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A fidelidade
partidária sob a ótica jurídica brasileira
E como se define a fidelidade partidária? Tal conceito ainda
é mais intra-muros pois depende dos próprios regimentos internos
Gisele Leite
A complexa tradição político-ideológica brasileira mereceu poucas
reflexões jurídicas. Doutrinadores como Orlando de Magalhães de Carvalho,
Themístocles Cavalcanti e Afonso Arinos de Mello Franco foram os que deixaram
os mais significativos estudos sobre o tema.
O fenômeno dos partidos políticos tem sido examinado pelos
pesquisadores e teóricos por dois ângulos: o primeiro, enfocando suas
características como entidades discretas, ou isoladas, suas bases sociais,
evolução histórica, programas, objetivos, métodos de apelo ao eleitorado.
E, doutro, como organizações formais ou estruturas do poder, ou
seja, o estudo do partido como unidade de análise;
No segundo plano, os padrões de interação competitiva entre várias
unidades partidárias, como bem colocou Duverger: “as formas e modos de sua
coexistência( os sistemas partidários).
Aliás, os partidos e sistemas partidários possuem um
inter-relacionamento bem íntimo e intrincado.
E como se define a fidelidade partidária? Tal conceito ainda é mais
intra-muros pois depende dos próprios regimentos internos bem como de suas
assembléias que decidem como o partido irá se comportar diante de determinadas
proposições.
É óbvio que a identificação da fidelidade partidária não pode
impedir a liberdade de pensamento e expressão e, pode haver casos de honroso
silêncio no escopo exatamente de não perpetrar uma traição de princípios
ideológicos e nem mesmo de cunho meramente político.
Mas, vamos mais devagar até a questão... a palavra partido passou a
ser de uso comum no lugar de facção e passou a ser reconhecidos os efeitos
benéficos do partido para a sociedade política.
Voltaire sintetizou bem a ambigüidade existente entre partido e
facção quando afirmou na Enciclopédie: “O termo partido não é em si abominável,
o termo facção sempre o é”
Desde do império romano (que somado a Grécia, corresponde ao berço
da civilização ocidental) e até os nossos dias, os fatos históricos estão
repletos de exemplos onde facções políticas eram nocivas ao bem comum das
nações.
Voltaire definiu facção como um partido sedioso dentro de um
estado. Mas nos confunde ao afirmar que o titular de um partido é sempre o
líder de uma facção.
No terreno semântico, os dois termos não possuem o mesmo sentido,
sendo o vocábulo facção mais antigo e derivado do verbo em latim facere(que
quer dizer fazer) , e o substantivo factio foi usado para denominar um grupo
político que visava afazeres perturbadores.
Daí, o sentido pejorativo ligado aos atos e efeitos das facções, já
partido descende etimologicamente do verbo latino partire(dividir ou partir) e
não adquiriu conotação político até o século XVIII.
O termo com o mesmo sentido etimológico e que antecede a partido, é
seita, que advém do latim “secare”(preparar, dividir ou cortar) com uma acepção
restritiva, triunfando o vocábulo “partido” que transmitia mais a idéia de
parte, desta um conceito analítico.
Em tal conjunção de parte e partido, temos duas dimensões
conceitualmente opostas , uma que deriva de partir; e outra derivada de tomar
parte ou compartilhar.
No século XVII a palavra seita estava ligada à religião e ao
sectarismo protestante. Desta forma, a palavra partido assumiu na área política
um sentido transmitido anteriormente pelo termo seita, o que reforça a idéia de
cortar e dividir.
Nem Maquivael e nem Montesquieu não usaram propriamente a palavra
partido apesar de fazerem explícitas referências às diferentes disposições da
sociedade.
Tais autores realmente não tomaram o passo crucial da transição de
“parte” para “partido” que consistia em conceber o partido como entidade
objetiva, ou agência concreta, e desta forma mais facilmente distinta de
facção.
