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O Judiciário e os Novos Paradigmas Conceituais e Normativos da Infância e da Juventude. Conteúdo da Norma Interna.



                                             Antônio Fernando do Amaral e Silva - Desembargador TJSC
 
 
 

          Resumo:
          O autor examina as mudanças ocorridas com a implantação da doutrina da proteção integral
          através da Lei 8069/90, destacando o papel fundamental das ações cíveis públicas para a
          garantia dos  direitos  ali consagrados. Confrontando o conteúdo do Estatuto da Criança e do
          Adolescente com os documentos internacionais referentes ao tema, situa o Brasil no contexto
          mundial, reconhecendo ser este um dos países mais avançados em legislação referente à
          criança e o adolescente.
 
 

                       Sumário
 

   1- Introdução. 2- Generalidades. 2.1.  A "crise da Justiça de Menores e do Direito do Menor." 2.2. A nova doutrina. 2.3. O novo Direito. 3- A Carta Política e a Convenção. 4- O Estatuto e a Convenção - Conteúdo da norma interna. 5- Conclusões.

                  1- Introdução
 

   O presente trabalho constitui despretensiosa abordagem a respeito da identidade entre o conteúdo da norma interna, o
   Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Convenção  Internacional.

   A "Crise da Justiça de Menores e do Direito do Menor" são explicitados como fontes materiais da evolução da Doutrina da
   Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, gestada nos movimentos populares pró-criança da Constituinte.

    A seguir sintetizam-se os princípios da nova Doutrina e do novo Direito, o Direito da Criança e do Adolescente.

   Depois de fazer um paralelo entre  o artigo 227 da Carta Política e a Convenção, passa-se a analisar o  Estatuto,
   destacando-se os principais pontos de convergência com o Tratado.

    Seguem as conclusões.

               2 - Generalidades.
 

    2.1. A "Crise da Justiça de Menores e do Direito do Menor"

   Especialistas vem denunciando a crise do Direito do Menor e da Justiça Tutelar (1). Argumentam que a máxima do "melhor
   interesse da criança" ( "a regra de ouro do Direito do Menor") nem sempre  corresponde e, podendo ser interpretada de
   diferentes maneiras, há necessidade de garantir os direitos fundamentais, principalmente em relação aos jovens acusados,
   submetidos, freqüentemente, a sanções mais severas do que em iguais circunstâncias seriam impostas aos adultos.

    Grunspun, em 1985 (1) advertia:

    "A posição paternalista não está resolvendo a situação porque ela é autoritária e antijurídica".

    Criticando "a mudança de nomes para tentar mudar o significado repressivo sem conteúdo substantivo, observava:

   "Estes discursos de autores vêm os menores já apenados com as modernas visões de assistência e reeducação,
   substituindo reformatórios e institutos correcionais, ou  de outros autores brasileiros como Cavalieri (19) ou Bulhões de
   Carvalho (16), que idealizam novos códigos  para resolver o grave problema da criminalidade infantil e das crianças
   abandonadas, não  encontram  soluções, além    de suas críticas  construtivas,  porque  não  visualizam um Direito de
   Menores centralizado nos direitos subjetivos e objetivos dos menores".

    Jason Albergaria (2) depois de se referir à dimensão mundial da crise afirma:

   "Realmente, a legislação comparada, já em muitos países, realiza essa vocação universal de atualização do Direito Tutelar,
   para adequá-lo aos novos princípios constitucionais e ao avanço das ciências humanas".

   Os mitos ("juiz bondoso"), os eufemismos ("medidas em qualquer hipótese de proteção"), a falta de critérios objetivos
   capazes de garantir o indivíduo contra o possível arbítrio do Estado ("Casos Gault" e "Miranda"), puseram a nú, não só nos
   Estados Unidos, mas a nível internacional, a crise da chamada "Justiça Tutelar" .

