COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DE CRIME ELEITORAL
(Publicada na RJ nº 252 - OUT/98, pág. 37)
Promotor de Justiça
Professor de
Direito Penal e Processo Penal - UNITINS
Presente na Carta Inglesa de 1215 e na Petition of Rights de 1628, o princípio do juiz natural foi incorporado pelas primeiras Constituições dos EUA e, com a Revolução Francesa, pela carta política deste país, desde a de 1776. Consagrado como princípio do juiz natural na França e Itália e conhecido por princípio do juiz legal (gesetzlicher Richter), na Alemanha, logo este postulado tornou-se imprescindível à definição de um Estado de Direito, espalhando-se por todas as nações que abraçaram e abraçam este propósito de justiça e democracia.
Assim, o princípio do juiz natural surge, nas nações democráticas contemporâneas, como proibição constitucional do juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inc. XXXVII, CF) e garantia de que ninguém será processado ou sentenciado senão pelo juiz competente (art. 5º, inc. LIII, CF), preconstituído por lei, como o expressa a Constituição Italiana (art. 25º).
Logo, o princípio do juiz natural é "o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente", como nos esclarece o mestre português, FIGUEIREDO DIAS(1). Mas a preconstitutividade do juiz não pode ser absoluta, sob pena de ferirmos o próprio escopo do princípio, cuja ratio essendi está na garantia de um juiz imparcial e independente.
A própria tradição italiana, onde há exigência expressa de juiz natural preconstituído por lei, admite a constitucionalidade dos dispositivos do Código de Processo Penal que permite a remessa dos autos a juiz diverso do da causa, em virtude de graves motivos de ordem pública ou legítima suspeita, como nos informa FIGUEIREDO DIAS(2). Reconhecendo, a doutrina italiana, como limite inerente ao princípio da certeza do juiz, a remessa dos autos em tais hipóteses, como asseverou G. CONSO(3).
Ora, nem sempre o espírito de um juiz preconstituído em lei consegue pautar-se de forma exclusivamente racional, apesar das prerrogativas da função criadas constitucionalmente para preservar sua independência e, conseqüentemente, sua imparcialidade: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimento (art. 95 da CF).
Muitas vezes, as tendências da época, as convicções políticas, conscientes ou inconscientes, e até os preconceitos do juiz influenciam mais que o silogismo na edição da sentença e determinação do direito que cabe as partes, como nos revela HOLMES(4). Fenômeno que nenhum legislador tem condição de deter, por ser algo inerente à condição psíquica da natureza humana.
Assim, a neutralidade absoluta do juiz é uma quimera. Porém, o conceito de neutralidade não se confunde com o da imparcialidade. Este presume a atuação do juiz sem interesse específico ou próprio na composição de determinado litígio, exceto seu próprio sentimento de civismo e justiça, que não é neutro. Logo, é óbvio que o magistrado, ao julgar, por mais racional que seja, deixa-se influenciar pela tese que mais próxima esteja de suas convicções jurídicas, políticas, religiosas, etc. Mas não deve jamais decidir com o intento de garantir uma solução do litígio que seja conveniente aos interesses ou sentimentos próprios ou alheios. Portanto, o juiz jamais será neutro, mas tem que ser imparcial.
Por conseguinte, a lei não deve correr o risco de ver o juiz influenciado por sentimentos de ódio(5) ou amor(6), dedicação (7) ou relação econômica(8), temor(9) ou de litígio(10) para com qualquer das partes, ou por as ter aconselhado, bem como pelo interesse que determinada solução do litígio pode lhe trazer, por estar ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, respondendo a processo por fato análogo, cujo caráter criminoso haja controvérsia, impondo-lhe que se declare suspeito ou, se não os fizer, facultando a qualquer das partes a sua recusa (art. 254 do CPP).
De modo semelhante, quando o juiz, seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive, for parte ou tiver interesse no feito ou participou deste como advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito, ou tenha o juiz sido testemunha no processo ou atuado como magistrado em outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão, tem o juiz sua imparcialidade manifestamente prejudicada, considerado-o, a lei, impedido de exercer a função jurisdicional no feito (art. 252 do CPP).
Assim, é plenamente compatível com o princípio do juiz natural, a exigência de remessa imediata do processo ao substituto legal em caso de suspeição(11), impedimento ou incompatibilidade (art. 112 do CPP) de juiz de primeira instância, ou, nas mesmas hipóteses, sendo juízes de instância superior (tribunais), deixar estes, de participar da votação e, caso seja relator ou revisor, remeter o processo ao seu substituto (art. 103 do CPP). Pois em todas estas hipóteses a lei busca excluir qualquer possibilidade de uma atuação parcial do Magistrado, cumprindo a finalidade do próprio princípio do juiz natural.
