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POR UMA PEDAGOGIA DA PRESENÇA
 
 
          Antônio Carlos Gomes da Costa
 
 
         PRESENÇA: UMA NECESSIDADE BÁSICA
 
    É crescente, entre nós, o número de adolescentes que necessitam de
    uma efetiva ajuda pessoal e social para a superação dos obstáculos
    ao seu pleno desenvolvimento como pessoas e como cidadãos.
     O primeiro e mais decisivo passo para vencer as dificuldades pessoais
    é a reconciliação do jovem consigo mesmo e com os outros.  Esta é
    uma condição necessária da mudança de sua forma de inserção na
    sociedade.
    Não se trata, portanto, de ressocializar (expressão vazia de
    significado pedagógico) mas de propiciar ao jovem uma possibilidade
    de socialização que concretize um caminho mais digno e humano
    para a vida.  Só assim ele poderá desenvolver as promessas (as
    possibilidades) trazidas consigo ao nascer.
      As omissões e transgressões, que violentam a sua integridade e
    desviam o curso da sua evolução pessoal e social, exprimem-se nas
    mais diversas formas de condutas divergentes ou mesmo antagônicas
    à moralidade e à legalidade da sociedade que o marginalizou.
     Essas condutas, mais do que ameaça a ser reprimida, segregada e
    extirpada a qualquer preço - como parece ser o entendimento
    prevalecente hoje em nosso país - devem ser vistas e sentidas como
    um modo peculiar de reivindicar uma resposta mais humana aos
    impasses e dificuldades que inviabilizam e sufocam sua existência.
     Quando esses apelos encontram diante de si a indiferença, a
    ignorância e o julgamento prévio dos preconceitos, o adolescente
    tranca-se em um mundo próprio, um mundo que se desenvolve sob o
    signo de um luto interior que é a resultante das perdas e danos
    infringidos à sua pessoa.
     A esta altura poucos serão capazes de ouvir e de entender os seus
    apelos.  O seu mundo ficou reduzido e espesso.  Sua experiência
    tornasse cada vez mais difícil de ser penetrada, compreendida e
    aceita.  Pela contigüidade que a profissão lhes impõe, os educadores,
    trabalhadores sociais e psicológicos seriam as pessoas mais aptas a
    acolher e responder de forma construtiva a esses apelos.
    Estranhamente, porém, isto dificilmente acontece.
     Quando o quotidiano se transforma em rotina, a inteligência e a
    sensibilidade fecham-se para o inédito e o específico de cada caso,
    de cada situação.  O manto dissimulador da "familiaridade" vai aos
    poucos cobrindo e igualando pessoas e circunstâncias numa
    padronização cuja resposta são as atitudes estudadas, as frases feitas,
    os encaminhamentos automatizados pelo hábito.
    Este mecanismo, no fundo todos nós o percebemos, é a maneira
    encontrada pelo educador de ausentar-se da exposição direta a esses
    apelos, assim como da precariedade de meios, recursos e alternativas
    colocadas ao seu alcance para fazer face a uma realidade tão
    dramática.
     Muitos de nós racionalizarmos essa atitude de ausência programada,
    refugiando-nos no álibi estrutural, adiando o enfrentamento mais
    humano e conseqüente desta questão para o depois de mudanças
    estruturais, que ninguém sabe quando virão, se é que virão.
    Nenhuma lei, nenhum método ou técnica, nenhum recurso logístico,
    nenhum dispositivo político-inconstitucional pode substituir o frescor e
    a imediaticidade da presença solidária, aberta e construtiva do
    educador junto ao educando.
     Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da
    ação educativa dirigida ao adolescente em situação de dificuldade
    pessoal e social.  A presença é o conceito central, o
    instrumento-chave e o objetivo maior desta pedagogia.  Ela é a força
    que pulsa no coração daquela "ciência árdua e sutil" à qual homens
    como Antonio Makarenko dedicaram inteiramente as suas vidas.
 

APRENDER A FAZER-SE PRESENTE

    A capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva, na realidade
    do educando não é, como muitos preferem pensar, um dom, uma
    característica pessoal intransferível de certos indivíduos, algo de
    profundo e incomunicável.  Ao contrário, esta é uma aptidão que
    pode ser aprendida, desde que haja, da parte de quem se propõe a
    aprender, disposição interior, abertura, sensibilidade e compromisso
    para tanto.  Efetivamente, a presença não é alguma coisa que se
    possa apreender apenas ao nível da pura exterioridade.
 Tarefa de alto nível de exigência, essa aprendizagem requer a
    implicação inteira do educador no ato de educar.  Sem esse
    envolvimento, o seu estar-junto-do-educando não passará de um rito
    despido de significação mais profunda, reduzindo-se à mera
    obrigação funcional ou a uma fornia qualquer de tolerância e
    condescendência, de modo a coexistir mais ou menos pacificamente
    com os impasses e dificuldades do dia a dia dos jovens, sem
    empenhar-se, de forma realmente efetiva, numa ação que se
    pretenda eficaz.
    Por outro lado, é importante salientar que, situado no polo
    direcionador da relação, não pode o educador a ela entregar-se de
    uma forma ilimitada, irrestrita, incondicional e irrefletida, como
    algumas vezes costuma ocorrer.  Essa maneira extrema de
    testemunhar solidariedade e compromisso, freqüentemente, costuma
    redundar em conseqüências imprevisíveis e danosas, seja para o
    educador, seja para o educando.
    Prática em sua essência limitada, como afirma Paulo Freire, a
    educação só é eficaz na medida em que reconhece e respeita seus
    limites e exercita suas possibilidades.
    No caso da relação educador-educando, esta maneira de entender e
    agir implica a adoção de uma estrita disciplina de contenção e
    despojamento, que corresponde, no plano conceitual, a uma dialética
    proximidade-distanciamento.
    Pela proximidade o educador se acerca ao máximo do educando,
    procurando identificar-se com a sua problemática de forma calorosa,
    empática e significativa, buscando uma relação realmente de
    qualidade.
    Pelo distanciamento, o educador se afasta no plano da crítica,
    buscando, a partir do ponto de vista da totalidade do processo,
    perceber o modo como seus atos se encadeiam na concatenação dos
    acontecimentos que configuram o desenrolar da ação educativa.
    Esta é uma postura que exige de quem educa uma clara noção do
    processo e uma ágil inteligência do instante, implicando a
    necessidade de combinar de forma sensata uma boa dose de senso
    prático com uma apreciável veia teórica.
   Diante das manifestações inquietantes do educando - impulsos
    agressivos, revoltas, inibições, intolerância a qualquer tipo de norma,
    apatia, cinismo, alheamento e indiferença - deve o educador situar-se
    num ângulo que lhe permita ver, além dos aspectos negativos, o
    pedido de auxilio de alguém que, de forma confusa, se procura e se
    experimenta em face de um mundo, a seus olhos, cada vez mais
    hostil e ininteligível.
     Há que estar atento, porém, para o uso que, por parte do educando,
    pode ser feito, dos "bons sentimentos e das boas intenções de um
    educador insuficientemente familiarizado com situações deste tipo ou
    que se deixou levar demais pelas emoções, pela dimensão afetiva da
    relação.  O "jogo" que se estabelece nesses casos - manipulação,
    chantagem afetiva, apego desmesurado, dependência descabida -
    pode por a perder todo o processo se o educador não se mostrar
    capaz de evitar e, quando isto não for possível, impedir que estas
    tendências ganhem corpo na relação.
     Fazer-se presença construtiva na vida de um adolescente em
    dificuldade pessoal e social é pois, a primeira e a mais primordial das
    tarefas de um educador que aspire assumir um papel realmente
    emancipador na existência de seus educandos.
     Esta, vale salientar, é aptidão que apenas em parte pode ser
    aprendida de forma conceitual.  "Saber de experiências feito", a
    presença é uma habilidade que se adquire fundamentalmente pelo
    exercício cotidiano do trabalho social e educativo.  Entretanto, sem
    uma base conceitual sólida e articulada, fica muito mais difícil para o
    educador proceder à leitura, à organização e à apropriação e
    domínio plenos do seu aprendizado prático.
 