   No Brasil a conjuntura gerou os movimentos "Criança e Constituinte" e "Criança Prioridade Nacional", que lograram inserir
   na Carta Política normas afinadas com a Doutrina das Nações Unidas para Proteção Integral, resultando na ab-rogação do
   Código de Menores e da Doutrina da Situação Irregular.

   Enquanto a Doutrina da Situação Irregular preconizava a necessidade de restringir o alcance das normas de Direito do
   Menor, que não deveriam mencionar direitos, a Doutrina da Proteção Integral apregoava a  necessidade de disposições
   capazes de garantir todos os direitos fundamentais, vida, saúde, educação, lazer, profissionalização, cultura, liberdade,
   etc...

   Proposta de Rafael Sajon, mereceu crítica de Cavallieri, que não visualizava a possibilidade de conciliar a proteção integral
   com a "tutela oferecida pelo direito no sistema jurídico do Estado" (3). O mestre, à época, não teve presente as ações
   cíveis públicas em torno dos direitos difusos ou coletivos. Por isso afirmou: (4)

   'Num raciocínio simplista, colocaríamos uma questão:   que ação asseguraria direitos genéricos, oriundos de um consenso
   humanístico universal, o ideal de proteção amplo, que se desenvolve  desde o direito de ter um  nome, uma nacionalidade,
   ao tratamento médico ao incapaz físico ou mental, à educação, recreação, diversão? Regulando a ordem jurídica, a lei tem
   o seu império garantido pelo Estado ao declarar ou satisfazer o direito subjetivo material. "O Direito de ação, desta sorte, há
   de referir-se a um caso concreto (10)."

   O eminente jurista, depois de criticar a recomendação nº 16 do 8º Congresso da Associação Internacional de Juízes de
   Menores (Genebra, 1970), no sentido de serem introduzidas no direito positivo os princípios enunciados na declaração da
   ONU, coloca o aspecto restritivo do Direito do Menor:

   "Estamos tentando clarificar uma posição doutrinária de conseqüências práticas relevantes. Não conseguimos conciliar a
   idéia de proteção integral com a  tutela oferecida pelo direito no sistema jurídico do Estado. Aqui, seguimos a lição de
   Groppali, indicando que a tutela do direito através dos órgãos jurisdicionais visa a conseguir a observância das normas
   jurídicas, emanadas do poder legislativo, resolvendo controvérsias de acordo com tais normas, surgidas entre cidadãos e
   estes e entidades públicas executando coativamente as sentenças (14)...."

    Mais adiante, insiste:

   "É necessário limitar os alcances do Direito do Menor sob pena de decretar-se sua falência, pela impossibilidade da
   prestação judicial que ele envolve. Uma desmesurada extensão do conceito do Direito do Menor, com a conseqüente
   expressão que dele deflui, resultará em desmoralização do Poder Judiciário".

   Bem por isso o ab rogado Código não mencionava direitos, apenas "medidas de proteção", entre elas medidas de
   segurança detentivas, que podiam ser aplicadas, inclusive, por fatos penalmente irrelevantes (desvio de conduta), Cód. arts.
   2º, V e 41.

    O viés de restringir o Direito do Menor aos menores tipificados como em "situação de patologia jurídico social" para serem
    "diagnosticados" e "tratados", gerou o fenômeno da "carrocinha de menores" e do "ciclo perverso da apreensão, triagem e
    deportação", identificados por Rivera (5) e Costa (6).

   Crianças pobres (Cód. art. 2º, b) eram apreendidas (art. 94) e encaminhadas para o "diagnóstico" e "tratamento" sem
   qualquer medida de apoio à família.

    O sistema, que não distinguia abandonados e infratores, infrações leves  e gravíssimas, produtor e reprodutor de violência e
    delinqüência, provocou justa indignação, desaguando nas memoráveis campanhas pró-criança da Constituinte.

   Tais movimentos enfatizavam a impropriedade da Doutrina da Situação Irregular e insistiam na nova Doutrina da Proteção
   Integral, baseada nos documentos de direitos humanos das Nações Unidas.

