® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br
O “PROTECT Act” – a lei
americana de proteção às crianças na Internet (parte I)
Demócrito
Reinaldo Filho
Em
10 de abril deste ano, o Congresso dos EUA aprovou a lei intitulada de “Prosecutorial
Remedies and Other Tools to End the Exploitation of Children Today Act of 2003”,
ou simplesmente “PROTECT
Act”. No Senado, a lei foi aprovada por 98 votos a favor e 0 contra, e
na Câmara dos Representantes, por 400 votos a favor e 25 contra – uma votação,
como se vê, fortemente em favor da lei, que foi sancionada pelo Presidente
George Bush logo em seguida.
Trata-se
de uma longa e completa lei cobrindo todos os aspectos da proteção de crianças
contra abusos sexuais, disciplinando os procedimentos de investigação,
persecução criminal e punição dos crimes sexuais contra menores e pornografia
infantil. Dentre outros pontos, incentiva a criação de uma rede nacional de
comunicação para facilitar a recuperação de crianças raptadas[1],
torna mais severas as normas para os crimes sexuais, estabelece um sistema de
vigilância para ex-condenados, proíbe o “turismo sexual” de cidadãos americanos
em outros países e expande a lista de ofensas que justificam a emissão de uma
ordem judicial para quebra do sigilo da comunicação[2].
Além disso, ela contém uma série de seções relacionadas com a tecnologia da
informação, quer seja quando esta é utilizada para a prática de crimes quer
quando é utilizada como ferramenta para a investigação e perseguição dos
criminosos. Entre estas, as que mais se destacam são as que criminalizam a
prática dos nomes de e-mail enganosos (misleading domain names) e
proíbem a geração de pornografia infantil por meio da computação gráfica.
No
presente artigo, nos limitaremos a analisar esses últimos pontos da Lei, ou
seja, aquilo em que ela se relaciona com a Internet.
Com
o subtítulo de “Truth in Domain Names”[3]
(Section 521), a Lei provê certos dispositivos que tornam ilícito o uso
de nomes de domínio de “aparência inocente” mas que dirigem a pessoa para
material obsceno e pornografia. A Lei é especialmente dura quando esse tipo de
nome de domínio é usado com a intenção de levar uma criança (menor de 18 anos)
a ver material “prejudicial a menores”. Pela letra da lei, “quem quer que
intencionalmente use um nome de e-mail falso na Internet com a intenção de
enganar uma pessoa de modo a que esta veja material obsceno” ou “quem quer que
intencionalmente use um nome de domínio falso com a intenção de enganar um
menor de modo a que ele veja material prejudicial a menores” deve ser multado
ou preso. A lei ainda oferece o conceito do que seja “material prejudicial a
menores” e prevê que os nomes de domínio contendo as palavras “sex” ou “porn”
não podem ser considerados enganosos[4].
Essas
disposições, embora elaboradas apenas para combater a pornografia na rede e
proteger as crianças contra esse tipo de material, servirá também para
desestimular a prática do “typosquatting”[5],
ou seja, o registro de nomes de domínio com pequenos erros de grafia, com a
finalidade de levar tráfego (visitação) ao endereço assim registrado, sempre
que uma pessoa (internauta) digita a palavra originalmente pretendida com esses
mesmos erros. Elas podem se tornar uma poderosa ferramenta em favor dos proprietários
de marcas (nomes de domínio) contra os “typosquatters”, toda vez que se
constatar a intenção de levar tráfego para sites de conteúdo
pornográfico. Sem que o proprietário da marca tenha que provar seus direitos
sobre ela – e às vezes isso nem sempre é fácil de provar, sobretudo quando não
esteja devidamente registrada -, a punição resultará unicamente do uso desviado
do nome de domínio, isto é, do uso com a finalidade de levar tráfego para sites
pornográficos.
Tem
se tornado muito comum esse tipo de prática, sobretudo nos EUA e outros países
mais avançados, daí a justificativa da lei. E em geral quem se vale dela
geralmente visa às crianças, mais propensas a cometerem erros no momento de
digitar as letras e sinais de um endereço web. Por exemplo, uma criança
que tentasse visitar o site dos Teletubbies, cujo endereço é www.teletubbies.com , e digitasse www.teltubbies.com poderia encontrar
material obsceno ao invés das aventuras dos bonequinhos que vivem nas montanhas
de um mundo imaginário.
Os agentes policiais e promotores americanos já começaram sua atuação no sentido de aplicar a nova lei para evitar práticas predatórias com o uso de nomes de domínio. Um dos primeiros casos em que ela foi empregada contra pessoas que tentam mascarar seus websites pornográficos, atribuindo-lhes nomes de domínio enganosos, envolveu a prisão de John Zuccarini, um notório “typosquatter” que registrou milhares de nomes de domínio de sites populares com pequenos erros de grafia. Além do desvio em relação ao site dos Teletubbies, ele fez inúmeras outras variações de sites de desenhos animados.