             CAMINHO DE EMANCIPAÇÃO
 
    Diante de adolescentes com sérios problemas de conduta, os
    educadores seguem, de um modo geral, um dos seguintes enfoques
    básicos:

    1.AMPUTAÇÃO, através de abordagens correcionais e repressivas,
    daqueles aspectos da personalidade do educando considerados
    nocivos a ele próprio e à sociedade;
    2.REPOSIÇÃO, através de práticas assistencialistas, quanto aos
    aspectos materiais, e paternalistas, no que se refere ao lado
    emocional, do que lhe foi sonegado nas fases anteriores de sua
    existência;
    3.AQUISIÇÃO, pelo próprio educando, através de uma abordagem
    auto-compreensiva, orientada para a valorização e fortalecimento dos
    aspectos positivos de sua personalidade, do auto-conceito, da
    auto-estima e da auto-confiança necessários à superação das suas
    dificuldades.
  O primeiro enfoque (amputação), historicamente, mostrou-se capaz de
    produzir dois tipos de pessoas: os rebeldes e os submissos.  Os
    rebeldes adotam um padrão de conduta violentamente reativo no seu
    relacionamento consigo mesmo e com os outros, o que, geralmente,
    os leva a se inviabilizarem como pessoas e como cidadãos.  Já os
    submissos se despersonalizam , tornam-se frágeis, vulneráveis,
    inseguros, afeitos a serem manipulados e totalmente incapazes de
    assumirem o próprio destino.
    O segundo enfoque (reposição) baseado nas privações e carências
    encontráveis na vida desses jovens, procura vê-los pelo ângulo do
    que eles não são, do que eles não trazem, do que eles não têm, do
    que eles não são capazes.  A tentativa de suprir de forma mecânica,
    via programas institucionais, essas carências, tem resultado
    geralmente na produção de grande número de jovens dependentes,
    propensos a se tornarem recorrentes crônicos de aparato assistencial
    do Estado ou das organizações não-governamentais.
     O terceiro enfoque (aquisição) procura partir do que o adolescente é,
    do que ele sabe, do que ele se mostra capaz e, a partir dessa base,
    busca criar espaços estruturados a partir dos quais o educando possa
    ir empreendendo, ele próprio, a construção do seu ser em termos
    pessoais e sociais.  Esta linha de atuação está presente, em maior ou
    menor medida, nas poucas experiências bem sucedidas no Brasil
    voltadas para adolescentes com problemas mais sérios.  Por esta via,
    muitos jovens têm recobrado a confiança em si mesmos e se
    descoberto capazes de lutar e progredir juntamente com os outros.
    Trata-se, como se vê, de uma proposta de educação emancipadora.
     A Pedagogia da Presença, enquanto teoria que implica os fins e os
    meios desta modalidade de ação educativa, se propõe a viabilizar
    este paradigma emancipador, através de uma correta articulação do
    seu ferramental teórico com propostas concretas de organização das
    atividades práticas.
 A orientação básica desta pedagogia é resgatar o que há de positivo
    na conduta dos jovens em dificuldade, sem rotulá-los nem
    classificá-los em categorias baseadas apenas nas suas deficiências.
     Sem ignorar as exigências e necessidades da ordem social, o
    educador somente não aceita a perspectiva de que sua função venha
    a ser apenas adaptar o jovem a isso que aí está.  Ele vai mais longe.
    Ele quer abrir espaços que permitam ao adolescente tomar-se fonte
    de iniciativa, de liberdade e de compromisso consigo mesmo e com
    os outros, integrando de forma positiva as manifestações
    desencontradas de seu querer-ser.
 
              AO ENCONTRO DE SI MESMO
 
     Aquisições utilitárias, como aprendizado de um trabalho rentável,
    socialmente útil e boas maneiras, que tomem o educando um cidadão
    produtivo e bem aceito, são preocupações das quais nenhum
    educador sério poderá abrir mão.  Tais aquisições viabilizam o jovem
    no mundo em que ele é chamado a viver.
     Porém, o educador, que se dirige ao educando na perspectiva da
    pedagogia da presença, verá que uma outra ordem de exigências
    antecede e dá suporte a estas preocupações.  Ele já observou que
    muitos deste jovens vivem "amarrados por dentro", encerrados em um
    universo tenso, reduzido e espesso.  Eles freqüentemente anulam
    iniciativas e esforços realizados em seu favor.  Agem como se os
    problemas que tentamos resolver com eles não fossem realmente os
    seus verdadeiros problemas.
     Onde poderemos situar a raiz deste desencontro?  Do ponto de vista
    da Pedagogia da Presença, esta desarticulação entre necessidades e
    ofertas vem do fato de que, enquanto os educadores oferecem aos
    adolescentes meios para moderar-se e viabilizar-se, eles buscam
    prioritariamente as vias que lhes permitirão encontrar-se.
     Explorar a sua situação, compreendê-la e agir de forma construtiva
    em relação a ela, a partir de confrontos progressivamente maduros
    com a sua realidade, é tarefa que, na ordem de importância,
    antecede a todas as demais.  Sua realização é que permite ao
    educando superar o isolamento e a solidão.  Vista a situação por este
    ângulo, os aspectos sociais subordinam-se à perspectiva do
    equacionamento da problemática pessoal do jovem a quem
    dirigirmos nosso trabalho.
     A Pedagogia da Presença é parte de um esforço coletivo na direção
    de um conceito e de uma prática menos irreais e mais humanos de
    educação de adolescentes em dificuldades.
     Contribuir para o resgate da parcela mais degradada, em termos
    pessoais e sociais, de nossa juventude é, sem dúvida alguma -
    embora apenas um número reduzido de pessoas realmente acredite
    nisto - uma das grandes tarefas do nosso tempo.
 
