® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br

 

Recontagem na Lei nº 9.504/97

 

 

 Sergei Medeiros Araujo

 

 

I - Introdução

O processo eleitoral caracteriza-se por ser uma atividade marcadamente administrativa que se desenvolve numa sucessão de atos com etapas bem definidas no plano temporal. Do alistamento dos eleitores até a proclamação do resultado, passando pelas fases de registro de candidatos, votação e apuração, há todo um iter a percorrer, no qual não deve haver espaço para retardamentos e dilações.

Cabe ao Judiciário e aos demais partícipes do processo eleitoral velar não só pelo efetivo cumprimento de suas etapas, mas também pela legalidade e legitimidade tantas vezes conspurcada.

E é em nome desses atributos que o Direito Eleitoral contempla rupturas na seqüência de suas atividades. São as crises do processo eleitoral, em que o timing único cede espaço para que, em procedimentos agora não mais somente administrativo-judiciais (administrativo judicialiforme), mas por vezes também jurisdicionais, sejam desenvolvidas diligências voltadas ao restabelecimento da legalidade das eleições, empreendimento cujo sucesso, deve-se reconhecer, nem sempre é garantido.

Podemos citar como indicadores dessas crises as revisões eleitorais, em relação ao alistamento; as impugnações de registro, com vistas a expungir do processo candidatos inelegíveis; a investigação judicial eleitoral, voltada à preservação da normalidade das eleições; a ação de impugnação de mandato eletivo e o recurso contra a diplomação, que elastecem a resolução do processo eleitoral em sua fase posterior à diplomação.

A recontagem de votos é um desses instrumentos jurídicos voltados para a defesa da legalidade e legitimidade das eleições. Seu objetivo é corrigir falhas administrativas no preenchimento dos boletins de urna e mapas totalizadores, bem como eliminar fraudes ocorridas na fase da apuração que por sua especificidade não puderam ser objeto de imediata impugnação perante a Junta Eleitoral (CE, art. 169).

A recontagem deve ser vista, portanto, como um procedimento excepcional que em regra não deve ser estimulado, senão nos casos de reconhecido erro material dos Órgãos da Justiça Eleitoral e veementes indícios de fraudes no preenchimento dos boletins, nos limites das hipóteses de cabimento estabelecidas na lei, sob pena de transformar-se um instrumento de garantia e defesa da legalidade das eleições num veículo de insegurança e perpetuação de litígios.

É a partir dessa premissa que nos dispomos a analisar a recontagem no sistema de votação tradicional, sob a ótica da Lei nº 9.504/97. Não é nosso propósito discorrer de modo aprofundado sobre o assunto, mas somente analisar o tratamento empregado pela nova lei e pela jurisprudência, gizando o que ao nosso sentir significou avanço, retrocesso e omissão.

II - Aspectos essenciais da recontagem

A Lei nº 9.504/97 assim disciplina a recontagem:

Art. 88 - O Juiz Presidente da Junta Eleitoral é obrigado a recontar a urna, quando:

I - o boletim apresentar resultado não-coincidente com o número de votantes ou discrepante dos dados obtidos no momento da apuração;

II - ficar evidenciado a atribuição de votos a candidatos inexistentes, o não-fechamento da contabilidade da urna ou a apresentação de totais de votos nulos, brancos ou válidos destoantes da média geral das demais seções do mesmo Município, Zona Eleitoral.

O eminente advogado maranhense JOSÉ ANTÔNIO ALMEIDA, que é um profundo conhecedor da matéria, afirmou em seus Comentários à Lei nº 9.504/97 que a norma é "confusa, incompleta e poderá causar sérios problemas na sua aplicação".

Sem dúvida, o procedimento ora analisado ainda está a merecer um tratamento menos lacônico, que venha a sedimentar e complementar, no plano legislativo, toda uma orientação jurisprudencial que se formou ao longo dos anos. Afinal, não raro há casos em que a nova contagem exige um esforço da Justiça Eleitoral equivalente aos atos de preparação e apuração das eleições, como na recontagem do pleito para Deputado Federal no Maranhão, quando o TSE determinou nova apuração em aproximadamente trinta por cento das Seções do Estado .

a) Hipóteses de cabimento

Apesar de todas as críticas admissíveis à concisão da Lei nº 9.504/97 no trato da recontagem, é inquestionável o mérito do legislador de 1997 ao restringir suas hipóteses de cabimento. Evitou-se, assim, a falta de técnica da Lei nº 9.100/95 , cujos incisos I e IV do artigo 28 abriram ensanchas para os mais diversos tipos de requerimentos infundados, muitos dos quais relacionados a incidentes anteriores à apuração ou que na própria contagem poderiam ter sido objeto de impugnação e recurso.

O Tribunais Regionais Eleitorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina registraram, nas eleições municipais de 1996, vários casos que retratam o quanto se tentou desvirtuar o instituto da recontagem, transformando-o em panacéia para as insatisfações de candidatos derrotados. Foram rejeitados pedidos fundamentados em erro de fato ou direito nos critérios utilizados para a contagem dos votos; suposto exercício do direito de voto por eleitor falecido (ou por outrém em seu lugar) ; simples alegação, sem maiores fundamentos, de que os candidatos não obtiveram os votos previstos ; pequena diferença de votos entre os candidatos ; mera manifestação do eleitor ; ou, ainda, requerimentos eivados de subjetividade .

No Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, sempre defendemos a tese de que questões relacionadas a nulidade de votos, sob quaisquer fundamentos, devem ser discutidas no momento da apuração, não ensejando recontagem. Assim, a falta de assinatura dos mesários nas cédulas, aposição do voto fora do lugar indicado ou no verso da cédula e o erro na interpretação da intenção do eleitor são incidentes que devem ser levantados na apuração, através de impugnação e recurso, não podendo fundamentar pedido de nova contagem. Passada a fase oportuna, não mais podem ser suscitados, por força da preclusão (CE, art. 174, § 4º).

Interpretando a Lei nº 8.214/91 , em vista de alegação de supostos vícios detectáveis na fase de apuração, o Tribunal Superior Eleitoral definiu com muita propriedade as hipóteses de recontagem, delas excluindo os vícios relativos às cédulas. Do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, pode-se destacar a seguinte passagem:

" ... na hipótese do § 1º, não há falar em preclusão. Deu-se à manifestação da maioria dos partidos uma presunção absoluta da conveniência da recontagem; no § 2º, as próprias hipóteses afastam a preclusão, porque são fatos só verificáveis em função do relatório final, à luz do quadro numérico da apuração.

Resta o § 3º, que remete à legislação eleitoral. E, aí, porque se trata de norma de remissão à legislação eleitoral permanente, não enquadrável o pedido de recontagem nas duas hipóteses específicas dos parágrafos anteriores, recebe-se o Código Eleitoral integralmente, incluindo o princípio da preclusão, quando aplicável. Certo, e também da jurisprudência correntia do Tribunal, que há hipóteses em que não há de se exigir a impugnação perante a Junta Apuradora ou perante a Mesa Apuradora, simplesmente porque ela seria impossível. Caso exemplar dessas hipóteses é o do mapismo, revelado pela não-coincidência entre o quadro geral da apuração e os boletins de urna.

Por isso, pedi ao eminente Ministro Torquato Jardim que me propiciasse a vista dos autos e, por eles, vejo logo que o caso, ao contrário, é exemplar das hipóteses em que é de aplicar-se a exigência da preclusão" .

O Ministro distinguiu muito bem as hipóteses de recontagem dos casos das nulidade que somente podem ser questionados na apuração afirmando, ipsis verbis:

"São vícios em relação aos quais, ou se continua, de acordo com a jurisprudência longamente sedimentada, a exigir-se a impugnação no momento da leitura e da decisão sobre cada cédula ou voltaremos aos tempos das batalhas judiciais infindáveis, porque sempre se poderá alegar, fechada uma urna computada, que na apuração dela se teria deixado de computar votos validamente enunciados ou vice-versa."

O Tribunal Superior Eleitoral entendeu, além disso, que simples atraso na expedição dos boletins de apuração não enseja a recontagem .

De tudo que foi dito, parece claro que o caráter restritivo da Lei nº 9.504/97 em muito poderá inibir pedidos de recontagem infundados ou fundamentados na simples alegação do interessado. Nesse ponto, a nova lei aproxima-se bastante do que dispunha a Lei nº 8.713/93 , sendo silente tão só no caso de apresentação à Justiça Eleitoral de boletins de urna incoincidentes.

A propósito, esta parece ser a única hipótese de recontagem não prevista na Lei nº 9.504/97 ainda admissível, em vista do que estabelecem os parágrafos 5º a 8º do artigo 179 da Lei nº 4.737/65. Como se verá oportunamente, é também o único caso em que o pedido de recontagem não é deferido originariamente pelo Juiz Presidente da Junta.

Desse modo, havendo incoincidência entre o resultado consignado no boletim de urna e no mapa totalizador, inclusive o informatizado, os interessados poderão suscitar a questão junto ao Tribunal Regional, nas eleições estaduais e federais, no prazo do art. 200 do CE, ou até mesmo antes, se durante os trabalhos da Comissão Apuradora tiverem conhecimento da incoincidência de qualquer resultado. Apresentado o boletim, os demais partidos terão vista pelo prazo de 2 (dois) dias, os quais somente poderão contestar o erro indicado com a apresentação de boletim da mesma urna, revestido das mesmas formalidades. Nessa hipótese, se o boletim apresentado na contestação consignar outro resultado, coincidente ou não com o que figurar no mapa, a urna será requisitada e recontada pelo próprio Tribunal Regional, em sessão.

Mas se dessa alegação não resultar a apresentação de dois boletins incoincidentes, ou seja, se a discrepância resumir-se aos dados de um boletim e aos da totalização (mapa), é o caso de recontagem? Ora, não havendo dúvidas quanto à idoneidade e autenticidade desse boletim, não vemos razão para nova apuração da Seção. O que justifica a recontagem é a suspeita ou comprovação de erro ou fraude na transposição do resultado da apuração para o boletim. Incúria ou desonestidade na passagem dos dados do boletim para os mapas de totalização, inclusive naqueles informatizados, devem ser resolvidos pela retificação do que lançado, em vista do resultado contido em boletim que esteja em ordem. Agora, se forem dois os boletins apresentados, não há como verificar qual deles contém o resultado legítimo senão recontando a urna.

Entretanto, esse não parece ser o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que em alguns casos decidiu que a discrepância entre a totalização e o boletim de urna enseja a recontagem .

