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Recontagem
na Lei nº 9.504/97
Sergei Medeiros Araujo
I - Introdução
O processo eleitoral
caracteriza-se por ser uma atividade marcadamente administrativa que se
desenvolve numa sucessão de atos com etapas bem definidas no plano temporal. Do
alistamento dos eleitores até a proclamação do resultado, passando pelas fases
de registro de candidatos, votação e apuração, há todo um iter a
percorrer, no qual não deve haver espaço para retardamentos e dilações.
Cabe ao Judiciário e aos demais
partícipes do processo eleitoral velar não só pelo efetivo cumprimento de suas
etapas, mas também pela legalidade e legitimidade tantas vezes conspurcada.
E é em nome desses atributos
que o Direito Eleitoral contempla rupturas na seqüência de suas atividades. São
as crises do processo eleitoral, em que o timing único cede espaço para
que, em procedimentos agora não mais somente administrativo-judiciais
(administrativo judicialiforme), mas por vezes também jurisdicionais, sejam desenvolvidas
diligências voltadas ao restabelecimento da legalidade das eleições,
empreendimento cujo sucesso, deve-se reconhecer, nem sempre é garantido.
Podemos citar como indicadores
dessas crises as revisões eleitorais, em relação ao alistamento; as impugnações
de registro, com vistas a expungir do processo candidatos inelegíveis; a
investigação judicial eleitoral, voltada à preservação da normalidade das
eleições; a ação de impugnação de mandato eletivo e o recurso contra a
diplomação, que elastecem a resolução do processo eleitoral em sua fase
posterior à diplomação.
A recontagem de votos é um
desses instrumentos jurídicos voltados para a defesa da legalidade e
legitimidade das eleições. Seu objetivo é corrigir falhas administrativas no
preenchimento dos boletins de urna e mapas totalizadores, bem como eliminar
fraudes ocorridas na fase da apuração que por sua especificidade não puderam
ser objeto de imediata impugnação perante a Junta Eleitoral (CE, art. 169).
A recontagem deve ser vista,
portanto, como um procedimento excepcional que em regra não deve ser
estimulado, senão nos casos de reconhecido erro material dos Órgãos da Justiça
Eleitoral e veementes indícios de fraudes no preenchimento dos boletins, nos
limites das hipóteses de cabimento estabelecidas na lei, sob pena de
transformar-se um instrumento de garantia e defesa da legalidade das eleições
num veículo de insegurança e perpetuação de litígios.
É a partir dessa premissa que
nos dispomos a analisar a recontagem no sistema de votação tradicional, sob a
ótica da Lei nº 9.504/97. Não é nosso propósito discorrer de modo aprofundado
sobre o assunto, mas somente analisar o tratamento empregado pela nova lei e
pela jurisprudência, gizando o que ao nosso sentir significou avanço,
retrocesso e omissão.
II - Aspectos essenciais da
recontagem
A Lei nº 9.504/97 assim
disciplina a recontagem:
Art. 88 - O Juiz Presidente da
Junta Eleitoral é obrigado a recontar a urna, quando:
I - o boletim apresentar
resultado não-coincidente com o número de votantes ou discrepante dos dados
obtidos no momento da apuração;
II - ficar evidenciado a
atribuição de votos a candidatos inexistentes, o não-fechamento da
contabilidade da urna ou a apresentação de totais de votos nulos, brancos ou
válidos destoantes da média geral das demais seções do mesmo Município, Zona
Eleitoral.
O eminente advogado maranhense
JOSÉ ANTÔNIO ALMEIDA, que é um profundo conhecedor da matéria, afirmou em seus
Comentários à Lei nº 9.504/97 que a norma é "confusa, incompleta e
poderá causar sérios problemas na sua aplicação".
Sem dúvida, o procedimento ora
analisado ainda está a merecer um tratamento menos lacônico, que venha a
sedimentar e complementar, no plano legislativo, toda uma orientação
jurisprudencial que se formou ao longo dos anos. Afinal, não raro há casos em
que a nova contagem exige um esforço da Justiça Eleitoral equivalente aos atos
de preparação e apuração das eleições, como na recontagem do pleito para
Deputado Federal no Maranhão, quando o TSE determinou nova apuração em
aproximadamente trinta por cento das Seções do Estado .
a) Hipóteses de cabimento
Apesar de todas as críticas
admissíveis à concisão da Lei nº 9.504/97 no trato da recontagem, é
inquestionável o mérito do legislador de 1997 ao restringir suas hipóteses de
cabimento. Evitou-se, assim, a falta de técnica da Lei nº 9.100/95 , cujos
incisos I e IV do artigo 28 abriram ensanchas para os mais diversos tipos de
requerimentos infundados, muitos dos quais relacionados a incidentes anteriores
à apuração ou que na própria contagem poderiam ter sido objeto de impugnação e
recurso.
O Tribunais Regionais
Eleitorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina registraram, nas eleições
municipais de 1996, vários casos que retratam o quanto se tentou desvirtuar o
instituto da recontagem, transformando-o em panacéia para as insatisfações de
candidatos derrotados. Foram rejeitados pedidos fundamentados em erro de fato
ou direito nos critérios utilizados para a contagem dos votos; suposto
exercício do direito de voto por eleitor falecido (ou por outrém em seu lugar)
; simples alegação, sem maiores fundamentos, de que os candidatos não obtiveram
os votos previstos ; pequena diferença de votos entre os candidatos ; mera
manifestação do eleitor ; ou, ainda, requerimentos eivados de subjetividade .