 
O ADULTO NO MUNDO DOS ADOLESCENTES
 
    A presença dos adultos no mundo dos jovens em dificuldade pessoal
    e social não deve ser, como é corrente entre nós, intervencionista e
    limitada.  O estar-junto-do-educando é um ato que envolve
    consentimento, reciprocidade e respeito mútuo.
    O adolescente espera do educador algo mais do que um serviço
    eficiente, em que as tarefas claramente definidas, se integrem num
    conjunto coordenado, tecnicamente preparado.  As tarefas que o
    educador executa, na divisão de trabalho da equipe, representam
    apenas o seu campo de ação, mas não a principal razão da sua
    presença junto ao educando.  Esta razão maior será sempre a
    libertação do jovem, uma exigência que se situa sempre além de
    todas as rotinas, embora não deixe de passar por elas.
    É por esta transcendência dos aspectos rotineiros do programa
    sócio-educativo que o adolescente percebe que, mesmo feita de
    privações e sofrimentos, a vida é alguma coisa pela qual vale a pena
    lutar, e que é preciso reconciliar-se com ela a partir do encontro com
    outras vidas.
    É através de pequenos nadas que aquele educando arredio manifesta
    um desejo de aproximação. Um outro ocupa um tempo considerável
    do educador com um problema insignificante. Esta é a sua maneira
    de exprimir a confiança que começa a nascer-lhe em relação àquele
    adulto. Não é um conselho o que ele procura agora, mas
    reciprocidade, simpatia, amizade.  O momento da orientação virá
    depois.  Um "bom dia", um "vai com Deus", um "boa noite", um
    sorriso, um olhar cúmplice do educando são sinais velados que
    indicam ao educador o avanço do seu trabalho.
    Em cada incidente, em cada circunstância, a tarefa essencial e
    permanente do educador será sempre comunicar ao jovem elementos
    capazes de demitir-lhe compreender-se e aceitar-se e compreender e
    aceitar os demais. Assim, de maneira quase imperceptível, ele vai
    ultrapassando os obstáculos que se interpõem ao seu querer-ser.  A
    sua segurança cresce, à medida em que ele vai se sentindo capaz de
    definir para si mesmo o caminho a seguir e o comportamento a
    adotar para a realização daquilo que pretende.
    A esta altura, o educador começa a tomar consciência de que não
    existe nenhum método ou técnica inteiramente eficaz e satisfatório,
    capaz de ser aplicado com sucesso a todos os casos.  As dificuldades
    a serem enfrentadas parecem não ter fronteiras muito precisas. Às
    vezes elas esbarram no regulamento e estruturação do programa
    sócio-educativo, outras vezes elas entram em colisão com o sistema
    político-institucional e a legislação vigente; há também aquelas
    dificuldades cuja superação põem em causa a própria maneira como
    está estruturada nossa sociedade.
   Por vezes o educador se interroga sobre o sentido de seus esforços.
    Sente que, para que uma solução orgânica e conseqüente para o
    conjunto desses jovens fosse encontrada, seria necessário reanimar
    milhares de consciências adormecidas, sensibilizar a sociedade no
    seu todo e chamar à responsabilidade os que têm nas mãos o poder
    de decidir para que se pudesse romper, de forma radical, com a
    incompetência, a organização irracional, o interesse mal formulado e
    a legislação inadequada.
    Este tipo de questionamento leva o educador a perceber que a sua
    atuação não é apenas trabalho, ela é, também e fundamentalmente,
    luta.  A Pedagogia da Presença implica de forma ampla a sua
    existência.  Ela convoca para a ação a pessoa humana, o educador e
    o cidadão.  E é nesta última condição, que cabe ao educador
    empenhar-se também no sentido daquelas mudanças amplas e
    profundas, tendo como horizonte de seus esforços a história de seu
    povo.
    A consciência do educador abre-se, deste modo, a um amplo espectro
    de problemas.  Além de ter uma compreensão das grandes questões
    da sociedade, ele deve ser basicamente capaz de compreender,
    aceitar e lidar com comportamentos que expressam aquilo que há de
    íntimo e oculto na vida de um jovem em situação de dificuldade
    pessoal e social.  Este jovem, seu educando, é destinatário e credor
    daquilo de melhor que, em cada momento do seu relacionamento,
    ele for capaz de transmitir-lhe.
 

       CONHECER O PROCESSO
 
    A pedagogia moderna, em todas as suas modalidades, começa por
    uma abertura e integração dos dados que lhe chegam através da
    psicologia, da sociologia, da antropologia, da psicologia social, das
    ciências médicas e do direito.  Já passou o tempo em que se podia
    negar a importância de uma boa cultura científica para atuar neste
    domínio.
    É falso que a prática por si só confira ao educador os elementos
    necessários ao pleno domínio do seu ofício.  Sem a teoria, a prática
    será sempre limitada.  Quem negligencia o estudo, quando possui
    meios de realizá-lo, é um pretensioso ou um inconsciente da
    importância real do seu trabalho.  Afirmar isto, no entanto, não
    implica negar que Só a experiência é capaz de integrar e de validar
    aquilo que foi estudado, na medida em que tudo passa pelo crivo da
    eficácia na ação.
     Mais importante do que cabeças cheias de informações, é a aquisição
    pelo educador de atitudes e habilidades que favoreçam e viabilizem
    sua atuação junto ao educando.
  A atitude científica diante de um adolescente em dificuldade não é
    caracterizar o seu problema ou inadaptação e rotulá-lo desta ou
    daquela maneira: deficiente, epilético, hiperativo, infrator,
    irresidente, abandonado, carente etc.  Estes são aspectos
    encontráveis em milhares de outras pessoas.  Há que captar o
    específico, o aspecto individualizado daquele caso.  Um problema,
    por mais grave que seja, nunca é o todo de um ser humano.  Haverá
    sempre, além da dificuldade específica, outras dimensões a serem
    trabalhadas.
     É uma obrigação do educador adquirir uma informação correta sobre
    os diversos tipos de dificuldades que afetam os jovens e, quando
    sentir que é necessário, deve encaminhá-los para tratamentos
    específicos nos âmbitos da medicina, da psicologia ou até mesmo da
    psiquiatria.
 Nenhuma providência deste tipo, no entanto, o liberará do dever de
    tentar uma aproximação mais concreta com o adolescente, afim de
    ver nele o que há de mais pessoal e que não é o seu problema, antes,
    poderá ser a base sobre a qual se assenta a busca de uma solução
    para suas dificuldades.
   Neste momento é preciso compreender o educando considerado em
    si mesmo, e não em relação às normas e padrões que tenha,
    porventura, transgredido.  Situá-lo numa história singular, única, que
    é a sua, para, então, retirá-lo do rótulo, da categoria que ameaçava
    aprisioná-lo.
    A observação atenta e metódica dos comportamentos que lhe são
    próprios tentará conhecer, entre os ganhos e perdas de sua vida,
    aquilo a que o educando dá mais importância, atenção, valor.  Enfim,
    será necessário descobrir nesse adolescente aptidões e capacidade
    que apenas um balanço criterioso e sensível permitirá despertar e
    desenvolver.  Só assim, ele encontrará o caminho para si mesmo e
    para os outros.  E este é o sentido e o objetivo maior da presença
    construtiva e emancipadora do educador na vida do educando.
    Existir, para o adolescente, não é um problema metafísico, é dispor
    de alguns bens materiais e não-materiais essenciais.  O primeiro
    deles é ter valor para alguém, ser acompanhado, aceito, estimado
    num universo que lhe é particular, onde possa desenvolver as
    capacidades ainda não, ou insuficientemente, manifestas de sua
    pessoa.
    O pão, mesmo abundante, é amargo para quem o come na solidão ou
    no anonimato coletivo de um atendimento massivo e embrutecedor.
    O preceito evangélico "Nem só de pão vive o homem" assume aqui
    um valor humano de relevância e concretude irrefutáveis, é através
    de presenças humanas solidárias e atentas ao seu redor, que o
    adolescente em dificuldade recebe a prova, para si mesmo, do seu
    valor e da sua unidade.
    A consciência de estar no mundo já é, então, consciência, de
    aceitação, de acolhimento, de pertinência, de integração, de
    aconchego.  Viver, assim, é estar junto.
    Os laços que se desenvolvem Só são verdadeiros, contribuindo
    construtivamente para o existir, quando são fruto de um dar e de um
    receber, de um liberar e de um restringir acolhidos livremente.

