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A IMPOSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DE GRATIFICAÇÕES NA CONSTÂNCIA DO PERÍODO PROIBITIVO ELEITORAL

 

Dr. Antônio Flávio de Oliveira
Advogado e Assessor de Procurador de Justiça em Goiás

 

 

INTRODUÇÃO

Ao término de cada período eleitoral, mormente quando se trata de eleições municipais, surgem ações de governantes dessa esfera, configuradas em decretos, objetivando a redução de seus gastos com a supressão ou redução de vantagens de servidores.

Todavia, iniciativas desta natureza afrontam o disposto no art. 73 da Lei n.º 9.504/97, uma vez que a "mens legis" a sobressair do teor do referido artigo é a de evitar a prática da atitude antidemocrática de se perseguir adversários ou desafetos.

Sendo assim, o legislador vedou, com a edição da norma eleitoral mencionada, que tivesse lugar a alteração da remuneração de servidores nos três meses que antecedem a eleição, bem como nos três meses que a sucedem, até a posse dos eleitos.

Os atos administrativos praticados em desconformidade com o art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, são fulminados "ab initio" pelo vício da nulidade, consoante cominação imposta pelo referido inciso em sua parte final.

ABRANGÊNCIA DA PROIBIÇÃO

A vedação inserta no art. 73, V, da Lei 9.504/97, à despeito da pretensão dos ditadores de plantão, tem o efeito de colocar a salvo todas as vantagens dos servidores públicos, sejam elas de natureza pecuniária ou não.

Mesmo a denominada gratificação, concedida por motivos diversos aos servidores, inclusive como mais comumente ocorre para a correção de distorções vencimentais, ocasionada pela falta de uma política racional de remuneração do serviço público encontra-se protegida, em razão da aplicação do dispositivo da Lei Eleitoral.

Embora haja quem afirme que gratificação não constitui vantagem (!!), este entendimento não encontra respaldo na doutrina.

HELY LOPES MEIRELLES, se antecipando aos cultores de posicionamentos deste jaez, acautelou o Direito Administrativo, ao qual prestou inestimáveis contribuições, conceituando o que seja vantagem pecuniária, ou seja, "acréscimos de estipêndio do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem) ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações (gratificações de serviço e gratificações pessoais). Todas elas são espécies do gênero retribuição pecuniária, mas se apresentam com características próprias e efeitos peculiares em relação ao beneficiário e à Administração."

Com o posicionamento acima se alinham Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Dir. Administrativo, Malheiros, 7ª edição, p. 167), Diógenes Gasparini (Dir. Administrativo, Saraiva, 4ª edição, p. 167), Odete Medauar (Dir. Adm. Moderno, RT, 1996, p. 309), dentre outros.

Ora, o art. 73, V, da Lei n.º 9.504/87, é taxativo, pois "São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não (...) suprimir ou readaptar vantagens", inclusive utilizou o legislador o termo vantagem no plural, deixando evidente tratar-se de vantagem de qualquer espécie.

ESCUSAS PARA A PRÁTICA

Certamente que haverá uma variada gama de justificativas para a prática da ilegalidade decorrente da supressão ou readaptação de vantagens, dentre as quais a regularização de contas públicas, adequação da folha de pagamento de pessoal aos limites impostos pela Lei "Rita Camata", ou adequação às exigência contidas na nova Lei de Responsabilidade Fiscal.

Qualquer destas justificativas não será suficiente para retirar do ato viciado a sua condição de nulidade, pois nenhuma destas leis revogou o disposto no art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97.

O mecanismo de adequação de despesas com pessoal, em virtude do limite imposto pela Lei "Rita Camata" (LC n.º 82/95), encontra-se descrito no art. 1º, § 3º daquela lei, e não autoriza a supressão de vantagens ou sua redução, apenas impede a concessão de vantagem ou seu aumento, na hipótese de não estar sendo obedecido o limite de 60% de gasto das receitas corrente líquidas com o pagamento da folha.

A aplicação do disposto no § 4º, do art. 169, mediante a aplicação da Lei n.º 9.801/99, da Constituição Federal, somente terá lugar após cumprida a seguinte seqüência prevista no § 3º do mesmo artigo: 1 redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; 2 exoneração dos servidores não estáveis. Tais medidas, entendo, estão parcialmente obstadas pela aplicação do dispositivo em estudo (art. 73, V, da lei eleitoral 9.504/97), sendo nulos os atos que importem em supressão de gratificações e exoneração de servidores, i. e., somente será possível sua aplicação em hipóteses não caracterizadoras de infração à proibição eleitoral, cuja garantia há de prevalecer sobre o disposto no art. 169, §§ 3º e 4º, da CF, por encontrar a vedação supedâneo na própria Constituição, através do Princípio da Moralidade (art. 37, caput).