No Tribunal Regional Eleitoral
do Maranhão, sempre defendemos a tese de que questões relacionadas a nulidade
de votos, sob quaisquer fundamentos, devem ser discutidas no momento da
apuração, não ensejando recontagem. Assim, a falta de assinatura dos mesários
nas cédulas, aposição do voto fora do lugar indicado ou no verso da cédula e o
erro na interpretação da intenção do eleitor são incidentes que devem ser
levantados na apuração, através de impugnação e recurso, não podendo
fundamentar pedido de nova contagem. Passada a fase oportuna, não mais podem
ser suscitados, por força da preclusão (CE, art. 174, § 4º).
Interpretando a Lei nº 8.214/91
, em vista de alegação de supostos vícios detectáveis na fase de apuração, o
Tribunal Superior Eleitoral definiu com muita propriedade as hipóteses de
recontagem, delas excluindo os vícios relativos às cédulas. Do voto do Ministro
Sepúlveda Pertence, pode-se destacar a seguinte passagem:
" ... na hipótese do § 1º,
não há falar em preclusão. Deu-se à manifestação da maioria dos partidos uma
presunção absoluta da conveniência da recontagem; no § 2º, as próprias
hipóteses afastam a preclusão, porque são fatos só verificáveis em função do
relatório final, à luz do quadro numérico da apuração.
Resta o § 3º, que remete à
legislação eleitoral. E, aí, porque se trata de norma de remissão à legislação
eleitoral permanente, não enquadrável o pedido de recontagem nas duas hipóteses
específicas dos parágrafos anteriores, recebe-se o Código Eleitoral integralmente,
incluindo o princípio da preclusão, quando aplicável. Certo, e também da
jurisprudência correntia do Tribunal, que há hipóteses em que não há de se
exigir a impugnação perante a Junta Apuradora ou perante a Mesa Apuradora,
simplesmente porque ela seria impossível. Caso exemplar dessas hipóteses é o do
mapismo, revelado pela não-coincidência entre o quadro geral da apuração
e os boletins de urna.
Por isso, pedi ao eminente
Ministro Torquato Jardim que me propiciasse a vista dos autos e, por eles, vejo
logo que o caso, ao contrário, é exemplar das hipóteses em que é de aplicar-se
a exigência da preclusão" .
O Ministro distinguiu muito bem
as hipóteses de recontagem dos casos das nulidade que somente podem ser
questionados na apuração afirmando, ipsis verbis:
"São vícios em relação aos
quais, ou se continua, de acordo com a jurisprudência longamente sedimentada, a
exigir-se a impugnação no momento da leitura e da decisão sobre cada cédula ou
voltaremos aos tempos das batalhas judiciais infindáveis, porque sempre se
poderá alegar, fechada uma urna computada, que na apuração dela se teria
deixado de computar votos validamente enunciados ou vice-versa."
O Tribunal Superior Eleitoral
entendeu, além disso, que simples atraso na expedição dos boletins de apuração
não enseja a recontagem .
De tudo que foi dito, parece
claro que o caráter restritivo da Lei nº 9.504/97 em muito poderá inibir
pedidos de recontagem infundados ou fundamentados na simples alegação do
interessado. Nesse ponto, a nova lei aproxima-se bastante do que dispunha a Lei
nº 8.713/93 , sendo silente tão só no caso de apresentação à Justiça Eleitoral
de boletins de urna incoincidentes.
A propósito, esta parece ser a
única hipótese de recontagem não prevista na Lei nº 9.504/97 ainda admissível,
em vista do que estabelecem os parágrafos 5º a 8º do artigo 179 da Lei nº
4.737/65. Como se verá oportunamente, é também o único caso em que o pedido de
recontagem não é deferido originariamente pelo Juiz Presidente da Junta.
Desse modo, havendo incoincidência
entre o resultado consignado no boletim de urna e no mapa totalizador,
inclusive o informatizado, os interessados poderão suscitar a questão junto ao
Tribunal Regional, nas eleições estaduais e federais, no prazo do art. 200 do
CE, ou até mesmo antes, se durante os trabalhos da Comissão Apuradora tiverem
conhecimento da incoincidência de qualquer resultado. Apresentado o boletim, os
demais partidos terão vista pelo prazo de 2 (dois) dias, os quais somente
poderão contestar o erro indicado com a apresentação de boletim da mesma urna,
revestido das mesmas formalidades. Nessa hipótese, se o boletim apresentado na
contestação consignar outro resultado, coincidente ou não com o que figurar no
mapa, a urna será requisitada e recontada pelo próprio Tribunal Regional, em
sessão.
Mas se dessa alegação não
resultar a apresentação de dois boletins incoincidentes, ou seja, se a
discrepância resumir-se aos dados de um boletim e aos da totalização (mapa), é
o caso de recontagem? Ora, não havendo dúvidas quanto à idoneidade e
autenticidade desse boletim, não vemos razão para nova apuração da Seção. O que
justifica a recontagem é a suspeita ou comprovação de erro ou fraude na
transposição do resultado da apuração para o boletim. Incúria ou desonestidade
na passagem dos dados do boletim para os mapas de totalização, inclusive
naqueles informatizados, devem ser resolvidos pela retificação do que lançado,
em vista do resultado contido em boletim que esteja em ordem. Agora, se forem
dois os boletins apresentados, não há como verificar qual deles contém o
resultado legítimo senão recontando a urna.
Entretanto, esse não parece ser
o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que em alguns casos decidiu que
a discrepância entre a totalização e o boletim de urna enseja a recontagem .