 

            ADOLESCÊNCIA E SOLIDÃO
 
    Na origem das condições que encaminham numerosos jovens para a
    associalização e a delinqüência encontramos um sentimento de
    abandono, de (des)vinculação, de (des)encontro, de solidão, de
    isolamento, de (in)comunicabilidade.
    Cada adolescente em dificuldade, à sua maneira, tenta (I) dissimular,
    (II) compensar, (III) protestar.  As manifestações variam, mas estas três
    fases do processo são possíveis de serem detectadas pelo observador
    atento.  Vejamos:
    -a primeira fase visa reter a presença que escapa. É caracterizada por
    exigências cabíveis e descabíveis, tentativas de selar compromissos
    de toda sorte, esforços de aproximação, apelos, ofertas discretas ou
    desajeitadas, que testemunham uma profunda inquietação;
  -a segunda, quando a perda parece consumada, o adolescente em
    dificuldade alimenta-se dos sentimentos engendrados pela
    privação:ruminações obscuras, rejeição do meio, dissimulações
    presentes na edificação de um universo fechado, base de uma
    segurança enganadora onde são elaborados simulacros e
    compensações de todo tipo;
  -a terceira fase é o momento em que o jovem procura outras
    presenças, indo ao encontro dos que, de preferência, são vítimas do
    mesmo sofrimento, da mesma solidão.  Encontra-os sempre
    aglutinados, enfeudados, trancados num grupo fechado e isolado dos
    demais.  Movido por impulsos que emergem de sua natureza
    profunda, o jovem lança-se à procura dos bens perdidos, uma busca
    desorientada, errática, que ignora as leis e convenções morais que já
    pouco ou nada lhe dizem.  A transgressão da lei, contudo, aciona os
    mecanismos de controle e defesa social, cujas reações (apreensão,
    maltrato, segregação) vêem somar-se ao sofrimento de um passado
    cujos tormentos, longe de serem resolvidos, apossam-se do seu
    presente e o infernizam cada vez mais.
    Quando se chega a este ponto, temos a prova de que a vida foi
    perturbada, não em planos superficiais, mas profundos. É então que
    geralmente o educador é chamado, a intervir.  Ele sabe que é neste
    momento que, da sua capacidade de fazer-se presente na vida do
    educando, dependerá tudo o mais.
    A palavra presença, embora não seja de uso freqüente no domínio da
    pedagogia, apresenta um conteúdo relacional que faz dela a mais
    exigente das realidades.  Após inteirar-se do passado e das condições
    de vida e luta pela sobrevivência de numerosos adolescentes em
    dificuldade, é possível constatar que a maioria não vivenciou (ignora)
    ou vivenciou de forma muito precária o continente estável e fiel de
    um afeto cotidiano, ou seja, não teve acesso aos bens da presença.
    Está longe de sua experiência a consciência de que sua vida tem
    valor para alguém, faz alguém feliz.
    O educador, orientado pela consciência dessa realidade, lerá a
    peripécia pessoal e social do adolescente em dificuldade com outros
    olhos.  Descobrirá, sob os impulsos anárquicos e contraditórios que
    parecem caracterizá-lo, uma imensa vontade de ser aceito, de viver e
    de se libertar.  As dificuldades de uma vida assim ameaçadas
    reclamam a urgente necessidade de uma Pedagogia da Presença.
 

            MUITO ALÉM DA ADAPTAÇÃO
 

    Os programas sócio-educativos dirigidos a jovens em situação de
    especial dificuldade ainda não sabem, em sua grande maioria, tirar
    proveito pleno das possibilidades da presença, embora alguns lhe
    concedam um certo valor, considerando-a como um recurso a mais no
   enfrentamento dos casos que comportam maior desafio.
   São raríssimas as situações em que a perspectiva da presença é
    chamada a intervir como o primeiro elemento da dinâmica do
    atendimento.
    A norma geral é a adoção de uma conduta meramente repositiva das
    necessidades e carências materiais e não-materiais do educando.
    Este caminho, estamos cada vez mais conscientes, é uma segura
    maneira de perder de vista o objetivo fundamental do processo
    educativo.
    Sobre a palavra socialização pesa, hoje, um grave equívoco.
    Geralmente entende-se por este termo uma perfeita identidade entre
    os hábitos de uma pessoa e as leis e normas que presidem o
    funcionamento da sociedade.  Uma adesão prática à sua dinâmica,
    uma submissão ao seu ritmo, uma incorporação plena de seus
    valores.  Uma adaptação total, enfim.
    O comportamento ajustado, nesta visão, é a única coisa que
    realmente importa.  Daí se deduz que o essencial foi conseguido
    quando o jovem já se mostra capaz de atuar no ambiente em que é
    chamado a viver sem causar nenhum dano apreciável ao corpo
    social.
    Nesta perspectiva, como se percebe, a sociedade impõe-se como a
    primeira e a principal favorecida.  O educando, considerado em si
    mesmo, é de certo modo indiferente se o objetivo principal foi
    alcançado: a cessação dos atos delituosos e das condutas
    perturbadoras da convivência coletiva.
    Espera-se do jovem em dificuldade que ele se integre no corpo social
    como elemento produtivo e ordeiro, sem suscitar qualquer forma de
    reprovação do meio.  A esta altura, então, diz-se que o educando foi
    "socializado".  Na perspectiva de uma pedagogia crítica, no entanto,
    esta não é a verdadeira socialização, a qual situa muito além desta
    adesão rudimentar à ordem estabelecida.  Segundo o enfoque da
    Pedagogia da Presença, está socializado o jovem que dá importância
    a cada membro da sua comunidade e a todos os homens,
    respeitando-os na sua pessoa, nos seus direitos, nos seus bens.  Ele
    agirá assim, não apenas por uma lei promulgada ou por medo de
    sanções, mas por uma ética pessoal que determina o outro como
    valor em relação a si próprio.
    Este jovem saberá, então, aceitar o peso inevitável que as outras
    pessoas do seu mundo farão recair sobre si.  Moderará seus impulsos
    de sensibilidade e de orgulho, será capaz de julgar os aspectos
    positivos e negativos da sociedade de que é membro.  Reconhecerá
    os desvios que desfiguram a convivência coletiva e se empenhará,
    apesar das dificuldades, na realização de seus legítimos interesses
    pessoais e sociais.
    Ele terá ainda a liberdade (o direito) de exprimir, quando isto
    corresponder à sua vontade e ao seu entendimento, a indignação
    salutar que induz à denúncia e ao combate da injustiça e da
    opressão, que povoam a vida dos homens numa sociedade como a
    nossa.  A verdadeira socialização, portanto, não é uma aceitação
    dócil, um compromisso sem exigências, ou uma assimilação sem
    grandeza.  Ela é uma possibilidade humana que se desenvolve na
    direção da pessoa equilibrada e do cidadão pleno.
   É certo que a socialização, entendida como uma adaptação prática à
    vida social, é sempre algo desejável e francamente necessário, mas,
    os seus fundamentos serão sempre frágeis se ela não for capaz de
    ultrapassar este conceito e de abrir-se para a pessoa do educando em
    toda a sua complexidade, e inteireza.
 
 

