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AS SUBSTITUIÇÕES DOS PREFEITOS MUNICIPAIS

Ricardo Maia **





A propósito de noticiário que movimentou o jornalismo cearense nas últimas semanas, sobre substituições ao Prefeito Municipal, na falta de vice-prefeito e na possibilidade de Presidente da Câmara Municipal em assumir o cargo, porquanto candidato à reeleição, tivemos oportunidade de expender opinião jurídica sobre o tema de forma favorável, mediante artigo remetido a Jornal de grande circulação neste Estado.

Manifestamo-nos porque a substituição não tinha o condão da inelegibilidade nas eleições municipais de 1992, com esteio em jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, posicionada mediante o Acórdão unânime nº. 11.041, Recurso nº. 8.421-PA, Classe 4ª., Relator o Ministro Sidney Sanches, com a seguinte ementa:
 
 

"Inelegibilidade. Substituição de Prefeito. Presidente de Câmara Municipal. Reeleição. O Vereador que, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, substituiu o Prefeito nos seis meses anteriores ao pleito, não se torna inelegível para disputar a reeleição ao cargo de Vereador, porque amparado pela regra da CF, art. 14, § 7º." ("In" J.T.S.E., v1, n1, 1990)".
 
 

Não obstante, o mesmo Colendo T. S. E., em recente decisão publicada na J.T.S.E., volume 6, número 2, de 1995, firmou, sobre o mesmo tema, novo entendimento mediante a Resolução nº. 14.203, Consulta nº. 14.203, Classe 10ª., unânime, Relator o Sr. Ministro Torquato Jardim, do teor seguinte:
 
 

"Inelegibilidade (CF, art. 14, § 6º). Substituição de Chefe de Poder Executivo por Presidente de Poder Legislativo nos seis meses anteriores ao pleito eleitoral.
 
 

É inelegível, para qualquer cargo, o parlamentar que, Presidente do Poder Legislativo, substitua o Chefe do Poder Executivo nos seis meses anteriores ao pleito.

Irrelevante a circunstância de ser a candidatura à reeleição ao mandato parlamentar. O § 7º., art. 14, da Constituição, cuida exclusivamente das relações de parentesco nele discriminadas, sendo inaplicável a hipótese da consulta".
 
 

Assim sendo, por esse novo posicionamento está impossibilitado o Presidente da Câmara de assumir o cargo de Prefeito Municipal no período dos seis meses que antecedem as eleições, sob pena da inelegibilidade constitucional.

Por outro lado, em face da obrigatoriedade imposta pela Lei Orgânica do Município, em seu art. 66 e parágrafo único, estaria o Presidente do Legislativo "entre a cruz e a espada", segundo o dito popular, senão vejamos:
 
 

Art. 66. Em caso de impedimento do Prefeito e do Vice-prefeito, ou vacância do cargo, assumirá a administração municipal o Presidente da Câmara.

Parágrafo único. Recusando o Presidente da Câmara a chefia do Poder Executivo, renunciará ou será destituído automaticamente do cargo de dirigente do Poder Legislativo, procedendo-se, assim, na primeira sessão, à eleição do novo Presidente.
 
 

Por conseguinte, assumindo a Chefia do Executivo, tornar-se-á inelegível. Em não assumindo, "será destituído automaticamente do cargo" ou obrigado a renunciar à presidência, dando ensancha a que outro seja eleito Presidente da Mesa Diretora, para a substituição.

Entrementes, no terreno das meras elucubrações, nos campos pertinentes às discussões palpitantes, vamos adiante: - não se pode ainda olvidar, por esse artigo, que o Presidente do Legislativo também não possa se afastar da Presidência no mesmo período de afastamento do Prefeito, dando ensejo a que seu vice-presidente, na Presidência da Mesa, assuma o Executivo Municipal. E assim por diante, desde que o vice-presidente também tem seu substituto eleito e compõe a Mesa Diretora.

Outro cuidado que se deve ter com o transcrito parágrafo único é que ele encerra negativa ao "devido processo legal" (due process of law), bem como seus inerentes direitos ao "contraditórios" e à "ampla defesa", contido no artigo 5º., da Carta Maior, sem buscar o confronto com outros aderentes normativos superiores e lhes adentrar no mérito.

Afora isso, e ainda no terreno das lucubrações, poder-se-ia aventar sobre a possibilidade de todos os membros da Mesa Diretora, serem candidatos à reeleição, impedidos, também, sob a pena da inelegibilidade, de assunção ao cargo de Prefeito Municipal. Para tanto, é necessária uma previsão legal, e, compulsando a Lei Orgânica do Município, nela não encontramos disposição que solucione o impasse.

