A CONCORDÂNCIA DOS PAIS NOS PROCEDIMENTOS
DE ADOÇÃO
JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA
Promotor de Justiça - SP
Adoção é o instituto
jurídico por meio do qual alguém estabelece com outrem laços
recíprocos de
parentesco em linha reta, por força
de uma ficção advinda da lei. O art. 45 da Lei n. 8.069,
de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e
do Adolescente), estabelece que "A adoção depende do consentimento
dos pais
ou do representante legal do adotando".
É lógico que, na esteira
do § 1o do mesmo dispositivo legal, o consentimento será dispensado
em relação à
criança ou adolescente cujos
pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio
poder.
Também será dispensada
a anuência em uma outra hipótese, não arrolada no dispositivo
em questão: morte
dos pais, causa extintiva do pátrio
poder, nos termos do art. 392, inc. IV, do Código Civil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
diz que, havendo anuência dos pais, o juiz deverá não
só ouvi-los
sobre tal intenção como
também determinar a redução a termo de suas declarações.
Portanto, o
consentimento dos pais exigirá
modo especial, não sendo válido se feito de outra maneira,
como por
exemplo se ambos assinarem declaração
abrindo mão do pátrio poder, longe da presença da
autoridade
judiciária.
É muito comum, nas Varas da
Infância e da Juventude, o juiz ouvir os pais na presença
do representante do
Ministério Público e,
após adverti-los das conseqüências de sua manifestação
de vontade, destituí-los do
pátrio poder. Insta saber se,
aos olhos da lei, essa decisão judicial encontra respaldo no ordenamento
jurídico. Ou seja, age acertadamente
o juiz que destitui os pais do pátrio poder? A nosso ver, não.
Vejamos
por quê?
A destituição do pátrio
poder, também chamada de perda, inibição ou cassação
do pátrio poder, é uma pena,
uma sanção imposta aos
pais que praticarem conduta violadora do dever de guarda, sustento e educação
dos filhos menores. O Código
Civil arrola, no art. 395, três situações ensejadoras
da perda do pátrio poder:
"Perderá por ato judicial o
pátrio poder o pai, ou mãe: I--- Que castigar imoderadamente
o filho. II--- Que o
deixar em abandono. III--- que praticar
atos contrários à moral e aos bons costumes".
Já o Estatuto da Criança
e do Adolescente diz que, além dos casos previstos no Código
Civil, os pais ficarão
sujeitos à perda ou suspensão
do pátrio poder se descumprirem injustificadamente os deveres e
obrigações a que alude
o art. 22. E este dispositivo, por sua vez, consigna o seguinte: "Aos pais
incumbe o
dever de sustento, guarda e educação
dos filhos menores, cabendo-lhes, ainda, no interesse destes, a
obrigação de cumprir
e fazer cumprir as determinações judiciais". Por aí
se vê que a destituição é uma pena
imposta aos pais que deixarem de cumprir
suas obrigações legais.
Ora, se a destituição,
como acabamos de ver, é uma pena prevista na legislação
e aplicada pelo Poder
Judiciário aos pais que descumprirem
os encargos paternos e maternos, o juiz não poderá destitui-los
do
pátrio poder. Com efeito, as
declarações dos pais, feitas com esteio no art. 166, §
único, do Eca, não
traduzem nenhuma das situações
legais ensejadoras da perda do pátrio poder previstas no ordenamento
jurídico. Isso porque, ao manifestarem
concordância com a colocação do filho em adoção,
eles não estarão
aplicando castigos imoderados ao menor
(CC, art. 395, I), ou abandonando o filho à própria sorte
(CC, art.
395, II) e muito menos cometendo atos
contrários à moral e aos bons costumes (CC, art. 395, III).
Além disso,
a conduta de ambos jamais se enquadrará
no art. 24 do ECA.
Logo, a destituição do
pátrio poder não encontra, no caso, o mínimo respaldo
na legislação de regência, até
porque a conduta dos pais, consistente
em aderir à colocação do filho em família substituta,
apresenta um
único objetivo: proporcionar-lhe
melhores condições de vida, o que nem sempre seria possível
se a criança
permanecesse sob a guarda deles. A
falta de recursos materiais, apesar de não ensejar, isoladamente,
a
perda do pátrio poder (Eca,
art. 23), é um fato que, inegavelmente, impulsiona muitos pais a
entregar seus
filhos em adoção. E,
ao agir dessa maneira, os pais têm em mente garantir ao filho um
futuro mais promissor,
uma existência feliz, livre
de privações materiais e sofrimentos. Ora, por que penalizá-los
diante de tão
nobre decisão?
É verdade que, nos comentários
ao art. 166 do Estatuto, dissemos que "tomadas por termo as declarações
dos genitores, a autoridade judiciária,
ouvido o representante do Ministério Público, deverá
proferir
imediata sentença de suspensão
ou destituição do pátrio poder, tudo dependendo da
medida perseguida
pelo requerente" (Estatuto da Criança
e do Adolescente --- Comentários, Editora Revista dos Tribunais,
1994, p. 288). No entanto, somos forçado
a reformular nossa opinião. Não se trata, na espécie,
de destituição
do pátrio poder. O juiz deverá
simplesmente colher as declarações dos pais e dar prosseguimento
ao
procedimento de adoção.
Jamais deverá lançar mão da sentença de destituição
do pátrio poder.
Some-se a isso o fato de o art. 45
do Estatuto da Criança e do Adolescente consignar que a adoção
dependerá do consentimento
dos pais ou do representante legal do adotando, consentimento que será
dispensado, segundo o § 1o do
mesmo dispositivo, se os pais se encontrarem judicialmente destituídos
do
pátrio poder. Pois bem, se
o art. 45 fala, de início, em consentimento dos pais, para, num
segundo momento,
dispensar o consentimento se ambos
se acharem destituídos do pátrio poder é porque não
trata de forma
isonômica as duas situações.
No entender do legislador, a concordância dos pais, relativamente
ao
encaminhamento do filho a família
substituta, nunca estará no mesmo grau da pena de destituição.
Uma
coisa repele a outra.
Assim, depois de colhidas as declarações
dos pais, o juiz deverá cumprir as demais exigências previstas
no
Estatuto da Criança e do Adolescente
até chegar à fase final do procedimento, com a sentença
de adoção.
Deferida a medida, a conseqüência
jurídica será a extinção do pátrio poder,
nos moldes do art. 392, inc. IV,
do Código Civil. O Juiz, contudo,
não estará obrigado a declarar na sentença de adoção
tal extinção,
conquanto isso seja perfeitamente
lícito, do ponto de vista jurídico. O só deferimento
da adoção conduzirá
automaticamente à extinção
do pátrio poder, já que os institutos do pátrio poder
e da adoção não poderão
existir simultaneamente, sendo um
excludente do outro. Logo, a adoção acarretará insofismavelmente
a
extinção do pátrio
poder.
Em resumo, a concordância dos
pais, tomada segundo o disposto no art. 166, § único, do Estatuto
da Criança
e do Adolescente, não é
causa de destituição e sim de extinção do pátrio
poder.
Retirado de: http://www.datavenia.inf.br/frame-opiniao.html