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Proposta de Utilização mais Eficaz dos Meios e Prerrogativas da Justiça Eleitoral na Garantia da Prevalência da Democracia





É certo que a Justiça Eleitoral está longe de atingir seus objetivos. Ocorre uma evolução nas atribuições da Justiça Eleitoral, com o avanço do tempo, verificável na própria evolução da legislação eleitoral. A maior parte do corpo do Código Eleitoral se dedica à concretização da votação em si, em suas diversas etapas e implicações – cadastro de eleitores, divisão regional em Zonas Eleitorais, preparativos de cédulas, urnas, lacres, etc, apuração, atribuições dos órgãos da Justiça Eleitoral – dedicando nos capítulos finais atenção quanto a outras questões, que configuram como crimes eleitorais, ainda que introdutoriamente, como temas como abuso do poder econômico, através do tipo penal eleitoral “compra de votos”, uso das prerrogativas de funcionário público para angariar benefícios eleitorais em favor de candidato, verificado em “falsificação de documentos por servidor”, dentre outros, desde o Código Eleitoral com essa visão até a atual Lei Eleitoral, Lei 9.504/97, de 30.9.97, evoluindo dentre as leis que intermediaram estes dois atos legislativos, verifica-se uma mudança de visão, no momento em que a Legislação Eleitoral vigente admite a existência de outros temas, atribuições da JE, implicações, problemas a serem enfrentados por esta, tais como abuso de poder político e econômico, utilização da máquina pública em benefício de candidatura, veracidade das informações divulgadas nos meios de comunicação, igualdade de condições entre os candidatos (p.ex., através de utilização dos veículos de comunicação – rádio e televisão, jornais, “outdoors”, “internet”).



Se poderia arriscar em acrescentar a questão – conhecida amplamente por cientistas sociais – da propaganda ideológica, que consiste em propaganda indireta, que inconsciente e até imperceptivelmente influencia no modo de pensar do cidadão e eleitor, como, p.ex., relacionando cores a candidatos – e então a utilização de certas cores em determinada obra pública induziria favoravelmente a vontade do cidadão e futuro eleitor na hora de votar, e quem impugnaria a utilização de tais cores sob alegação de propaganda eleitoral ilícita? – ou números, estes já consagrados; ou símbolos utilizados em campanhas, ou frases; ou posição tendenciosa de jornal que, de forma indireta ou implícita, divulga notícias favoráveis a futuro candidato, ainda que relativamente distante do próximo pleito, aparições públicas excessivas, etc.



Então, com a evolução dos próprios tempos, novas dificuldades vão surgindo, que trazem por conseqüência novas atribuições – especificadas – à Justiça Eleitoral. Tais novas dificuldades surgem, mas no sentido de dificultar os fins últimos da JE: igualdade entre os candidatos, fidelidade dos resultados divulgados das urnas com a escolha de fato do eleitorado, estes imutáveis (pelo menos até o presente momento), que implicam em outro fim superior, a Democracia, a Igualdade entre os Cidadãos, inclusive na concorrência ao pleito eleitoral.





Ao mesmo tempo que muitas são as deficiências da JE, tanto quanto no que se refere à legislação, organização da JE como instituição, dificuldades materiais e de pessoal, etc., muitos poderes e prerrogativas também lhe são concedidas. Então, poder-se-ia tentar racionalmente, extraindo o proveito tanto quanto possível aos aspectos favoráveis que se verificam, combater os abusos à diretrizes norteadoras da escolha popular dos seus representantes: as Eleições.



Exemplificativamente, poderiam ser explicitadas como prerrogativas os seguintes poderes abaixo enumerados:



= obrigatoriedade do partido em manter escrituração contábil, possibilitando conhecimento da mesma pela JE (art. 30, LPP); e documentação pertinente (art. 34, III, LPP);



= conservação de documentos por período mínimo de 5 anos (art. 34, IV, LPP);



= requisição de técnicos dos Tribunais de Contas para efetuar os exames (art. 34, par. ún., LPP);



= exame de escrituração de partido, inclusive por iniciativa do Corregedor (art. 35, LPP);



