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Spacer Jô Soares contra Getúlio Vargas
 
 

* Léo de Almeida Neves

Como referência histórica, o livro “O homem que matou Getúlio Vargas” é mais uma piada do consagrado humorista Jô Soares. O pretenso  caráter histórico está expresso na “orelha”, que proclama: “Jô Soares conta episódios muito interessantes da História européia e brasileira... Desta vez o alvo são as biografias”. No programa “Roda Viva” da TV Cultura, Jô Soares vangloriou-se, com concordância de alguns entrevistadores, de estar relatando História do Brasil.
    Ao revés, do início ao fim do livro, está patenteada a intenção de destruir o ídolo Vargas e o que ele representa, como salvaguarda do sentimento de Pátria e roteiro para que se cumpra o destino do Brasil tornar-se potência mundial.
    Ao longo de sua extraordinária vida pública, Vargas suscitou muitos ódios: comunistas e integralistas, que tentaram derrubá-lo pela força e  foram esmagados; nazifascistas, pois ele fechou os partidos Nazista e Fascista, que tinham se instalado no Brasil, expulsou do país em 1938 o embaixador alemão Karl Von Ritter e mandou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) lutar contra os germânicos na Itália; negocistas, oligarcas, entreguistas, políticos corruptos e exploradores de toda ordem, a quem combateu implacavelmente; democratas, que não tiveram
alcance para compreender as circunstâncias do conturbado período 1935-1945, exigindo governo forte para que os conflitos ideológicos da Europa não desencadeassem aqui luta fraticida, que poderia fragmentar a Nação; filiados à UDN e adeptos do brigadeiro Eduardo Gomes, a quem  Getúlio derrotou duas vezes, em 2 de dezembro de 1945, quando apoiou e
elegeu Eurico Gaspar Dutra para presidente da República, e em 3 de  outubro de 1950, ao derrotar ele mesmo o brigadeiro. 

Como é normal, o decurso do tempo arrefece os ódios e as paixões políticas e, hoje, 45 anos após sua morte, é quase unanimidade, também entre seus opositores, o reconhecimento de que Getúlio Vargas foi o maior estadista brasileiro.

    Surpreendentemente, o texto de “O homem que matou Getúlio Vargas” revela origem e inspiração nos mais ferozes inimigos do líder. Desde a página 15, o livro mostra paixão e parcialidade, quando atribui a Vargas índole vingativa já aos 14 anos: “O caçula, o menino miúdo e ainda imberbe que prometera vingar-se, tinha apenas quatorze anos, chamava-se
Getúlio Dornelles Vargas”.
    Na primeira citação ao seu governo, Vargas aparece como incendiário e especulador (página 205): “No Brasil, o presidente Vargas, empossado um ano antes por uma revolução, ordenara a queima de milhões de sacas de café. Com a destruição do estoque, ele tenciona manter em alta os preços
no mercado internacional”. Se pretendesse focalizar história, o livro teria que guardar fidelidade aos fatos: a depressão econômica mundial de 1929 arrasou a cafeicultura brasileira, despencando os preços a valores ínfimos. Muitos fazendeiros perderam tudo e alguns desesperados extremaram-se no suicídio. Como a exportação de café representava 80%
das receitas cambiais do país, o chefe do governo provisório aplicou a única alternativa: restabelecer o equilíbrio estatístico do café, queimando estoques, não para manter os preços altos e, sim, para que a cotação do café voltasse a patamares aceitáveis e remuneradores.
    O livro não esclarece que de 1934 a 10 de novembro de 1937 o país vivia em democracia, sob a égide da Constituição de 1934, com o legislativo e o Poder Judiciário funcionando normalmente e o presidente da República eleito indiretamente pelo Congresso. Ademais, na ditadura Vargas nunca foram praticadas violências sequer parecidas com as da
sanguinolenta Gestapo de Adolf Hitler. No entanto, a intentona comunista de 27/11/1935, serviu de pretexto para virulentos ataques (página 225):
“O pior é que Getúlio deu carta branca ao chefe de polícia Filinto
Müller e a polícia de Filinto usa métodos de dar inveja aos homens da Gestapo”;   (página 230): “Desde novembro passado (1936), centenas de civis e militares comunistas, anarquistas, inocentes ou simplesmente inimigos de Getúlio, foram fichados e recolhidos ao Pavilhão dos Primários”; (página 231): Nos primeiros dias de março de 1936... Prestes
e Olga Benario haviam sido presos no Meyer”.
    Vejam a grosseira gratuita (consciência suja) e a superficialidade de análise das razões determinantes da implantação do Estado Novo (página 233): “Comentário jocoso de Aporelli, o Barão de Itararé: “Essas toalhas de mesa são mais sujas do que a consciência do Getúlio”; (página 259): “A voz de Vargas fere-lhe os ouvidos: “Trabalhadores do
Brasil...”. “Num longo discurso Getúlio anuncia a nova Ordem. Sob o falso pretexto de que há um plano comunista para derrubar o governo pela luta armada, ela informa que fechou o Congresso...”.
    O texto a seguir escancara o propósito raivoso de amesquinhar Vargas e faz correlação ridícula (página 262): “Hoje comemora-se o aniversário de Getúlio. O Hora do Brasil... prometeu, à noite, um programa em sua homenagem... Quem faz anos amanhã é Adolf Hitler, da Alemanha. Os dois
ditadores bem que poderiam festejar na mesma data”.
O autor reproduz, em negrito, fac-símile do jornal Tribuna da Imprensa, do dia 5 de agosto de 1954, e artigo escrito por Carlos Lacerda, adversário ferrenho de Vargas, sobre o assassinato do Major Vaz (página
324): “Acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões... Este homem chama-se Getúlio Vargas”. A seguir, o livro de Jô Soares acrescenta: “Há meses os libelos do jornalista da Tribuna da Imprensa tornavam-se cada vez mais violentos. Acusava Vargas de acobertar negociatas, beneficiar amigos e de mergulhar o país numa corrupção desenfreada”.
    Vai além do autor nos vitupérios contra Vargas (página 326): “Surgem denúncias de corrupção no círculo próximo à Presidência. Os indícios não apontam Getúlio diretamente, no entanto mostram o “mar de lama” em que seu governo mergulhou”.
    O anti-getulismo do livro chega ao paroxismo, na página 331, em que o personagem principal quer evitar o suicídio de Vargas: “O melhor modo de extinguir o mito é obrigá-lo a viver. A verdadeira vingança será vê-lo execrado e perseguido longe do poder, como uma besta acuada. Assim são aniquilados os opressores”.
    Quais as intenções e quem teria sido o mentor de Jô Soares?
 

* Léo de Almeida Neves, suplente de senador pelo Paraná e ex-deputado federal - Transcrito da Gazeta do Paraná, de Cascavel/PR, de 29 de dezembro de 1998.

- Colaboração de Ernesto Stédile - Email: stedile@whiteduck.com.br

Fonte: http://www.pdt.org.br/gvjosoares.htm