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Crianças e Adolescentes:
O direito de ter direitos

A sociedade brasileira tem enfrentado nos últimos anos uma de suas piores crises econômicas, políticas e sociais, resultando em crescente empobrecimento da população, que tem afetado de forma dramática crianças e adolescentes. A situação de verdadeira exclusão social, de privação dos direitos fundamentais, submete as crianças e adolescentes de nosso país a múltiplas formas de violência e exploração, dentre as quais se destacam o trabalho infantil, a prostituição, os maus tratos. De acordo com dados do IBGE, cerca de 4 milhões de crianças, menores de 14 anos, trabalham no Brasil, arrebentam seus pulmões nas carvoarias ou nas fábricas de calçados, inalando cola. Cortam até 2 toneladas de cana por dia ou carregam pesadas caixas de laranjas, sofrendo lesões irreversíveis. Não existem estatísticas comprovadas sobre o número de crianças e adolescentes exploradas sexualmente. Entretanto, o Brasil se apresenta como um dos países em que esta realidade toma uma grave dimensão, com repercussão internacional. O abandono das políticas sociais, principalmente de educação, saúde, habitação, saneamento e assistência social tem determinado um progressivo aumento de crianças e jovens nas ruas, à mercê de traficantes, aliciadores e exploradores. Assistimos estarrecidos o aumento do consumo de drogas entre crianças e adolescentes, o abandono de bebês em lixos e ruas, os índices alarmantes de violência doméstica e a triste constatação de 4 mortes diárias de jovens por assassinato em nosso Estado. A situação de crianças e adolescentes expostos à violência pessoal e social, exige opções políticas claras, capazes de levar a processos de mudanças que resgatem, efetivamente os direitos de cidadania infanto-juvenil. O desafio de mudar esta realidade depende de um grande esforço coletivo e de articulação de todos os segmentos sociais. É imprescindível o desencadeamento de uma ampla mobilização e da conscientização da sociedade para a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo escola para todas as crianças, serviços de saúde adequados à realidade da população, programas públicos de atendimento a crianças e adolescentes usuários de drogas, envolvidos na prostituição ou explorados no trabalho. É fundamental neste processo o fortalecimento dos mecanismos de participação da sociedade na elaboração, deliberação e controle das políticas voltadas para crianças e adolescentes – os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares. O papel do Parlamento, enquanto canal de participação e de fiscalização da sociedade também assume um caráter significativo. Em função disto, propusemos a instalação, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, de uma Frente Parlamentar pelo Fim de Todo Tipo de Violência e Exploração contra Crianças e Adolescentes, o que ocorreu oficialmente em 28 de março de 1996. Integrando esforços suprapartidários de 55 Deputados, a Frente Parlamentar tem procurado promover e defender os direitos infanto-juvenis, trabalhando concretamente pela implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em nosso Estado. Tendo em vista estas questões de urgência de ações afirmativas, voltadas à garantia da promoção e defesa dos direitos infanto-juvenis, temos encaminhado vários Projetos de Lei, que buscam responder solicitações de movimentos, entidades e pessoas. Este material busca divulgar estes Projetos de Lei, submetendo-os ao conhecimento e à apreciação da sociedade.

MARIA LÚCIA PRANDI

Deputada Estadual


PROJETO DE LEI Nº 366 de 1997

Determina a obrigatoriedade de implantação de programa de atendimento a crianças e adolescentes drogaditos e dá outras providências

Art.1º- Fica obrigado o Poder Executivo a implantar em noventa dias o Programa Estadual de Atendimento a Crianças e Adolescentes Dependentes de Drogas (drogaditos), conforme disposto no artigo 101, inciso VI, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1.990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Art.2º- O Programa Estadual de Atendimento a Crianças e Adolescentes Dependentes de Drogas (drogaditos) deverá abranger internação emergencial, apenas para casos agudos de overdose e abstinência, tratamento ambulatorial, orientação e apoio às famílias e ações de prevenção.