Tal avanço teórico seria galgado por Burke, quase meio século
depois de Montesquieu, para melhor compreendermos tal salto, precisamos
considerar Bolingbroke, que foi o primeiro pensador até então a se preocupar
ostensivamente com os partidos políticos.
Na acepção de Bolingbroke se torna um pouco ambivalente no conceito
de partido conforme o caso dos partidos serem envolvidos na Grande Rebelião que
resultou na Constituição de 1688, ou do “partido nacional” do qual ele fazia
parte.
Este partido uniu temporariamente elementos de dois grupos
tradicionais os whigs e os tories num esforço para acabar com o crescente poder
do soberano Guilherme III.
Além disso, em 1701 exclui os ocupantes de cargos reais do
parlamento inglês e suprimiu o Gabinete que emergia como uma ligação importante
entre executivo e legislativo.
Pretendia o doutrinador um governo constitucional de unidade e
harmonia. Portanto, ele se colocou contra os partidos políticos, pois sempre
resultavam num governo de facção, sendo que os partidos estão enraizados em
paixões e interesses, e, na razão. Sempre subvertem e ameaçam governos
constitucionais.
Sua importância doutrinária foi consagrada por David Hume (1711 –
1776) logo se tornou um dos primeiros filósofos de renome a se preocupar com o
assunto na obra “Of Parties in General”(1742).
Igualmente como Bolingbroke, Hume condena veemente “as facções que
subvertem o governo, tornam as leis impotentes e criam animosidades mais
ferozes que possíveis entre homens da mesma nação.”
Por outro lado, Hume é condescendente com relação aos partidos
quando afirma que num governo livre talvez não seria praticável e nem desejável
tentar abolir os partidos. O ideal é quase o mesmo de Bolingbroke de pôr fim Às
distinções odiosas no parlamento, e conceber uma tendência à coligações.
A contribuição mais relevante de Hume foi traçar a tipologia de
grupos políticos, caracterizando mui particularmente os partidos.
Hume acabou aceitando os partidos políticos como uma conseqüência
desagradável de um governo livre, mas nunca uma condição para a existência do
mesmo.
Burke refina conceitualmente o partido e aproveitando as idéias de
Hume, afirmava: “Partido é um grupo de homens unidos para promover pela sua
ação conjunta os interesses nacionais, através de algum princípio específico no
qual estão de comum acordo.”
Os partidos são os meios mais apropriados para que os homens possam
levar seus planos em comum a bom termo com todo o poder e autoridade do Estado.
Para Burke, partido é nitidamente diferenciado de parte, quer dizer
uma entidade concreta, algo tão real agora quanto as facções. Benjamin Constant
reconheceu que não podemos esperar excluir facções de uma organização política
onde as vantagens da liberdade costumam a ser preservadas, mas nós temos que
trabalhar para torná-las o mais inofensivas que possível.
O partido político moderno nas palavras de Hans Daalder pode ser
descrito com um pouco de exagero como a cria da Revolução Industrial.
A solidificação dos partidos que significa o ponto de onde os
partidos estão unificados não apenas por princípios comuns, mas também pelas
vantagens eleitorais em se estabilizar. Outro elo de realimentação é o que
segue do governo responsável para o responsivo.
Um sistema partidário é uma das estruturas do sistema político, e
ao mesmo tempo um dos seus subsistemas.
Enquanto os partidos emergem na maré da primeira extensão do
sufrágio, e o mesmo não se aplica ao estabelecimento do sistema partidário.
A estrutura do sistema partidário num sistema político amadurece
somente quando a emancipação eleitoral e outras condições alcançam uma certa
“massa crítica” e abrangem uma parcela substancial da nação.
Até a primeira Grande Guerra Mundial, os únicos dois escritores que
trataram sobre partidos políticos foram exclusivamente Ostrogoski e Michels.
O fundador da sociologia, que foi Max Weber e sugeriu uma
perspectiva histórica dos partidos.
