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Mandado eletivo: TER é incompetente para julgar ação de impugnação
Marcelo Santiago de Padua Andrade*
O artigo 14, § 10, da Constituição Federal, inovando de
forma salutar na ordem jurídica, pôs à disposição da nação valioso instrumento
tendente à moralização dos pleitos eleitorais. Trata-se da Ação de Impugnação
de Mandato Eletivo, que busca conferir ao Estado de Direito as feições de uma
democracia em seu sentido substancial.
Em que pese os quase quinze anos passados da promulgação da vigente Carta
Política, não mereceu a nova providência jurisdicional um tratamento adequado
pelo legislador infraconstitucional, que o relegou às trevas do esquecimento.
Por essa razão, não tardou a surgirem vozes(1) que se manifestaram pela
inexistência daquele remédio processual, visto que, conforme é cediço na
doutrina processual mais abalizada, para que uma ação judicial exista no mundo jurídico,
é imprescindível que estejam previstos em lei os seus requisitos mínimos, vale
dizer, a legitimidade de partes, o provimento jurisdicional demandável e a
competência.
Apesar de toda sua deficiência de normatização, os Tribunais Eleitorais, batendo-se
pela auto-aplicabilidade do artigo 14, § 10, da Constituição Federal, vêm
admitindo a utilização da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo como mecanismo
restaurador da lisura e normalidade da contenda eleitoral.
Para tanto, adotam o rito sumário do Código de Processo Civil, atribuindo a
legitimidade ativa ad causam aos Partidos Políticos, Coligações, Candidatos e
Ministério Público Eleitoral.
Quanto à competência, apesar do laconismo do texto constitucional, atribuem-na
à Justiça Eleitoral, dada a sua especialidade.
Ocorre que a competência para a instrução e julgamento deverá sempre ser da
Justiça Eleitoral, por seus órgãos de primeira instância, mesmo quando
se trate de ação de impugnação intentada contra Deputados Estaduais, Federais,
Senadores, Governadores de Estado e do Distrito Federal e Presidente da
República.
É verdade que em julgamentos pretéritos o Tribunal Superior Eleitoral firmou
entendimento no sentido da competência originária dos Tribunais Regionais
Eleitorais para instrução e julgamento de AIME em face de Deputados Estaduais,
Deputados Federais e Governadores(2).
No entanto, pensamos que deve ser reconsiderada tal posição, reconhecendo-se a
competência do Juízo Eleitoral de 1.º grau.
A solução preconizada decorre de uma interpretação teleológica e sistemática
das normas e garantias processuais contidas na Constituição Federal e na
legislação infraconstitucional pertinente, bem como se harmoniza e confere
efetividade ao comando do artigo 14, § 10, da Carta Republicana.
Insta destacar que o Texto Constitucional, a partir da distribuição das
competências e da organização judiciária que promoveu, albergou, ainda que de
forma tácita, o princípio do duplo grau de jurisdição.
É regra vigente em nosso ordenamento processual o julgamento em primeira
instância pelos juízos monocráticos, seja por decorrência do princípio do juiz
natural, seja por conseqüência do já mencionado princípio do duplo grau de
jurisdição.
A competência dos Tribunais é sempre de natureza recursal, exceção feita às
hipóteses constitucional ou legalmente previstas.
Reconhece-se também que, de acordo com a jurisprudência dominante, são cabidas
exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Contudo, há necessidade de
que haja expressa determinação constitucional ou legal nesse sentido.
A leitura atenta dos artigos 29 e 30 do Código Eleitoral, bem como do artigo
118 e seguintes da Constituição Federal, não indica a competência dos Tribunais
Eleitorais para processarem e julgarem, originariamente, as AIME's aforadas em
face de Deputados e Governadores.
A competência dos Tribunais Eleitorais, oportuno anotar, não poderia ser
firmada também com base nas regras estatuídas no artigo 22 da Lei Complementar
n.º 64/90. Tais disposições são claramente endereçadas ao processamento das
Investigações Judiciais Eleitorais e, por privarem um grau de jurisdição,
jamais poderiam ser tomadas por analogia como forma de determinação de
competência.
É aguada a observação de FÁBIO KONDER COMPARATO:(3) "Ora, é
princípio cediço que tudo o que diz respeito a jurisdição e competência
jurisdicional, num Estado de Direito, está submetido à reserva legal. O
Judiciário não pode atribuir-se jurisdição alguma nem tampouco delimitá-la
postestate propria, fixando competência de seus órgãos. Afinal, será que a
erupção de "direitos alternativos" vai se manifestar até mesmo nesse
campo, vital para a preservação das liberdades fundamentais do cidadão."
Corrobora ainda a tese o argumento seguinte.
Quando foi editada a Lei Complementar n.º 64/90, já previa a ordem
constitucional a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
Sobre esta, limitou-se o legislador infraconstitucional a determinar, no artigo
22, XV, daquela Lei Complementar, que julgada procedente a Investigação
Judicial Eleitoral após a realização das eleições, deverá ser remetida cópia da
investigação eleitoral ao Ministério Público Eleitoral para fins de propositura
da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
Poderia o legislador infraconstitucional ter disposto acerca do seu processamento
e da competência para o processamento e julgamento da AIME no próprio bojo da
Lei Complementar n.º 64/90. Contudo, tal não foi feito.