Art.3º- O Programa Estadual de Atendimento a Crianças e Adolescentes Dependentes de Drogas (drogaditos) será realizado em conformidade com as diretrizes gerais definidas pelos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Saúde, será vinculado à Secretaria Estadual de Saúde e se desenvolverá através de uma equipe interdisciplinar formada por médicos, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e advogados.

Art.4º- O Programa Estadual de Atendimento a Crianças e Adolescentes Dependentes de Drogas (drogaditos) deverá ainda obedecer os preceitos de descentralização administrativa, sendo atribuição do Poder Executivo Estadual repassar recursos aos municípios, através do Sistema Único de Saúde, para sua operacionalização.

Art.5º- As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentarias próprias.

Art.6º- O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta lei em 30 (trinta ) dias.

Art.7º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Justificativa

A questão do consumo de drogas entre crianças e adolescentes assume proporções cada vez mais alarmantes, caracterizando-se como uma verdadeira epidemia, principalmente, nas periferias das grandes e médias cidades. Levantamento feito por institutos de pesquisas e por especialistas apontam que o consumo de drogas já ultrapassou as fronteiras geográficas, econômicas e sociais, estando diretamente relacionado ao aumento de atos infracionais cometidos por crianças e jovens. Entretanto, os dados sobre o consumo de drogas entre crianças e adolescentes mostram que a questão ainda é vista apenas do ponto de vista do delito, refletindo uma cultura que continua a encarar a droga como um problema de polícia, a ser reprimido, e não de saúde pública, a ser tratado. O enfrentamento do consumo de drogas entre população infanto-juvenil passa necessariamente pela transformação de intervenções esparsas em políticas públicas consistentes, que contemplem a otimização da rede pública de saúde, a criação de programas de atendimento a organização em rede dos serviços de tratamento e prevenção e a participação da comunidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, no artigo 101, inciso VI, que trata das medidas específicas de proteção, a inclusão de crianças e adolescentes em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. Entretanto, decorridos 7 anos de aprovação da Lei nº 8.069/90, os Conselhos Tutelares e serviços de atendimento a crianças e adolescentes, especialmente em situação de risco, ainda não contam com o tipo de programa necessário para dar enfrentamento a esta questão. A política de repressão deve ser dirigida ao traficante, mas crianças e adolescentes que entram pelo caminho da drogadição, devem ser tratados e ter oportunidade de refazer suas vidas, resgatar seus potenciais e reconstruir seus sonhos de dignidade. Suas famílias devem ser orientadas e apoiadas para que possam dar o suporte necessário a este processo. E, para isto, precisam ser criados programas públicos que tenham como enfoque básico a recuperação da saúde física e mental desta população e que sejam universais, garantindo às crianças e aos adolescentes das camadas populares os mesmos direitos que têm as classes privilegiadas. Os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente são baseados em necessidades, que precisam ser satisfeitas para um desenvolvimento saudável e harmônico, para que crianças e adolescentes possam se tornar efetivamente cidadãos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A realidade do consumo de drogas, em especial o crack, entre nossas crianças e jovens, responsável pelo desencadeamento de processo vicioso de violência, desnutrição e morte, aponta para a urgência e a indispensabilidade de um programa da ordem do que é apresentado neste Projeto de Lei.

São Paulo, 1º de julho de 1997

Maria Lúcia Prandi


PROJETO DE LEI Nº 199 de 1997

Institui medidas tendentes a facilitar a busca e a localização de pessoas desaparecidas, e dá outras providências

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo decreta:

Art.1º- Os hospitais, casa de saúde, prontos-socorros, hospitais psiquiátricos e demais estabelecimentos hospitalares, públicos ou privados, deverão, obrigatoriamente, sob pena de responsabilidade, comunicar à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres, da Divisão de Proteção à Pessoa, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa - DHPP, o nome e outros dados identificativos das pessoas desacompanhadas que neles derem entrada em estado inconsciente, perturbação mental ou impossibilitada de se comunicar, por qualquer motivo. § 1º- A comunicação deverá ser feita dentro do prazo de 12 (doze) horas, contadas do momento da entrada do paciente no estabelecimento. § 2º- Nos casos em que não houver possibilidade de identificação do nome do paciente, a comunicação será feita com o fornecimento dos dados usualmente utilizados para a descrição de pessoas, tais como: sexo, cor da pele, cabelos, olhos, altura, peso aproximado, compleição física, idade estimada, eventuais sinais particulares (cicatrizes, queimaduras, tatuagens e outros existentes) e vestes.

