pela prescrição.
Outra dificuldade de interpretação dos citados artigos decorre da possibilidade de não iniciar, continuar ou interromper o procedimento de apuração do ato infracional quando o infrator já completou 18 anos.
O assunto é interessante e polêmico e quase sempre incompreendido pelos profissionais com visão exclusivamente criminal, que querem ver diminuída a idade da inimputabilidade.
 
 

II. Inimputabilidade
 

O art. 228 da Constituição Federal consolidou a inimputabilidade dos menores de 18 anos, deferindo a esses infratores a observância de norma especial, consubstanciada na Lei nº 8.069/90, especificamente nos seus arts. 2º e 104.
Nosso Código Penal estabeleceu, no art. 27, a “presunção absoluta de inimputabilidade” para os menores de 18 anos, tendo tal posição obedecido exclusivamente o critério biológico.
Por isso, quando se fala em inimputabilidade em razão da menoridade, seu significado deve ser amplo, para atingir o sentido de não responsável criminalmente, não praticante de crime ou contravenção penal, não sujeito à pena, não sujeito ao processo penal, proibido de ser interrogado, etc.
Em sentido contrário, entende-se que a imputabilidade é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e de agir de acordo com esse entendimento.
Esse entendimento pode até adequar-se à conduta do adolescente que praticou um ato infracional. Contudo, por questão de política criminal, nosso sistema jurídico considerou tão-somente o aspecto biológico para a apreciação da inimputabilidade para menores de 18 anos, deixando de perscrutar a intenção, o dolo, o modus operandi, enfim, a culpabilidade do agente.
É por isso que, com freqüência, ouvimos dizer que um jovem de 17 anos matou, estuprou, seqüestrou ou roubou consciente de sua conduta criminosa; que praticou o ato infracional com requintes de crueldade, etc., mas que escapou do alcance do Código Penal por ser menor de 18 anos. Essa é uma das conseqüências do critério adotado no Código Penal, que fundamenta a presunção absoluta de inimputabilidade.
Sendo assim, outro assunto é correlato: “a data da prática do ato infracional”. Pelos artigos já citados e incluindo aqui o parágrafo único do art. 104 do ECA, conclui-se que, estando o adolescente na faixa entre 12 anos completos e 18 anos (ECA, art. 2º), estará sujeito ao procedimento previsto no Estatuto.
Isso quer dizer que, tendo o adolescente praticado o ato infracional antes de completar 18 anos, deverá percorrer o caminho processual até o final, com a prolação da sentença, mesmo que já tenha ultrapassado esse limite. O que importa é a data do fato.
Mais à frente veremos que o limite máximo permitido pelo Estatuto para a aplicação de medidas sócio-educativas é de 21 anos.
Então, não é correto extingüir o procedimento de apuração do ato infracional, pelo arquivamento ou pela remissão, pelo fato de ter o infrator completado 18 anos. Se assim fosse, todos aqueles que aos 17 anos e alguns meses tivessem praticado atos infracionais considerados graves (homicídio, roubo, estupro, seqüestro, etc.) estariam livres do jugo da lei ou isentos de receber as medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA, quando atingissem a idade de 18 anos.
Em outras palavras, o fato de o infrator ter completado 18 anos não é motivo suficiente que autorize o encerramento ou a extinção do processo.
E tal assertiva vem gravada e sacramentada nos §§ 3º e 5º, do art. 121, que determinam, respectivamente, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos” e “a liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”.
Isso vem provar que o adolescente, com 17 anos e 11 meses, considerado autor de ato infracional, poderá, em cumprimento da medida de internação aplicada pelo juiz, permanecer privado de sua liberdade até completar 21 anos, vencendo o triênio estipulado no § 3º citado.
Mesmo já tendo completado 18 anos e estando o adolescente, considerado autor de ato infracional, “processado” por ato praticado dentro do limite da inimputabilidade, não poderá a autoridade judiciária aplicar-lhe alguma “pena” ou dar-se por “incompetente”, remetendo os autos à Vara Criminal para que lá continue a apuração do seu ato. Tal procedimento fere frontalmente os princípios constitucionais da proteção da inimputabilidade e do devido processo legal a que todos têm direito.
Como conseqüência da inimputabilidade dos menores de 18 anos, observamos, ainda, alguns aspectos interessantes.
Se o adolescente, autor de ato infracional, é inimputável por determinação constitucional, então temos que ele não comete crime ou contravenção penal, mas ato infracional; não é interrogado, mas apresentado em audiência ao juiz; não recebe pena, mas medida sócio-educativa; não é “processado” à revelia, mas o juiz determina sua busca e apreensão; o Promotor de Justiça não oferece a denúncia, mas a representação, que, diversamente da primeira, não necessita de prova pré-constituida (ECA, art. 182, § 2º).
Enfim, o procedimento para apuração do ato infracional praticado por adolescente recebeu atenção especial da lei, conferindo-lhe caminho próprio, embora possa ser socorrido pelas leis processuais vigentes.
Se isso não bastasse, o art. 198 do ECA dispõe que “nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil”, com algumas modificações, e não o sistema recursal do Código de Processo Penal.
Em resumo, todos os procedimentos que tramitam na Vara da Justiça da Infância e da Juventude são de natureza civil, mesmo aqueles que apuram a prática de ato infracional e mesmo que, ao final de um procedimento, o juiz aplique a medida sócio-educativa de internação, caracterizada pela privação da liberdade. Ainda aqui o procedimento será de natureza civil, porque o adolescente não é “condenado” nem recebe “pena”, porque é inimputável, sujeito às normas de legislação especial.
 