= determinação de quebra de sigilo bancário das contas dos partidos (art. 35, LPP);



= determinação de diligências necessárias, no geral (art. 37,§ 1o, LPP);



= possibilidade de investigação por parte da JE a qualquer tempo de aplicação dos recursos do Fundo Partidário (art. 44, § 2o, LPP);



= requisição de técnicos dos Tribunais de Contas ref. a prestação de contas eleitoral (art. 30, § 3o, LE);



= solicitação de informações e diligências diversas para análise de prestação de contas eleitoral (art. 30, § 4o, LE);



= prioridade para os feitos eleitorais, com penalidade administrativa e criminal para quem não cumprir (art. 94, LE);



= auxílio à JE de servidores da Polícia Judiciária, Receita Federal, Tribunais de Contas, etc., com prioridade (art. 94, § 3o, LE).





Conclusão: de princípio, é concedido poderes à JE para obter quaisquer providências necessárias tendo em mira sempre “o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas” (i.e., do partido) (art. 30, LPP) e “a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais” (art. 34, “caput”, LPP).



Então, de que maneira se poderia maximizar a utilização dos recursos (minuciosamente concedidos, considerando o interesse do poder político dominante em manter-se na posição e garantir seus privilégios) disponibilizados à JE para a garantia dos objetivos ref. às eleições, e para combater as violações a este esforço?



Inicialmente, poder-se-ia começar com análise de casos individualmente para posteriormente se tentar extrair uma conclusão aplicável a todos os casos.





Caso 1: Prestação de contas anual de partido em que é apresentado saldos constando valores nulos (zero).



É uma questão que se refere a outra maior: o abuso do poder econômico. Este caso específico é referente aos gastos de partido, em período não-eleitoral, mas é também um problema no que se refere aos gastos de candidatos durante campanha eleitoral, porém não necessariamente sendo as conclusões daquele primeiro caso aplicáveis a este.



A questão da apresentação de prestação de contas, seja de partido quanto de candidato, em que faz constar saldos de valores nulos (“zero”), inclusive em situações em que se verifica “a olhos vistos” a impossibilidade de tal ocorrência, seja porque aquele partido mantém atividade mínima inerente a este, ou foi verificado certa atividade de campanha eleitoral por aquele candidato, tal questão é de certa forma preocupante, porque é a forma mais primária, grotesca, abusiva e até ofensiva à reputação da Legislação Eleitoral e da Justiça Eleitoral, no sentido de que se esta não impede esta forma mais banal, como poderia impedir outras mais elaboradas, sendo esta situação equiparada a circunstância do candidato/partido afirmar “arrecadei e gastei, sim; mas vou declarar que não e duvido que a Justiça Eleitoral fará algo contra mim.”. “A Legislação Eleitoral exige tão somente a apresentação da prestação de contas, coisa que estou fazendo. E como ela vai dizer que o que declaro não é real, ou que não cumpri com os deveres legais?”.



De fato, a Legislação exige tão somente que seja apresentada a prestação de contas, evidentemente, que contenha informações idôneas e que seja verificado na arrecadação e gastos as determinações legais. Mas, ao mesmo tempo, a própria JE baseia-se exclusivamente nas informações prestadas pelo próprio interessado. Quanto à idoneidade, é evidente que não será informado nada que comprometa o próprio; quanto à observância da legislação, serve o mesmo argumento. Portanto, improvável que algum partido ou candidato cumprirá com estas exigências, e nem a JE se previne da possibilidade e toma providências a fim de evitar que este fato seja bem-sucedido.



Ressalva-se que os assuntos colocados serão mencionados sob a ótica da Procuradoria Regional Eleitoral, e não deste Tribunal Regional Eleitoral do Acre, em função de serem em parte baseadas em experiências obtidas em período em que esta autoria se encontrava a serviço daquele Órgão, não sendo este fato motivo de se ignorar o exposto, em função de não influir na (eventual) importância sob o ponto-de-vista do Direito Eleitoral e da Justiça Eleitoral.



O assunto foi matéria de análise de um caso concreto, no que se refere a prestação de contas anual de partido, cujas observações feitas pelo Procurador Regional Eleitoral seguem abaixo transcritas:





“MÉRITO



(...)