A afirmação de que os partidos são canais de expressão, quer dizer
que em primeiro lugar partidos são meio de representação. São um instrumento ou
agência para representar o povo por expressar as suas demandas.
Para muitos, os partidos políticos porém, são débeis hoje em dia
para desempenhar efetivamente tal função de transmitir informações e
preferências políticas, as pesquisas de opinião pública, por telefone, ou até
por terminais domésticos de computadores centrais poderiam “medir”
aparentemente bem, tais tendências.
Explicitou V.O .Key os “partidos políticos são instituições básicas
para a tradução de preferências da massa em políticas públicas.”
Schattschneider por sua vez afirmou que o “único tipo de
organização que pode traduzir em fato a idéia de governo majoritário é o
partido político.”
Os partidos canalizam demandas na linguagem de Neumann, os partidos
“organizam a caótica vontade pública”.
Também selecionam, agregam e finalmente desvirtuam e distorcem
estas demandas ou, por extensão lógica, chegam a manipular a opinião pública. É
notável a utilização despudorada do marketing no rincão político brasileiro.
Os partidos são canais de comunicação de mão-dupla, mas a conclusão
de que o tráfego é igual, nas duas mãos , não é de fato, procedente.
Os partidos fazem, parte de um todo (que é o sistema político),
desta forma, se o sistema é imaturo e ingênuo, também o será o partido.
Participam os partidos de um todo plural e sistêmico, e acabam sendo mais
canais de expressão do que propriamente de manipulação.
A unidade básica do partido é o núcleo ou a organização que visa a
conquistar um só cargo eletivo. Os núcleos eleitorais se desenvolvem dentro dos
eleitorados para os diversos cargos.
Tais núcleos partidários não são necessariamente entidades
discretas e o desenvolvimentos destes está arraigado numa certa coesão que a
fidelidade partidária tenta amalgamar.
Sendo certo que a fidelidade é item interno disciplinado pelos seus
regulamentos e mesmo dentro de sua peça constitutiva, pois é o delineamento
ideológico a marca registrada não só do partido político como instituição mas
também, e sobretudo, como parte representativa dos anseios do povo junto ao
poder.
A capacidade de representação está insofismavelmente ligada aos
princípios ideológicos pelos quais os partidos políticos buscam o poder e se
cercam de atributos e funções junto à sociedade civil e junto ao governo.
É fato que a transição de partido de oposição e partido
situacionista é bastante clássica e contrastante, mas sendo possível, muitas
vezes adotaremos os mesmos métodos para os objetos diferentes e até mesmo
antagônicos.
Voltaire já enfatizava que se pode buscar a vontade política, bem
como a verdade mais conveniente ao momento nas mais múltiplas formas, e, ainda
assim não galgarmos a plenitude em satisfazer as mais cruciais necessidades
quer da democracia, quer do povo.
A extrema fragilidade partidária do sistema político brasileiro se
deve a uma cultura democrática ainda principiante e ofegante preocupada em
evoluir mais aparentemente do que substancialmente.
Quanto maior a rigidez no controle da coesão partidária, menor será
a inclinação democrática e interativa do partido político que corre o risco de
restar sectarizado e atrelado aos interesses das facções dominantes ou apenas
meramente poderosas na ocasião.
A pluralidade de orientação ideológica, comportamental e mesmo
política é que torna legítima a representação dos diversos grupos sociais e dos
interesses comumente colidentes.
Todavia, não é a fidelidade um elemento bastante valorizado com
caracterizador dos partidos políticos, e a punição de sua violação possui mais
um caráter administrativo e técnico do que exatamente político. Muitas vezes,
não raro, o político punido por infidelidade partidária angaria simpatias
importantes que trarão benéficos frutos em eleições vindouras.
De sorte, que a decisão de não punir os infiéis é muito mais
política do que necessariamente pragmática.
Retirado de: www.direito.com.br