Dentre as hipóteses de
recontagem estabelecidas na Lei nº 9.504/97 a primeira refere-se à contradição
entre o resultado do boletim, que é o produto da soma de todas as
colunas e linhas onde registrados os votos, e o número de votantes, que
nada mais é que o comparecimento registrado no próprio boletim e na ata da
votação. A lei, nesse ponto, cria mais problemas que soluções, posto reverterem
tais divergências, na maioria das vezes, de erros que em nada repercutem no
resultado final da apuração da Seção.
Senão vejamos. Após a abertura
da urna, a Junta observará se o número de cédulas corresponde ao número de
votantes. Verificando que a incoincidência resulta de fraude comprovada,
anulará a votação. Caso contrário, procederá à apuração, sempre que necessário
conferindo na folha de votação o número de assinaturas (comparecimento) para
confrontá-lo com o registrado na ata (CE, art. 166). Feito isso o resultado
será transcrito para o boletim.
Parece evidente que o boletim
de urna irá refletir as mesmas contradições verificadas na apuração entre os
números de cédulas e votantes registrados na ata ou verificados com a contagem
da folha de votação. Assim, não é difícil ocorrer que a mesa receptora de votos
registre na ata um número de votantes, a junta apuradora constate, pela
contagem das assinaturas na folha de votação outro universo de comparecimeto,
que poderá coincidir ou não com o número de cédulas encontradas na urna. Disso
poderá dimanar discrepância entre os dados de comparecimento e o resultado do próprio
boletim, ou entre o boletim e a ata, o que nem sempre resultará de fraude.
Conforme bem lembrou JOSÉ
ANTONIO ALMEIDA: "a fazer-se recontagem cada vez que se verifique a
incoincidência, serão muitíssimos os casos pelo Brasil afora" . Desse
modo, com vistas a tornar compatível o instrumento de proteção que é a
recontagem e a finalidade da norma, entendemos aplicável ao caso o mesmo
princípio previsto no parágrafo 1º do art. 166 do Código Eleitoral. Se da
divergência não for possível inferir a existência de fraude comprovada, não há
razões para recontar a urna.
A segunda hipótese de
recontagem é a mais flexível e a que mais dará margem para o subjetivismo dos
candidatos e partidos. Diz a lei que cabe recontagem toda vez que houver
discrepância entre os dados dos boletins e aqueles obtidos no momento da
apuração. Como entretanto fazer prova desse fato, se para tanto não se prestam
os rascunhos ou anotações (Lei nº 9.504/97, art. 87, § 5º)? A simples alegação
dos interessados não nos parece suficiente, pois sempre haverá quem pense não
terem sido registrados no boletim votos supostamente contados pela Junta.
Ora, a lei está aí para
assegurar aos candidatos, fiscais e delegados de partidos e coligações o
direito de fiscalizar a abertura da urna, a contagem das cédulas e o preenchimento
dos boletins (Lei nº 9.504/97, art. 87, caput). Nesse caso, os
protestos, as impugnações e as representações apresentadas logo no momento da
transposição dos dados para o boletim serão suficientes para resolver tais
questões. O que não se apresenta razoável é admitir pedido de recontagem que
não venha acompanhado de um indício mínimo de seriedade, como nos casos de
alegação de dificuldades opostas à fiscalização, rasuras nos boletins de urna
ou graves conturbações na apuração, tudo devidamente demonstrado.
A recontagem é assegurada
também se houver atribuição de votos a candidatos inexistentes. Sobre esse
assunto, JOSÉ ANTONIO ALMEIDA lembra com muita percuciência que "a
atribuição de votos a candidatos inexistentes, que, em princípio, só se fará
pela inclusão, na ata geral da eleição, de nomes nela não impressos (porquanto
os candidatos existentes devem constar dos boletins de urna, e, também, do
formulário em que se fará a ata geral do pleito), constitui evidente erro dos
encarregados da apuração, denotando que os votos assim computados o foram
subtraindo tais sufrágios de candidatos que realmente os receberam, ou então se
tratavam de votos nulos" .
Entretanto, não nos parece
obrigatória a recontagem nos casos de superveniente e definitiva cassação do
registro da candidatura ou declaração de inelegibilidade do candidato, que se
podem resolver, na eleição majoritária, com a retificação do mapa para
considerar nulos tais votos (CE, art. 175, § 3º), e, na eleição proporcional,
com o aproveitamento dos votos para a legenda (CE, art. 175, § 4º).
Se a Justiça Eleitoral agir com
cautela, o não-fechamento da contabilidade da urna será hipótese remota de
recontagem, considerando-se que o sistema de processamento eletrônico já
antecipa os meios de correção de eventuais erros . Após a digitação do boletim
na totalização eletrônica, deverá ser emitido um espelho para
conferência visual indispensável e obrigatória. Sendo averiguado erro material
evidente que resulte no não-fechamento da contabilidade, o que nos parece
impossibilitar a própria efetivação do processamento, a Junta Eleitoral
determinará o acerto no boletim, com a fiscalização dos partidos e do
Ministério Público. Somente se a irregularidade não resultar de erro material
evidente, o boletim será encaminhado para o Juiz Eleitoral, abrindo-se
oportunidade para a recontagem se houver o não-fechamento cuja correção não
seja possível ou outra irregularidade prevista no art. 88 da Lei nº 9.504/97.