   Invocavam-se o projeto de Convenção, as Regras Mínimas para a Justiça Juvenil (Beijing, novembro de 1985), as Diretrizes
   para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Riad, março de 1988), o projeto de Diretrizes para a Proteção dos Jovens
   Privados de Liberdade e as Recomendações da Associação Internacional de Magistrados da Juventude e da Família
   (Genebra, 1970 e Rio, 1986).

   Os movimentos  restaram vitoriosos e o artigo 227 consolidou na ordem jurídica interna os princípios da doutrina
   internacional.

    2.2. A Nova Doutrina

   A Doutrina das Nações Unidas para a Proteção da Infância, além de deslegitimar política e juridicamente o velho Direito de
   Menores, colocando-o em situação irregular (7), reconhece a criança e o adolescente como sujeitos plenos de direitos,
   gozando de todos os direitos fundamentais e sociais, inclusive à prioridade absoluta, decorrência da peculiar situação como
   pessoas em desenvolvimento.

    Dentre seus postulados encontramos os seguintes:

    No direito ciência e no direito norma deve haver um ramo dirigido a todas as crianças e jovens, independentemente da
   situação em que se encontrem, mencionando direitos e garantindo sua efetivação através de ações individuais, coletivas
   ou difusas.

   Nas relações jurídicas, a família, a sociedade e o Estado devem encarar crianças e jovens como verdadeiros sujeitos de
   direito e não meros objetos de proteção.

   A tormentosa questão da chamada delinqüência juvenil deve ser enfrentada de forma realista e científica, aceitando-se a
   possibilidade do crime juvenil e a necessidade de resposta sócio-educativa, garantidos o devido processo legal, a presunção
   de inocência, os critérios de proporcionalidade e legalidade.

    A ação de pretensão sócio-educativa, embora disponível, deve ser pública.

    Para os casos sem relevância deve ser admitida a remissão e, inclusive, a transação.

    2.3. O Novo Direito

   Com a Doutrina da Proteção Integral, agasalhada na Carta Política, desaparece o Direito do Menor para surgir o Direito da
   Criança e do Adolescente.

   O ramo, agora dirigido a toda menoridade, garante a efetivação dos direitos fundamentais, sociais e próprios de crianças e
   jovens.

   O Direito do Menor não era o direito da menoridade, apenas dos menores de 18 anos e, ainda assim, quando se
   encontrassem em "situação irregular", como tal tipificada legalmente.

    De aplicação restrita, uma de suas características era não mencionar direitos, mas "medidas terapêuticas".

    O menor em "situação irregular" era visto como em estado de "patologia social", portador de necessidades.

    O viés era  considerar a vitima em situação irregular.

   Sendo situação irregular, sinônimo de estado de ilegalidade ( 8), estará naquela posição o pai que abandonar ou descurar
   do pátrio poder; o Estado que negligenciar politicas públicas. Jamais a criança abandonada ou negligenciada.

    Na relação jurídica em que seus direitos foram violados, a criança não se encontra na ilegalidade. Em situação irregular
    encontram-se os que faltaram com os seus deveres.

    Com o Estatuto, o direito positivo, caracterizado pela coercibilidade, passou a mencionar e garantir direitos.

   Desapareceu da ordem jurídica interna o ramo baseado na lei "estranha, extravagante" de que  nos falava Uchoa de
   Mendonça (9) "espanando princípios, abandonando regras fundamentais, princípios fundamentais do Direito, fixando que a
   iniciativa é informal, a presença do advogado é necessária só em grau de recurso; se a medida adequada ao caso não
   estiver prevista em lei, o juiz decide livremente, e o que é mais sério," -prossegue o  menorista  no seu elogio ao ab rogado
   Código-, "na aplicação desta lei, o interesse do menor se sobrepõe a qualquer bem ou interesse juridicamente tutelado.
   Fica inserido no Poder Judiciário um homem com super-poder, tendo que se auto-policiar para aplicá-lo com justiça,
   equilíbrio e eqüidade".

