Amílcar Brunazo Filho
engenheiro em Santos (SP), programador
de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto
Eletrônico (www.votoseguro.org)
A esperança de ingressar no
"Primeiro Mundo" tem aparecido em muitos momentos e ambientes da
sociedade brasileira. É uma ambição eticamente aceita e também é um fator
desencadeante de ações que estimulam a nosso desenvolvimento social.
Um
dos fatos que tem sido citado como exemplo de que o Brasil caminha firme para o
primeiro mundo, é o pionerismo do nosso sistema eleitoral informatizado.
Desde
a década do 80, a nossa Justiça Eleitoral, em seus diversos níveis, ensaiava o
uso da informática dentro do processo eleitoral. Em 1982, tivemos a malfadada
tentativa do TRE-RJ de informatizar a totalização dos votos e que acabou num
grande escândalo, a primeira fraude eleitoral informatizada, que ficou
conhecido como Caso Proconsult, a qual respingou inclusive sobre a imagem o
antigo SNI, hoje chamado de ABIN.
Em
1985, o TSE começou o processo de recadastramento dos eleitores. Novas
tentativas de informatização da totalização foram sendo feitas até que em 1996,
com a adoção da Urna Eletrônica, foram informatizadas a identificação do
eleitor no momento da votação, a própria votação e a apuração dos votos de cada
seção eleitoral.
A
Urna Eletrônica foi implantada em três etapas, nas eleições de 1996, 1998 e
2000, atingindo um terço do eleitorado de cada vez, de forma que no ano de 2000
o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a ter 100% dos eleitores votando
num processo 100% informatizado, em todas as suas etapas, desde o cadastro dos
eleitores, passando pela a identificação destes na hora do voto, a votação
propriamente dita, a apuração dos votos de cada urna, a totalização dos votos
até a divulgação dos resultados pela Internet.
E
para muitos este é um motivo de inegável orgulho, uma prova do desenvolvimento
tecnológico do Brasil.
Mas…
para muitos outros ficam algumas dúvidas:
Por
que outros países, econômica e tecnologicamente mais desenvolvidos que o
Brasil, ainda não informatizaram todo o processo eleitoral, especialmente a
apuração dos votos?
Por
que os países que nos vendem as peças e os programas básicos das urnas
eletrônicas, não informatizam eles mesmos suas eleições?
Por
que a ABIN continua tendo participação ativa dentro do processo eleitoral?
Talvez
o Brasil não esteja na linha de frente do domínio da tecnologia de
informatização do voto e sim tenha ultrapassado esta linha de maneira
precipitada e imprudente!
O
que se coloca aqui é um convite ao eleitor brasileiro para que reflita com
calma, e sem ufanismo simplório, se o caminho da informatização do processo
eleitoral brasileiro está sendo construído sobre bases sólidas ou sobre mitos,
conluios e enganações.
A
credibilidade de uma democracia no mundo moderno se constrói começando pela
confiabilidade do seu processo eleitoral e este, por sua vez, está apoiado em
três pés: a votação, a apuração e a fiscalização. Na firmeza de cada uma destas
pernas do processo eleitoral se apoiará a legitimidade final da democracia de
um país.
Infelizmente
a credibilidade de nossa democracia está totalmente comprometida pela falta de
transparência do nosso processo eleitoral informatizado. Quem conhece e analisa
os detalhes, verifica que a votação eletrônica brasileira foi construída de
maneira que a fiscalização externa é totalmente inócua. Quebra-se, assim, uma
das pernas de sustentação do modelo de confiabilidade eleitoral e, por
conseqüência, nossa democracia perde credibilidade e até legitimidade.
A
penúltima etapa do processo eleitoral informatizado no Brasil, a apuração dos
votos de cada seção eleitoral, foi implementada por meio de uma máquina de
votar inauditável, uma verdadeira "caixa preta" da qual nenhum
partido político, fiscal ou auditor externo ao Tribunal Superior Eleitoral,
TSE, jamais teve acesso para conferir sua integridade.
Apesar
da desinformação provocada pela Justiça Eleitoral, que insiste em divulgar que
tudo é transparente e conferido pelos partidos, a avaliação sobre o sistema
informatizado de eleições, feito pela Unicamp e recentemente divulgado, revela
de forma inequívoca que existiam, sim, programas de computador mantidos
secretos pelo TSE até 2000 e que aos partidos políticos não era possível
conferir os programas efetivamente colocados nas urnas eletrônicas, se
estavam íntegros ou se teriam sido modificados.
E
como já aconteceu em 1996, 1998 e 2000, nas eleições de 2002 também se
utilizará máquinas de votar nas quais não há como se recontar os votos
nem os partidos políticos tiveram disponíveis meios técnicos satisfatórios para
conferir a integridade de seus programas.