Finalmente, sobre os totais
destoantes, é pertinente registrar as lições de JOSÉ ANTONIO ALMEIDA:
"E o que seriam
destoantes? Para responder a essa pergunta, segundo me parece, é indispensável
o auxílio da Estatística, a fim de se verificar quais os percentuais de votos
válidos (ou, a contrario sensu, de abstenção), de votos em branco e de
votos nulos, Seção por Seção, que pudessem expressar esses "totais
destoantes". Deverá o requerente da recontagem, pois, verificar
previamente os índices que, Seção por Seção, estivessem não só abaixo da
média geral de cada Zona Eleitoral, mas abaixo desta e de seu desvio padrão,
referência estatística que determina a variabilidade de um conjunto de dados.
Só assim é possível verificar,
em cada Zona Eleitoral (ou em cada Município, se for esse o universo
pesquisado), urnas cujos índices de votos válidos (ou de abstenção), de votos
em branco e de votos nulos são inferiores à média geral e, inclusive, ao seu desvio
padrão e que, por isso, representam sérios indícios da prática de fraude.
Casos há em que indícios estão em duplicidade, não sendo difícil verificar que,
em algumas Seções, há coincidência de dados espúrios (para usar o termo
utilizado em Estatística), ao apresentarem índices nulos ou mínimos de
abstenção, de votos em branco e de votos nulos; de votos em branco e nulos; de
votos em branco e abstenções; de votos nulos e abstenções"
Serão muitas as dificuldades
para estabelecer a partir de que ponto o resultado de uma seção estará
destoando da média geral. Na recontagem das eleições de 1994 no Maranhão, o
Tribunal Superior Eleitoral deferiu nova apuração aonde os votos em branco não
ultrapassaram 10% da votação .
Entretanto, o mesmo Tribunal
decidiu em data mais recente:
"Recurso especial.
Recontagem. Inexistência de votos brancos e nulos. Médias destoantes.
Não-ocorrência.
A inexistência de votos brancos
e nulos em determinadas Seções, por si só, não caracteriza média destoante
hábil a ensejar o procedimento de recontagem.
Recurso não conhecido" .
Caberá ao Juiz Eleitoral,
considerando as vicissitudes de sua Zona Eleitoral ou seu Município, verificar,
caso a caso, se é cabível a recontagem, sem necessariamente levar em conta os
parâmetros já definidos.
b) Prazo
O legislador de 1997 foi de
extrema infelicidade ao não fixar prazo para requerer a recontagem de votos.
Ante a lacuna legal, só há uma saída que permita a integração da norma (Art. 4º
da LICC): utilizar por analogia o que estabelece o Código Eleitoral sobre o
prazo para reclamar do resultado da totalização. Assim nas eleições municipais,
a recontagem pode ser requerida em até 3 (três) dias depois de totalizados os
resultados (CE, art. 180, I, c/c o art. 258); nas eleições federais e
estaduais, no prazo do art. 200, § 1º do Código Eleitoral, e nas eleições para
Presidente da República, no prazo do art. 208.
Nas hipóteses em que for
possível o pedido de recontagem antes da divulgação da totalização (Lei nº
9.504/97, art. 88, I), nada impede que seja assim formulado.
c) Preclusão
Outro ponto omisso na Lei nº
9.504/97 refere-se à necessidade de impugnação contra as irregularidades
argüidas como requisito para a apreciação da recontagem. A jurisprudência do
TSE há muito inclina-se no sentido de afastar a preclusão, pelo menos nas
hipóteses de fraude e erro material. A lei da eleições municipais de 1996 dizia
expressamente que a nova apuração poderia ser requerida independentemente de
prévia impugnação (Lei nº 9.100/95, art. 28, I).
Ora, as hipóteses de recontagem
previstas na Lei nº 9.504/97 e no parágrafo 8º do artigo 179 do Código
Eleitoral referem-se a fatos que somente podem ser verificados depois da
contagem dos votos e após a expedição dos boletins de urna. Nada há a impugnar
antes dessa etapa. A existência de totais destoantes, v.g., somente pode ser
detectada pelo confronto de todos os boletins, do que resulta obviamente
inviável a impugnação dos dados relativos a cada urna. O mesmo podemos afirmar
com relação aos erros e fraudes ocorridos no interior dos Órgãos da Justiça,
que por sua natureza inviabilizam qualquer atividade de fiscalização garantida
aos candidatos, partidos e Ministério Público.
Desse modo, somos da opinião de
que, regra geral, para o deferimento da recontagem não é de se exigir prévia
impugnação do resultado da votação da Seção. A assertiva é válida mesmo naquela
hipótese mais flexível de recontagem, que é a existência de discrepância entre
os dados dos boletins e aqueles obtidos no momento da apuração (Lei nº
9.504/97, art. 88, I, in fine). Nesse caso, os protestos, as impugnações
e as representações apresentadas logo após a expedição do boletim poderão
servir como um indicativo da seriedade do pedido, mas nem sempre serão
requisito para a apreciação do requerimento de nova apuração.
Entretanto, o exame do que
estabelece o art. 87, caput e parágrafo 1º, da Lei nº 9.504/97 leva à
conclusão de que há uma exceção à regra da não exigência de prévia impugnação.
O referido dispositivo preceitua que não sendo garantida pela Junta o direito
dos fiscais de observar, à distância não superior a um metro da mesa, a
abertura da urna, a abertura e a contagem das cédulas e o preenchimento do
boletim, o resultado da apuração pode ser impugnado até a divulgação do
boletim. Não parece lógico inferir do preceito que o objeto da impugnação seja
a anulação da votação da urna, pelo menos quando se tratar de dificuldade
opostas à fiscalização na contagem das cédulas e no preenchimento do boletins.
