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As regras do jogo eleitoral de 2006 (II)

 

 

Fábio Luís Guimarães *

 

Já tivemos a oportunidade de abordar aspectos gerais das regras eleitorais para 2006, inclusive o instituto da verticalização. Mas a emergência da Lei nº 11.300, de 10 de Maio de 2006, que alterou a Lei nº 9.504/97, veio novamente instigar a doutrina eleitoralista.

A nova lei teve origem no Projeto de Lei nº 275/2005, de iniciativa do Senador Jorge Bornhausen, que, originariamente, apenas alteraria os arts. 8º, 11, 16, 19, 22 a 26, 36, 39, 42, 45, 47, 52 e 54 da Lei nº 9.504/97. Na casa de origem, também se propôs – por via de emendas – modificar os arts. 21, 35, 37, 43 e 73 da lei eleitoral vigente, à qual ainda se acresceria o art. 26-A.

Na Câmara dos Deputados, a proposta foi recebida sob o número 5.855-C/2005, tendo sido aprovado o texto do substitutivo apresentado pelo Deputado Moreira Franco; a redação enviada ao Senado propunha alterar os arts. 18, 21 a 24, 26, 28, 30, 37, 39, 43, 45 e 73 da Lei nº 9.504/97, que também teria acrescentados os arts. 17-A, 30-A, 35-A, 40-A, 90-A, 94-A e 94-B. Ao ser novamente apreciado pelo Senado, o Projeto foi aprovado e enviado à sanção, na redação dada por sua Comissão Diretora, que manteve a redação enviada pela Câmara, à exceção dos incisos do art. 26, do § 2º do art. 37, dos parágrafos do art. 39, do § 3º do 47 e do art. 54 da Lei nº 9.504/97.

Ao se fazer a sanção do projeto, houve a oposição de veto aos arts. 40-A, 54, 90-A e 94-B, mantendo-se a regra de aplicação da nova lei eleitoral às eleições de 2006, segundo instruções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Em sessão administrativa de 23 de Maio, o TSE decidiu-se pela aplicação parcial da Lei nº 11.300/2006 às eleições vindouras, apesar do princípio da anterioridade, inscrito no art. 16 da Constituição Federal de 1988.

 

1. Financiamento das campanhas

O tratamento conferido pela Lei nº 9.504/97 à arrecadação e aplicação de recursos para as campanhas eleitorais sofreu poucas alterações, ao contrário do que se esperaria se fosse mantida a redação dada pelo Senado ao Projeto que deu origem à Lei nº 11.300/2006.

À exceção das regras estabelecidas nos arts. 17-A e 18 da Lei nº 9.504/97, que versam sobre o limite de gastos em campanhas, as normas sobre arrecadação e aplicação de recursos eleitorais aplicam-se às eleições de 2006.

1.1 Doações

As propostas sobre doações às campanhas eleitorais previstas no substitutivo do Deputado Moreira Franco mantiveram-se na Lei nº 11.300/2006, aplicando-se nas eleições de 2006, consoante deliberação do TSE. Significa, visando a tramitação legislativa do projeto, que a proposta senatorial de sancionar o candidato que utilizasse recursos oriundos de fontes vedadas com a impugnação do registro de sua candidatura fora rejeitada na Câmara dos Deputados.

Pela regra da Lei nº 11.300/2006, as doações às campanhas eleitorais somente poderão ser feitas pelo depósito bancário de cheques cruzados e nominais (tal como no texto original da Lei nº 9.504/97), pela transferência eletrônica de depósitos ou ainda por depósitos identificados, em valores que observem os limites legais, diretamente na conta corrente aberta pelo candidato ou seu partido, somente após o registro dos comitês financeiros. Conforme a Resolução TSE nº 22.124/2006, a data limite para constituição de comitês será 14 de Julho do ano eleitoral.

Apesar desta alteração referir-se expressamente às doações feitas por pessoa física, conforme consta do art. 23 da Lei nº 9.504/97, não se poderia dispensar tal forma estabelecida de doações também às pessoas jurídicas, cuja regulação de doações faz-se pelo art. 81desta mesma lei.