Art.2º- O Instituto Médico-Legal, as Seções e Setores de Perícias Médico-Legais do Estado, também, deverão, obrigatoriamente, organizarem relações de cadáveres que ali dêem entrada e encaminhá-la, incontinente, por telex, fax ou equivalente, à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres. § 1º- Os cadáveres de identidade desconhecida deverão, sob pena de responsabilidade, ser fotografados e identificados datiloscopicamente, em número de vias que permita o encaminhamento das peças à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres. Cópia da identificação datiloscopia, igualmente, deverá ser encaminhada ao Instituto de Identificação do Estado. § 2º- O encaminhamento de identificação datiloscópica deverá ser feito dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas e as fotografias no lapso temporal de 48 (quarenta e oito) horas, contadas do momento da entrada do cadáver.

Art.3º- A autoridade policial do Estado que encaminhar doentes mentais, indigentes, crianças abandonadas ou infratoras ou que prender pessoa deve, incontinente, transmitir o fato, via telex, fax ou equivalente, com todas as especificações, à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres.

Art.4º- As entidades assistenciais, públicas ou privadas, que abrigam e recebam crianças e adolescentes, deverão manter cadastros regulares e comunicar à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres aquelas não identificadas ou cujos pais ou responsáveis não tenham sido encontrados.

Art.5º- O Centro de Triagem do Estado - CETREM - deverá, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, encaminhar relação das pessoas que abriga ou que encaminha.

Art.6º- As empresas de viagens aéreas, fluviais ou marítimas, férreas e terrestres deverão manter relação, com identificação, dos seus passageiros pelo prazo de 30 (trinta) dias.

Art.7º- Os hotéis, pensões e similares deverão elaborar e manter cadastros, com identificação, dos seus hóspedes pelo prazo de 90 (noventa) dias, a serem quinzenalmente encaminhados à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres.

Art.8º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Justificativa

O Projeto de Lei em questão busca instituir medidas que facilitem a busca e a localização de pessoas desaparecidas. É sabido que o índice de ocorrências de pessoas desaparecidas em nosso Estado é significativo. Diversas são as causas apontadas: a demora na comunicação do ocorrido às autoridades competentes, ou mesmo a lentidão no processo de identificação das pessoas. Outra causa pode ser a desorganização nos órgãos do Estado que respondem pela relação de cadáveres, que dão entrada nestes organismos e sua não comunicação à Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres. Outra dificuldade é a falta de integração entre os vários organismos que tratam de viagens aéreas, fluviais ou marítimas, férreas e terrestres impossibilitando a obtenção das listas de passageiros após um curto prazo de tempo, pois normalmente estas empresas destróem suas listas. Além destas causas um tema tem tomado conta da mídia, escrita, falada e televisada: o desaparecimento de crianças e adolescentes. Neste sentido informações da Delegacia de Pessoas Desaparecidas e Identificação de Cadáveres tratam que no ano de 1995 foram registrados 5140 desaparecimento de adolescentes e 2427 de crianças, em 1996 até o mês de outubro foram registrados 4493 casos de desaparecimento de adolescentes e 1662 casos de crianças. O S.O.S - Criança registrou até Outubro de 1996 - 2322 casos de desaparecimento e em 1995 - 2973 casos. Muitas são as causas destes desaparecimentos, entretanto, cabe ao Estado a localização e a identificação, pois nos casos das crianças muitas denúncias dão conta da exploração por terceiros, ou mesmo de uma rede de tráfico de crianças cuidando de adoção, prostituição e venda de órgãos. Assim a presente propositura busca enfrentar diversas situações instituindo medidas que facilitem a busca e a localização de pessoas desaparecidas, garantindo a agilidade às autoridades para que os casos de desaparecimento não fiquem sem solução.