Ademais, o princípio do juiz natural preconiza a necessidade de uma racionalização, na organização da função jurisdicional, preconstituída em lei. Mas pela própria ordem natural das coisas, esta organização não pode ser estática. Algumas vezes, em razão da complexidade da causa, face a continência ou conexão, a lei prevê regras de prorrogação de competência, dilatando a jurisdição de um juiz incompetente sobre a de um outro, como nos ensina, TEIXEIRA DE FREITAS, citado por FREDERICO MARQUES(12). Outras vezes, permite a delegação, de um juiz a outro - precatória - ou do Tribunal a um juiz de instância inferior - carta de ordem -, da prática de determinados atos processuais ou a execução de sentença(13). Em todos estes casos não há afronto ao princípio do juiz natural, pois, apesar de serem causas que provocam modificações na competência, estão prefixadas em lei e funcionam como fatores dinâmicos da própria racionalização da organização da função jurisdicional, exigida em razão do próprio princípio do juiz natural.
Como nos casos acima vistos, as substituições, em virtude de férias, licença, morte etc., previstas nas leis orgânicas da magistratura, sendo preconstituídas ao fato, não ofendem o princípio do juiz natural, que não se confunde com o postulado da identidade física do juiz, princípio que não vigora em direito processual penal.
Por outro lado, não se pode confundir as justiças especiais com os juízos de exceção vedados pelo princípio do juiz natural. Os tribunais ou juízos de exceção são os criados post factum, "constituídos ad hoc para o julgamento de tal e tal caso" ou grupos determinados de casos, como nos ilustra P. RASSI, citado por FREDERICO MARQUES(14). As justiças especiais são criadas com o fim de racionalizar a atividade judicial, incidindo sobre causas prefixadas com base em critérios normais de distribuição de competência, em regra, o de competência objetiva.
Portanto, podemos afirmar que o princípio estudado, em seu sentido pleno de juiz natural preconstituído em lei, possui tríplice significado, como nos faz concluir FIGUEIREDO DIAS(15):
a) em termos de fonte, "só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência"(16) e suas modificações, bem como, as formas e casos em que se permite a substituição em razão de férias, licença, aposentadoria, morte, promoção, remoção, etc.;
b) no plano temporal, a fixação do juiz e de sua competência e suas modificações, bem como, as formas e casos em que se permite a substituição em razão de férias, licença, aposentadoria, morte, promoção, remoção etc., têm que estar previstas em lei anterior à infração penal, objeto do processo: a preconstituição em lei do direito italiano;
c) em termos de critérios, exige-se que a lei fixe a competência dos juízes em critérios genéricos e racionais, que não permitam a criação de tribunais para julgar "casos concretos ou determinados grupos de casos"(17), proibindo os juízos ou tribunais de exceção.
Em direito constitucional pátrio, entretanto, não foi acolhido o princípio do juiz natural em sua plenitude. A Constituição Federal apenas proibiu o juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inc. XXXVII, CF) e previu a garantia de que ninguém será processado ou sentenciado senão pelo juiz competente (art. 5º, inc. LIII, CF). Não consta em nosso texto constitucional, explícita ou implicitamente, a exigência de juiz natural preconstituído por lei. Assim, em solo nacional, temos um princípio do juiz natural atenuado, onde só prevalecem os elementos contidos na letra a e c do parágrafo anterior.
O que produz solução prática diversa da dos países onde vigora o princípio do juiz natural preconstituído em lei. Assim, em caso de criação de novas zonas eleitorais, os autos pendentes devem ser remetidos aos órgãos jurisdicionais recém criados, na forma regulada pela lei que os criou, bem como devem ser processados, naqueles novos órgãos, os feitos relativos aos crimes ocorridos antes da vigência da lei que os instituiu. Solução que seria incompatível com o elemento da preconstituição em lei do princípio do juiz natural, se ele aqui vigorasse.
2. DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA DA ATIVIDADE JURISDICIONAL:
O princípio do juiz natural, como vimos, mesmo que minguado pela ausência do elemento da preconstituição em lei, propõe-se a determinar uma organização fixa dos órgãos de jurisdição, de modo que o julgamento de cada caso penal concreto seja deferido apenas a um único juízo a cada instância. É "nisto que se traduz a determinação da competência em processo penal", como nos elucida FIGUEIREDO DIAS(18). Mas o escopo do princípio do juiz natural só será realizado quando a determinação da competência fundar em critérios racionais, de forma que não permita a criação de tribunais de exceção.