 

III. Impossibilidade de aplicação de medidas sócio-educativas quando o infrator atinge 21 anos
 

A medida mais enérgica proposta pelo Estatuto é , sem dúvida, a de internação, que tolhe a liberdade de locomoção do adolescente, privando-o do convívio em sua comunidade.
Sem entrar no modus operandi da medida, tem-se que ela, às vezes, demonstra rigor mais intenso a um adolescente, por exemplo, que praticou o ato infracional de lesões corporais graves, do que a um maior de 18 anos que cometeu o mesmo ato ilícito.
Nesse caso, o adolescente poderá cumprir até três anos de internação (ECA, art. 121, § 3º), enquanto que o maior de 18 anos tem sua pena fixada entre dois e oito anos de reclusão, cumprindo, desde já sua pena em regime aberto ou semi-aberto.
Evidentemente, o exemplo apresentado tem mais efeito na teoria do que na prática, pois a medida de internação é caracterizada pelos princípios de “brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (ECA, art. 121).
Além do mais, existem critérios assinalados nos arts. 121 e 122 para a aplicação da medida de internação que devem ser criteriosamente analisados.
E aqui surge uma questão interessante: ao atingir a idade de 21 anos o infrator deverá ser “liberado compulsoriamente”.
Já mencionamos acima as hipóteses dos §§ 3º e 5º do art. 121 do ECA, impondo e fixando os limites da internação.
Poderá, no entanto, ocorrer a seguinte hipótese: um adolescente, com 17 anos e dois meses, pratica um ato infracional qualquer, é representado, não comparece à audiência de apresentação e o mandado de busca e apreensão determinado pelo juiz é frustrado pelo desaparecimento do infrator. Num belo dia, ele aparece, agora com 21 anos. Poderá a autoridade judiciária aplicar-lhe alguma medida sócio-educativa por aquele ato infracional praticado aos 17 anos e dois meses?
A resposta é negativa. Não importa o grau de gravidade do ato infracional nem a quantidade de pena fixada, em tese, no Código Penal. O que interessa é a data do fato combinada com a determinação legal de impossibilidade de aplicação de medida.
Daí entendemos, in casu, opera-se uma extinção da punibilidade pela prescrição, e aqui grifada porque não há pena para ser extinta, mas, analogicamente configurar-se-ia a impossibilidade do Estado-Juiz de aplicar qualquer medida sócio-educativa pela prescrição da pretensão de punir, caracterizada pelo decurso do tempo.
Além do mais, o Estatuto fixa que até aos 21 anos o Estado, através do Poder Judiciário, pode aplicar medidas sócio-educativas. Após, não.
Assim, é comum que alguns processo estejam tramitando nessas condições. Nesse caso, constatada a idade igual ou superior do infrator, o procedimento deve ser extinto ou arquivado sem a apreciação do mérito.
 
 

IV. Conclusões
 

1) A Constituição Federal fixou a inimputabilidade aos menores de 18 anos em seu art. 228, sendo que o critério adotado foi o biológico, estabelecendo a presunção absoluta da inimputabilidade.

2) O fato de um infrator ter completado 18 anos no curso do procedimento de apuração da prática de ato infracional não é motivo suficiente que autorize o encerramento ou a extinção do processo e, muito menos, a remessa dos autos à Vara Criminal para seu prosseguimento.

3) Os procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude são de natureza civil, mesmo que apurem a autoria e a materialidade do ato infracional e seja aplicado ao infrator uma medida de privação de liberdade (semiliberdade e internação).

4) Ao adolescente, considerado autor de ato infracional, poderá ser aplicada a medida sócio-educativa de internação, com duração máxima de três anos, respeitados os critérios avaliativos exarados nos arts. 121 e 122 do ECA.

5) Ao atingir 21 anos, o infrator, processado na Vara da Infância e da Juventude, por ato infracional praticado antes de completar 18 anos, não poderá mais receber medidas sócio-educativas, nem ao Estado é lícito aplicá-las, em virtude da determinação contida nos §§ 3º e 5º, do art. 121, do ECA, operando-se a extinção do feito pela prescrição.


 
 

Retirado de: http://www.geocities.com/Athens/5908/children/Inimp.htm