Nesses casos, a suspeita recai
sobre a harmonia entre o resultado efetivo da votação e o que divulgado como
resultado da apuração, ou entre o que efetivamente apurado e o que lançado no
boletim de urna. A fraude supostamente facilitada pelo funcionamento defeituoso
da fiscalização reside, portanto, na discrepância entre o resultado do boletim
e os dados obtidos no momento da apuração, que é, afinal, uma das hipóteses de
recontagem.
Destarte, a análise conjunta do
que dispõem o art. 87, caput, e parágrafo 1º, e o art. 88, I, in fine,
da lei nº 9.504/97 permite-nos afirmar que é necessária prévia impugnação aos pedidos
de recontagem fundamentos na divergência entre o resultado do boletim e os
dados obtidos no momento da apuração, em razão de dificuldades colocadas ao bom
funcionamento da atividade fiscalizatória dos partidos, candidatos e Ministério
Público.
Ainda quanto ao tema, há
inúmeros precedentes em que o Tribunal Superior Eleitoral entendeu por afastar
a preclusão nos pedidos de recontagem. Podem ser citados, a título de exemplo,
os seguintes:
"FRAUDE ELEITORAL – Fraude
consistente no aproveitamento de votos ‘em branco’ para determinados
candidatos, posterior, portanto, ao ato de apuração, e comprovada por meio de
diligências determinadas pelo TRE.
A conseqüente revisão da
apuração, com a alteração da posição dos candidatos não pode ser impedida sob a
argüição de preclusão, que não alcança apuração viciada de fraude."
"Eleitoral. Boletim de
Apuração. Fraude. Recontagem de votos. Cod. Eleitoral, art. 169.
I – Fraude ocorrida na
confecção do Boletim de Apuração e não no momento da apuração dos votos.
Inaplicabilidade, no caso, de preclusão decorrente da falta de impugnação
referida no art. 169 do Código Eleitoral.
II – Recurso especial conhecido
e provido."
"Agravo de instrumento.
Candidato a Deputado Estadual. Alegação de erro material no lançamento dos votos
no boletim eleitoral. Recontagem.
É pacífica a jurisprudência do
TSE no sentido de se afastar a preclusão em caso de erro ou fraude na ocasião
do lançamento dos votos no boletim eleitoral, mesmo ausente impugnação no
momento da apuração (precedente: Acórdão nº 7.892/84).
Agravo provido. Recurso
especial conhecido, à vista de específica divergência pretoriana, e provido,
para afastar a preclusão e determinar a recontagem dos votos."
"Recurso especial. Pleito
de 15.11.88. Candidato a vereador. Alegada existência de preclusão na
recontagem de votos. Suposto erro de cálculo dos quocientes eleitorais e
partidário.
É pacífica a jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral no sentido de se afastar a preclusão em caso de
erro ou fraude na ocasião do lançamento dos votos no boletim eleitoral, mesmo
ausente impugnação no momento da apuração (precedente: acórdão 12.016 –
MT)."
Decidiu também o TSE que a
existência de rasuras nos boletins de urna, com indícios de adulteração, pode
autorizar a recontagem , o que recomenda o máximo de cuidado na transposição
dos dados, cujos erros devem ser corrigidos preenchendo-se, à vista da
fiscalização, outro boletim.
Nada impede, por outro lado,
que a verificação do erro ou fraude seja procedida de ofício pela Justiça
Eleitoral, para fins de retificação do boletim, havendo, nesse sentido, decisão
do Tribunal Superior Eleitoral , embora pareça que a recontagem ex-officio
ainda seja legalmente vedada (CE, parágrafo único do art. 181).
d) Regime da recontagem
Um ponto que hoje é pacífico, e
que poderia estar previsto na norma, refere-se ao regime da recontagem.
Diga-se, a propósito que nem o Código Eleitoral nem as leis das eleições
editadas a partir de 1991 disciplinaram o assunto.
Em alguns Tribunais Regionais
Eleitorais chegou-se a entender que na nova contagem não cabe juízo de valor
sobre a validade dos votos. O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas decidiu em
certa ocasião:
"Recurso. Recontagem de
votos. No processo de recontagem de votos não se reabre oportunidade para
suscitar questões relativas às cédulas, alcançadas que foram pela preclusão.
Ademais, a reabertura de tais questões na recontagem ensejaria a possibilidade
de ser afrontada a coisa julgada, consagrada no texto constitucional."
Não obstante, o Tribunal
Superior Eleitoral é firme na orientação de que a recontagem segue o mesmo
regime da primeira apuração, reabrindo-se a oportunidade para impugnações,
recursos e demais incidentes. Com efeito, ao apreciar o Recuso nº 11.381,
relatado pelo Ministro José CÂNDIDO, assim decidiu o e. TSE:
"RECURSO ESPECIAL.
RECONTAGEM DE VOTOS. CRITÉRIOS. Conquanto o Código Eleitoral não discipline o
processo de recontagem de votos, a este deve-se aplicar a mesma disciplina
legal reguladora da contagem, cabendo, nesta fase, também, o exame de aspectos
relativos à nulidade e à validade dos sufrágios, sendo possível, portanto a
emissão de Juízo de valor."