Daí temos o porquê de a Lei Orgânica dos Partidos Políticos ter instituído em seu corpo o título III, que trata das finanças e contabilidade dos partidos, dispondo, logo em seu capítulo I, acerca da prestação de contas à Eg. Justiça Eleitoral, eterna defensora da democracia e da soberania popular contra os achaques do poder econômico e das oligarquias e plutocracias.



A prestação de contas não pode e nem deve se constituir em mera formalidade burocrática de convalidação de gastos efetuados e receitas auferidas por partidos políticos, mas, sim, em verdadeira análise das contas apresentadas, confrontando-as com os documentos que sustentam os balanços e escriturações a fim de se certificar que os ditames previstos na Constituição e nas leis estão efetivamente sendo cumpridos.



Após esta breve exposição, passemos à análise das contas apresentados juntamente com os demais documentos constantes nos autos e os termos da Lei 9.096/95.



(...)



São disposições legais de ordem pública e cogentes que visam à melhoria do regime democrático e a proteção da soberania nacional, evitando o abuso do poder econômico. O não-cumprimento das exigências legais importam em graves sanções, haja vista a necessidade de proteção do Estado Democrático previsto constitucionalmente.



(...)



Ademais, não há registros de saldos em quaisquer dos relatórios contábeis constantes a prestação de contas em análise, sendo que um dos princípios fundamentais que regem a pessoa jurídica – onde se inclui o Partido – , é a separação desta das pessoas físicas que a integram, não se podendo confundir as contas do Partido Político com as contas pessoais de seus integrantes.



Ora, para que um Partido Político efetivamente funcione e exerça suas atribuições habituais, a normalidade das coisas indica que isso ocasione gastos e, conseqüentemente, há necessidade de recursos para cobri-los.



Ainda que se admita que cidadãos, em nome de uma ideologia e uma posição política, atuem sem pretender pagamento (voluntariamente) nos diretórios do partido inexistindo empregados e, supondo que no presente caso seja assim, bem como cedam para reuniões parte de suas residências e contribuam para o consumo básico diário de um partido (material de expediente, telefonemas, correspondências, etc.), ainda assim, não pode configurar esta situação numa confusão entre a pessoa jurídica, que é o partido, e as pessoas físicas que o integram.



Neste caso, no mínimo tais bens de consumo deveriam se configurar como “doação de filiados”, ainda que doados como “bens estimáveis em dinheiro” (e não “recursos financeiros”).



Como pessoa jurídica de direito privado, Partido Político deve fazer distinção entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que o integram, distinguindo, dentre outros, o patrimônio próprio e quadro de pessoal que nele atua que receba remuneração conforme as normas trabalhistas.



Dessa maneira, não é admissível apresentação em prestação de contas de balanços financeiros constando apenas saldos zerados, sem receitas e sem despesas, porquanto é certo que para a atuação do Partido Político são efetuados gastos, seja de mero expediente, seja extraordinários, salvo se o partido político não tiver qualquer atuação, existindo somente nos atos constitutivos, mas sendo inexistente de fato.



Note-se que desde as atividades mais simples, como registro de filiados, envio de listagem aos juízos eleitorais, envio de correspondência aos diretórios municipais, convenções, pagamento de água ou luz etc, é necessário mínimo de despesa, a menos, conforme já dito, que o partido não exerça absolutamente nenhuma atividade, configurando dessa maneira um “partido-fantasma”, existente apenas nos registros públicos, o que é fato condenável, constituindo-se em verdadeira burla à Lei e flagrante logro à pela Justiça Eleitoral, dando ensejo a fraudes e ilegalidades, que, considerando a natureza da questão, atingem o interesse público.



Repita-se, o art. 34, da Lei 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos:



“Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas:” (grifos nossos).



(...)



Protestamos por nova vista dos autos, no mérito somos pela não aprovação das contas ante a sua impossibilidade fática já que houve no período em questão convenções, e funcionamento do Partido em questão, gerando gastos.



Rio Branco/AC, 27 de julho de 2000.