Em
agosto de 2002, na apresentação dos programas de computador do TSE aos partidos
políticos, ocorreram lances muito significativos.
O
código do Sistema Operacional VirtuOS só poderia ser visto e analisado por
apenas 3 dias, pelos técnicos que pagassem R$ 250.000,00 à empresa proprietária
do programa. Nenhum partido concordou com este pagamento e, consequentemente, nenhum
partido analisou o seu conteúdo que estará instalado em mais de 350.000
urnas eletrônicas.
As
demais 50.000 urnas eletrônicas conterão outro Sistema Operacional, o Windows
CE, que apesar de ter seu código aberto aos fiscais, tem um porte desmesurado
com seus mais de 25 mil arquivos e dois milhões de linhas de código, de forma
que nenhum dos partidos políticos analisou sequer 1% do seu conteúdo,
nos cinco dias em que estiveram disponíveis.
Todos
os técnicos que estiveram presentes a esta apresentação, mesmo os que
manifestaram confiança no sistema, declararam que em cinco dias é impossível se
avaliar o sistema por inteiro. Os técnicos da Unicamp nem aceitaram a tarefa de
avaliar o sistema de 2002 por causa desta exigüidade de tempo.
Esta
falta de tempo para avaliação correta dos programas teve uma conseqüência
direta: nesta eleição de 2002, as urnas eletrônicas foram carregadas com um
programa de auto-auditoria que continha erros de programação que o impedia de
mostrar a tabela completa de candidatos.
Cabe
uma pergunta:
Será que um
sistema eleitoral, que não permite conferência da apuração e nem passa por
auditoria externa independente e correta, pode ser chamado de "coisa do
Primeiro Mundo"?
Para
escapar do debate sobre esta questão e esconder as mazelas do seu modelo de
segurança obscurantista que adotou desde 1996, o TSE tem desenvolvido um grande
trabalho de propaganda e de assessoria de imprensa para difundir a idéia de que
o Sistema Eletrônico de Votação é 100% seguro contra fraudes e que o eleitor e
os partidos podem confiar cegamente na capacitação técnica da Justiça
Eleitoral. E tem conseguido algum sucesso nesta empreitada de criar uma imagem
de segurança que deixe a população tranqüila.
Para
atingir este nível de confiança, não se poupou esforços nem se respeitou com
muito rigor princípios morais e legais, como a transparência dos atos do
serviço público. Baseados no eticamente discutível princípio maquiavélico, de
que o fim justifica os meios, funcionários do TSE não se importaram em
sacrificar a verdade para tentar convencer o eleitorado de que o sistema por
eles trazido é confiável.
O
primeiro grande engodo, dito repetidamente por quase todos os administradores
do processo eleitoral, em todas as suas instâncias, é que o sistema é 100%
seguro contra fraudes. Se isto fosse verdade o Brasil teria conseguido criar o
único sistema informatizado 100% seguro do mundo! E isto, certamente, não é
verdade.
Para
justificar este grande engodo, uma porção de outras mentiras tem sido contadas
por representantes da Justiça Eleitoral, e inadvertidamente repetidas pela
imprensa em geral, ao longo do últimos quatro anos, tais como:
-
Todos os programas da urna são analisados pelos partidos políticos;
-
Não é possível se adulterar os programas eleitorais;
-
A rede de computadores do TSE é à prova de invasões (inclusive por agentes internos
mal intencionados);
-
A zerésima garante que a urna eletrônica está vazia antes da votação se
iniciar.
E
aqui surge o título deste artigo…
Zerésima
é um neologismo criado pelo corpo técnico do TSE para designar o relatório
impresso pela urna eletrônica, no início do processo de votação, onde o nome de
cada candidato aparece como tendo zero votos. Segundo estes técnicos do TSE, a
zerésima é a "garantia" de que não existem votos previamente
depositados nas memórias da urna eletrônica.
Mas
será mesmo uma garantia?
Certamente,
não é. Qualquer programador de computador, mesmo iniciante, sabe que é possível
se imprimir uma coisa, a zerésima por exemplo, e guardar outra coisa na memória
do computador e também sabe que é perfeitamente possível começar o processo de
votação e apuração com zero votos para todos os candidatos e depois ir
desviando uma porcentagem dos votos conforme estes forem sendo dados.
Se
a zerésima é o que o TSE pode nos oferecer como garantia de lisura na apuração,
então não temos garantia real nenhuma, e em vez de ingressarmos no
Primeiro Mundo, onde idealmente a apuração das eleições públicas deveriam ser
claras e transparentes, a Urna Eletrônica remete o Brasil diretamente ao
Zerésimo Mundo, onde o eleitor não pode ver o seu próprio voto e a
oposição não tem como fiscalizar a apuração.
…
e o Zerésimo Mundo é qualquer coisa, menos uma democracia verdadeira.
Retirado de: www.jusnavigandi.com.br