Do voto do relator, que
transcreve trecho do parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, pode-se destacar
a seguinte passagem:
"Ressalte-se, por fim, que
a mesma disciplina legal reguladora da contagem dos votos deve ser aquela
aplicada à recontagem, uma vez que a recontagem nada mais é que uma nova
contagem, a repetição de uma contagem anteriormente feita. Nada pode,
ontologicamente, ser a recontagem uma figura com sentido diverso da contagem,
pois nada mais é que uma nova contagem. Recontar é tornar a contar. Logo, os
regramentos e as fórmulas utilizadas para recontagem devem ser as mesmas
aplicadas à contagem."
Desse modo, todos os incidentes
relativos à primeira apuração cedem espaço à recontagem. Ficam sem efeito as
decisões das Juntas sobre a impugnação de votos e os recursos parciais
apreciados pelas Cortes Eleitorais, mesmo aqueles com decisão da qual não mais
caiba recurso.
Como a coexistência entre os
recursos parciais pendentes e os recursos verificados na nova contagem é
hipótese bastante plausível, uma das conseqüências mais evidentes do
deferimento do pedido de recontagem deve ser o sobrestamento dos recursos
interpostos na primeira apuração, podendo aqui ser aplicado subsidiariamente o
que estabelece o artigo 265, IV, "a", do Código de Processo Civil.
Caso a nova contagem venha a se consolidar, cabe a extinção do processo sem apreciação
de mérito, por perda de objeto e falta de interesse de agir.
Evidente que para poupar as
Cortes Eleitorais da prática de atos processuais inúteis, com dispêndio de
tempo, o Juiz Eleitoral deve participar o deferimento do pedido de recontagem,
após certificar-se da existência de recursos parciais relativos aos votos de
Seção a ser novamente apurada.
e) Competência
A propósito, bem andou o
legislador quando dispôs ser do Juiz Presidente da Junta Eleitoral a
competência para apreciar o pedido de recontagem. Nas eleições de 1994 a
competência pertencia ao Tribunal Regional, no caso de boletins de urna não
coincidentes, não fechamento da contabilidade da urna e totais destoantes; o
Juiz Eleitoral atuava somente nas hipóteses de resultado incoincidente entre o
boletim de urna e o números de votantes e discrepância com os dados obtidos no
momento da apuração (Lei nº 8.713/93, arts 27 e 87). Nas eleições municipais de
1996 a competência passou a ser da Junta Eleitoral, com todas as dificuldades
daí advindas no exame de intrincadas questões por leigos (Lei nº 9.100/95, art.
28).
A Lei nº 9.504/97, que
estabelece normas para todas as eleições, fixou os casos de recontagem,
afastando, com relação aos mesmos, qualquer possibilidade de aplicação
analógica do Código Eleitoral, para fins de determinação de competência.
Destarte, é o Juiz Presidente da Junta quem aprecia os pedidos de recontagem
nas eleições presidenciais, estaduais e municipais, nos casos fixados na
referida lei.
Conforme já dissemos, a exceção
à regra está contida nos parágrafos 5º a 8º do artigo 179 da Lei nº 4.737/65,
que contempla a possibilidade de apresentação de boletins de urna
incoincidentes. Nesse caso, o pedido de recontagem é apreciado diretamente pelo
Tribunal, nas eleições estaduais e federais. Nas eleições presidenciais,
havendo a aludida incoincidência, a competência para determinar a recontagem
pertence ao Tribunal Superior Eleitoral (CE, arts. 208 e 209). Nas eleições
municipais, cabe a decisão ao Juiz Presidente da Junta Apuradora (CE, art. 180
c/c o art. 88 da Lei nº 9.504/97).
f) Legitimidade
Outro ponto silente na lei diz
respeito à legitimidade para requerer a recontagem. Ultimamente os Tribunais
têm firmado orientação restritiva, autorizando-a apenas quando requerida pelas
coligações e partidos políticos. O Tribunal Regional Eleitoral de Santa
Catarina, v.g., não admite a legitimidade dos candidatos , havendo, nesse
sentido, precedente do TSE . Entendeu também a mais alta Corte Eleitoral que
formada a Coligação, é dela a legitimidade para pedir recontagem, não do
partido que a compõe .
É provável que essa restrição
da legitimidade tenha surgido em razão de a legislação anterior mencionar
apenas as agremiações partidárias nos dispositivos aplicáveis à recontagem.
Nesse caso, quero crer que o silêncio da Lei nº 9.504/97 pode inspirar
integração normativa que conduza à tendência jurisprudencial diversa. Afinal,
se os candidatos podem impugnar registro de candidatura (LC nº 65/90, art. 5º);
propor ação de investigação judicial eleitoral (LC nº 64/90, art. 22, caput);
impugnar e recorrer na fase de apuração apuração (CE, art. 169); interpor
recurso contra a diplomação (CE, art. 262) e propor ação de impugnação de
mandato eletivo (CF, art. 14, § 10), não há razões para que não possam requerer
recontagem de votos. Válida, nesse aspecto, é a lição do Ministro Sepúlveda
Pertence, para quem é cabível a intervenção de qualquer interessado em tais
procedimentos .
Mesmo que venha a prevalecer na
jurisprudência a orientação restritiva, parece que a legitimidade do Ministério
Público Eleitoral é indiscutível, ante o que prevê o art. 127 da Constituição
da República. Ora, a recontagem visa a corrigir falhas e eliminar fraudes que
desfiguram a vontade popular. O interesse a ser preservado não é só o do
candidato ou partido em ver fielmente registrado o voto, mas de toda a
sociedade, que anseia por ter resguardada a legitimidade de sua representação.