Marcelo Antônio Ceará Serra Azul

Procurador Regional Eleitoral”





(Propositalmente não-identificado o processo que contém o parecer, por não haver sido julgado).

(sublinhados no original, negritos acrescentados)









Não houve ainda decisão deste Tribunal Regional Eleitoral sobre a questão.





Este foi um caso que se resolveu basicamente com a interpretação da Legislação Eleitoral no conjunto com normas de Direito das demais áreas, em interpretação sistemática, considerando o ordenamento jurídico como um todo.



No que se refere a aplicabilidade do raciocínio à prestação de contas eleitoral, de candidato, talvez não o seja, em função de o argumento da hipótese se fixar na condição de pessoa jurídica, fato não verificado quanto ao candidato. Quanto a este, existe ainda o art. 16, “caput”, parte final, Resolução TSE 20.566/00, que explicitamente afirma a possibilidade de apresentação de saldos nulos em prestação de contas de candidatos (constante na expressão: “ainda quando não haja movimentação financeira”). O que não impede o Judiciário de questionar a constitucionalidade do dispositivo se comprovar que este contraria, explícita ou não, a Legislação Eleitoral ou princípios norteadores desta, ou constitucionais, estes predominantes.





Caso 2: Ineficácia do Atual Método de Prestação de Contas de Partido/Candidato





Esta questão consiste em sugestão de procedimento alternativo no que se refere ao combate de outro problema, o da veracidade das informações prestadas em prestação de contas de candidato ou partido. Análise também originada de caso concreto.



Segue transcrição de parecer do Procurador Regional Eleitoral a respeito do assunto:









“MÉRITO



(...)



Reza a Lei 9.096/95 que o Partido Político, através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas (art. 30), (...).



Anualmente os balanços hão que, necessariamente, ser encaminhados, até o dia 30 de abril do ano seguinte ao exercício, à Justiça Eleitoral, sendo acompanhados da comprovação dos gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios e demais gastos com campanha (art.33), devendo a Justiça Eleitoral fazer a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, atestando se refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios, e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais (art. 34.), sendo certo que a escrituração contábil deve vir acompanhada com a documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro ou de bens recebidos e aplicados (art. 34 III). Tal documentação, inclusive deve ser conservada por prazo não inferior a cinco anos (art. 34, IV).



A citada escrituração deve atender aos requisitos legais e estatutários sob pena das sanções da Lei (art. 36); (...).



São disposições legais de ordem pública e cogentes que visam à melhoria do regime democrático e a proteção da soberania nacional, evitando o abuso do poder econômico. O não-cumprimento das exigências legais importam em graves sanções, haja vista a necessidade de proteção do Estado Democrático previsto constitucionalmente.



Para que a Justiça Eleitoral possa realizar uma verificação concreta nas contas partidárias, mister se faz que venham aos autos cópia autêntica dos demonstrativos das receitas e despesas anuais, não sendo possível verificar as contas apenas através de balanços e declarações firmados por aqueles que pretendem ter suas contas aprovadas.



Na ação de prestação de contas prevista nos artigos 914 e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e no que couber à espécie, é claro o disposto no artigo 917 no que concerne à instrução das contas com os documentos justificativos. É que é impossível se verificar da regularidade de qualquer conta pública ou particular simplesmente através dos balanços, sem ter acesso aos documentos que os embasam, quais sejam livros de escrituração, recibos, notas fiscais, guias de recolhimentos de tributos e contribuições etc.



O exposto no balanço pode não ser o que realmente consta da contabilidade, pode não ser o retrato fiel das contas e assim a Justiça Eleitoral não estaria cumprindo seu papel previsto no artigo 34 da Lei, qual seja: a fiscalização sobre a escrituração contábil, verificando se a prestação de contas reflete a real movimentação financeira.



Para uma efetiva verificação, mister se faz a vinda aos autos de cópia de todos os documentos que deram suporte à feitura dos documentos de fls. 06 a 22. Sem eles, a Eg. Justiça Eleitoral estaria aprovando tão-somente aqueles documentos, ou seja, estaria dizendo que eles tem forma contábil e fechamento exato, mas não que condizem com a realidade.