   O novo ramo, criado a partir da Constituição de 88, inspirado na Doutrina da Proteção Integral e regulamentado pelo
   Estatuto da Criança e do Adolescente, prende-se aos princípios gerais, às regras técnicas, aos conceitos da ciência
   jurídica.

    No novo modelo a cada  ator o seu papel.

    Nada de eufemismos ou mitos.

    O juiz surge como o magistrado que previne e compõe litígios.

    O Ministério Público é o fiscal da lei,  titular da ação de pretensão sócio-educativa.

    O advogado aparece como o  causídico, defensor do jovem.

   As questões de pobreza e  assistência social deixam os juizados e passam a responsabilidade das administrações  locais,
   com os Conselhos Tutelares.

         3 - A Carta Política e a Convenção.
 

   Se entre os signatários da Convenção só agora começam os movimentos visando adequar as respectivas legislações, o
   Brasil  exsurge como um dos raros países onde a normativa já foi  substancialmente inserida no direito interno.

   Basta cotejar o artigo 227 da Carta Política e o Estatuto com a Convenção para perceber a perfeita identidade entre o
   tratado e as normas internas.

   Ao contrário de outros países, no Brasil as disposições locais precederam a normativa internacional. É que o projeto de
   Convenção serviu de fonte ao direito interno.

    O caput do artigo 227 sintetiza os preceitos do Tratado:

   "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
   vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
   convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
   violência, crueldade e opressão."

   Prossegue a Carta determinando que se promova programas de assistência integral a saúde, inclusive proteção
   materno-infantil; atendimento aos portadores da deficiência; idade mínima para o trabalho; sejam garantidos os direitos
   previdenciários e trabalhistas; o acesso do trabalhador à escola; o devido processo em caso de acusação e os princípios de
   brevidade, excepcionalidade e  respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento quando da aplicação de
   qualquer medida privativa de liberdade; incentivo ao acolhimento; programas de prevenção e atendimento especializado ao
   dependente de entorpecentes e drogas afins; a igualdade dos filhos, independentemente da natureza da  filiação, proibida
   qualquer discriminação.

   A Carta assegura, ainda, a participação da sociedade civil na formulação de políticas de assistência social e no controle
   das respectivas ações e a inimputabilidade penal até os 18 anos.

   Referindo-se ao processo de adequação do Tratado as legislações locais, o argentino Emilio Garcia  Mendez (10) identifica
   quatro hipóteses:

      países em que o efeito da Convenção foi nulo;

      outros em que está em curso o processo de mudança;

     países em que houve adequação meramente formal e eufemística, permanecendo inalterados o espírito e a substância da
   doutrina da situação irregular;

      países em que a adequação foi substancial, citando como exemplo o Brasil.

    O interessante tema da adequação não pode ser abordado sem apelo a exegese histórica e sistemática.

   Nenhuma interpretação dispensará textos como a Declaração de Genebra de 1924; a Declaração Universal dos Direitos da
   Criança de 1959; o Projeto de Convenção e o texto definitivo de 1989; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
   Administração da Justiça da Juventude; as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil; o
   projeto das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade.

    Tais documentos serviram de base a proposta de mudança, constituindo argumentos de peso  junto à Constituinte e,
    posteriormente, à aprovação do Estatuto.

      4 - O Estatuto e a Convenção   Conteúdo da Norma Interna.

    As duas principais diretrizes identificadas por Costa ( 11) na Convenção, o interesse superior da criança e sua posição
   como sujeito de direito, caracterizam o Estatuto, que no artigo 1º deixa explícita a opção pela Doutrina das Nações Unidas:

    "Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente".

   O italiano Paolo Verceloni, presidente da Associação Internacional de Magistrados da Juventude e da  Família, referindo-se
   ao Estatuto, diz que ele tem conteúdo e forma de uma verdadeira Constituição.