São Paulo, 29 de maio de 1997

Maria Lúcia Prandi


PROJETO DE LEI Nº 410 de 1997

Determina a obrigatoriedade do Estado manter ou estabelecer convênio com empresas ferroviárias, Companhia do Metrô, terminais rodoviários, aeroportos e parques públicos, no sentido de manterem ostensivamente murais com fotos e qualificações de crianças e adolescentes desaparecidos, orientações sobre procedimentos em caso de localização e telefones para informações:

A Assembléia Legislativa decreta:

Art.1º- Fica obrigado o Estado manter ou estabelecer convênio com empresas ferroviárias, Companhia do Metrô, terminais rodoviários, aeroportos e parques públicos, para que estes mantenham ostensivamente murais com fotos e qualificações de crianças e adolescentes desaparecidos, orientações básicas sobre os procedimentos a serem tomados no caso de localização destes e telefones dos órgãos de atendimento para informações.

Art.2º- A normatização e a fiscalização do processo de exposição das imagens infanto-juvenis, assim como o acompanhamento do cumprimento desta lei caberão ao CONDECA - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado de São Paulo.

Art.3º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas às disposições em contrário.

Justificativa

O desaparecimento de crianças e adolescentes é atualmente uma realidade que vem atingindo proporções cada vez mais sérias. Diretamente associado a várias outras formas de violações de direitos, como a miséria, a violência doméstica, a exploração sexual, o tráfico para adoção ou para retirada de órgãos, aponta a necessidade de um grande esforço coletivo de enfrentamento, onde a exposição de imagens assume um papel fundamental. Dados da Delegacia de Pessoas Desaparecidas mostram que em 1995 foram registradas 5140 desaparecimentos de adolescentes e 2427 de crianças, enquanto até outubro de 1996 já haviam sido registrados o desaparecimento de 4493 adolescentes e 1662 crianças. O S.O.S Criança, até outubro de 1996, registrou 2322 casos de desaparecimento, sendo 844 do sexo feminino, 1424 do sexo masculino e 54 casos sem identificação sexual. Quanto à faixa etária, 325 tinham entre 0 e 6 anos, 315 entre 7 e 9 anos, 556 entre 10 e 12 , 749 entre 13 e 15 e 377 entre 16 e 18 anos, totalizando 1196 crianças e 1126 adolescentes. Em 1995 foram registrados 2973 desaparecimentos, sendo apenas 10% localizados. Frágeis, vulneráveis, muitas vezes sem a menor possibilidade de autodefesa, principalmente quando pequenos, dependem necessariamente de ajuda dos adultos, que precisam saber de sua realidade e do que devem fazer para denunciar ou encaminhar alguma solução. O enfrentamento desta grave questão passa necessariamente pela ação articulada e sistemática do governo e da sociedade civil, onde o processo de divulgação possibilita o conhecimento do problema, a sensibilização, a conscientização da responsabilidade de cada cidadão e o envolvimento de todos, abrindo perspectivas efetivas para a localização dos desaparecidos e a punição dos responsáveis pelo desaparecimento. Na realidade, não existe uma política unificada de enfrentamento ao problema e inexistem dispositivos efetivos de responsabilização do Estado no processo de divulgação de imagens de crianças e adolescentes nesta situação. Os movimentos e programas governamentais ou não governamentais dependem quase que exclusivamente do interesse e da boa vontade da classe empresarial em colaborar na divulgação de imagens de crianças desaparecidas. Entretanto, a ausência de normatização deste processo de divulgação torna-o dependente do bom-senso de cada colaborador e das possibilidades do mesmo de acesso ao grande público. A divulgação de imagens de crianças desaparecidas precisa ser feita em locais de amplo acesso da população, com a devida normatização para não se tornar uma mera cessão de espaço publicitário para empresas. A criação de leis, que facilitem a localização de crianças/adolescentes desaparecidos, através de uma política unificada de atendimento, que englobe serviços de identificação e localização de crianças, adolescentes e famílias, assim como mecanismos que garantam a visibilidade da situação e o envolvimento da comunidade no processo de identificação, torna-se um elemento fundamental de garantia de direitos à população. Muitos desaparecimentos acontecem por omissão da sociedade, por isto é preciso criar mecanismos que favoreçam a formação de uma rede de solidariedade, contando com apoio de todos e a responsabilização das autoridades. Entre as principais dificuldades que os movimentos de busca e localização de crianças/adolescentes desaparecidos têm enfrentado em seu trabalho estão a ampla exposição de fotos de crianças e adolescentes desaparecidos e a sua própria divulgação enquanto espaço de apoio e orientação às famílias. O presente Projeto de Lei objetiva instituir medidas que favoreçam a localização e a busca de crianças e adolescentes desaparecidos, através da criação de canais e espaços de divulgação de fotos e dados de identificação assim como de órgãos e entidades responsáveis pelo atendimento a esta questão. Neste sentido, o estabelecimento de convênios do Governo com espaços públicos de grande circulação populacional, e que também se caracterizam como espaços de movimentação, por onde podem transitar crianças e adolescentes fugidas ou roubadas de casa, é um passo muito significativo no processo de localização e de contato com órgãos de defesa dos direitos. No sentido de garantir que a exposição de imagens de crianças e adolescentes desaparecidos, em espaços públicos de grande circulação, seja efetivamente um auxílio ao processo de localização, o Projeto de Lei prevê a normatização e a fiscalização desta divulgação, através do CONDECA, órgão estadual de deliberação e controle das ações e políticas voltadas à população infanto-juvenil. Assim, a presente propositura busca colaborar no enfrentamento desta grave problemática, instituindo medidas no sentido de facilitar a localização de crianças e adolescentes, orientar a população a encaminhar corretamente denúncias e agir de forma preventiva, divulgar os órgãos de atendimento e favorecer o envolvimento de toda a sociedade na proteção de nossa população infanto-juvenil.