Nem se argumente que tais documentos foram firmados por pessoas idôneas e que dispensam a análise dos documentos em que se basearam. Se assim fosse, a Lei não teria determinado a realização de prestação de contas anuais e tampouco que se conservasse tal documentação por cinco anos, facultando à Eg. Justiça Eleitoral que a requisição de técnicos dos Tribunais de Contas. Não pretende a Lei somente a verificação formal, mas também e principalmente a material.



(...)



Note-se que o modelo dos balanços são simplificados, mas tal não afasta a necessidade de envio dos documentos que os embasem.



(...)



Repita-se, o art. 34, da Lei 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos:



“Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas:” (grifos nossos).



Em face do exposto requeremos que seja determinado ao Partido (...) que traga aos autos a) cópia de seus estatutos, b) cópia autenticada de sua escrituração contábil, c) seja oficiado ao INSS requisitando ao mesmo informação sobre recolhimento de contribuições previdenciárias por parte do (...), o mesmo se dando em relação à Caixa Econômica Federal face ao FGTS, c) seja oficiado ao Banco Central do Brasil para que informe se existe conta bancária específica em nome do Diretório Regional do Partido (...), que pode estar sendo sonegada.



Somente de posse de tais documentos, poderemos melhor analisar a questão acerca da veracidade dos balanços ofertados.



(...)



Rio Branco/AC, 27 de julho de 2000.



Marcelo Antônio Ceará Serra Azul

Procurador Regional Eleitoral”



(Propositalmente não-identificado o processo que contém o parecer, por não haver sido julgado).

(sublinhados no original, negritos acrescentados)







Aqui é uma questão mais complexa, que praticamente redefiniria o procedimento de análise de prestação de contas de partido, e que envolveria requisição de servidores técnicos de outros órgãos, mas quanto ao método, não seria novidade para a Administração Pública como um todo, já que se assemelha ao método de análise de contas de administradores efetuado pelos Tribunais de Contas. Mas ao menos juridicamente praticável, e com possibilidades bem menos fantasiosas de se atingir o objetivo da prestação de contas: refletir a realidade dos fatos (gastos do partido/candidato), e cumprimento das prescrições legais.





Caso 3: Indisponibilidade do cumprimento das exigências determinadas pela Legislação Eleitoral, especificamente quanto aos limites fixados para gastos do recurso do Fundo Partidário; da impossibilidade de a justificativa substituir falta média ou grave a estas exigências.



Sustentando-se no art. 44, LPP, considerando que dos itens elencados como destinação dos recursos originados do Fundo Partidário, três fazem referência a atividades político-partidárias e um refere-se a atividades de manutenção, inclusive fixando um limite máximo de gastos desses recursos para fim aí inserido, e quanto à atividade política fixar a lei um limite mínimo, daí extrai-se a intenção do legislador em que sejam os recursos do Fundo aplicados predominantemente para objetivos que tratam das atividades principais de um partido e que interessam ao interesse público que lhe deu origem que diz respeito ao exercício dos direitos políticos e exercício da democracia.





A doutrina faz a seguinte definição de partido político: “Associação de pessoas que se unem para promover, mediante esforço comum, o interesse nacional, subordinando-se a princípios fundamentais com os quais se põem de acordo” (Edmund Burke). Ou: “Associação de caráter permanente, criada nos termos da lei, com o objetivo de alcançar o poder político pelas vias legais, em nome de um programa de ação de interesse geral” (Acquaviva). Aí, verifica-se claro o objetivo último do partido como o relacionado a divulgação da sua posição política, seu programa de governo, suas metas para a sociedade.







Caso 4: Quanto à Prestação de Contas de Candidato



Na análise da prestação de contas de candidato, deve-se verificar duas circunstâncias: uma é a conformidade das informações prestadas com os fatos (de fato) ocorridos; outra é a observância da legislação. Em regra, as prestações de contas eleitorais são aprovadas, analisadas sob o ponto de vista jurídico e contábil, não se apresentando como qualquer estorvo à validade de candidatura, eleição e posterior posse do cargo eletivo.