Quanto à vedação do recebimento de doações, a Lei nº 11.300/2006 estendeu-a àquelas oriundas de entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas que recebam recursos públicos, organizações não-governamentais que recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público.

Os limites para as doações mantiveram como previstos na Lei nº 9.504/97. Assim, a pessoa física poderá doar até 10% de seus rendimentos brutos, e a pessoa jurídica, 2% de seu faturamento bruto, ambos a serem auferidos no ano anterior à eleição. No caso do candidato utilizar recursos próprios, o limite de recursos que poderá empreender em sua própria campanha fica limitado ao valor máximo estabelecido por seu partido (art. 14, III, da Resolução TSE nº 21.160/2006 e CTA TSE nº 1246/2006).

À pessoa jurídica que exceder o limite de doações ainda se aplica a sanção de impedir-se sua participação em licitações e de celebrar contratos com a Administração Pública no prazo de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, sem prejuízo da multa de cinco a dez vezes o valor excedido, uma vez que a proposta senatorial de fixar multa mais vultosa foi afastada.

1.2 Gastos eleitorais

A Lei nº 11.300/2006 acrescentou o art. 17-A na Lei nº 9.504/97, para determinar a edição de lei específica, até o dia 10 de Junho de cada ano eleitoral, que estabeleça limites de gastos em campanha dos cargos em disputa. O curioso da nova regra está justamente na previsão da própria mora legislativa; na eventualidade dela ocorrer, o legislador atribuiu aos partidos políticos o estabelecimento destes limites, que serão informados à Justiça Eleitoral, para serem por ela divulgados.

A "inovação" é, no mínimo, contraproducente, porque a norma do art. 18 da Lei nº 9.504/97 foi mantida para obrigar cada partido político a informar à Justiça Eleitoral, no ato de registro de candidaturas, seu limite de gastos de cada cargo eletivo. Tal alteração, contudo, não se aplicará às eleições de 2006, como decidiu o TSE.

Quanto aos gastos de campanha, a produção de jingles, vinhetas e slogans de propaganda eleitoral foi incluída no rol do art. 26 da Lei nº 9.504/97, ao contrário do cachê de artista ou de animador de evento e das atividades de confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros e outros brindes de campanha, que não poderão ser declarados em prestação de contas. Esta alteração vale para as eleições de 2006.

 

2. Prestação de Contas

De acordo com a deliberação do TSE sobre a aplicação imediata das regras da Lei nº 11.300/2006, todas as alterações sobre prestação de contas valem para as eleições de 2006.

A garantia de veracidade das informações financeiras e contábeis disponibilizadas nas prestações de contas, que na Lei nº 9.504/97 é atribuída apenas ao candidato, passa a ser atribuída, a partir da Lei nº 11.300/2006, também àquela pessoa indicada no ato de registro de comitê para a arrecadação, gestão e aplicação de recursos financeiros para a campanha eleitoral.

Pela nova lei, será exigida de partidos, coligações e candidatos a divulgação de dois relatórios de doações recebidas e gastos efetuados, ambos a serem veiculados em site a ser criado pela Justiça Eleitoral.

Relativamente à Justiça Eleitoral, a nova Lei estabeleceu que o prazo de oito dias para publicação do julgamento de contas de campanha refere-se apenas às contas dos eleitos.

O Projeto de Lei nº 275/2005 ainda trazia uma hipótese de nulidade das contas, punível com a possibilidade de perda do registro de candidatura, se houvesse o uso de recursos oriundos de fontes vedadas. O texto final admitiu duas possibilidades similares, como se verá no item sobre inelegibilidades.

 

3. Crimes Eleitorais

No projeto senatorial, propunha-se a inclusão do art. 26-A na Lei nº 9.504/97, para punir com pena de detenção de 3 a 5 anos e multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), além de cassação do registro do candidato beneficiado e perda do fundo partidário, a conduta de não registrar ou contabilizar doações ou contribuições em dinheiro ou estimáveis em dinheiro. Na Lei nº 11.300/06, não consta este crime.