Na fase atual da ciência processual, três são os critérios empregados para atender esta exigência do princípio do juiz natural: o objetivo, o territorial e o funcional. Porém, tais critérios não são utilizados de forma aleatória, mas com o fim de alcançar uma descentralização da atividade jurisdicional adequada à forma de Estado adotada e à racionalização almejada ao bom desempenho da jurisdição. Mas o que é jurisdição?(19)
A jurisdição é uma função de Estado, ou seja, uma função da soberania do Estado(20), como preconiza CHIOVENDA(21). Assim, a jurisdição, como todos os demais atributos do Estado - a função legislativa e a governamental -, é una na soberania. Esta unidade da jurisdição é inquestionável em todas nações que se revelam como Estado de Direito. Porém, o que de fato ocorre é a incompreensão do alcance desta unidade.
O princípio da unidade jurisdicional é, na realidade, uma conseqüência natural do princípio da separação dos poderes, segundo o qual, cada poder apenas pode ser exercido por um só órgão estatal, como nos elucida ENRIQUE ÁLVAREZ CONDE(22), e tem aplicação plena em todos os Estados de Direito, independentemente da Forma de Estado. Tal unidade da jurisdição nada mais é do que aquilo que JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO chama de reserva de juízes (richtervorbehalt)(23), ou seja, a conjugação dos princípios da exclusividade jurisdicional - os magistrados só podem exercer função jurisdicional - e do monopólio jurisdicional - a função jurisdicional só pode ser exercida por juízes e magistrados -, como derivação natural do princípio da separação dos poderes, como nos esclarece ENRIQUE ÁLVAREZ CONDE(24).
Outra coisa, distinta do princípio da unidade da jurisdição, é a descentralização política da atividade jurisdicional. A existência desta está condicionada a forma de estado e só é possível no Estado Federal. Assim, não é lícito confundirmos, como parece fazer boa parte da doutrina nacional, o princípio da unidade jurisdicional, que é uma expressão do princípio da separação dos poderes, com o princípio da descentralização federal da jurisdição, que emana do princípio do Estado Federal.
Portanto, a unidade da jurisdição está presente em um Estado na medida em que este garanta a reserva de juízes (Richtervorbehalt), em pleno respeito ao princípio da separação dos poderes. Porém, a atividade jurisdicional está sujeita à descentralização política, conforme a Forma de Estado adotada. Mas qual a distinção entre a forma de estado federal e a unitária?
Enquanto no Estado unitário típico, a descentralização é exclusivamente administrativa-funcional, estando à mercê do Poder Central, suprimi-la ou ampliá-la por decisão própria, no Estado unitário descentralizado, além da descentralização administrativa-funcional, há uma descentralização política - governos e legislativos eleitos, em regra, nas províncias -, entretanto, por mera delegação do Poder Central, como nos ensina SAVÓIA GRASSO(25). Assim, todo este poder é considerado como emanação do poder central, sendo desprovidos de autonomia política. Todas as leis locais estão subordinadas, hierarquicamente, ao poder central, compondo um corpo legislativo uno. Tal divisão dos órgãos judiciários no Estado unitário, inclusive no descentralizado (onde, em regra, há uma descentralização política do governo e do legislativo da província, como delegação do Poder Central), é meramente administrativa-funcional, com o fim de racionalizar esta função em face de fatores geográficos ou de especialização de trabalho. Portanto, apesar de cada órgão judicial ser dotado de uma esfera própria de competência, não há descentralização política da jurisdição, sendo que todos os tribunais são considerados tribunais do governo central.
No Estado Federal, inversamente ao que ocorre no Estado Unitário descentralizado, a descentralização política não é fruto de uma delegação do Poder Central, mas sim de uma divisão constitucional do poder político entre o Poder Central e o Regional por uma constituição rígida, que não permite a modificação da competência por lei emanada do Poder Central. Assim, enquanto no Estado Federal cada unidade dos Estados membros federados possui poderes políticos próprios, no Estado Unitário descentralizado, os poderes das províncias são delegados ou atribuídos pelo Poder Central(26), como nos ilustra MARCELLO CAETANO.
Logo, ao Estado Federal é concedida a Soberania para que zele pela unidade nacional, pela Constituição e pela ordem democrática. Aos Estados membros a autonomia, que nada mais é que uma parcela diminuta da soberania, lhes permite o poder de se auto-organizar e autogovernar. Portanto, são as seguintes as características do Estado Federal, como nos relata SAVÓIA GROSSA(27):
1. "Soberania do Estado Federal, e subordinação dos Estados membros à ele;
2. direito de auto-organização e autogoverno dos Estados-membros (autonomia);
3. repartição de poderes entre o Estado Federal e os Estados-membros;
4. supremacia da Constituição;
5. participação dos Estados-membros na formação do Estado Federal;
6. existência de um órgão jurisdicional, intérprete da Constituição, controlador da constitucionalidade das leis";
7. a existência de tribunais superiores que zele pela unidade hermenêutica do ordenamento jurídico federal, julgando recurso especial quando a decisão recorrida contraria: tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal e dar à lei federal interpretação diversa da que lhe atribuído outro tribunal.