No entanto, com base na premissa de existência de abusos do poder econômico, financiamentos ilícitos, que extrapolam os limites permitidos e vedações quanto a origem dos recursos, dentre outras, conclui-se então que o problema das prestações de contas encontra-se na conformidade das informações prestadas pelos candidatos/comitês/partidos/coligações, dos fatos efetivamente ocorridos, i.e., veracidade.



Uma constatação é que a única fonte de informações de que dispõe a Justiça Eleitoral para a análise dos gastos dos candidatos consiste em declaração dos próprios, informações prestadas em demonstrativos e balancetes exigidos pela Legislação Eleitoral cuja única autenticação contida é assinatura do candidato. Porém, é nítida a ingenuidade – dir-se-ia mais, esforço a dificultar a garantia da prevalência dos princípios democráticos, beneficiando a ilegalidade – de esperar que os maiores interessados – e logo de que “casta” – venham a prestar informações que possam vir a prejudicá-los. Conclusão: é absolutamente nula a garantia de que as prestações de contas dos candidatos, de forma que hoje se verifica, reflita a realidade dos gastos de fato efetivados.



E partindo da premissa de que os gastos inúmeras vezes são desproporcionais às dimensões constantes nas informações prestadas, então na maioria das vezes são prestadas de fato informações inidôneas à Justiça Eleitoral.



Conclusão: é indispensável a reelaboração do meio de prestação de contas dos candidatos referente aos gastos realizados em campanhas eleitorais durante o pleito.



Agora,



Considerando que Eleições consistem na escolha dos representantes do Povo que irão definir e executar os rumos de toda a Nação, e do País, e que todos estarão submetidos a tais decisões e sofrerão seus efeitos;



Considerando que a Justiça Eleitoral é a instituição competente para garantir a realização das Eleições, com todas as suas implicações – realização física, zelo pelos princípios, garantia da vigência da Lei – e a própria Legislação Eleitoral admite a importância desta Justiça e das Eleições, na forma que trata a ambas, na medida em que concede inúmeras prerrogativas e garantias exclusivas;



Considerando ser a questão do abuso do poder econômico um dos maiores violadores dos princípios e objetivos do Direito Eleitoral, mais difíceis problemas enfrentados pela JE;



Considerando que por menos, em outras áreas do Direito e dos Tribunais, verifica-se exigências e rigores maiores na comprovação dos fatos, através de apresentação de cópias autenticadas de documentação, assinaturas reconhecidas, apresentação dos próprios originais, análise por especialistas – contadores, analistas dos Tribunais de Contas, etc. – de documentos no original, vistoria “in loco” de documentação e registros, etc.;



Considerando que a Legislação Eleitoral explicitamente autoriza requisição de analistas dos Tribunais de Contas, vistoria “in loco”, solicitação de documentos no original;



Considerando tudo isso



É que conclui-se que não é nem um pouco irracional a propositura de reformulação total do meio de informação e comprovação dos gastos realizados por candidatos a cargo eletivo durante o período eleitoral em suas campanhas.



Sobre uma alternativa para esta questão, seria em princípio aplicável a observação feita no que se refere ao método de análise da documentação no original e vistoria “in loco” da documentação por contadores e analistas requisitados dos Tribunais de Contas, objetivando com tudo isso se chegar a um método mais eficaz e rigoroso de prestação de contas eleitoral, desde já aplicáveis, com base nas prerrogativas disponibilizadas à Justiça Eleitoral, mas que nem sempre exercidas por esta.



Sobre o assunto, acrescenta-se ainda as observações anteriormente mencionadas quanto à prestação de contas de partido.







Caso 5: Quanto aos “disque-denúncia eleitoral”



Uma idéia mais que interessante, indispensável, é a implantação do “disque-denúncia eleitoral”. Ainda que simples, pode ter resultados extremamente consideráveis, por, além de ser uma boa fonte de flagrantes, denúncias e coletas de provas, do ponto de vista social estimula na sociedade a prática de denunciar, o senso de justiça (básico, mas que hoje em crescente decréscimo), posicionamento ativo diante das violações aos interesses coletivos no geral, exercício da cidadania, senso de coletividade, etc. Sobre o assunto segue trechos pertinentes de autoria desta anteriormente redigidos:







“Prezado (...),



Segue uma sugestão que, apesar de simples, considero de extrema importância para o exercício da cidadania e fiscalização dos abusos nas eleições (...).