São Paulo, 8 de agosto de 1997

Maria Lúcia Prandi


PROJETO DE LEI Nº 279 DE 1997

Determina a instituição do serviço telefônico de disque abuso infantil e dá outras providências

Art.1º- Fica obrigado o Poder Executivo a instituir, em sessenta dias, o serviço telefônico de disque abuso infantil para atender denúncias sobre qualquer violência ou forma de abuso que tenham sido praticados contra criança e adolescentes.

Art.2º- O serviço telefônico de disque abuso infantil disporá de um código especial de serviço, com isenção de tarifa telefônica.

Art.3º- O funcionamento do serviço telefônico de disque abuso infantil será ininterrupto, durante a 24 horas diárias.

Art.4º- O atendimento no serviço de disque abuso infantil será realizado em conformidade com as diretrizes gerais do CONDECA - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado de São Paulo, e se dará através de um programa vinculado à Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social, que disporá de psicólogos, pedagogos e advogados para o acompanhamento pessoal das crianças e dos adolescentes nas situações de emergência.

Art.5º- Compete ao Poder Executivo a divulgação do serviço telefônico de disque abuso infantil, mediante a veiculação de anúncios publicitários em rádio, jornal e televisão, bem como em terminais rodoviários, estações e trens da Companhia do Metrô, terminais e trens ferroviários, aeroportos, parque público, hospitais públicos, escolas e universidades públicas.