    A CONTRADIÇÃO ENTRE A MISSÃO E OS MEIOS
 
     Quando somente tentamos repor para o adolescente em dificuldade
    os bens materiais e não-materiais de que estava privado - casa,
    comida, roupa, remédio, ensino formal, profissionalização, esporte,
    lazer e atividades culturais - estamos incidindo apenas na superfície
    do problema, sem alcançar as dimensões mais profundas e mais
    determinantes de sua atitude básica diante da vida.
     A intervenção específica do educador, no que se refere aos impasses
    e dificuldades existenciais do educando, baseia-se numa relação
    pessoal positiva que o leve a encontrar o caminho que o retorne a si
    mesmo e aos outros.
     De início, é freqüente que o educador depare com a porta fechada ou
    aberta apenas para os contactos estereotipados e formais das pessoas
    que não tem nada a dizer uma à outra Será necessário ultrapassar os
    contactos superficiais e efêmeros e as intervenções técnicas
    puramente objetivas.  Só a presença poderá romper seu isolamento
    profundo sem violar seu universo pessoal.  O sistema de atendimento,
    entretanto, não foi pensado nem estruturado para satisfazer esta
    ordem de exigências.  A evolução histérica da educação dos jovens
    em dificuldade em nosso país, nesta perspectiva, ilustra bem este
    descaminho:
     -Numa primeira etapa o atendimento caracterizou-se por uma
    desconfiança "a priori" em face do educando e as intervenções do
    tipo correcional-repressivo prevaleceram durante muito tempo. O
    SAM (Serviço de Assistência ao Menor), ligado ao Ministério da
    Justiça, foi sucedido pela FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-estar
    do Menor), que passou a adotar um novo enfoque.  Essas práticas,
    contudo, ainda não se encontram ultrapassadas quanto se pensa.
    Seus reflexos prolongaram-se no tempo e acabaram por minar os
    esforços de modernização, terminando por sobrepor-se a eles,
    principalmente no que se refere aos adolescentes a quem se atribua a
    autoria de ato infracional;
    -Na segunda etapa desta evolução, a visão do adolescente em
    dificuldade como elemento hostil e ameaçador (enfoque
    criminológico da periculosidade) foi substituída pelo enfoque da
    privação, da carência.  A adoção dessa perspectiva levou à
    implantação das equipes interdisciplinares e da ampliação e
    diversificação do espectro de atendimento, que passou a cobrir um
    número maior de necessidades dos destinatários dos programas
    sócio-educativos para adolescentes em dificuldades, melhorando as
    condições técnicas e materiais das unidades de atendimento.  A
    verdade, porém, é que este modelo nunca chegou a vigir de forma
    completa.  As pessoas, os prédios e a cultura organizacional do
    passado fizeram dele uma realidade superposta às maneiras de
    entender e agir herdadas da fase correcional repressiva;
    -A terceira etapa desta conturbada e sofrida trajetória vê o atual
    sistema como uma massa falida em todos os níveis e aspectos.  O
    panorama legal revelou-se inadequado e propiciador de situações as
    mais desumanas e arbitrárias.  O ordenamento político-institucional
    da área mostrou-se, nos últimos vinte e cinco anos, parte do "entulho
    autoritário" que a sociedade brasileira hoje se vê chamada a
    desmontar, no esforço de saneamento e de reconstrução democrática
    da vida nacional.  E, no que se refere àquilo que mais imediatamente
    nos diz respeito neste momento, as formas de atenção direta ao
    adolescente em dificuldade com problemas de conduta, assumiram
    contornos de ineficácia e de degradação tão evidentes que o seu
    descrédito perante os destinatários e a sociedade como um todo
    tomou-se uma realidade praticamente impossível de ser revertida sem
    a desconstrução total do sistema.
   Por tudo isto sustentarmos que um ataque orgânico e conseqüente a
    esta questão passa por um sistemático esforço de transformação
    profunda do quadro atual.  Este esforço deve desdobrar-se em três
    frentes básicas de atuação:
   a) Mudanças profundas no panorama legal;

    b) Um corajoso e amplo reordenamento institucional;
 
c) Uma efetiva melhoria das formas de atenção direta aos
    adolescentes em dificuldade.
 
    Esta Pedagogia da Presença é parte do esforço que se vem
    desenvolvendo na terceira frente.  Contudo, ela só poderá produzir
    respostas mais efetivas e plenas na medida em que ocorrem
    mudanças mais amplas.  Mesmo assim, não poderemos cruzar os
    braços.  Faz-se necessário, como diz Paulo Freire "fazer hoje o
    possível de hoje, para fazer amanhã o impossível de hoje".
 

     RECIPROCIDADE: A DIMENSÃO ESSENCIAL DA
                         PRESENÇA
 
 
 

    Mesmo reconhecendo e explicitando as imensas dificuldades que se
    manifestam na moldura legal e político-institucional da educação de
    jovens em dificuldade pessoal e social no Brasil de nossos dias, não
    podemos deixar de reafirmar aqui, como temos feito em praticamente
    todos os tópicos, a exigência essencial de que relação
    educador-educando seja uma relação significativa, uma relação de
    qualidade.  Sem isto, todos os recursos investidos e os esforços
    desenvolvidos, ou não alcançarão resultado, ou atingirão apenas,
    como geralmente tem ocorrido entre nós, resultados inexpressivos,
    precários e frágeis.
    A verdade da relação educador-educando, do ponto de vista da
    Pedagogia da Presença, baseia-se na reciprocidade.  A reciprocidade
    entendida como a interação na qual duas presenças se revelam
    mutuamente, aceitando-se e comunicando uma à outra, uma nova
    consistência, um novo conteúdo, uma nova força.  Sem que para isso
    a originalidade inerente a cada uma seja minimamente posta em
    causa.
    A reciprocidade é quase sempre o fator que explica aqueles sucessos
    que surgem inesperadamente, quando todas as esperanças razoáveis
    já foram por terra.  Atrás desses resultados, aparece sempre uma
    pessoa-chave, que conseguiu manter com o jovem em dificuldade
    uma relação pessoal que se mostrou capaz de restituir-lhe um valor
    no qual ele próprio já não acreditava.  Alguém compreendeu e
    acolheu suas vivências, sentimentos e aspirações, filtrou-os a partir de
    sua própria experiência e comunicou-lhe com clareza, a
    solidariedade e a força para agir.
    Muitos pretendem ver nos educadores que conseguem isso
    individualidades raras, pessoas excepcionais, dotadas de dons muito
    especiais e, por isso mesmo, inimitáveis. É mais realista, entretanto,
    encará-las como pessoas comuns nas quais certas qualidades não
    excepcionais se encontram favoravelmente conjugadas e
    suficientemente desenvolvidas.
    Atribuir os resultados excepcionais a seres excepcionais, a seres
    privilegiados é, no fundo, demitir-se da possibilidade de obter de si
    mesmo e de outros desempenho semelhante.
    A presença aberta e solidária do educador junto ao educando será
    efetiva e estará em conformidade com o papel que dela se espera, na
    medida em que de si nasça a reciprocidade que vem da sua
    aceitação inicial por parte do educando: dos convites - claramente
    expressos ou não - que ele emite na direção do educador, assim
    como da ampliação e do aprofundamento do contato e das respostas
    que, ao longo do processo, o jovem for emitindo.  Só a reciprocidade
    garante o valor da presença e respeita a liberdade do outro.
    O próprio educador se modifica no curso dessa relação.  Já não põe
    em prática idéias preconcebidas.  Tenta controlar e criticar os meios
    de que se utiliza.  Entra num ciclo de invenção e de vida, buscando
    alcançar em cada educando o que ele tem de único e de essencial.  A
    sua ação ganha em profundidade.  Os conhecimentos que adquiriu
    são uma luz que ilumina a leitura incessante que ele faz do conjunto
    do que acontece à sua volta.  Sua capacidade de entendimento
    aumentou e suas intervenções práticas se tornaram mais tranqüilas e
    seguras.
    O âmago da relação entre duas pessoas, onde uma se inclina para a
    outra, onde uma ocupa o seu espaço na vida da outra, constitui um
    tipo de reciprocidade.
    Outro tipo de reciprocidade é operado pela própria pessoa na sua
    relação consigo mesma.  Trata-se da aquisição do auto-domínio,
    através das suas virtualidades físicas, intelectuais e afetivas.  O
    educando é constantemente chamado a ultrapassar-se a si próprio.
    De início, esta experiência é vivida sem uma adesão específica,
    depois, ela se torna uma fonte de gratificação.  Esta conquista implica
    no amor a si mesmo.  A conseqüência é uma interioridade, fruto de
    esforços orientados para o que nele nasce e o transforma sem que a
    sua identidade se perca.
    O terceiro tipo de reciprocidade liga-se de forma estreita às duas
    primeiras. É o momento em que o educando sente-se chamado a
    fundir seu dinamismo de base em atitudes socializadas, adaptadas às
    conveniências de contextos humanos mais amplos (família, escola,
    comunidade, trabalho), mas que guardam correspondência com seu
    próprio movimento de auto-edificação.  A simpatia é a resultante mais
    elevada dessa dimensão da reciprocidade.  A simpatia de um grupo
    humano representa, para quem é por ela contemplado, o sinal de que
    o valor que lhe é próprio foi reconhecido. É uma forma de
    homenagem prestada pessoa.  Quando esta dimensão não existe ou
    foi excluída da vida de alguém, provoca sempre uma amarga
    decepção. É difícil para alguém suportar uma indiferença pela qual
    lhe façam sentir que a sua vida não representa nada.
 