A sugestão é, basicamente, a divulgação, em manual básico ou folder, da relação das principais irregularidades verificadas nas campanhas eleitorais, juntamente com informações de a que órgão deve ser feita a denúncia ou representação e quais os meios mais acessíveis para se obter provas o quanto mais seguras quanto possíveis como, por exemplo, fotografias, gravações em áudio ou vídeo, testemunhas, etc.



(...)



A conseqüência dessas informações é que a população passaria a ser o próprio fiscal das irregularidades eleitorais, concretizando uma fiscalização que estará existente em todos os lugares e, ainda mais, considerando o fato de ser o próprio alvo dessas irregularidades, quando se verificar uma tentativa direta de influência sobre o voto do eleitor (compra do voto, coação, ameaça, etc.).



(...)



(...) Afinal, existem também uma série de manuais informativos quanto a assuntos eleitorais, tipo mesários, presidentes de seção, votação na urna eletrônica.



(...)



Rio Branco-Acre, 4.7.00.





------------------------------------



Prezado (...),



Dando continuidade à sugestão enviada ref. manual de esclarecimento aos eleitores dos atos vedados nas Eleições 2000, segue mais uma sugestão, (...).



Sob ainda a idéia de que a própria população se torne fiscalizadora das irregularidades cometidas no processo eleitoral que já acontece, já que a Justiça Eleitoral tem nessa área deficiências, e ainda considerando a mensagem anterior, sob o fato de que uma das dificuldades seria, no momento do flagrante pelo cidadão de um ato ilícito de fim eleitoral (em miúdos, não saber como proceder, ou não ter em mãos no momento equipamento adequado para registro do ato vedado), é que se propõe a idéia de uma espécie de "disque-denúncia eleitoral" (ou similar).



No momento em que um cidadão convocasse este serviço, o Tribunal Eleitoral enviaria imediatamente (simultaneamente) uma pessoa (a paisana) apta a produzir provas num flagrante (p.ex., equipada com microfone sem fio direcionado a um gravador, máquina fotográfica ou câmera de vídeo, etc., discretamente), que pode ser alguém especializado da polícia, p.ex., sob requisição da J.E., sob fundamentação do art. 54, § 3o, da Lei 9.504/97 – Lei Eleitoral):



“Art. 54. ...................

§ 3o Além das polícias judiciárias, os órgãos da receita federal, estadual e municipal, os tribunais e órgãos de contas auxiliarão a Justiça Eleitoral na apuração dos delitos eleitorais, com prioridade sobre suas atribuições regulares.” (grifos acrescentados)



Situação análoga é verificada quanto à prestação de contas, ainda na Lei 9.504/97:



“Art. 30. .........

§ 3o Para efetuar os exames de que trata este artigo, a Justiça Eleitoral poderá requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, pelo tempo que for necessário.”



E ainda a Lei 6.999/82, que trata especificamente sobre requisição de servidores para auxiliarem a J.E. nos feitos eleitorais.



(...)



Rio Branco-Acre, 10.7.00.”



(grifos acrescentados, trechos suprimidos)







Caso 6: Art. 34, LPP





O art. 34, da Lei 9.096/95, Lei dos Partidos Políticos – LPP, assim regula:



“Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas:



I – obrigatoriedade de constituição de comitês e designação de dirigentes partidários específicos, para movimentar recursos financeiros nas campanhas eleitorais;



II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes do partido e comitês, inclusive do Tesoureiro, que responderão, civil e criminalmente, por quaisquer irregularidades;



III – escrituração contábil, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro ou de bens recebidos e aplicados;



IV – obrigatoriedade de ser conservada pelo partido a documentação comprobatória de suas prestações de contas, por prazo não inferior a cinco anos;



V – obrigatoriedade de prestação de contas, pelo partido político, seus comitês e candidatos, no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.



Parágrafo único. Para efetuar os exames necessários ao atendimento do disposto no caput, a Justiça Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados, pelo tempo que for necessário.”