Na redação final do Senado Federal, previa-se a punição criminal pela prática simulada de boca de urna, se feita com o intuito de imputar falsamente o crime a outrem; o substitutivo da Câmara dos Deputados não acolheu o novo tipo.

Foi objeto de veto a previsão do crime de imputar falsamente a outrem conduta vedada objeto da lei (art. 40-A) e a de veicular pela internet documento injurioso, calunioso ou difamante, referente a parlamentar no exercício do mandato, a candidato, partido ou coligação (art. 90-A).

O veto, em ambos os casos, justificou-se. No caso do art. 40-A, a descrição da conduta típica foi deveras aberta, sem cominar uma pena específica para a prática da conduta. O art. 90-A, por sua vez, refere-se a crimes contra a honra já acolhidos no Código Eleitoral.

 

4. Inelegibilidades

A exigência constitucional de lei complementar para dispor sobre inelegibilidade torna mantida a Lei Complementar nº 64/90. Relativamente à AIJE, no entanto, a Lei nº 11.300/06 acrescentou à Lei nº 9.504/97 o art. 30-A e dois parágrafos a seu art. 22, com as seguintes redações:

Art.30-A <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm> Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Art. 22..... .....................................................................................

§ 3o <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm> O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.

§ 4o Rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

Na forma da legislação vigente, a declaração de inelegilidade feita por meio de representação, da AIJE ou medida ulterior (RCD ou AIME) não possuiria efeito imediato, atendendo à norma do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90. No entanto, o § 3º do art. 22 e o § 2º do art. 30-A seguem a tendência inaugurada pela Lei nº 9.840/99, para permitir a produção imediata de efeitos da decisão que cancelar o registro ou cassar ou denegar o diploma de candidato ao fundamento de "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos (§ 2º do art. 30-A)" ou "comprovado abuso do poder econômico (§ 3º do art. 22)".

Se já se digladiou a doutrina em criticar o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, o que se dirá do § 3º do art. 22 e do § 2º do art. 30-A da Lei Eleitoral? Não obstante a riqueza de nomenclatura, que, no caso do § 3º do art. 22, aduz ao "cancelamento" de registro, previu-se no art. 30-A uma hipótese realmente obtusa: a negação do diploma.

Embora o entendimento predominante em jurisprudência não identifique como sanção de inelegibilidade a perda (cassação, cancelamento, denegação e o que ainda vier) de registro de candidatura ou do diploma, assim admitindo a execução imediata da decisão que a aplicar, através da Lei nº 11.300/2006 passa a existir a hipótese de uma candidatura vitoriosa não lograr a diplomação, por causa de possíveis atribuições de irregularidade de contas. Mais uma vez se deturpa o sentido do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, para se franquear até àquele eleito sua impossibilidade de diplomar-se e empossar-se à revelia do trâmite do processo da AIJE.

 

5. Propaganda Eleitoral

A Lei nº 11.300/2006 versa sobre diversos aspectos da propaganda eleitoral, no intuito de restringir os gastos de campanha. Segundo o TSE, todas as novas regras sobre propaganda eleitoral aplicam-se em 2006.

Diferentemente do Projeto de Lei do Senado nº 275/2005, que adiava o início da propaganda para 1º de Agosto do ano eleitoral, o substitutivo da Câmara manteve a data inicial vigente, fixada em 05 de Julho (neste sentido, é de destacar-se que as datas da Lei nº 9.504/97 referentes a convenções partidárias e registro de candidatura foram mantidas). Dentre as vedações, destacam-se:

a) propaganda em bens públicos de uso comum:

A Lei nº 11.300/2006 deu nova redação ao art. 37 da Lei nº 9.504/97:

Art. 37. <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm> Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados.

§ 1o A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Pela nova regra, a propaganda eleitoral será absolutamente vedada em quaisquer bens públicos, mesmo se utilizados por permissionário ou concessionário. Como a Lei nº 11.300/06 manteve o § 3º do art. 37, ainda existiria a possibilidade de realização de propaganda nas dependências do Poder Legislativo, sob critério da Mesa Diretora.