   É extremamente importante para o adolescente em dificuldade que
    essa simpatia, unia vez desencadeada, tenha continuidade.  Ele
    contribuirá também à sua maneira para que isto ocorra, ao mesmo
    tempo emerge de si mesmo e vai se libertando de suas duvidas.
    Considerar os adolescentes em dificuldade como universos fechados
    e justapostos, negligenciando os laços que os organizam corno
    pessoas, seria como conceber o meio social na base de simples
    relações de coexistência que bastaria moderar, ou seja, fazer da vida
    social um agregado de solidões.

 

           A RELAÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO:
              ALGUNS OBSTÁCULOS DE BASE
 
 

    Quando se considera a importância da presença do educador para o
    adolescente em dificuldade, tornamo-nos sensíveis a certas
    deficiências das pessoas e instituições, sobre as quais vale a pena
    chamar a atenção:
    a)O trabalho educativo preocupado apenas em readaptar o
    adolescente em dificuldade tende sempre a ignorar o estado de
    solidão e abandono a que ele foi relegado antes de a sociedade
    preocupar-se com ele pela manifestação de condutas não aceitas.
    Insistir de forma continuada e renitente em chamar a atenção do
    jovem para a gravidade social dos seus atos é um expediente que,
    além de inútil, frequentemente contribui para o fracasso da ação
    educativa.  O educando centraliza-se todo no mal de que sofre e
    procura prioritariamente qualquer coisa que possa trazer-lhe um
    pouco de alívio e satisfação.
 
   b)Algumas vezes O jovem em dificuldade apercebe-se de que não
    ocupa um lugar importante nas preocupações de seu educador.  Que
    possibilidade teria de comunicar-lhe o que lhe está atormentando?
    Quando esta situação se prolonga, o que ocorre é o afastamento e a
    incompatibilidade entre o educador e o educando, gerando uma
    barreira difícil de transpor.
    c)As intervenções disciplinares mal conduzidas constituem outro
    problema da maior gravidade.  Há erros que não implicam uma
    sanção.  Quando a utilidade da sanção é evidente, ela deve ser
    levada a efeito de tal modo que os sentimentos íntimos do atingido
    não sejam lesados.  As sanções, que surgem do desejo de dominar o
    rebelde ou de servir de exemplo para os demais, são particularmente
    condenáveis.  O educador deve ser exigente.  Não deve nunca,
    porém, colocar a exigência antes da compreensão.
    d)A administração de alguns programas sócío-educativos oficiais é
    outra fonte de problemas muito graves.  O atendimento burocrático ao
    adolescente em dificuldade faz com que ele se sinta como um papel,
    tramitando de repartição em repartição, de forma impessoal e
    descuidada.  Este comportamento reforça o caráter abstrato da
    relação educativa e destrói no jovem qualquer esperança de atenção,
    de solicitude, de acolhimento qual ele pudesse ter sido portador ao
    chegar ali.
    e)Certas concepções da sua função impedem o educador de assumir
    o papel fundamental que dele se espera na vida do educando:
    ajudá-lo a encontrar-se a si mesmo e aos outros.  Qualquer idéia
    demasiado abstrata e formal de seu papel tende a desmoronar-se
    diante dos fatos do dia a dia.  A prática está a exigir a todo instante
    iniciativas enriquecidas e aperfeiçoadas por fatores os mais
    imprevisíveis.
 
    Quando o educador está alerta para estes problemas, ele se previne
    contra estas formas de alienação que ameaçam o seu esforço junto
    ao jovem em dificuldade.
    A resistência por parte do educador a certas maneiras de entender e
    agir, entranhadas na rotina institucional, é frequentemente salutar ao
    processo educativo.  Nascida, às vezes, apenas da intuição de que
    não é por aí o caminho, essa resistência interior pressiona no sentido
    da criatividade, da invenção e da mudança de qualidade do processo.

 

      A AUTORIDADE NA PEDAGOGIA DA PRESENÇA
 

    O adolescente em dificuldade inclina-se para aqueles
    relacionamentos que não lhe peçam contas daquilo que ele é, não
    mostram ressentimento por aquilo que parece ser e nem lhe tentam
    impor aquilo que ele deveria ser.  Ele aspira a uma relação
    verdadeiramente humana e não uma forma de coexistência com um
    grupo de pessoas e com um regulamento.
   Infelizmente, é esta segunda hipótese a que se materializa com mais
    freqüência no trabalho daqueles programas dirigidos aos jovens mais
    difíceis.  Os educadores, através de recompensas e sanções,
    conseguem evitar certas manifestações consideradas negativas da
    parte da maioria dos educandos atendidos.  Este verniz, no entanto,
    cai facilmente quando a equipe não consegue produzir e alimentar,
    nos contactos pessoais e na ambiência que resulta do conjunto das
    relações, um nível de calor humano capaz de propiciar um clima
    favorável à aceitação e ao acolhimento mútuos.
    Muitos educadores entendem que, encaradas desta maneira, as
    relações se tomam, de fato, um convite ao abandono das regras de
    convivência na comunidade educativa.  Esta dúvida não tem razão de
    existir.  Na verdade, essa introdução da reciprocidade nas relações
    educador-educando é que se torna o fator capaz de levar o jovem a
    integrar normas e autoridade, revestindo a relação educativa de seu
    verdadeiro significado.
    O educador deve criar no cotidiano do trabalho dirigido ao jovem em
    dificuldade, oportunidades concretas, acontecimentos estruturadores
    que evidenciem a importância das normas e limites para o bem de
    cada um e de todos.  SÓ assim, o jovem começa a comprometer-se
    consigo e com os outros. É deste compromisso que nascem as
    vivências generosas e o calor humano, bases do dinamismo capaz de
    enriquecer e de transformar sua vida.
    Os acontecimentos estruturadores são aquelas atividades que se
    mostram capazes de, na seqüência de uma preparação psicológica
    concreta, levar o educando a assumir compromissos desinteressados
    e renúncias consentidas no bem de interesses e objetivos que não são
    mais estritamente seus, mas de outra pessoa ou do grupo onde ele se
    insere.

