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Eleições 2002
Amílcar Brunazo Filho*
A esperança
de ingressar no "Primeiro Mundo" tem aparecido em muitos momentos e
ambientes da sociedade brasileira. É uma ambição eticamente aceita e também é
um fator desencadeante de ações que estimulam a nosso desenvolvimento social.
Um dos fatos que tem sido citado como exemplo de que o Brasil caminha firme
para o primeiro mundo, é o pionerismo do nosso sistema eleitoral informatizado.
Desde a década do 80, a nossa Justiça Eleitoral, em seus diversos níveis,
ensaiava o uso da informática dentro do processo eleitoral. Em 1982, tivemos a
malfadada tentativa do TRE-RJ de informatizar a totalização dos votos e que
acabou num grande escândalo, a primeira fraude eleitoral informatizada, que ficou
conhecido como Caso Proconsult, a qual respingou inclusive sobre a imagem o
antigo SNI, hoje chamado de ABIN.
Em 1985, o TSE começou o processo de recadastramento dos eleitores. Novas
tentativas de informatização da totalização foram sendo feitas até que em 1996,
com a adoção da Urna Eletrônica, foram informatizadas a identificação do
eleitor no momento da votação, a própria votação e a apuração dos votos de cada
seção eleitoral.
A Urna Eletrônica foi implantada em três etapas, nas eleições de 1996, 1998 e
2000, atingindo um terço do eleitorado de cada vez, de forma que no ano de 2000
o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a ter 100% dos eleitores votando
num processo 100% informatizado, em todas as suas etapas, desde o cadastro dos
eleitores, passando pela a identificação destes na hora do voto, a votação
propriamente dita, a apuração dos votos de cada urna, a totalização dos votos
até a divulgação dos resultados pela Internet.
E para muitos este é um motivo de inegável orgulho, uma prova do
desenvolvimento tecnológico do Brasil. Mas. para muitos outros ficam algumas
dúvidas:
Por que outros países, econômica e tecnologicamente mais desenvolvidos que o
Brasil, ainda não informatizaram todo o processo eleitoral, especialmente a
apuração dos votos? Por que os países que nos vendem as peças e os programas
básicos das urnas eletrônicas, não informatizam eles mesmos suas eleições? Por
que a ABIN continua tendo participação ativa dentro do processo eleitoral?
Talvez o Brasil não esteja na linha de frente do domínio da tecnologia de
informatização do voto e sim tenha ultrapassado esta linha de maneira
precipitada e imprudente!
O que se coloca aqui é um convite ao eleitor brasileiro para que reflita com
calma, e sem ufanismo simplório, se o caminho da informatização do processo
eleitoral brasileiro está sendo construído sobre bases sólidas ou sobre mitos,
conluios e enganações.
A credibilidade de uma democracia no mundo moderno se constrói começando pela
confiabilidade do seu processo eleitoral e este, por sua vez, está apoiado em
três pés: a votação, a apuração e a fiscalização. Na firmeza de cada uma destas
pernas do processo eleitoral se apoiará a legitimidade final da democracia de
um país.
Infelizmente a credibilidade de nossa democracia está totalmente comprometida
pela falta de transparência do nosso processo eleitoral informatizado. Quem
conhece e analisa os detalhes, verifica que a votação eletrônica brasileira foi
construída de maneira que a fiscalização externa é totalmente inócua. Quebra-se,
assim, uma das pernas de sustentação do modelo de confiabilidade eleitoral e,
por conseqüência, nossa democracia perde credibilidade e até legitimidade.
A penúltima etapa do processo eleitoral informatizado no Brasil, a apuração dos
votos de cada seção eleitoral, foi implementada por meio de uma máquina de
votar inauditável, uma verdadeira "caixa preta" da qual nenhum
partido político, fiscal ou auditor externo ao Tribunal Superior Eleitoral,
TSE, jamais teve acesso para conferir sua integridade.
Apesar da desinformação provocada pela Justiça Eleitoral, que insiste em
divulgar que tudo é transparente e conferido pelos partidos, a avaliação sobre
o sistema informatizado de eleições, feito pela Unicamp e recentemente
divulgado, revela de forma inequívoca que existiam, sim, programas de
computador mantidos secretos pelo TSE até 2000 e que aos partidos políticos não
era possível conferir os programas efetivamente colocados nas urnas
eletrônicas, se estavam íntegros ou se teriam sido modificados.
E como já aconteceu em 1996, 1998 e 2000, nas eleições de 2002 também se
utilizará máquinas de votar nas quais não há como se recontar os votos nem os
partidos políticos tiveram disponíveis meios técnicos satisfatórios para
conferir a integridade de seus programas.
Em agosto de 2002, na apresentação dos programas de computador do TSE aos
partidos políticos, ocorreram lances muito significativos.