Dentre as hipóteses de recontagem estabelecidas na Lei nº 9.504/97 a primeira refere-se à contradição entre o resultado do boletim, que é o produto da soma de todas as colunas e linhas onde registrados os votos, e o número de votantes, que nada mais é que o comparecimento registrado no próprio boletim e na ata da votação. A lei, nesse ponto, cria mais problemas que soluções, posto reverterem tais divergências, na maioria das vezes, de erros que em nada repercutem no resultado final da apuração da Seção.

Senão vejamos. Após a abertura da urna, a Junta observará se o número de cédulas corresponde ao número de votantes. Verificando que a incoincidência resulta de fraude comprovada, anulará a votação. Caso contrário, procederá à apuração, sempre que necessário conferindo na folha de votação o número de assinaturas (comparecimento) para confrontá-lo com o registrado na ata (CE, art. 166). Feito isso o resultado será transcrito para o boletim.

Parece evidente que o boletim de urna irá refletir as mesmas contradições verificadas na apuração entre os números de cédulas e votantes registrados na ata ou verificados com a contagem da folha de votação. Assim, não é difícil ocorrer que a mesa receptora de votos registre na ata um número de votantes, a junta apuradora constate, pela contagem das assinaturas na folha de votação outro universo de comparecimeto, que poderá coincidir ou não com o número de cédulas encontradas na urna. Disso poderá dimanar discrepância entre os dados de comparecimento e o resultado do próprio boletim, ou entre o boletim e a ata, o que nem sempre resultará de fraude.

Conforme bem lembrou JOSÉ ANTONIO ALMEIDA: "a fazer-se recontagem cada vez que se verifique a incoincidência, serão muitíssimos os casos pelo Brasil afora" . Desse modo, com vistas a tornar compatível o instrumento de proteção que é a recontagem e a finalidade da norma, entendemos aplicável ao caso o mesmo princípio previsto no parágrafo 1º do art. 166 do Código Eleitoral. Se da divergência não for possível inferir a existência de fraude comprovada, não há razões para recontar a urna.

A segunda hipótese de recontagem é a mais flexível e a que mais dará margem para o subjetivismo dos candidatos e partidos. Diz a lei que cabe recontagem toda vez que houver discrepância entre os dados dos boletins e aqueles obtidos no momento da apuração. Como entretanto fazer prova desse fato, se para tanto não se prestam os rascunhos ou anotações (Lei nº 9.504/97, art. 87, § 5º)? A simples alegação dos interessados não nos parece suficiente, pois sempre haverá quem pense não terem sido registrados no boletim votos supostamente contados pela Junta.

Ora, a lei está aí para assegurar aos candidatos, fiscais e delegados de partidos e coligações o direito de fiscalizar a abertura da urna, a contagem das cédulas e o preenchimento dos boletins (Lei nº 9.504/97, art. 87, caput). Nesse caso, os protestos, as impugnações e as representações apresentadas logo no momento da transposição dos dados para o boletim serão suficientes para resolver tais questões. O que não se apresenta razoável é admitir pedido de recontagem que não venha acompanhado de um indício mínimo de seriedade, como nos casos de alegação de dificuldades opostas à fiscalização, rasuras nos boletins de urna ou graves conturbações na apuração, tudo devidamente demonstrado.

A recontagem é assegurada também se houver atribuição de votos a candidatos inexistentes. Sobre esse assunto, JOSÉ ANTONIO ALMEIDA lembra com muita percuciência que "a atribuição de votos a candidatos inexistentes, que, em princípio, só se fará pela inclusão, na ata geral da eleição, de nomes nela não impressos (porquanto os candidatos existentes devem constar dos boletins de urna, e, também, do formulário em que se fará a ata geral do pleito), constitui evidente erro dos encarregados da apuração, denotando que os votos assim computados o foram subtraindo tais sufrágios de candidatos que realmente os receberam, ou então se tratavam de votos nulos" .

Entretanto, não nos parece obrigatória a recontagem nos casos de superveniente e definitiva cassação do registro da candidatura ou declaração de inelegibilidade do candidato, que se podem resolver, na eleição majoritária, com a retificação do mapa para considerar nulos tais votos (CE, art. 175, § 3º), e, na eleição proporcional, com o aproveitamento dos votos para a legenda (CE, art. 175, § 4º).

Se a Justiça Eleitoral agir com cautela, o não-fechamento da contabilidade da urna será hipótese remota de recontagem, considerando-se que o sistema de processamento eletrônico já antecipa os meios de correção de eventuais erros . Após a digitação do boletim na totalização eletrônica, deverá ser emitido um espelho para conferência visual indispensável e obrigatória. Sendo averiguado erro material evidente que resulte no não-fechamento da contabilidade, o que nos parece impossibilitar a própria efetivação do processamento, a Junta Eleitoral determinará o acerto no boletim, com a fiscalização dos partidos e do Ministério Público. Somente se a irregularidade não resultar de erro material evidente, o boletim será encaminhado para o Juiz Eleitoral, abrindo-se oportunidade para a recontagem se houver o não-fechamento cuja correção não seja possível ou outra irregularidade prevista no art. 88 da Lei nº 9.504/97.