   Esta libertação não ocorre de maneira súbita, rápida e irreversível.  O
    processo, além de lento, de um modo geral, comporta idas e vindas,
    podendo, em certos casos, persistir por muito tempo, variando
    naturalmente de um jovem para outro.
    Essa invenção pelo educador de situações concretas, através das
    quais o adolescente em dificuldade parte ao encontro e à descoberta
    dos outros, levam-no a adquirir a solidez necessária para tolerar as
    frustrações e buscar as gratificações, realidades sempre entrelaçadas
    na unidade dinâmica da vida.
   É para a construção e direcionamento destas oportunidades
    educativas que o educador é chamado a assumir-se na dimensão da
    autoridade.  Uma autoridade que só tem sentido na medida em que
    se coloca a serviço da emancipação do educando.
    O seu papel não é, de forma alguma, distanciar o educador do
    adolescente, impondo-lhe uma atitude receosa, submissa e
    reverencial.  Ao contrário, a autoridade do educador é chamada não
    só a delimitar a conduta do educando, naquilo em que ela tem de
    ameaçador, para si e para os outros, como também de impulsioná-lo
    na direção de outras fornias de convivência consigo mesmo e com as
    demais pessoas.
    Não podemos ter ilusões.  Muitos educandos consideram os
    educadores representantes da sociedade que eles, consciente ou
    inconscientemente, responsabilizam pelo seu sofrimento.  Para esses,
    todas as outras violências que sofreram têm seqüência por intermédio
    do educador que empenha em levá-lo a aceitar algumas regras
    básicas de convivência.  Regras de um mundo que ele ainda não
    reconhece como seu.
    A única maneira de enfrentar essa dura realidade é assegurar aos
    educandos o direito de participar na elaboração, discussão e revisão
    das normas, de maneira que elas tenham neles próprios a sua origem
    e a sua finalidade.  Tentar impor-lhes normas "de fora e do alto",
    pretendendo  com elas orientar seus passos, será sempre uma atitude recebida com
    indiferença ou hostilidade. É como tentar fazer a felicidade das
    pessoas contra sua vontade.
     Muitas vezes, o educador é enganado pelas suas intenções mais
    corretas.  Facilmente conferimos a estas intenções um valor próprio,
    independente das situações e dos condicionamentos, no seio dos
    quais elas devem se expressar.  Por isso, um realismo sadio haverá
    sempre de levar o educador a procurar, primeiramente em si mesmo
    a causa das suas dificuldades, antes de atribuí-Ias à instituição, às leis
    e, em última análise, à própria estrutura da sociedade.  Pois é certo
    que, em todos estes níveis, as causas existem e serão encontradas.
     A verdadeira autoridade nasce menos do conhecimento que se tem
    do educando e de suas dificuldades, que da capacidade do educador
    de (re)conhecê-lo e aceitá-lo.
    Quem conquistou esta autoridade nascida do (re)conhecimento pode
    e deve agir com firmeza sempre que julgue necessário.  O seu sim e o
    seu não são emitidos com franqueza e solidez.  O educando conhece
    e reconhece o quanto aquele educador já trabalhou e agiu no seu
    interesse e. no de seus companheiros.
    O educador, que assim entende e pratica a autoridade, liberta-se do
    medo e da incerteza.  Não se empenha por prestígio ou
    popularidade.  Ele está, agora, liberto de si próprio, encara o
    educando de frente e lhe transmite o melhor de si mesmo.  O
    educando saberá, de algum modo, perceber que, para lá dos limites e
    das restrições, alguma coisa de bom, de essencial para seu
    crescimento lhe está sendo passado por aquele adulto significativo
    que ele tem diante de si.
 

      A SELEÇÃO E O PERFIL BÁSICO DO EDUCADOR
 
 
    Quem se proponha a assumir esta modalidade de trabalho educativo
    junto a adolescentes em dificuldade deverá, no exame médico,
    apresentar, além de solidez, nos aspectos físico e nervoso, uma certa
    capacidade de resistência à fadiga, bem como, de autodomínio dos
    impulsos.  Estas são qualidades extremamente necessárias,
    pré-requisitos mesmo para se prosseguir no processo de seleção.
     À medida em que a escolha sai do campo físico e passa a outra
    ordem de qualidades as coisas tomam-se mais complexas.  Alguns
    aspectos objetivos são facilmente detectáveis como deficiências
    intelectuais e excessos de caráter incompatíveis com o trabalho,
    agressividade ou timidez excessivas.  Há aspectos, no entanto, que
    são normalmente incompatíveis com os processos convencionais de
    entrevistas, testes e exames.  Faz-se necessário, então, dispor de
    tempo para avaliar de forma mais criteriosa certas qualidades e
    aptidões.  Isto implica, naturalmente, num segundo nível de decisão
    que deverá ter uma orientação basicamente operacional, um estágio
    probatório efetuado junto aos próprios jovens.
    Nesta fase, três características devem ser observadas com todo
    cuidado.  Sua ausência ou definição pouco nítida deve ser
    considerada motivo suficiente para não recomendar a efetivação de
    uma pessoa no trabalho direto com os jovens em dificuldade.
    A primeira dessas características é uma inclinação sadia pelo
    conhecimento dos aspectos da vida do adolescente que testemunham
    as suas dificuldades e o seu potencial para superá-los.  Esta aptidão
    básica, de forma nenhuma é intelectual: ela implica simpatia,
    compromisso, solidariedade, ou seja, capacidade de relacionamento
    positivo com qualquer tipo de jovem, independente do que ele tenha
    feito ou do que aparente ser.
     A segunda dessas aptidões reside na capacidade de auto-análise.  A
    função exige muito mesmo neste aspecto. É a partir de uma
    consciência perspicaz de si que é possível ao educador perceber
    corretamente que parte de sua personalidade ele está projetando em
    qualquer ação.  Sem esta abertura para a interioridade, a propensão
    do educador é atribuir tudo o que acontece de negativo ao próprio
    educando e às suas condições de trabalho, eximindo-se de colocar-se
    a si mesmo como parte dos problemas.  Esta capacidade de
    auto-crítica à luz da ação condiciona uma honestidade intelectual e
    unia certa humildade, sem as quais proliferam os álibis de unia
    consciência propensa a se tomar cada vez mais elástica, mais frouxa,
    mais acomodada.
     Quanto à terceira disposição, ela está condicionada pelas duas
    primeiras, presidindo, de fato, o seu exercício.  Trata-se da abertura,
    da capacidade de deixar penetrar sua vida pela vida dos outros, de
    modo a captar seus apelos e responder a suas dificuldades e
    impasses.
    Sem a pretensão de comentar esta qualidade, diremos apenas que
    ela é essencial.  Sem essa disposição interior, a aceitação não se
    materializa e a reciprocidade toma-se um objetivo inatingível.
    Tais aptidões devem ser consideradas em profundidade, para evitar
    as aparências enganosas e fraudulentas com que podem
    manifestar-se, por exemplo, numa entrevista ou exame escrito.  A
    presença destas qualidades equilibra e mesmo releva outras
    limitações e insuficiências apresentadas pela pessoa que se propõe a
    atuar nesta área.  Por isso consideramos que é somente no estágio de
    seleção que é possível aferí-las com mais segurança e critério.
    Geralmente os perfis exigidos dos educadores constituem uma
    acumulação abstrata de todas qualidades humanas: físicas,
    intelectuais, psicológicas e morais.  Hoje, já se percebe que a
    natureza não gera este tipo de fenômeno, e que as ciências do
    homem não acumularam ainda recursos suficientes para produzi-los
    em quantidade.  Melhor, portanto, basear a escolha de pessoas para o
    trabalho em critérios seletivos fundamentais, aplicáveis a pessoas
    comuns, admitindo sempre uma inevitável margem de erro e de
    incerteza com a qual teremos de aprender a conviver sem angústias e
    tensões descabidas.
   O primeiro instrumento deve ser a entrevista ou outras formas de
    contactos despojados de qualquer tecnicismo, favoráveis à expressão
    pessoal de quem se candidata ao trabalho.

   O outro instrumento fundamental é o estágio, o qual, sem excluir
    outras formas como testes e exames, nos parece o elemento decisivo
    de um processo de seleção.  Ele deve ter duração suficiente para que,
    realmente, se possa perceber a qualidade do desempenho dos
    educadores no "corpo a corpo" com os educandos e suas
    dificuldades.  Uma preocupação necessária nesta fase do processo é
    não expor excessivamente os jovens à inexperiência e aos
    experimentalismos dos estagiários e de seus supervisares.  Tal erro
    pode ter conseqüências as mais lamentáveis.
    O estágio, além de seleção, é também e primordialmente capacitação
    para o trabalho.  O estagiário é levado a ver e compreender, a avariar
    e a avaliar-se, a descobrir as implicações essenciais de seu trabalho a
    partir dos contactos que nutriu e das situações que foi levado a
    vivenciar.  O processo de escolha é mútuo e recíproco: o trabalho
    seleciona a pessoa e a pessoa assume o trabalho como uma parte de
    si mesma.
 