O interesse é difuso e indisponível, não só autoriza mas recomenda a atuação
dos Ministério Público. Além disso, há muito está superada no Tribunal Superior
Eleitoral a jurisprudência que limitava a atuação do parquet na fase de
apuração. Atualmente, a mais alta Corte Eleitoral reconhece-lhe a ampla
legitimidade no processo eleitoral.
O Recurso nº 12.454, relatado
pelo Ministro Torquato Jardim, revela um caso interessante, em que o Tribunal
Regional Eleitoral do Amazonas, invocando a ilegitimidade do Ministério
Público, negou seguimento a recurso especial interposto contra decisão que,
desacolhendo recomendação da Comissão Apuradora, indeferiu recontagem de votos
nas eleições de 1994. O Ministério Público interpôs agravo de instrumento que
foi conhecido e provido, em decisão assim ementada:
"Agravo de instrumento.
Decisão que negou seguimento a recurso especial interposto pelo Ministério
Público Eleitoral sob fundamento de ausência de legitimidade. Entendimento que
se encontra superado. Essa corte admite ampla legitimidade ao Ministério
Público para recorrer no processo eleitoral. Precedentes. Agravo provido."
No mesmo sentido pode-se citar
o Acórdão nº 11.485, relator Ministro Diniz de Andrade:
"Agravo de instrumento.
Provimento. Recontagem de votos. Recurso do Ministério Público contra ato da
Junta Apuradora. Existência de legitimidade. Afronta ao art. 127 da
Constituição. Recurso conhecido e provido."
g) Capacidade postulatória
Sendo a recontagem um
procedimento essencialmente administrativo, parece indiscutível a capacidade
postulatória dos delegados de partido ou coligação para requerê-la. Assim,
entendemos não ser exigível a representação processual através de advogado
perante o Juiz Eleitoral e sequer no Tribunal Regional, na apreciação do
recurso.
Nesse sentido, pode-se citar os
seguintes precedente do Tribunal Superior Eleitoral, que podem ser aplicados
aos requerimentos de recontagem:
"ADVOGADO. CAUSAS
ELEITORAIS.
Não é obrigatória a
representação através de advogado nas causas eleitorais, por ser pacífico na
Justiça Eleitoral o entendimento de que os candidatos e partidos políticos,
além da legitimação para agir, possuem capacidade postulatória assegurada pela
legislação eleitoral."
"DOMICÍLIO ELEITORAL -
TRANSFERÊNCIA - REQUERIMENTO - NATUREZA DO PROCESSO.
O pedido de transferência do
domicílio eleitoral ocorre no âmbito de processo que possui contornos
administrativos, descabendo, assim, exigir a representação processual quer no
Juízo, quer no Tribunal que venha a apreciar o recurso contra a decisão
negativa."
"DELEGADO DE PARTIDO OU
COLIGAÇÃO - CAPACIDADE POSTULATÓRIA PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL.
Nos termos de iterativa
jurisprudência do TSE, o delegado de partido ou coligação tem capacidade
postulatória perante a Justiça Eleitoral."
Entretanto, eventual recurso
especial para o Tribunal Superior Eleitoral não prescinde de representação de
advogado.
h) Impossibilidade material
Não é difícil ocorrer que a
recontagem torne-se inviável, em razão do extravio ou violação da urna. Os
inúmeros casos registrados na Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral,
muitos dos quais surgidos a partir de processos oriundos do nosso Estado, estão
a recomendar aos Juízes Eleitorais cuidado redobrado no recolhimento dos votos,
material de votação e guarda das urnas, após a apuração. Deve-se lembrar que a
fragilidade do processo tradicional de votação e apuração é também a
fragilidade da recontagem que, afinal de contas, é sempre produto do acerto ou
da falibilidade humanos.
Em todo caso, vindo a ocorrer
alteração do estado de fato da urna, é pacífica no TSE a orientação de anular a
votação das Seções não recontadas por impossibilidade material. Ora, se o que
justifica a recontagem é a existência de um estado de dúvida quanto ao que foi
lançado no boletim de apuração, seja em razão de erro ou fraude, a
impossibilidade de confirmar ou retificar esses dados deve conduzir à
invalidação dos votos, que é a única forma de excluir o resultado suspeito. Não
pode haver meio termo, mesmo em nome dos terceiros prejudicados de boa-fé, pois
o preço de confirmar um resultado possivelmente fraudado é para a Justiça
Eleitoral muito mais alto.
A título de ilustração, podemos
citar o seguinte julgado:
"recontagem de votos.
INCOINCIDÊNCIA DOS BOLETINS DE APURAÇÃO. MAPISMO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS.
TRE/PA. PLEITO DE 3.10.90.
Alegada violação de urnas,
torna-se impossível a convalidação dos boletins de apuração coincidentes, não
restando outra alternativa à Justiça Eleitoral senão anular a votação nas
Seções não recontadas por impossibilidade material."
i) Alteração do resultado do
pleito com a recontagem
Outro aspecto digno de
registro, embora relacionado mais aos efeitos que ao procedimento da
recontagem, diz respeito à alteração do resultado do pleito. Realizada a nova
apuração, com modificação do resultado das eleições, prevalece de logo o que
consignado na nova totalização, tornando-se sem efeito os diplomas
anteriormente expedidos, ou deve-se aguardar o julgamento de todos os recursos
da recontagem?
Entendemos que pode haver uma
solução intermediária entre esperar o julgamento de todos os recursos parciais
pelo TSE e executar imediatamente o que resultar da recontagem.