Art.6º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Justificativa

O maior patrimônio de uma nação é seu povo. E o maior patrimônio de um povo são suas crianças e jovens. Entretanto, o modelo econômico, político e social vigente no Brasil nas últimas décadas tem ignorado esta verdade elementar. O estado de degradação pessoal e social em que subsistem milhões de crianças e adolescentes em quase todos os pontos deste país confirma, de forma inegável, esta postura de alheamento. A sociedade brasileira tem enfrentado nos últimos anos uma intensa crise sócio-econômica que se reflete na falência das políticas públicas, na deterioração de valores morais e éticos, e que atinge de forma direta crianças e adolescentes, principalmente das camadas populares. Cotidianamente, assistimos crianças e adolescentes, tem seus direitos básicos violados pela ausência de vagas em creches e escolas, pela "expulsão" das escolas, pela inexistência de serviços de saúde adequados pelo extermínio direito via assassinatos ou via mortalidade infantil, pela exploração através do trabalho, pela violência cotidiana dentro dos próprios lares. O Brasil entrou na década de 90 com um dos piores desempenhos no que diz respeito a pobreza e a concentração de riqueza, chegando ao ponto de, em 1996, ostentar o título da 5ª potência mundial ao lado de primeiro país em má distribuição de renda. Em decorrência do empobrecimento nacional, temos hoje 11 milhões e 500 mil crianças e adolescentes vivendo em condições de absoluta pobreza sendo que, destes 7 milhões utilizam o espaço das ruas para sua sobrevivência. O ambiente no qual estas milhares de crianças desenvolvem sua identidade social e marcado pela miséria material péssimas condições de vida, moradia, alimentação, saúde, carência afetiva, educacional. Crescendo nestas condições as crianças ficam marcadas por desvantagens nutricionais, intelectuais, afetivas, e sociais. E, se inserem em um mundo permeado pela violência. O aparato institucional do Estado em relação a problemática de crianças e adolescentes marginalizados é predominantemente repressivo e assistencialista. As ações têm priorizado o combate a delinquência infanto-juvenil, sem uma preocupação maior com a prevenção da ignorância, apatia, depressão, alcoolismo, loucura e suicídio. Como resultado, o índice de crimes e violência contra crianças e adolescentes vem aumentando significativamente na última década. Em 1993, o número de mortes diárias de crianças e adolescentes, provocadas por grupos de extermínio chegou a dois por dia no Estado de São Paulo. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em estudo realizado no Estado de São Paulo, apontou que os adolescentes assassinados são em sua grande maioria trabalhadores e não têm envolvimento com drogas. Por outro lado, entre crianças até 11 anos, a principal causa de violência é o espancamento e maus tratos no ambiente doméstico, incluindo o abuso sexual. De acordo com levantamento realizado pela Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social e SOS Criança do município de São Paulo recebia, diariamente em 1993, 30 denúncias de violência contra crianças, sendo a maioria de maus-tratos. O abuso sexual é uma das formas mais frequentes de violência doméstica, geralmente mantida em silêncio e mascarada pela revolta e pelos sentimentos de impotência, passividade e submissão. O abuso sexual é apontado, pelo Centro Regional de Maus Tratos na Infância - CRAMI - como a segunda grande causa de maus tratos contra crianças, depois da agressão física. As crianças que sofrem maus tratos domésticos e abuso sexual apresentam dificuldades emocionais e de relacionamento, que acabam prejudicando o desenvolvimento de uma personalidade saudável. Os estudos mostram, por exemplo, que 90% dos agressores sexuais foram agredidos sexualmente na infância. Além disto, a violência física e psíquica sofrida pelas crianças e adolescentes faz com elas procurem, fora da casa, trabalho, comida, segurança e afeto. E, geralmente, nesta situação tornam-se presas fáceis de agenciadores de prostituição ou traficantes de drogas. É importante ressaltar que a grande maioria de meninas que ingressam precocemente na prostituição foi estuprada por alguém da família: pai, padrasto, tio, primo ou companheiro eventual da mãe. Um outro problema que envolve a questão do abuso sexual é que toda criança abusada sexualmente passa a ser considerada uma pessoa de risco, devendo ser submetida a testes de detecção de doenças sexualmente transmissíveis, em especial a AIDS. As principais dificuldades para enfrentar este tipo de agressão abrangem: ausência efetiva de punição aos agressores, imprecisão e a inexistência de registro contínuo dos dados, e falta de preparo dos profissionais que atendem a estas crianças com relação à denúncia obrigatória aos órgãos competentes. O Brasil precisa deixar de ser conhecido no exterior como um país de barbárie, que destrói suas florestas e extermina suas crianças. Para isto é preciso vontade política e social e concepções e práticas humanizantes eficazes. O presente Projeto de Lei objetiva instituir um serviço telefônico de disque abuso infantil apara atender, de forma ininterrupta, denúncias acerca de violências e abusos cometidos contra crianças e adolescentes no Estado de São Paulo. O Projeto de Lei coloca à disposição dos cidadãos um serviço público gratuito de elevada capacidade técnica, resguardando-se o sigilo do denunciante, buscando-se, como fim último, contribuir para a diminuição dos maus-tratos e dos abusos sexuais, físicos e psicológicos perpetrados contra a criança e o adolescente.