É
esperado que o Departamento de Justiça tome providências contra outros sites que empregam práticas
enganosas similares. O segmento da indústria de produtos para adultos, no
entanto, está preocupado com essa iniciativa. Representados pela Free Trade
Coalition, protestaram que a lei está escrita de forma muito vaga, e que
pretendem contestá-la nas cortes, ao argumento de que viola o princípio
constitucional da liberdade de expressão. Eles acham que proprietários de sites
pornográficos podem vir a ser processados simplesmente por não ter incluído em
seus nomes de domínio palavras relacionadas a sexo.
No caso de
Zuccarini, todavia, a impressão é de que ele será condenado, pois sua intenção
de enganar menores parece evidente. A FTC (Federal
Trade Comission) obteve uma liminar, de uma corte distrital da
Pensilvânia, que o proíbe de redirecionar internautas e o obriga a desativar
uma boa parte dos sites criados por meio da prática do “cibersquatting”,
dentre eles o teltubbies.com .
Recife, 26.09.03
Disponível em : < http://www.internetlegal.com.br/artigos/democrito9.zip>
Acesso: 18/07/06
[1]
Por ter incluído uma seção estabelecendo a instituição dessa rede de
comunicação, a Lei também ficou conhecida como “Amber Alert Bill”. O sistema Amber Alert
de comunicação é coordenado pelo Departamento de Justiça, que ajuda os
Estados-membros no desenvolvimento de planos de ação. Funciona por meio de uma
parceria entre os órgãos governamentais de repressão ao crime e empresas de
comunicação, para ativar mensagens e alertas ao longo do território nacional
sempre que surjam sérios casos de rapto de crianças. O objetivo desse sistema
de alerta (e daí o seu nome) é instantaneamente envolver toda a comunidade na
busca de crianças raptadas.
[2] A lista de crimes prevista no Código americano (U.S. Code), que autorizam a emissão de uma ordem judicial para interceptação de uma comunicação, é bem restrita. O USA PATRIOT Act aumentou essa lista (18 U.S.C. § 2516) para incluir os crimes relacionados a terrorismo. O PROTECT Act a estendeu para alcançar os crimes sexuais contra crianças e pornografia infantil.
[3] Na verdade, esta seção da Lei incorporou outra que tramitava no Congresso, que tinha esse mesmo título (“Truth in Domain Names”) e que pretendia criminalizar o uso de nomes de domínio falsos ou enganosos quando empregados com a intenção de atrair menores para conteúdo de caráter sexual ou pornográfico na Internet. Essa outra Lei (HR 939) foi originalmente apresentada pelo Rep. Mike Pence, Republicano do Estado de Indiana.
[4] Abaixo reproduzimos (em inglês) a parte da Lei (Section 521) onde constam essas disposições:
SEC.
521. MISLEADING DOMAIN NAMES ON THE INTERNET.
(a) IN GENERAL.—Chapter 110 of title 18, United States Code, is amended by inserting
after section 2252A the following:
‘‘§ 2252B. Misleading domain
names on the Internet
‘‘(a) Whoever knowingly uses a
misleading domain name on the Internet with the intent to deceive a person into
viewing material constituting obscenity shall be fined under this title or
imprisoned not more than 2 years, or both.
‘‘(b) Whoever knowingly uses a
misleading domain name on the Internet with the intent to deceive a minor into
viewing material that is harmful to minors on the Internet shall be fined under
this title or imprisoned not more than 4 years, or both.
‘‘(c) For the purposes of this
section, a domain name that includes a word or words to indicate the sexual
content of the site, such as ‘sex’ or ‘porn’, is not misleading.
‘‘(d) For the purposes of this
section, the term ‘material that is harmful to minors’ means any communication,
consisting of nudity, sex, or excretion, that, taken as a whole and with
reference to its context—
‘‘(1) predominantly appeals to
a prurient interest of minors;
‘‘(2) is patently offensive to
prevailing standards in the adult community as a whole with respect to what is
suitable material for minors; and
‘‘(3) lacks serious literary,
artistic, political, or scientific value for minors.
‘‘(e) For the purposes of subsection
(d), the term ‘sex’ means acts of masturbation, sexual intercourse, or physcial
contact with a person’s genitals, or the condition of human male or female
genitals when in a state of sexual stimulation or arousal.’’
[5] O “typosquatting” é uma espécie do “cybersquatting”, que ocorre quando uma pessoa registra um nome de domínio semelhante ao da marca ou nome comercial de outra empresa. Trata-se de uma apropriação da marca ou nome comercial, simplesmente porque o “cybersquatter” registrou antes o nome de domínio. No caso do “typosquatting”, a situação é diferente. O proprietário da marca já tem o seu nome de domínio registrado, mas o “typosquatter” registra um nome de domínio muito parecido, com apenas uma pequena variação, às vezes um pequeno ponto ou hífen.