Finalmente, sobre os totais destoantes, é pertinente registrar as lições de JOSÉ ANTONIO ALMEIDA:

"E o que seriam destoantes? Para responder a essa pergunta, segundo me parece, é indispensável o auxílio da Estatística, a fim de se verificar quais os percentuais de votos válidos (ou, a contrario sensu, de abstenção), de votos em branco e de votos nulos, Seção por Seção, que pudessem expressar esses "totais destoantes". Deverá o requerente da recontagem, pois, verificar previamente os índices que, Seção por Seção, estivessem não só abaixo da média geral de cada Zona Eleitoral, mas abaixo desta e de seu desvio padrão, referência estatística que determina a variabilidade de um conjunto de dados.

Só assim é possível verificar, em cada Zona Eleitoral (ou em cada Município, se for esse o universo pesquisado), urnas cujos índices de votos válidos (ou de abstenção), de votos em branco e de votos nulos são inferiores à média geral e, inclusive, ao seu desvio padrão e que, por isso, representam sérios indícios da prática de fraude. Casos há em que indícios estão em duplicidade, não sendo difícil verificar que, em algumas Seções, há coincidência de dados espúrios (para usar o termo utilizado em Estatística), ao apresentarem índices nulos ou mínimos de abstenção, de votos em branco e de votos nulos; de votos em branco e nulos; de votos em branco e abstenções; de votos nulos e abstenções"

Serão muitas as dificuldades para estabelecer a partir de que ponto o resultado de uma seção estará destoando da média geral. Na recontagem das eleições de 1994 no Maranhão, o Tribunal Superior Eleitoral deferiu nova apuração aonde os votos em branco não ultrapassaram 10% da votação .

Entretanto, o mesmo Tribunal decidiu em data mais recente:

"Recurso especial. Recontagem. Inexistência de votos brancos e nulos. Médias destoantes. Não-ocorrência.

A inexistência de votos brancos e nulos em determinadas Seções, por si só, não caracteriza média destoante hábil a ensejar o procedimento de recontagem.

Recurso não conhecido" .

Caberá ao Juiz Eleitoral, considerando as vicissitudes de sua Zona Eleitoral ou seu Município, verificar, caso a caso, se é cabível a recontagem, sem necessariamente levar em conta os parâmetros já definidos.

b) Prazo

O legislador de 1997 foi de extrema infelicidade ao não fixar prazo para requerer a recontagem de votos. Ante a lacuna legal, só há uma saída que permita a integração da norma (Art. 4º da LICC): utilizar por analogia o que estabelece o Código Eleitoral sobre o prazo para reclamar do resultado da totalização. Assim nas eleições municipais, a recontagem pode ser requerida em até 3 (três) dias depois de totalizados os resultados (CE, art. 180, I, c/c o art. 258); nas eleições federais e estaduais, no prazo do art. 200, § 1º do Código Eleitoral, e nas eleições para Presidente da República, no prazo do art. 208.

Nas hipóteses em que for possível o pedido de recontagem antes da divulgação da totalização (Lei nº 9.504/97, art. 88, I), nada impede que seja assim formulado.

c) Preclusão

Outro ponto omisso na Lei nº 9.504/97 refere-se à necessidade de impugnação contra as irregularidades argüidas como requisito para a apreciação da recontagem. A jurisprudência do TSE há muito inclina-se no sentido de afastar a preclusão, pelo menos nas hipóteses de fraude e erro material. A lei da eleições municipais de 1996 dizia expressamente que a nova apuração poderia ser requerida independentemente de prévia impugnação (Lei nº 9.100/95, art. 28, I).

Ora, as hipóteses de recontagem previstas na Lei nº 9.504/97 e no parágrafo 8º do artigo 179 do Código Eleitoral referem-se a fatos que somente podem ser verificados depois da contagem dos votos e após a expedição dos boletins de urna. Nada há a impugnar antes dessa etapa. A existência de totais destoantes, v.g., somente pode ser detectada pelo confronto de todos os boletins, do que resulta obviamente inviável a impugnação dos dados relativos a cada urna. O mesmo podemos afirmar com relação aos erros e fraudes ocorridos no interior dos Órgãos da Justiça, que por sua natureza inviabilizam qualquer atividade de fiscalização garantida aos candidatos, partidos e Ministério Público.

Desse modo, somos da opinião de que, regra geral, para o deferimento da recontagem não é de se exigir prévia impugnação do resultado da votação da Seção. A assertiva é válida mesmo naquela hipótese mais flexível de recontagem, que é a existência de discrepância entre os dados dos boletins e aqueles obtidos no momento da apuração (Lei nº 9.504/97, art. 88, I, in fine). Nesse caso, os protestos, as impugnações e as representações apresentadas logo após a expedição do boletim poderão servir como um indicativo da seriedade do pedido, mas nem sempre serão requisito para a apreciação do requerimento de nova apuração.

Entretanto, o exame do que estabelece o art. 87, caput e parágrafo 1º, da Lei nº 9.504/97 leva à conclusão de que há uma exceção à regra da não exigência de prévia impugnação. O referido dispositivo preceitua que não sendo garantida pela Junta o direito dos fiscais de observar, à distância não superior a um metro da mesa, a abertura da urna, a abertura e a contagem das cédulas e o preenchimento do boletim, o resultado da apuração pode ser impugnado até a divulgação do boletim. Não parece lógico inferir do preceito que o objeto da impugnação seja a anulação da votação da urna, pelo menos quando se tratar de dificuldade opostas à fiscalização na contagem das cédulas e no preenchimento do boletins.