O código do Sistema Operacional VirtuOS só poderia ser visto e analisado por
apenas 3 dias, pelos técnicos que pagassem R$ 250.000,00 à empresa proprietária
do programa. Nenhum partido concordou com este pagamento e, conseqüentemente,
nenhum partido analisou o seu conteúdo que estará instalado em mais de 350.000
urnas eletrônicas.
As demais 50.000 urnas eletrônicas conterão outro Sistema Operacional, o
Windows CE, que apesar de ter seu código aberto aos fiscais, tem um porte
desmesurado com seus mais de 25 mil arquivos e dois milhões de linhas de
código, de forma que nenhum dos partidos políticos analisou sequer 1% do seu
conteúdo, nos cinco dias em que estiveram disponíveis.
Todos os técnicos que estiveram presentes a esta apresentação, mesmo os que
manifestaram confiança no sistema, declararam que em cinco dias é impossível se
avaliar o sistema por inteiro. Os técnicos da Unicamp nem aceitaram a tarefa de
avaliar o sistema de 2002 por causa desta exigüidade de tempo.
Esta falta de tempo para avaliação correta dos programas teve uma conseqüência
direta: nesta eleição de 2002, as urnas eletrônicas foram carregadas com um
programa de auto-auditoria que continha erros de programação que o impedia de
mostrar a tabela completa de candidatos.
Cabe uma pergunta:
Será que um sistema eleitoral, que não permite conferência da apuração e nem
passa por auditoria externa independente e correta, pode ser chamado de
"coisa do Primeiro Mundo"?
Para escapar do debate sobre esta questão e esconder as mazelas do seu modelo
de segurança obscurantista que adotou desde 1996, o TSE tem desenvolvido um
grande trabalho de propaganda e de assessoria de imprensa para difundir a idéia
de que o Sistema Eletrônico de Votação é 100% seguro contra fraudes e que o
eleitor e os partidos podem confiar cegamente na capacitação técnica da Justiça
Eleitoral. E tem conseguido algum sucesso nesta empreitada de criar uma imagem
de segurança que deixe a população tranqüila.
Para atingir este nível de confiança, não se poupou esforços nem se respeitou
com muito rigor princípios morais e legais, como a transparência dos atos do
serviço público. Baseados no eticamente discutível princípio maquiavélico, de
que o fim justifica os meios, funcionários do TSE não se importaram em
sacrificar a verdade para tentar convencer o eleitorado de que o sistema por
eles trazido é confiável.
O primeiro grande engodo, dito repetidamente por quase todos os administradores
do processo eleitoral, em todas as suas instâncias, é que o sistema é 100%
seguro contra fraudes. Se isto fosse verdade o Brasil teria conseguido criar o
único sistema informatizado 100% seguro do mundo! E isto, certamente, não é
verdade. Para justificar este grande engodo, uma porção de outras mentiras tem
sido contadas por representantes da Justiça Eleitoral, e inadvertidamente
repetidas pela imprensa em geral, ao longo do últimos quatro anos, tais como:
- Todos os programas da urna são analisados pelos partidos políticos;
- Não é possível se adulterar os programas eleitorais;
- A rede de computadores do TSE é à prova de invasões (inclusive por agentes
internos mal intencionados);
- A zerésima garante que a urna eletrônica está vazia antes da votação se
iniciar.
E aqui surge o título deste artigo.
Zerésima é um neologismo criado pelo corpo técnico do TSE para designar o
relatório impresso pela urna eletrônica, no início do processo de votação, onde
o nome de cada candidato aparece como tendo zero votos. Segundo esses técnicos
do TSE, a zerésima é a "garantia" de que não existem votos
previamente depositados nas memórias da urna eletrônica.
Mas será mesmo uma garantia?
Certamente, não é. Qualquer programador de computador, mesmo iniciante, sabe
que é possível se imprimir uma coisa, a zerésima por exemplo, e guardar outra
coisa na memória do computador e também sabe que é perfeitamente possível
começar o processo de votação e apuração com zero votos para todos os
candidatos e depois ir desviando uma porcentagem dos votos conforme estes forem
sendo dados.
Se a zerésima é o que o TSE pode nos oferecer como garantia de lisura na
apuração, então não temos garantia real nenhuma, e em vez de ingressarmos no
Primeiro Mundo, onde idealmente a apuração das eleições públicas deveriam ser
claras e transparentes, a Urna Eletrônica remete o Brasil diretamente ao
Zerésimo Mundo, onde o eleitor não pode ver o seu próprio voto e a oposição não
tem como fiscalizar a apuração.
. e o Zerésimo Mundo é qualquer coisa, menos uma democracia verdadeira.
Retirado de: www.conjur.com.br