    Depois de aplaudir o art. 3º , explica: (12)

   " Crianças e adolescentes não são mais pessoas capitis deminutae, mas sujeitos de direitos plenos; eles têm, inclusive,
   mais direitos que os outros cidadãos, isto é, eles têm direitos específicos depois indicados nos títulos sucessivos da
   primeira parte; e estes direitos específicos são exatamente aqueles que tem que lhes assegurar o desenvolvimento, o
   crescimento, o cumprimento de suas potencialidades, tornar-se cidadãos adultos livres e dignos."

   Estatuto, atendendo a Doutrina das Nações Unidas, ao tempo em que reconhece a criança e o adolescente como sujeitos
   de direito, garante com a coercibilidade que lhe é própria, os direitos fundamentais à vida e à saúde (Cap. I); à liberdade ao
   respeito  e à dignidade (Cap. II); à convivência familiar e comunitária (Cap. III); à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer
   (Cap. IV); à profissionalização e à proteção no trabalho ( Cap. V).

    Os direitos à saúde, educação e assistência social são garantidos, inclusive, através de ações civis públicas.

    O direito à convivência familiar é assegurado por meio de ações individuais.

    O direito à vida é protegido por normas penais, agravadas em caso de morte (art. 233).

   A grande inovação, as ações civis públicas em torno dos direitos difusos ou coletivos, tornou possível o cumprimento
   coercitivo dos direitos preconizados na Carta Política e na Convenção, principalmente no art. 4ºdo Tratado. Confira-se o
   capítulo VII do Título VI.

   A simples leitura da normativa internacional e do Estatuto, evidencia a perfeita identidade entre a proposta da ONU e a
   solução brasileira.

   Os direitos à vida, à saúde, aos laços familiares, à opinião, à liberdade de expressão e de pensamento, artigos 6º a 9º, 12º
   a 14ºdo Tratado, coincidem com os artigos do Estatuto, 7º a 14º (vida e  saúde), 15 a 18 (liberdade, respeito e dignidade),
   arts. 28, §1º, 45, §2º, 168 e 190, §2º (liberdade de opinião).

   Há, ainda, convergência entre o artigo 14,  que trata da liberdade de consciência e religião, o artigo 15, (liberdade de
   associação) com os artigos 16, III e 53, IV, do Estatuto.

   O acesso à informação apropriada; a responsabilidade dos pais; a proteção contra o abuso e negligência; a adoção; os
   direitos das crianças deficientes; o direito a educação, a proteção no trabalho, contemplados no Tratado, mereceram do
   Estatuto cuidadosa regulamentação. Vejam-se, entre outros, os artigos 5º, 12, 19, 23, 27, 39/52, 54, 58,60/69,208,228/244.

   O lazer, a recreação e as atividades culturais; a questão das drogas; a exploração sexual; a tortura e a privação indevida da
   liberdade, também estão disciplinadas de maneira uniforme, havendo no Estatuto salvaguardas satisfatórias, seja por meio
   de medidas de apoio, auxilio e orientação, seja através da criminalização de ações nocivas. Nesse sentido, entre outros, os
   artigos 58, 59, 101- VI, 233 e 243.

   A administração da Justiça frente a chamada delinqüência juvenil está conforme em ambos os documentos. É perfeita a
   identidade entre as Regras Mínimas, a Convenção e o Estatuto. O artigo 40 do Tratado corresponde aos capítulos I a III do
   título III da lei local.

   Só desavisadamente não se encontraria correspondência entre o artigo 3º, que trata da prevalência dos melhores interesses
   da criança, e o artigo 6º do Estatuto que traça normas de interpretação.

    Diz o documento Internacional:

   "Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais,
   autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança."

    No artigo 6º a Lei Brasileira completa:

   "Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais 2a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os
   direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
   desenvolvimento".