Nesses casos, a suspeita recai sobre a harmonia entre o resultado efetivo da votação e o que divulgado como resultado da apuração, ou entre o que efetivamente apurado e o que lançado no boletim de urna. A fraude supostamente facilitada pelo funcionamento defeituoso da fiscalização reside, portanto, na discrepância entre o resultado do boletim e os dados obtidos no momento da apuração, que é, afinal, uma das hipóteses de recontagem.

Destarte, a análise conjunta do que dispõem o art. 87, caput, e parágrafo 1º, e o art. 88, I, in fine, da lei nº 9.504/97 permite-nos afirmar que é necessária prévia impugnação aos pedidos de recontagem fundamentos na divergência entre o resultado do boletim e os dados obtidos no momento da apuração, em razão de dificuldades colocadas ao bom funcionamento da atividade fiscalizatória dos partidos, candidatos e Ministério Público.

Ainda quanto ao tema, há inúmeros precedentes em que o Tribunal Superior Eleitoral entendeu por afastar a preclusão nos pedidos de recontagem. Podem ser citados, a título de exemplo, os seguintes:

"FRAUDE ELEITORAL – Fraude consistente no aproveitamento de votos ‘em branco’ para determinados candidatos, posterior, portanto, ao ato de apuração, e comprovada por meio de diligências determinadas pelo TRE.

A conseqüente revisão da apuração, com a alteração da posição dos candidatos não pode ser impedida sob a argüição de preclusão, que não alcança apuração viciada de fraude."

"Eleitoral. Boletim de Apuração. Fraude. Recontagem de votos. Cod. Eleitoral, art. 169.

I – Fraude ocorrida na confecção do Boletim de Apuração e não no momento da apuração dos votos. Inaplicabilidade, no caso, de preclusão decorrente da falta de impugnação referida no art. 169 do Código Eleitoral.

II – Recurso especial conhecido e provido."

"Agravo de instrumento. Candidato a Deputado Estadual. Alegação de erro material no lançamento dos votos no boletim eleitoral. Recontagem.

É pacífica a jurisprudência do TSE no sentido de se afastar a preclusão em caso de erro ou fraude na ocasião do lançamento dos votos no boletim eleitoral, mesmo ausente impugnação no momento da apuração (precedente: Acórdão nº 7.892/84).

Agravo provido. Recurso especial conhecido, à vista de específica divergência pretoriana, e provido, para afastar a preclusão e determinar a recontagem dos votos."

"Recurso especial. Pleito de 15.11.88. Candidato a vereador. Alegada existência de preclusão na recontagem de votos. Suposto erro de cálculo dos quocientes eleitorais e partidário.

É pacífica a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de se afastar a preclusão em caso de erro ou fraude na ocasião do lançamento dos votos no boletim eleitoral, mesmo ausente impugnação no momento da apuração (precedente: acórdão 12.016 – MT)."

Decidiu também o TSE que a existência de rasuras nos boletins de urna, com indícios de adulteração, pode autorizar a recontagem , o que recomenda o máximo de cuidado na transposição dos dados, cujos erros devem ser corrigidos preenchendo-se, à vista da fiscalização, outro boletim.

Nada impede, por outro lado, que a verificação do erro ou fraude seja procedida de ofício pela Justiça Eleitoral, para fins de retificação do boletim, havendo, nesse sentido, decisão do Tribunal Superior Eleitoral , embora pareça que a recontagem ex-officio ainda seja legalmente vedada (CE, parágrafo único do art. 181).

d) Regime da recontagem

Um ponto que hoje é pacífico, e que poderia estar previsto na norma, refere-se ao regime da recontagem. Diga-se, a propósito que nem o Código Eleitoral nem as leis das eleições editadas a partir de 1991 disciplinaram o assunto.

Em alguns Tribunais Regionais Eleitorais chegou-se a entender que na nova contagem não cabe juízo de valor sobre a validade dos votos. O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas decidiu em certa ocasião:

"Recurso. Recontagem de votos. No processo de recontagem de votos não se reabre oportunidade para suscitar questões relativas às cédulas, alcançadas que foram pela preclusão. Ademais, a reabertura de tais questões na recontagem ensejaria a possibilidade de ser afrontada a coisa julgada, consagrada no texto constitucional."

Não obstante, o Tribunal Superior Eleitoral é firme na orientação de que a recontagem segue o mesmo regime da primeira apuração, reabrindo-se a oportunidade para impugnações, recursos e demais incidentes. Com efeito, ao apreciar o Recuso nº 11.381, relatado pelo Ministro José CÂNDIDO, assim decidiu o e. TSE:

"RECURSO ESPECIAL. RECONTAGEM DE VOTOS. CRITÉRIOS. Conquanto o Código Eleitoral não discipline o processo de recontagem de votos, a este deve-se aplicar a mesma disciplina legal reguladora da contagem, cabendo, nesta fase, também, o exame de aspectos relativos à nulidade e à validade dos sufrágios, sendo possível, portanto a emissão de Juízo de valor."