                LIBERDADE E EDUCAÇÃO
 
 
    O primeiro erro, quando tratarmos a questão da liberdade, é ignorar
    os condicionamentos psicológicos e sociais ou subestimar a sua
    importância.  O erro inverso é negar a possibilidade de o homen ser
    livre, por já estar determinado, tanto em termos pessoais como
    sociais.
     A ciência não nos impõe nenhuma destas conclusões.  Somos nós
    mesmos que, freqüentemente, polarizamos estas visões, fazendo-as
    assumir formas opostas, abstratas, extremadas.  Esta
    incompatibilidade não existe na realidade concreta.  Trata-se de algo
    idealizado e formal. Na vida, as coisas estão emaranhadas e não é
    possível separá-las e enquadrá-las em nossos esquemas mentais.
     Os condicionamentos informam os comportamentos humanos de
    modo tão evidente, que parece desnecessário exigir provas.  A
    liberdade, por outro lado, é a conquista existencial e social básica.
    Ela passa necessariamente pela experiência, pela vivência concreta e
    intransferível do ato libertador.  Ela exige compromisso consigo
    mesmo e com os .outros, e a disposição de correr riscos e assumir
    responsabilidades.
     A liberdade confunde-se com à aventura humana.  Assusta-nos
    sempre um pouco.  Começa no momento em que aceitamos, para
    alcançar algum objetivo que julgamos relevante, arriscar a segurança
    biológica, o equilíbrio psíquico e o bem-estar econômico e social nos
    quais s os alicerces da nossa vida.
     Os condicionamentos que informam nossa existência independem de
    nós para atuar.  Não temos que travar qualquer combate para que
    eles exerçam sobre nós a sua força.  Já a experiência da liberdade só
    é possível através de unia ativa colaboração da vontade.  A liberdade
    visa conquistar sempre alguma coisa. para além do que somos e do
    que possuímos.  Ela é uma conquista contínua e sempre comportará
    escolhas, incertezas e riscos.
     A questão da liberdade na atividade educativa junto adolescentes em
    dificuldade é das que mais requerem do educador clareza e
    equilíbrio.  Os jovens identificam na liberdade um direito que
    antecede a tudo mais.  Para conquistá-lo ou alargar suas fronteiras,
    são às vezes, capazes de iniciativas que nos parecem as mais
    despropositadas.  Caberá ao educador procurar ajudá-los no sentido
    de imprimir uma direção construtiva a esse irreprimível impulso.
     Quando, no entanto, o educando está perdido de si mesmo, esta
    procura toma-se a procura de sua própria identidade.  Os
    fundamentos de sua personalidade se encontram abalados.  Na sua
    vida há um vazio de calor e de presenças humanas, um vazio
    insuportável que ele precisa preencher de alguma forma.
     O papel do educador será facilitar-lhe o acesso a esses bens perdidos,
    através do confronto com a sua realidade, os limites que ela lhe
    impõe e as possibilidades que ela comporta. É a parar da
    compreensão deste quadro e da descoberta de que é possível agir
    diante dele e modificá-lo que o adolescente em dificuldade
    vivenciará a experiência intransferível de sentir-se autor de sua vida,
    de sentir-se livre em face de si mesmo e da circunstância em que foi
    chamado a existir.
     Quando tiver efetuado esta conquista, o jovem irá usá-la como a base
    sobre a qual construirá a sua vida.  Agora, já de acordo consigo
    mesmo e com os outros.  Ele a usará ainda como a sua resposta às
    exigências que o convidam a ultrapassar-se e aos obstáculos que
    encontra diante de si.
     A tarefa do educador é fazer tudo o que esteja ao seu alcance para
    que, enfim,, o educando descubra e comece a trilhar o seu caminho.
    Assim percebida, a liberdade é muito mais do que a não-restrição.
    Mais do que condição, ela é, acima de tudo, o produto de um
    processo educativo freqüentemente laborioso e difícil.
 
 

     A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E
                          SOCIAL
 
 

    A presença, como vimos, é uma exigência constante para o
    desenvolvimento da personalidade e a inserção social de todo ser
    humano. Do início ao fim, a vida de cada um de nós se traduz num
    desejo constante de presença.  Quando estes vínculos não existem,
    ou são demasiado frágeis e se rompem, todo o dinamismo se esvai.  A
    vida torna-se absurda e vazia de senado e a conduta se deteriora e
    degrada cada vez mais.
    As manifestações delinqüentes dos jovens assumem formas
    inquietantes às quais o Estado e a sociedade procuram responder
    com os mecanismos caducos do alerta, da repressão, da segregação,
    e, no Brasil, até mesmo do extermínio.  Esta maneira de relacionar-se
    com o problema ignora, em todas as etapas de seu desenrolar-se, um
    das necessidades mais prementes e íntimas do ser humano em todas
    as épocas: a necessidade de encontrar-se a si mesmo para, então,
    encontrar os demais.
    A compreensão deste fato implica um novo caminho para a educação
    dos jovens em dificuldade.  Um caminho que parte do
    reconhecimento de que, nesta modalidade de ação educativa, o que
    varia é apenas o momento, o tipo de intervenção e a receptividade do
    educando.  No educando de que estamos tratando, existem as
    mesmas possibilidades que em qualquer outro; ele passou, contudo,
    pela massacrante experiência da privação e da brutalidade, fazendo
    com que sua vida entrasse por um caminho de agitação e incerteza.
    Uma educação verdadeiramente positiva é a que tenta devolver ao
    educando o caminho de sua libertação.
    Não basta, portanto, apenas preparar um futuro adulto para inserir-se
    de forma produtiva e útil na sociedade. É preciso mais. É preciso
    encontrar e desenvolver nele o quanto possível aquilo de bom que
    ele trouxe consigo ao nascer.  Só assim, o jovem não será por nós
    reduzido às suas deficiências e aos seus atos contra a moral e as leis.
    Diante de jovens seriamente perturbados, um educador, atuando na
    linha da pedagogia da presença, pode ser um apoio de relevância
    decisiva.  Ao aceitar assumir a função educativa em toda sua
    extensão o educador percebe claramente a singularidade do seu
    lugar e do seu papel na sociedade.  Ele visualiza, como poucos, os
    fatores de origem social que abalam e às vezes destroem os
    fundamentos da vida pessoal da infância e da juventude das camadas
    mais pobres da população.
    Mas a luta por democracia e justiça social não deve, de maneira
    alguma, desviá-lo da necessidade de compreender e de aceitar o ser
    humano, para além das realidades que emergem da sua inserção na
    sociedade.
    Ao exercer sua função específica, guiado por uma consciência
    transformadora e crítica da realidade, o educador reconhecerá que os
    dois pólos de sua atividade: o desenvolvimento pessoal e o
    desenvolvimento social do adolescente em dificuldade são duas faces
    da mesma moeda.  Ele sabe, mais do que ninguém, que a presença
    do jovem em si próprio é a condição de sua presença nos outros em
    todos os espaços onde se processa a sua socialização: família, escola,
    comunidade, trabalho e outros.
    Mais do que responder às exigências e temores deste tempo de crise,
    o educador orientará sua atuação para as necessidades humanas e
    materiais dos adolescentes.  Sua ação cotidiano manifesta-se ao nível
    da pessoa do educando.  Alguém cujas circunstâncias de vida estão
    sempre a mostrar-lhe que, enquanto cidadão, são muitos os motivos
    que o impelem a juntar-se aos que se empenham na mudança da
    sociedade, para que ela possa tomar-se um lugar capaz de permitir a
    todo jovem encontrar-se a si mesmo e aos outros; e a olhar o futuro
    sem medo.

Retirado  de:  http://200.248.123.130/CGI-BIN/om_isapi.dll?clientID=138209&infobase=grupo3.nfo&softpage=Browse_Frame_Pg42