Todavia, entendemos seja facilmente resolúvel, mediante Emenda à Lei Orgânica (art. 39, inciso I; c/c o art. 51, inciso II), quiçá com disposição expressa no seguinte sentido, ou outro critério político que poderia ser disposto:
 
 

Art. 66. (...)

Parágrafo único. Na ausência ou impedimento do Presidente da Câmara assumirá a Chefia do Executivo, pela ordem de precedência, um dos membros da Mesa Diretora e, persistindo os motivos, o Vereador desimpedido com maior número de legislaturas exercidas ou o mais idoso.
 
 

Na ausência de dispositivo assim expresso, por esse impasse, rodearam-nos os jornais locais com notícias de que na inexistência do vice-prefeito e na recusa do Presidente do Legislativo, o substituto seria, eventualmente, o Juiz de Direito mais antigo na Capital ou o Juiz de Direito mais antigo de uma das Varas da Fazenda Pública.

De tais afirmações, "vênia permissa", discordamos, senão vejamos.

Compulsando o texto constitucional federal, nele é constante que a linha de substituição do Chefe do Poder Executivo é prescrita no art. 80, verbis:
 
 

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do vice-presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.
 
 

Na órbita estadual, prevê o art. 86, da Carta de 1989:
 
 

Art. 86. Em caso de impedimento do Governador e do Vice-Governador, ou vacância conjunta dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Governadoria, pela ordem, o Presidente da Assembléia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça.
 
 

Entre as entidades federais e estaduais, traçados os paralelos, é translúcida a linha de substituição e de sucessão entre os três poderes, sendo pela ordem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, Federal e Estadual.

Na Carta Constitucional Estadual de 1989, a única previsão sobre substituição e sucessão municipal é a constante do § 1º., do art. 38, a seguir:
 
 

Art. 38. As competências dos Prefeitos, devem constar da Lei Orgânica do Município, incluídas dentre outras, as seguintes:

(...)

§ 1º. Ao vice-prefeito compete substituir o titular e suceder-lhe em caso de vaga, representar o Município e exercer outras atividades por delegação do Prefeito, auxiliando-o em diferentes misteres político-administrativos.
 
 

Fácil é verificar o paralelo existente entre a União e os Estados, desde que em ambos são de sua conformação os Poderes Executivo, o Legislativo e o Judiciário, diversamente dos Municípios, que não provêem do Judiciário.

Estaria, portanto, aberto o campo a especulações, como as que foram defendidas por jurispublicistas, que se valeram de interpretação que lhes levaram, talvez, aos princípios gerais de Direito, de Direito Público, da analogia, dentre outros, para a solução.

Entretanto, entendemos que tanto inobservam os diplomas constitucionais e as Leis Orgânicas aqueles que excluem do campo de aplicação hipótese contemplada, como os que incluem espécies que neles não se contêm, assim.

É inolvidável que a nova ordem constitucional elevou os Municípios a patamares maiores do que lhes coube no passado, ora integrando a própria Federação, como é disposto no art. 1º., da Carta Maior:
 
 

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito ...
 
 

Além do mais, para reafirmar o dever de observância ao princípio da federação, ainda dispôs o legislador constituinte:
 
 

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado ...:
 
 

Por esse princípio, desde que não fazem parte dos Municípios os Poderes Judiciários Federal ou o Estadual, é-lhes vedado se imiscuam em suas administrações municipais, como órgãos neles gestores, salvo intervenção constitucional prevista.

Cada Município deve encontrar fórmula própria para a solução à problemática existente, desse jaez, fazendo-lhe previsão normativa.

Além do mais, afirmar-se que um dos membros ou Órgãos do Poder Judiciário, que não é municipal, repita-se, assumiria em substituição o Chefe do Executivo Municipal é formar acintosa ofensa ao princípio da federação, sobre o qual disserta o eminente Marcus Cláudio Acquaviva, "In" Dicionário Jurídico Brasileiro - CD - Versão Informatizada, JB Data Ed. de Informática Jurídica Ltda.:

Estado federal. Esta forma de Estado constitui uma espécie do gênero federação. A União tem suas próprias competências (CF, arts. 21 e 22), a par da competência dos Estados-membros (CF, art. 25, e § 1º.), e dos municípios (CF, art. 30), cada qual dentro de seu campo de ação, sem poder interferir na competência das demais entidades federadas, com ressalva da competência comum (CF, arts. 23, 145 e 155) e da intervenção federal da união nos Estados-membros (CF, arts. 21, V, e 34), e destes nos municípios (CF, art. 35), mas, ainda aqui, as entidades interventoras não atuam em nome próprio, e sim com vistas à integridade do próprio Estado federal como um todo...