Do voto do relator, que transcreve trecho do parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, pode-se destacar a seguinte passagem:

"Ressalte-se, por fim, que a mesma disciplina legal reguladora da contagem dos votos deve ser aquela aplicada à recontagem, uma vez que a recontagem nada mais é que uma nova contagem, a repetição de uma contagem anteriormente feita. Nada pode, ontologicamente, ser a recontagem uma figura com sentido diverso da contagem, pois nada mais é que uma nova contagem. Recontar é tornar a contar. Logo, os regramentos e as fórmulas utilizadas para recontagem devem ser as mesmas aplicadas à contagem."

Desse modo, todos os incidentes relativos à primeira apuração cedem espaço à recontagem. Ficam sem efeito as decisões das Juntas sobre a impugnação de votos e os recursos parciais apreciados pelas Cortes Eleitorais, mesmo aqueles com decisão da qual não mais caiba recurso.

Como a coexistência entre os recursos parciais pendentes e os recursos verificados na nova contagem é hipótese bastante plausível, uma das conseqüências mais evidentes do deferimento do pedido de recontagem deve ser o sobrestamento dos recursos interpostos na primeira apuração, podendo aqui ser aplicado subsidiariamente o que estabelece o artigo 265, IV, "a", do Código de Processo Civil. Caso a nova contagem venha a se consolidar, cabe a extinção do processo sem apreciação de mérito, por perda de objeto e falta de interesse de agir.

Evidente que para poupar as Cortes Eleitorais da prática de atos processuais inúteis, com dispêndio de tempo, o Juiz Eleitoral deve participar o deferimento do pedido de recontagem, após certificar-se da existência de recursos parciais relativos aos votos de Seção a ser novamente apurada.

e) Competência

A propósito, bem andou o legislador quando dispôs ser do Juiz Presidente da Junta Eleitoral a competência para apreciar o pedido de recontagem. Nas eleições de 1994 a competência pertencia ao Tribunal Regional, no caso de boletins de urna não coincidentes, não fechamento da contabilidade da urna e totais destoantes; o Juiz Eleitoral atuava somente nas hipóteses de resultado incoincidente entre o boletim de urna e o números de votantes e discrepância com os dados obtidos no momento da apuração (Lei nº 8.713/93, arts 27 e 87). Nas eleições municipais de 1996 a competência passou a ser da Junta Eleitoral, com todas as dificuldades daí advindas no exame de intrincadas questões por leigos (Lei nº 9.100/95, art. 28).

A Lei nº 9.504/97, que estabelece normas para todas as eleições, fixou os casos de recontagem, afastando, com relação aos mesmos, qualquer possibilidade de aplicação analógica do Código Eleitoral, para fins de determinação de competência. Destarte, é o Juiz Presidente da Junta quem aprecia os pedidos de recontagem nas eleições presidenciais, estaduais e municipais, nos casos fixados na referida lei.

Conforme já dissemos, a exceção à regra está contida nos parágrafos 5º a 8º do artigo 179 da Lei nº 4.737/65, que contempla a possibilidade de apresentação de boletins de urna incoincidentes. Nesse caso, o pedido de recontagem é apreciado diretamente pelo Tribunal, nas eleições estaduais e federais. Nas eleições presidenciais, havendo a aludida incoincidência, a competência para determinar a recontagem pertence ao Tribunal Superior Eleitoral (CE, arts. 208 e 209). Nas eleições municipais, cabe a decisão ao Juiz Presidente da Junta Apuradora (CE, art. 180 c/c o art. 88 da Lei nº 9.504/97).

f) Legitimidade

Outro ponto silente na lei diz respeito à legitimidade para requerer a recontagem. Ultimamente os Tribunais têm firmado orientação restritiva, autorizando-a apenas quando requerida pelas coligações e partidos políticos. O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, v.g., não admite a legitimidade dos candidatos , havendo, nesse sentido, precedente do TSE . Entendeu também a mais alta Corte Eleitoral que formada a Coligação, é dela a legitimidade para pedir recontagem, não do partido que a compõe .

É provável que essa restrição da legitimidade tenha surgido em razão de a legislação anterior mencionar apenas as agremiações partidárias nos dispositivos aplicáveis à recontagem. Nesse caso, quero crer que o silêncio da Lei nº 9.504/97 pode inspirar integração normativa que conduza à tendência jurisprudencial diversa. Afinal, se os candidatos podem impugnar registro de candidatura (LC nº 65/90, art. 5º); propor ação de investigação judicial eleitoral (LC nº 64/90, art. 22, caput); impugnar e recorrer na fase de apuração apuração (CE, art. 169); interpor recurso contra a diplomação (CE, art. 262) e propor ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, § 10), não há razões para que não possam requerer recontagem de votos. Válida, nesse aspecto, é a lição do Ministro Sepúlveda Pertence, para quem é cabível a intervenção de qualquer interessado em tais procedimentos .

Mesmo que venha a prevalecer na jurisprudência a orientação restritiva, parece que a legitimidade do Ministério Público Eleitoral é indiscutível, ante o que prevê o art. 127 da Constituição da República. Ora, a recontagem visa a corrigir falhas e eliminar fraudes que desfiguram a vontade popular. O interesse a ser preservado não é só o do candidato ou partido em ver fielmente registrado o voto, mas de toda a sociedade, que anseia por ter resguardada a legitimidade de sua representação. O interesse é difuso e indisponível, não só autoriza mas recomenda a atuação dos Ministério Público. Além disso, há muito está superada no Tribunal Superior Eleitoral a jurisprudência que limitava a atuação do parquet na fase de apuração. Atualmente, a mais alta Corte Eleitoral reconhece-lhe a ampla legitimidade no processo eleitoral.