   O dispositivo, interpretado sistematicamente, deixa claro que o melhor interesse constitui diretriz hermenêutica do novo
   modelo. É o que se extrai do contexto do Estatuto, principalmente de suas disposições preliminares. Bem por isso, o artigo
   1º explicitou dispor a lei sobre proteção integral. Portanto suas normas não podem ser interpretadas em prejuízo dos
   destinatários dessa proteção, que é total, completa. Acrescenta o artigo 3º que a criança e o adolescente gozam de todos
   os direitos fundamentais da pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral. O art. 4º,  que todos devem garantir os
   direitos de crianças jovens com absoluta prioridade. O 5º, que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
   forma de negligência, discriminação, crueldade e opressão".

    Ao se referir aos fins sociais, o Estatuto explicitou a opção pela exegese teleológica, ou seja, a da proteção integral, com
    prevalência do melhor interesse.

   Não mais um "melhor interesse"  subjetivamente estabelecido, o que poderia conduzir ao arbítrio, mas um superior
   interesse baseado em normas objetivas, finalísticas, voltadas à proteção integral.

   Os fins sociais do Estatuto, consubstanciados 2 na promoção e defesa dos direitos, constituem diretriz para que  o
   superior interesse, seja, mesmo, o da criança  e   do  adolescente e não mais um duvidoso e suposto melhor interesse, à
   critério subjetivo do intérprete.

   A orientação zetética, balizada pelo art. 6º, deixa claro o cuidado em jungir a aplicação da nova lei às normas, aos
   princípios do direito ciência. No caso, da Hermenêutica Jurídica.

                    Conclusões
 

    Em todos os países discute-se a chamada "crise da Justiça de Menores".

    A posição meramente paternalista não está resolvendo porque  é autoritária e antijurídica. (Gunspun   1985)

    No Brasil, a crise, somada a outras fontes, desaguou no fenômeno social impulsionador das mudanças na Constituinte que
    resultaram na evolução da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina de Proteção Integral.

   É perceptível  a  tendência universal no sentido da atualização do Direito Tutelar para adequá-lo aos princípios do direito
   ciência e às normas constitucionais.

   Com o advento da Convenção sobre os Direitos da Criança surgiu um novo Direito, evolução natural do Direito do Menor, o Direito da Criança, baseado na Doutrina das Nações Unidas para a Proteção Integral.

   O novo ramo preconiza que o direito tutelar deve se submeter aos princípios, às normas, às regras do direito ciência; da
   epistemologia e da hermenêutica jurídicas, garantindo a efetividade dos direitos fundamentais e sociais, próprios de
   crianças e adolescentes. Também, que deve  dispor a respeito de respostas pela prática de atos conceituados como
   infrações penais; que essa resposta deve ter caráter sócio-educativo e só pode ser imposta  com  observância das
   garantias constitucionais, da presunção da inocência e do devido processo legal, entre outras.

    A atualização brasileira do Direito Tutelar, inclusive à nível constitucional, está perfeitamente adequada à Convenção e aos
    princípios da Doutrina da Proteção Integral.

            Referências Bibliográficas
 

    1   SELIH, Alenka, "Os jovens separados de suas famílias", Rio de Janeiro, Anais do XII Congresso da
    Associação Internacional de Magistrados de Menores e de Família. Rio, 1987, Dinigraf- Empreendimentos
    Gráficos e Editoriais, Ltda. pág 29/30;

    MANZANERA, Luiz Rodriguez. "Criminalidad de Menores". México, Editorial Porrua, 1987, pág. 365 e 371/372;

    SOLARI, Ulbaldino Calvento. "Lineamentos del Derecho de Menores en Latínoraméríca. Montevideo, Imprensa
    Marte, 1981, pág 21;

    GRÜNSPUN, Hain, "Os  Direitos dos Menores", São Paulo, Almed, 1985, pág 83/97;

    GARCIA, Mendez Emílio e outros, "La Condicion Jurídica de la Infancia en America Latina   Bases para una
    Reforma Legislativa, Buenos Aires, Editorial Galerna, 1992, pág. 11.
 
 
 

Retirado de: http://www.abmp.org.br