Se a lembrança à AIME limitou-se àquela determinação do art. 22, XV, da Lei
Complementar n.º 64/90, isto significa reconhecer que não quis o legislador
eleitoral estabelecer as mesmas competências e ritos àquela via processual.
Se sequer o rito da LC n.º 64/90 é adotado no processamento da AIME, não há
razão que sustente a analogia que busca justificar a competência dos Tribunais
Eleitorais nas disposições da Lei de Inelegibilidades.
A disposição do artigo 121, § 4.°, IV, da Constituição Federal também não se
presta para justificar a competência originária dos Tribunais Eleitorais.
É que aquela norma somente trata da competência recursal e da natureza do
inconformismo, nada regulando acerca de competências originárias.
Esta, merece menção, há de ser compreendida nos termos do caput do artigo e de
seu parágrafo 4°. Significa dizer, a competência decorre de lei complementar
que, conforme dito, é silente quanto ao estabelecimento de competência
hierárquica em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
A prescrição da utilização de recurso ordinário em hipóteses como a presente
somente corrobora a tese de que, em razão da dignidade da matéria discutida - a
manutenção da vontade popular - há que se franquear à parte meios eficazes de
exercício de defesa.
Nota-se que o espírito do artigo 121, § 4.°, IV, da Constituição Federal busca
conferir àquele que tem o seu mandato impugnado na Justiça Eleitoral as formas
mais eficazes de defesa, o que denota também compromisso com a busca da verdade
dos fatos.
Não é capaz também de firmar a competência originária dos Tribunais Eleitorais
o argumento de que a demanda decorre do poder de proclamar os resultados e
diplomar os eleitos.
Sobre o tema, adverte FÁBIO KONDER COMPARATO(4) que "É
francamente inaceitável - escusa dizê-lo, pretender que a competência para
julgar a ação de impugnação de mandato eletivo possa ser estabelecida como
simples decorrência do poder de proclamação dos resultados eleitorais ou de
diplomação dos eleitos. Desde quando uma competência jurisdicional é fixada por
meio de raciocínio analógico ou dedutivo? Por acaso, vamos agora, a par do
legislador constitucional, introduzir também a figura do
intérprete-legislador?"
Não havendo norma processual explícita à respeito da atribuição da competência
originária aos Tribunais Eleitorais para o processamento de AIME envolvendo
deputado eleito, deve prevalecer a regra geral, isto é, o reconhecimento da
competência do juízo eleitoral monocrático.
SUZANA DE CAMARGO GOMES(5) anota que "Os órgãos da Justiça
Eleitoral obedecem a uma estrutura piramidal e a composição tem níveis
hierárquicos distintos. Assim, no ápice da pirâmide da Justiça Eleitoral
encontra-se o Tribunal Superior Eleitoral, seguindo-se os Tribunais Regionais
Eleitorais, os Juízes e as Juntas Eleitorais"
A solução preconizada, relevante destacar, é salutar na medida em que preserva
direitos e garantias processuais que compõem o patrimônio jurídico dos
demandados em AIME.
Ela resguarda os princípios do juiz natural e do duplo grau de jurisdição,
possibilita o manuseio mais eficaz dos instrumentos de defesa existentes no
ordenamento processual e franqueia ainda o aviamento de recurso ordinário
contra a sentença monocrática, em caso de sucumbência, bem como a interposição
dos Recursos Especial e Extraordinário.
Os seus benefícios não ficam confinados somente na esfera individual de
direitos dos requeridos.
O reconhecimento da competência do Juízo Eleitoral de primeiro grau também
protege todo o arcabouço da estrutura, organização e distribuição de
competências trazida pela Carta Política e legislação aplicável, na medida em
que não escapa da fórmula geral que é o julgamento dos feitos, originariamente,
pelos juízos monocráticos.
A analogia não é necessária se todo o sistema processual aponta a competência
do juízo monocrático judicante no domicílio eleitoral do réu.
Se houvesse exceção, esta deveria ser explícita, posto que atribuir competência
aos Tribunais acarretaria a supressão de instância sem fundamento legal ou
constitucional.
Por tais razões, pensamos que os Tribunais Eleitorais são absolutamente
incompetentes para processar e julgar, originariamente, a Ação de Impugnação de
Mandato Eletivo, pois, em matéria de competência hierárquica, marcada pelo
interesse público, em face dos princípios adotados pelo sistema
jurídico-processual, não se tolera modificações nos critérios estabelecidos e muito
menos alterações por vontade das partes.
Notas de rodapé:
1- Nesse sentido já se manifestou o insigne Jurista FÁBIO KONDER COMPARATO,
conforme se depreende de seu trabalho contido às páginas 166 e ss. de sua obra
"Direito Público Estudos e Pareceres", Ed. Saraiva, 1996
2- Nesse sentido, destaca-se o Acórdão TSE n.º 12.372, da lavra do Min.
TORQUATO JARDIM, publicado no DJU de 16.12.1992.
3- Obra citada, p. 174-175.
4- Obra citada, p. 175.
5- A Justiça Eleitoral e sua competência, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo,
1998, p. 85.
Revista Consultor Jurídico, 10 de abril de 2003.
Hélio Freitas de
Carvalho da Silveira é advogado do escritório Silveira, Andrade Advogados.
Marcelo Santiago
de Padua Andrade
é advogado do escritório Silveira, Andrade Advogados.
Retirado
de: http://conjur.uol.com.br