Os bens particulares cujo uso não seja comum (igrejas e comércios, por exemplo) podem prestar-se a qualquer propaganda eleitoral.

A penalidade também foi minorada em relação ao texto original e adiada pela notificação prévia para restauração do bem.

b) materiais de campanha:

A Lei nº 11.300/2006 deu nova redação aos § 6º do art. 39 da Lei nº 9.504/97, para vedar a confecção, utilização ou distribuição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor, mesmo porque, de acordo com o art. 26 da referida lei, tais gastos não se reputam mais eleitorais.

Apesar da lei, o TSE respondeu à Consulta nº 1286/2006, acenando com a possibilidade de confeccionar-se, distribuir-se e utilizar-se displays, flâmulas e bandeirolas com propaganda eleitoral, se afixadas em veículos.

Diferentemente da redação original do § 5º do art. 39, que tratava como crime a distribuição de material no dia da votação, a vedação da nova lei refere-se à confecção, utilização ou distribuição de quaisquer "agrados" ao eleitor.

c) showmício:

A realização de showmício ou evento similar foi vedada na Lei nº 11.300/2006:

Art. 39.....

§ 7º. É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral.

d) outdoor:

A Lei nº 11.300/2006 vedou a propaganda eleitoral mediante outdoors, revogando-se o art. 42 da Lei nº 9.504/97. Em vista da vedação, nenhum engenho publicitário com as dimensões do outdoor (vinte metros quadrados) será admitido; as placas, se limitadas a quatro metros quadrados de área, poderão ser utilizadas (Consulta TSE nº 1274/2006).

O uso deste meio para propaganda eleitoral estará sujeito à pena de imediata retirada da propaganda e multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIR.

e) boca de urna:

A Lei nº 11.300/2006 manteve a reputação criminal da boca de urna, com a mesma penalidade de detenção e multa. Ademais, também previu a mesma pena para as condutas de arregimentar eleitores e de divulgar-se qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário.

f) propaganda em rádio e televisão:

O § 3º do art. 47 da Lei nº 9.504/97 propõe alterar a base de cálculo de distribuição do horário eleitoral em rádio e televisão. De acordo com o texto original, seria considerada a representação de cada partido na Câmara dos Deputados na data de início da legislatura que estiver em curso. Pela nova regra, seria considerada a representação de cada partido na Câmara dos Deputados como aquela resultante da eleição; assim, teríamos:

PARTIDO

ELEIÇÃO 2002 (LEI Nº 11.300/06)

POSSE (LEI Nº 9.504/97)

 

PT

91

90

 

PFL

84

75

 

PMDB

75

69

 

PSDB

70

63

 

PPB

49

43

 

PTB

26

41

 

PL

26

33

 

PSB

22

28

 

PDT

21

17

 

PPS

15

21

 

PCDOB

12

12

 

PRONA

6

6

 

PV

5

6

 

PSD

4

-

 

PST

3

-

 

PMN

1

2

 

PSC

1

1

 

PSDC

1

-

 

PSL

1

1

* Dados obtidos junto à Câmara dos Deputados.

O comparativo entre os números indica claramente o impacto efetivo da nova regra, que, segundo o TSE, não se aplicará às eleições de 2006.

 

6. Condutas Vedadas

A Lei nº 11.300/06 alterou e acrescentou algumas condutas vedadas pela Lei nº 9.504/97.

a) doação em dinheiro feita por candidato:

Art. 23...........................................................................................

§ 5o Ficam vedadas quaisquer doações em dinheiro, bem como de troféus, prêmios, ajudas de qualquer espécie feitas por candidato, entre o registro e a eleição, a pessoas físicas ou jurídicas.

Embora pareça estranha, a idéia da norma é evitar qualquer possibilidade de contração de gastos eleitorais que possam escapar da estreita definição do art. 26 da Lei nº 9.504/97.