O Recurso nº 12.454, relatado pelo Ministro Torquato Jardim, revela um caso interessante, em que o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, invocando a ilegitimidade do Ministério Público, negou seguimento a recurso especial interposto contra decisão que, desacolhendo recomendação da Comissão Apuradora, indeferiu recontagem de votos nas eleições de 1994. O Ministério Público interpôs agravo de instrumento que foi conhecido e provido, em decisão assim ementada:

"Agravo de instrumento. Decisão que negou seguimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral sob fundamento de ausência de legitimidade. Entendimento que se encontra superado. Essa corte admite ampla legitimidade ao Ministério Público para recorrer no processo eleitoral. Precedentes. Agravo provido."

No mesmo sentido pode-se citar o Acórdão nº 11.485, relator Ministro Diniz de Andrade:

"Agravo de instrumento. Provimento. Recontagem de votos. Recurso do Ministério Público contra ato da Junta Apuradora. Existência de legitimidade. Afronta ao art. 127 da Constituição. Recurso conhecido e provido."

g) Capacidade postulatória

Sendo a recontagem um procedimento essencialmente administrativo, parece indiscutível a capacidade postulatória dos delegados de partido ou coligação para requerê-la. Assim, entendemos não ser exigível a representação processual através de advogado perante o Juiz Eleitoral e sequer no Tribunal Regional, na apreciação do recurso.

Nesse sentido, pode-se citar os seguintes precedente do Tribunal Superior Eleitoral, que podem ser aplicados aos requerimentos de recontagem:

"ADVOGADO. CAUSAS ELEITORAIS.

Não é obrigatória a representação através de advogado nas causas eleitorais, por ser pacífico na Justiça Eleitoral o entendimento de que os candidatos e partidos políticos, além da legitimação para agir, possuem capacidade postulatória assegurada pela legislação eleitoral."

"DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - REQUERIMENTO - NATUREZA DO PROCESSO.

O pedido de transferência do domicílio eleitoral ocorre no âmbito de processo que possui contornos administrativos, descabendo, assim, exigir a representação processual quer no Juízo, quer no Tribunal que venha a apreciar o recurso contra a decisão negativa."

"DELEGADO DE PARTIDO OU COLIGAÇÃO - CAPACIDADE POSTULATÓRIA PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL.

Nos termos de iterativa jurisprudência do TSE, o delegado de partido ou coligação tem capacidade postulatória perante a Justiça Eleitoral."

Entretanto, eventual recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral não prescinde de representação de advogado.

h) Impossibilidade material

Não é difícil ocorrer que a recontagem torne-se inviável, em razão do extravio ou violação da urna. Os inúmeros casos registrados na Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, muitos dos quais surgidos a partir de processos oriundos do nosso Estado, estão a recomendar aos Juízes Eleitorais cuidado redobrado no recolhimento dos votos, material de votação e guarda das urnas, após a apuração. Deve-se lembrar que a fragilidade do processo tradicional de votação e apuração é também a fragilidade da recontagem que, afinal de contas, é sempre produto do acerto ou da falibilidade humanos.

Em todo caso, vindo a ocorrer alteração do estado de fato da urna, é pacífica no TSE a orientação de anular a votação das Seções não recontadas por impossibilidade material. Ora, se o que justifica a recontagem é a existência de um estado de dúvida quanto ao que foi lançado no boletim de apuração, seja em razão de erro ou fraude, a impossibilidade de confirmar ou retificar esses dados deve conduzir à invalidação dos votos, que é a única forma de excluir o resultado suspeito. Não pode haver meio termo, mesmo em nome dos terceiros prejudicados de boa-fé, pois o preço de confirmar um resultado possivelmente fraudado é para a Justiça Eleitoral muito mais alto.

A título de ilustração, podemos citar o seguinte julgado:

"recontagem de votos. INCOINCIDÊNCIA DOS BOLETINS DE APURAÇÃO. MAPISMO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. TRE/PA. PLEITO DE 3.10.90.

Alegada violação de urnas, torna-se impossível a convalidação dos boletins de apuração coincidentes, não restando outra alternativa à Justiça Eleitoral senão anular a votação nas Seções não recontadas por impossibilidade material."

i) Alteração do resultado do pleito com a recontagem

Outro aspecto digno de registro, embora relacionado mais aos efeitos que ao procedimento da recontagem, diz respeito à alteração do resultado do pleito. Realizada a nova apuração, com modificação do resultado das eleições, prevalece de logo o que consignado na nova totalização, tornando-se sem efeito os diplomas anteriormente expedidos, ou deve-se aguardar o julgamento de todos os recursos da recontagem?

Entendemos que pode haver uma solução intermediária entre esperar o julgamento de todos os recursos parciais pelo TSE e executar imediatamente o que resultar da recontagem.