São Paulo, 4 de junho de 1997

Maria Lúcia Prandi


PROJETO DE LEI Nº 262 de 1996

Dispõe sobre a criação de um Sistema Unificado de Cadastro visando a localização, informação e referências sobre exploração sexual, violência, maus tratos e prostituição de crianças e adolescentes

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo decreta:

Art.1º- O Estado manterá um Sistema Unificado de Cadastro visando a localização, informação e referências sobre exploração sexual, violências, maus tratos e prostituição de crianças e adolescentes.

Art.2º- O Sistema Unificado de Cadastro será informatizado e contemplará os seguintes diferentes tipos de exploração sexual de crianças e adolescentes: a) incesto e abuso sexual doméstico; b) prostituição de meninos e meninas de rua; c) prostituição em regiões agrícolas; d) prostituição em navios; e) turismo sexual; f) abuso por policiais; g) cárcere privado; h) mutilação; i) homicídio; j) leilões de viagens; k) pornografia com filme e vídeo; l) venda e tráfico de crianças e adolescentes; m)estupro; n) prostituição em garimpos; o) maus tratos à crianças e adolescentes; e p) outros tipos de exploração sexual, violência e prostituição não citadas na lei.

Art.3º- O Sistema Unificado de Cadastro contemplará informações dos órgãos afins dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.

Art.4º- O Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) será o organismo designado pelo Estado para coordenação e manutenção do Sistema Unificado de Cadastro sobre exploração sexual, violência, maus tratos e prostituição de crianças e adolescentes. Parágrafo Único: O Estado suprirá o Condeca da infra-estrutura necessária para a coordenação e manutenção do Sistema Unificado de Cadastro.

Art.5º- O Poder Executivo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da publicação desta lei, implantará o Sistema Unificado de Cadastro.

Art.6º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Justificativa

A situação das crianças e dos adolescentes em nosso Estado é aguda. A prostituição infantil, a violência sexual e o turismo sexual são cotidianamente denunciados nos meios de comunicação. O crime organizado permeia diversos setores da sociedade, tais criminosos fazem uso de empresas legais para acobertarem suas atividades. Tal prática é muito nítida no que se refere ao aliciamento de crianças e adolescentes para a prostituição, via de regra em estabelecimento legalmente registrados. Não bastasse a situação de miséria que tem obrigado milhões de crianças brasileiras, meninos e meninas, a se prostituírem como forma de sobrevivência, assistimos estarrecidos à ação de grupos particulares que promovem o turismo sexual em muitos casos com exagerada tolerância do poder público, como programa oferecido aos turistas que visitam nosso país. Existem ainda os casos de vítimas (crianças e adolescentes) de violência sexual que ocorrem com pais dentro de casa, onde as denúncias são em número pequeno uma vez que caberia a criança e ao adolescente denunciar seus agressores. Todas estas situações necessitam de sistematização e de qualificação. Um sistema unificado centralizado que envolvesse o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo ao mesmo tempo, faria com que o problema fosse abordado por todos os organismos com maior eficiência e rapidez, permitindo que o diagnóstico fosse verdadeiro e por consequência pudéssemos alcançar uma solução objetiva e definitiva.

São Paulo, 23 de abril de 1996

Maria Lúcia Prandi
 

Retirado de: http://www.marialuciaprandi.com.br/leicrian.htm