Por outro lado, a própria Lei n.º 9.801/99, que regula a exoneração de servidores públicos estáveis, com fundamento no art. 169, § 4º, da CF, tem sua aplicação no período proibitivo eleitoral suspensa, como conseqüência do princípio da especialidade (lex speciali derrogat lex generali), pois nesta circunstância a lei eleitoral é especial em relação àquela destinada a viger durante o restante do período não eleitoral.

Melhor sorte não está reservada ao argumento defensor da supressão ou redução de vantagem, calcado na necessidade de adequação à Lei Complementar n.º 101/2000 (Responsabilidade Fiscal), uma vez que aquela norma não se destina a este fim, mas sim ao estabelecimento de responsabilidade do administrador quanto à gestão do ente público durante todo o período de seu mandado.

Portanto, não se encontrando limitada a garantia inserida no art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97 por nenhuma lei ulterior a sua edição, deve ser respeitada inteiramente pelo administrador, sob pena de nulidade do ato transgressor.

A TRANSGRESSÃO DA VEDAÇÃO

Tratar-se-á, assim, o ato violador da proibição do art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, de ato nulo. Entretanto, é óbvio que mesmo tendo tal qualidade poderá emanar efeitos sobre os vencimentos dos servidores aos quais se direcionou a ação governamental, devendo, pois, ser extirpado do universo jurídico através de mandado de segurança; o que não impede a utilização de outro tipo de remédio jurídico, haja visto não ser difícil vislumbrar a existência de concurso de ações.

Assim, embora trate-se de ato nulo e de conseqüência sem efeito, o provimento jurisdicional, entendo, deverá ser buscado para fazer frente a presunção de legitimidade dos atos administrativos.

O MANDADO DE SEGURANÇA

Porém, a ser utilizada a ação mandamental, deve-se preocupar o impetrante em demonstrar a existência do direito líquido e certo, este suficientemente caracterizado pelo comando normativo constante no citado artigo da Lei n.º 9.504/97, bem como deve ser demonstrada cabalmente a ocorrência do ato ilegal e abusivo, ensejador da proteção via writ of mandamus.

Não é demais alertar que a prova em ação de mandado de segurança deve ser pré-constituída, portanto haverá de acompanhar a inicial, quando tendente a demonstrar o direito que se pretende proteger e a lesão que o atingiu ou o ameaça ou, acompanhar as informações, tratando-se de prova produzida pela autoridade coatora.

Outra preocupação que se deve levar em conta, é aquela relativa a legitimidade ativa para a propositura do mandado de segurança coletivo, posto que muitos são os casos de extinção do feito sem julgamento do mérito por ausência dos requisitos para a substituição processual, tais como falta da lista de associados, ausência de autorização assemblear, irregularidade na constituição da entidade impetrante etc.

CONCLUSÃO

Destarte, deverá o administrador, caso seja real o interesse de adequar as despesas públicas à receita, buscar outros meios de fazê-lo, seja limitando gastos já no último ano de gestão, tomando as providências do art. 169, §§ 3º e 4º, e Lei n.º 9.801/99, antes do período proibitivo eleitoral ou, simplesmente deixando de fazer despesas de investimento no último ano ou semestre de administração, desde que se mostre a iniciativa suficiente para a adequação.

O certo é que a responsabilidade do administrador público há de ter lugar não só no último ano de sua gestão, mas como se espera, desde o primeiro.

Fazer com que os ocupantes de cargos e funções públicas sejam o bode expiatório da ineficiência ou má-fé dos governantes é prática que já se encontra ultrapassada, tanto assim que o próprio Poder Legislativo tem buscado resguardar os interesses públicos ao ânimo nocivo dos maus gestores, inclusive o interesse público de que se tenha eficiência no desempenho das funções estatais mediante a concessão de garantias aos seus executores diretos, os servidores públicos.

21/10/2000

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BIBLIOGRAFIA:

1. ANYFANTIS, Spiridon Nicofotis, Reforma Administrativa, anotações cedidas pelo autor.

2. GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 4ª edição, 1995.

3. MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, RT, 1996.

4. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 23ª edição, 2ª tiragem, 1998.

5. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª edição, 1995.

 

 

 

 

Retirado de: http://www.jusristantum.adv.br