A menção feita no enunciado a dinheiro, troféus e prêmios deverá ser compreendida elasticamente, dada a referência àquelas "ajudas de qualquer espécie". O abuso do poder econômico poderia, portanto, restar caracterizado pela simples prática da desinteressada solidariedade do candidato, por cada singelo ato gratuito que vier a praticar.

b) divulgação de pesquisa eleitoral:

Art. 35-A. É vedada a divulgação de pesquisas eleitorais, por qualquer meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterior até as dezoito horas do dia do pleito.

Segundo deliberação do TSE, este artigo foi considerado inconstitucional, regulando-se as pesquisas eleitorais pela Lei nº 9.504/97.

c) veiculação de propaganda eleitoral pela imprensa escrita:

Art. 43. É permitida, até a antevéspera das eleições, a divulgação paga, na imprensa escrita, de propaganda eleitoral, no espaço máximo, por edição, para cada candidato, partido ou coligação, de um oitavo de página de jornal padrão e um quarto de página de revista ou tablóide.

Somente foi alterada a data limite para a veiculação de propaganda eleitoral pela imprensa escrita: do dia da eleição para sua antevéspera.

d) apresentação de candidato em emissora de televisão:

Art. 45

§ 1  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm>A partir do resultado da convenção, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por candidato escolhido em convenção.

Novamente a mudança refere-se apenas a data: ao invés do dia 1º de Agosto do ano eleitoral, a vedação antecipa-se para o dia seguinte em que definida a candidatura em convenção partidária.

e) produção de propaganda veiculada em emissora de televisão:

Pelo projeto senatorial, o art. 54 da Lei nº 9.504/97 admitiria a produção em estúdio de programas eleitorais de rádio e de televisão, vedando-se as gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados, efeitos especiais e conversão para vídeo de imagens gravadas em películas cinematográficas. Aqui, a oposição de veto foi justificada da seguinte forma:

(...) a modificação proposta implicará cerceamento à liberdade dos partidos políticos de expressar seus pontos de vista, inclusive com o uso de cenas e recursos tecnológicos largamente utilizados na mídia eletrônica, o que, por seu turno, irá reduzir o direito dos cidadãos de serem bem informados. Trata-se de medida contrária ao interesse público, posto que nociva à democracia, uma vez que, impondo restrições à liberdade de partidos e candidatos de exprimirem suas opiniões e posições, a pretexto de reduzir custos, acaba por impor tratamento desigual aos concorrentes no pleito, posto, que, limitados pelo art. 54, os partidos e candidatos não poderão usar eficientemente o tempo disponível para veicularem suas inserções. Postulado essencial da democracia é o da liberdade de expressão, cerceado pelo dispositivo de modo irrazoável, ainda que fundado em intenção positiva de reduzir os custos das campanhas eleitorais.

A redação proposta ao art. 54 ampliaria a regra do inciso IV do art. 51 da Lei nº 9.504/97, para vedar expressamente o uso de gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais no horário gratuito na televisão, o que, atualmente, somente ocorre em relação às inserções. Atualmente, a Resolução nº 22.158/06, que se aplicará às eleições de 2006, somente veda a gravação externa em residência oficial (art. 36, § 4º, desta Resolução).

Oposto o veto, o art. 54 da Lei nº 9.504/97 aplica-se in totum, para autorizar a participação não remunerada de qualquer cidadão em propaganda eleitoral de partido ou coligação a veicular-se em rádio ou televisão, desde que não seja filiado a nenhum partido ou a partido de que figure em coligação concorrente.

f) conduta de agente público:

No art. 73, foi prevista pela Lei nº 11.300/2006 mais uma conduta vedada aos agentes públicos:

Art. 73.....

§ 10. <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm> No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

O inciso IV do art. 73 da Lei nº 9.504/97 já vedava o uso promocional de bens e serviços de caráter social que sejam custeados ou subvencionados pelo Poder Público. O que se altera com o novo parágrafo é a restrição da conduta apenas no ano eleitoral e sua ampliação, por se referir a bens, valores ou benefícios, mesmo não afetos a alguma função social.