Com efeito, estabelecida a
premissa de que a recontagem segue o mesmo regime da apuração, parece ser
indiscutível que devem ser-lhe aplicadas as mesmas regras que informam a
apreciação e os efeitos dos recursos parciais da contagem dos votos. A primeira
delas consigna que no caso de provimento, após a diplomação, de recurso
parcial, será também revista a apuração anterior para confirmação ou
invalidação dos diplomas (CE, parágrafo único do art. 217). Assim, apreciada a
matéria na instância ordinária e comunicada à autoridade competente o
julgamento dos recursos parciais interpostos na recontagem (CE, art. 261, §
3º), não vemos razão para não tornar imediatamente efetivo o resultado obtido,
considerando que o recurso especial eventualmente cabível não terá efeito
suspensivo (CE, art. 257),
Não nos parece aplicável o art.
216 do Código Eleitoral, de modo a condicionar a efetivação do que resultar da
recontagem ao julgamento pelo TSE de todos os recursos tomados na nova
apuração, vez que não se trata no caso de recurso contra a diplomação, mas de
recurso parcial da apuração.
A propósito, em data recente,
quando da recontagem das eleições de 1994 para deputado federal, o Tribunal Regional
Eleitoral do Maranhão e o Tribunal Superior Eleitoral parecem ter sinalizado
nessa direção. Após o julgamento pelo Tribunal Regional de todos os recursos da
nova apuração, e antes mesmo do julgamento dos recursos especiais interpostos,
a Comissão Apuradora apresentou relatório que resultou na alteração da
titularidade de uma das vagas. O TRE então invalidou o diploma antes expedido a
um dos candidatos, que aliás encontrava-se no exercício do mandato, diplomando
o outro em seu lugar, assumindo este último a vaga.
O assunto chegou ao Tribunal
Superior Eleitoral que, por maioria de votos, apreciando agravo regimental em
medida cautelar, manteve os efeitos da decisão do Tribunal Regional, em decisão
assim ementada:
"Agravo regimental. Medida
Cautelar.
Interpretação do art. 216 do
Código Eleitoral.
A diplomação a ser protegida é
a resultante da recontagem procedida por determinação do TSE.
Votos vencidos.
Desprovimento."
De todo modo, como já dissemos,
é dominante no Tribunal Superior Eleitoral o entendimento de que a primeira
diplomação deve ser mantida até o julgamento de todos os recursos da
recontagem.
As ponderações do Ministro
Torquato Jardim, no julgamento do Mandado de Segurança nº 2.150, resumem o
sentido dessa interpretação:
"... deve a Justiça
Eleitoral evitar o chamado ‘ping pong’ nas comunas, ou seja, um candidato
eleito e diplomado é empossado; em razão de um pedido de recontagem, ou por
outra medida judicial qualquer, é cassado esse diploma e diplomado e empossado
um terceiro que, eventualmente, ao final da demanda, perderá o título em favor
do primeiro".
O acórdão do supracitado caso
restou assim ementado:
"Eleitoral. Processual.
Recontagem de votos. Resultado do pleito: Alteração. Mandado de segurança:
Restauração de liminar. Diplomação: Manutenção. Código Eleitoral art. 216.
- Em pedido de recontagem de
votos, que altera o resultado da eleição, mantém-se a primeira diplomação até
decisão final do Tribunal Superior Eleitoral.
- Agravo regimental conhecido e
provido."
Podem ser citados, ainda, os
seguintes julgados:
"Eleições de 1994. Recurso
contra a diplomação. Recontagem de votos. Pendência de recurso parcial.
Condição resolutiva. Interesse processual. Ausência.
- Descabe a pretensão de
fulminar a diplomação de candidatos eleitora quando o resultado final das
eleições encontra-se pendente de recurso parcial contra a apuração de votos.
- Recurso não conhecido."
"Recontagem. Efeito.
Diplomação. Enquanto pendente de julgamento recurso relativo a recontagem,
descabe considerar fulminada a diplomação. O disposto no art. 216 do Código
Eleitoral sugere, a fortiori, idêntica solução considerada aquela
emprestada ao recurso à diplomação."
III - Conclusão
Podemos concluir, finalmente,
que a possibilidade de fraude no próprio procedimento de recontagem está a
exigir da Justiça Eleitoral extremo cuidado na guarda e armazenamento das
urnas, como aliás preceitua o art. 183 do Código Eleitoral. Afinal, a
jurisprudência historia inúmeros casos em que, fechada a urna após a apuração,
esta vem a ser reaberta, antes do cumprimento de recontagem, com o propósito de
alterar fraudulentamente o resultado do pleito; ou seja, a recontagem nesses
casos não é a garantia de eliminação da fraude, mas o seu instrumento de
materialização. Não é descartável, portanto, a hipótese em que a própria
recontagem de votos seja fraudada, recomendando à Justiça Eleitoral, também,
cautela na seleção dos componentes da Junta e dos escrutinadores. Em suma, os
defeitos inerentes ao procedimento de apuração são os mesmos que podem ocorrer
na recontagem.
Não é demais lembrar que a Lei
nº 9.504/97 parece restringir o cabimento da nova apuração, devendo ser essa a
tônica no exame dos pedidos formulados perante dos Juízes Eleitorais. A
recontagem não se presta para ser o veículo de insatisfações e queixumes, nem
serve como remédio para esclarecer suspeitas infundadas e apaziguar delírios
persecutórios de quem não logrou êxito no pleito.
Após essas reflexões, podemos
finalizar lembrando a máxima de : "Por vezes, sob o doce mel escondem-se
venenos terríveis"
São Luís, 22 de junho de 1998.
Retirado de: http://www.tre-ma.gov.br