(grifos acrescentados)





A observação pertinente a ser feita a respeito deste dispositivo é que os deveres atribuídos à Justiça Eleitoral constantes em parte do “caput” (“fiscalização sobre a escrituração contábil”), e nos incisos III e IV, apesar de referentes à fiscalização das atividades contábeis do Partido, não são de cumprimento possível através das prestações de contas. O que se leva a concluir da obrigatoriedade das análises de documentação e registros contábeis dos Partidos, ou vistorias “in loco”, para cumprir com tais obrigações. No geral, esta fiscalização por parte da Justiça Eleitoral se restringe à análise das prestações de contas. Ao menos em interpretação literal, uma omissão sem o consentimento da Legislação Eleitoral.





Foram mencionados alguns fatos de certa importância no sentido de estudo e análise, em função da experiência prática não tão larga desta autoria. No entanto, fica como visão e até sugestão para posterior aprofundamento, enumeração de diversos óbices à efetivação e ao bom andamento da Democracia de fato, que são por conseqüência os problemas da Justiça Eleitoral no alcance das suas atribuições. Análises, com base nos critérios das prerrogativas e poderes da Justiça Eleitoral, desses temas visando solução a mais adequada “possível” (não “ideal”, ou “necessária”, ou ainda “satisfatória”), tendo em vista, evidentemente, o próximo pleito de 2002.



Caso 7: Enumeração de problemas da JE.





ALGUMAS DAS MAIORES IRREGULARIDADES VERIFICADAS NO PROCESSO ELEITORAL



= Abuso do poder econômico

= Financiamento ilícito de campanhas

= Oferta de benefício em troca de voto favorável (“compra de voto”).





= Abuso do poder político/de autoridade

= Coação ou ameaça física ou moral

= Ameaça de repreensão funcional (demissão, perda de função, transferência, etc.)





= Uso da máquina administrativa

= Uso de servidores, serviços e bens públicos em campanha de candidato e outros



= Propaganda institucional (oficial) em benefício de candidato.

= Utilização de obras, programas sociais, efetuados pela administração pública, em favor de candidato, em inaugurações (tipo: divulgação de candidatura em inaugurações com consentimento do administrador público).







= Propaganda

= Apoio da imprensa a candidato. Propaganda eleitoral “indireta” em reportagens tendenciosas, entrevistas de candidatos, etc.



= Propagandas eleitorais desconformes as normas legais.



= Distribuições de concessões de uso de emissoras de rádio e televisão, em troca de apoio político. (Inclusive uso das “propriedade” das emissoras para divulgação de informações “parciais” (não-imparciais)).





= Condição da Probidade do Candidato. Normalmente verificado, em regra, com inúmeros processos por improbidade administrativa e até criminais, contra o mesmo, mas nenhum com trânsito em julgado, não sendo tal fato admitido – jurisprudencialmente, enfatize-se – como atingido a probidade do candidato.







Estes são alguns dos maiores óbices para a efetivação dos princípios da Democracia, úteis para, a partir deste ponto, se repensar na atuação da JE, sobre como é (inclui quais as deficiências), como deveria ser, e o que fazer para se atingir, se não a situação ideal, ao menos satisfatória.





Observação para esta análise do critério unicamente jurídico em que foi considerado, não deixando de mencionar a existência de outros aspectos a dificultar a predominância da Lei, como os de natureza legislativa, política e social, exemplificando com questões como a que se refere a efetiva execução das penas, decisões em absolvição com base em critérios que não os jurídicos (bem ou mal disfarçadamente), anistias, opinião popular, dentre outros.



As posições defendidas no presente trabalho não necessariamente refletem a opinião do TRE-AC.





Dedicado à Jeane Melo. In Memorian.





“O Senhor é meu pastor e nada me faltará. Guia-me pelas veredas da Justiça, por amor ao Teu nome” (Salmos 22-23).





Rio Branco-Acre, Janeiro de 2001.





F. Lima



Técnico Judiciário do TRE-AC

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre – UFAC

Correspondência: flima@tre-ac.gov.br.



Artigo retirado de: http://yaco.ufac.br/direito/evidencia.htm