 

7. O reconhecimento da constitucionalidade da regra de aplicação imediata da Lei nº 11.300/2006 pelo TSE

O instituto da Lei nº 11.300/2006 que ainda causa "espanto" encontra-se em seu art. 2º, cujo enunciado determina ao Tribunal Superior Eleitoral a expedição de instruções que objetivem sua aplicação às eleições a serem realizadas no ano de 2006.

A contrariedade de tal norma ao art. 16 da Constituição Federal de 1988 é clara e cristalina, porque não se aplicará absolutamente nada de lei eleitoral no período de um ano após sua aprovação.

No TSE, porém, o entendimento dado ao art. 16 da Constituição Federal de 1988 é diferenciado, adaptando-se a diretriz constitucional à relevância de lei que "moralize" o processo eleitoral. O Plenário da mais alta Corte Eleitoral acompanhou o voto do Ministro Gerardo Grossi, para determinar a aplicação dos arts. 21, 22, 23, 24, 26, 28, 30, 30-A, 37, 43, 45, 73 e 94-A da Lei nº 11.300/2006 às eleições vindouras, adiando-se a eficácia da redação dada pela nova lei aos arts. 17-A, 18 e 47 da Lei nº 9.504/97 e declarando a inconstitucionalidade do art. 35-A.

Ao adotar este entendimento, o TSE teria de editar novas normas gerais para as eleições de 2006, modificando a redação dada às Resoluções nº 22.143, sobre as pesquisas eleitorais; nº 22.158, sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadas; e nº 22.160, sobre o financiamento das campanhas eleitorais. Estas correções restaram aprovadas através da Resolução nº 22.205/2006.

No entanto, é impressionante a contrariedade do entendimento do TSE àquele esposado pelo Supremo Tribunal Federal, firmado no julgamento da ADIN nº 3.685-8, em que foi rechaçada a aplicabilidade da Emenda Constitucional nº 52/2006 às eleições subseqüentes, em deferência ao art. 16 da Constituição Federal de 1988, mantendo-se a regra da verticalização, especialmente porque sua supressão violaria frontalmente o princípio da anterioridade. Para advertir o quanto a usurpação deste princípio viola o desenvolvimento democrático do Brasil, é preciso transcrever parcialmente a petição inicial desta ação, especialmente o parecer formulado pela atual Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha:

As modificações no período agridem assim: a) à segurança jurídica do cidadão que não tem ciência das normas que prevalecem no processo; b) à segurança jurídica do interessado em se candidatar, que não sabe a que normas se submeter; c) à certeza dos órgãos judiciários que cuidam especificamente da legislação eleitoral, que pode se ver às voltas com novas normas para as quais haverão de emitir resoluções que as densifiquem e esclareçam a sua forma de aplicação.

Embora regulamentado o art. 2º da Lei nº 11.300/2006 pelo TSE, nenhum dos legitimados do art. 103 da Constituição Federal de 1988 animou-se a discutir a legitimidade constitucional desta regra. Em parte, pela insegurança que uma decisão agora traria ao processo eleitoral. Por outro lado, a deliberação altera parcialmente o processo eleitoral, para buscar uma igualação das forças econômicas que venham a atuar em prol de cada candidatura, cujo empreendimento parece receber "simpatia" popular suficiente para ser mantida.

Sem redargüir o conteúdo normativo da nova lei, que, certamente, traz em linhas gerais efeitos inovadores quanto aos custos das campanhas eleitorais, apesar dos "percalços" que ou mantém ou cria, é imperioso à democracia brasileira pressupor o respeito à legalidade, à supremacia da Constituição, de seu art. 16, para avançar na representatividade popular, no medro da cidadania e, sobretudo, na legitimidade dos eleitos.

 

 

* Advogado eleitoralista em Belo Horizonte (MG), procurador municipal, especialista em Administração Financeira pela Fundação João Pinheiro.

 

 

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8577>. Acesso em: 29 jun. 2006.