A CF assegura a autonomia política e financeira dos Estados federados ao longo de vários artigos, pois de nada valeria a autonomia política (CF, art. 25) sem a necessária autonomia financeira (CF, art. 155), concedida esta, também, ao Distrito Federal (CF, art. 155) e aos municípios (art. 156)...

Concluindo: no Estado federal brasileiro, em vez de duas, há três ordens de competências: a da união, a dos Estados federados e a dos municípios. Nenhuma destas entidades federadas poderá invadir a competência das demais, sob pena de inconstitucionalidade, com ressalva, como já foi visto, da competência comum a todas (CF, art. 23). Bonavides, Paulo, Ciência Política, Rio de Janeiro, Forense, 6ª ed., 1986; Daranas, Mariano, Las Constituciones Europeas, Madrid, Editora Nacional, 2§ v., 1979; Gonçalves Ferreira Filho, Manoel, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 16ª ed., 1987; Maluf, Sahid, Teoria Geral do Estado, São Paulo, Sugestões Literárias, 13ª. ed., 1982; Salvetti Netto, Pedro, Curso de Teoria do Estado, São Paulo, Saraiva, 1986; Xifra Hera, Jorge, Curso de Derecho Constitucional, Barcelona, Bosch Casa Editorial, 2§ v., 1962. (grifos nossos)

Por último, é de se concluir que a única questão eleitoral envolvida no presente estudo é no que toca à inelegibilidade de quem substituir o Prefeito Municipal dentro do período de seis meses das eleições. As demais questões, todas, são de ordem constitucional, incabendo à Justiça Eleitoral a sua apreciação.

"Ad argumentandum", é que se poderia aventar a possibilidade de, mediante Consulta, formular todas essas questões ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, usando do pretexto do inciso VIII, do art. 30, da Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), do teor seguinte:
 
 

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

(...)

XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político;
 
 

Não obstante, afirmamos sobre a inutilidade dessa formulação, de vez que, repita-se, as questões são puramente constitucionais e, no máximo legais, sem envolvimento de matéria eleitoral.

Em conclusão, tem-se que:
 
 

01 - Na ausência do Prefeito e inexistência de vice-prefeito, o Presidente da Câmara Municipal, candidato à reeleição, não pode assumir a Chefia do Poder Executivo Municipal, sob pena de inelegibilidade constitucional;

02 - Na ausência ou impedimento do Presidente da Mesa Diretora, aquele que lhe substitui na presidência (vice-presidente, Secretário, dentre outros integrantes da Mesa) pode assumir a Chefia do Executivo, sob a mesma pena da inelegibilidade constitucional.

03 - A obrigatoriedade estatuída no parágrafo único, do art. 66, da Lei Orgânica do Município é inconstitucional, por ofensa a princípios insertos nas Cartas Constitucionais Federal e Estadual, pena que ofende o "due process of law" e o conseqüente "direito à ampla defesa";

04 - Impedidos todos os integrantes da Mesa Diretora, porque candidatos à reeleição, a previsão de substituição ao Prefeito Municipal deverá ser prevista na Lei Orgânica do Município;

05 - Não dispondo da previsão, cumpre a iniciativa do processo legislativo aos legitimados, mediante emendas, mercê do que prescrevem os artigos art. 39, inciso I; c/c o art. 51, inciso II, da Lei Orgânica;

06 - A substituição do Prefeito Municipal por membros do Poder Judiciário, Órgãos Federais ou Estaduais, sem que motivada por intervenção prevista constitucionalmente, fere o princípio da federação.

07 - Tratando-se de matéria constitucional, e não eleitoral, a teor do que dispõe o art. 30, inciso XII, do Código Eleitoral, incabe à Justiça Eleitoral responder consultas que não se refiram a matérias de sua especial competência eleitoral, e formuladas em tese.

** O autor é Promotor de Justiça, titular da 29ª. Promotoria de Justiça Cível de Fortaleza - Ceará, atualmente Coordenador-Geral do PROCON - DECOM, do Ministério Público do Ceará, com Pós- Graduação a nível de Mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

E-mail:rmaia@ultranet.com.br
 
 
 

retirado da revista justiti@net  www.geocities.com