Com efeito, estabelecida a premissa de que a recontagem segue o mesmo regime da apuração, parece ser indiscutível que devem ser-lhe aplicadas as mesmas regras que informam a apreciação e os efeitos dos recursos parciais da contagem dos votos. A primeira delas consigna que no caso de provimento, após a diplomação, de recurso parcial, será também revista a apuração anterior para confirmação ou invalidação dos diplomas (CE, parágrafo único do art. 217). Assim, apreciada a matéria na instância ordinária e comunicada à autoridade competente o julgamento dos recursos parciais interpostos na recontagem (CE, art. 261, § 3º), não vemos razão para não tornar imediatamente efetivo o resultado obtido, considerando que o recurso especial eventualmente cabível não terá efeito suspensivo (CE, art. 257),

Não nos parece aplicável o art. 216 do Código Eleitoral, de modo a condicionar a efetivação do que resultar da recontagem ao julgamento pelo TSE de todos os recursos tomados na nova apuração, vez que não se trata no caso de recurso contra a diplomação, mas de recurso parcial da apuração.

A propósito, em data recente, quando da recontagem das eleições de 1994 para deputado federal, o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão e o Tribunal Superior Eleitoral parecem ter sinalizado nessa direção. Após o julgamento pelo Tribunal Regional de todos os recursos da nova apuração, e antes mesmo do julgamento dos recursos especiais interpostos, a Comissão Apuradora apresentou relatório que resultou na alteração da titularidade de uma das vagas. O TRE então invalidou o diploma antes expedido a um dos candidatos, que aliás encontrava-se no exercício do mandato, diplomando o outro em seu lugar, assumindo este último a vaga.

O assunto chegou ao Tribunal Superior Eleitoral que, por maioria de votos, apreciando agravo regimental em medida cautelar, manteve os efeitos da decisão do Tribunal Regional, em decisão assim ementada:

"Agravo regimental. Medida Cautelar.

Interpretação do art. 216 do Código Eleitoral.

A diplomação a ser protegida é a resultante da recontagem procedida por determinação do TSE.

Votos vencidos.

Desprovimento."

De todo modo, como já dissemos, é dominante no Tribunal Superior Eleitoral o entendimento de que a primeira diplomação deve ser mantida até o julgamento de todos os recursos da recontagem.

As ponderações do Ministro Torquato Jardim, no julgamento do Mandado de Segurança nº 2.150, resumem o sentido dessa interpretação:

"... deve a Justiça Eleitoral evitar o chamado ‘ping pong’ nas comunas, ou seja, um candidato eleito e diplomado é empossado; em razão de um pedido de recontagem, ou por outra medida judicial qualquer, é cassado esse diploma e diplomado e empossado um terceiro que, eventualmente, ao final da demanda, perderá o título em favor do primeiro".

O acórdão do supracitado caso restou assim ementado:

"Eleitoral. Processual. Recontagem de votos. Resultado do pleito: Alteração. Mandado de segurança: Restauração de liminar. Diplomação: Manutenção. Código Eleitoral art. 216.

- Em pedido de recontagem de votos, que altera o resultado da eleição, mantém-se a primeira diplomação até decisão final do Tribunal Superior Eleitoral.

- Agravo regimental conhecido e provido."

Podem ser citados, ainda, os seguintes julgados:

"Eleições de 1994. Recurso contra a diplomação. Recontagem de votos. Pendência de recurso parcial. Condição resolutiva. Interesse processual. Ausência.

- Descabe a pretensão de fulminar a diplomação de candidatos eleitora quando o resultado final das eleições encontra-se pendente de recurso parcial contra a apuração de votos.

- Recurso não conhecido."

"Recontagem. Efeito. Diplomação. Enquanto pendente de julgamento recurso relativo a recontagem, descabe considerar fulminada a diplomação. O disposto no art. 216 do Código Eleitoral sugere, a fortiori, idêntica solução considerada aquela emprestada ao recurso à diplomação."

III - Conclusão

Podemos concluir, finalmente, que a possibilidade de fraude no próprio procedimento de recontagem está a exigir da Justiça Eleitoral extremo cuidado na guarda e armazenamento das urnas, como aliás preceitua o art. 183 do Código Eleitoral. Afinal, a jurisprudência historia inúmeros casos em que, fechada a urna após a apuração, esta vem a ser reaberta, antes do cumprimento de recontagem, com o propósito de alterar fraudulentamente o resultado do pleito; ou seja, a recontagem nesses casos não é a garantia de eliminação da fraude, mas o seu instrumento de materialização. Não é descartável, portanto, a hipótese em que a própria recontagem de votos seja fraudada, recomendando à Justiça Eleitoral, também, cautela na seleção dos componentes da Junta e dos escrutinadores. Em suma, os defeitos inerentes ao procedimento de apuração são os mesmos que podem ocorrer na recontagem.

Não é demais lembrar que a Lei nº 9.504/97 parece restringir o cabimento da nova apuração, devendo ser essa a tônica no exame dos pedidos formulados perante dos Juízes Eleitorais. A recontagem não se presta para ser o veículo de insatisfações e queixumes, nem serve como remédio para esclarecer suspeitas infundadas e apaziguar delírios persecutórios de quem não logrou êxito no pleito.

Após essas reflexões, podemos finalizar lembrando a máxima de : "Por vezes, sob o doce mel escondem-se venenos terríveis"

                                                                                   São Luís, 22 de junho de 1998.

 

 

 

Retirado de: http://www.tre-ma.gov.br