Tais características nos apontam, no terreno da descentralização política da atividade jurisdicional, os seguintes elementos:
1. cada parcela de jurisdição destinada ao Estado Federal e aos Estados membros, enquanto expressão da repartição constitucional de poderes entre o Estado Federal e os Estados-membros, é privativa destes, sendo que, o julgamento de matéria pertencente à atribuição de uma destas entidades por outra, fere, incondicionalmente, o princípio federal;
2. para que a autonomia dos Estados-membros não se transforme em soberania, atribui-se ao Estado Federal, que é soberano, a função de zelar pela ordem constitucional e pela unidade hermenêutica do ordenamento jurídico federal, por meio de tribunais superiores constitucionalmente constituídos: o STF - o intérprete da Constituição - e o STJ - que julga as decisões recorridas (recurso especial) que: contrariar a tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal e dar à lei federal interpretação diversa da que lhe atribuído outro tribunal.
Porém, esta descentralização federal da jurisdição vem sendo negligenciada por boa parte da doutrina pátria. A ausência desta compreensão, na teoria brasileira da jurisdição, tem como causas: a) a vinculação a uma literatura jurídica de países onde a forma de estado é unitária e na qual a doutrina não conhece a descentralização política federal da jurisdição; b) que a inexistência de uma Justiça Federal, após a queda da Velha República até o advento da Constituição de 1967, deu a falsa impressão, aos processualistas nacionais, de ausência de uma descentralização política da jurisdição em um estado federal. Equívoco este que só se justifica por superficial análise da forma do estado brasileiro durante aquele período, onde o Brasil se apresentava como Estado Federal, mas de fato tinha o comportamento e a estrutura de um estado unitário descentralizado.
Assim, nos deslocando geo-politicamente das fontes de pesquisas oriundas de países unitários, encontramos na doutrina de um país de natureza federal, como o México, a certeza da descentralização federal da jurisdição. NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILHO nos revela que a causa da associação entre o conceito de jurisdição e competência repousa na complexidade que ambas as figuras alcançam em um país com federalismo processual(28). Enquanto CARLOS ARELLANO GARCIA fala em espécies de jurisdição no Estado Federal do México, entre as quais, a jurisdição federal e a estadual, sendo aquela correspondente ao Poder Judiciário da Federação e esta a cada um dos Poderes dos estados membros(29),(30).
Deste modo, na República Federativa do Brasil, a exemplo do México e de todos os Estados Federais, há uma jurisdição federal e uma atribuída a cada Estado-membro da Federação. Aquela tem sua competência, em matéria penal, enumerada, de forma expressa nos artigos 108, 109 da CF, além das fixadas para o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça - que são os tribunais superiores da federação -, para a Justiça Militar Federal - as infrações militares que ofendem o patrimônio, a atividade e a administração das Forças Armadas -, e, por fim, para a Justiça Eleitoral - os crimes eleitorais que são o objeto de nosso estudo. As Justiças Estaduais mantém para si a competência residual. Mas nestas duas formas de jurisdição o princípio da unidade da jurisdição é mantido em quase toda a sua amplitude: só aos juízes e magistrados federais, na esfera da jurisdição federal, e aos estaduais, no campo da jurisdição estadual, cabe, em regra(31), processar e julgar as infrações de sua competência.
3. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA-FUNCIONAL DA ATIVIDADE JUDICIÁRIA:
Dentro de cada Estado-membro e do próprio Estado Federal, há necessidade de descentralização administrativa-funcional da atividade judiciária em aparelhos de justiça, que por sua vez, se descentralizam, de forma administrativa-funcional, em órgãos judiciários. Assim, o Estado Federal, além dos dois Tribunais Superiores já mencionados, descentraliza-se em aparelhos judiciais especiais e comuns, ou seja, na Justiça Eleitoral e Justiça Militar Federal (justiças especiais) e na Justiça Comum Federal. Os Estados-membros, da mesma forma, exercem sua parcela de jurisdição por meio de dois aparelhos de justiça: um especial - Justiça Militar Estadual -, outro comum - Justiça Comum Estadual. E, cada uma destas justiças sofrem uma descentralização, também de natureza administrativa-funcional, denominada orgânica(32).
Desse modo, no Estado Federal, as justiças especiais são descentralizadas em tribunais superiores - TSE e STM -, tribunais regionais e juízes, enquanto a Justiça comum Federal é descentralizada em tribunais regionais e juízes federais. De forma equivalente, nos Estados-membros, a Justiça Militar Estadual é descentralizada em tribunais estaduais militares ou, no próprio Tribunal de Justiça, e em primeiro grau, pelo Conselho de Justiça, enquanto a Justiça Estadual Comum é composta de Tribunais de Justiça e de Juízes Estaduais.
Por conseguinte, nítida é a distinção entre a descentralização da atividade jurisdicional, própria dos Estados Federais, e a descentralização administrativa-funcional da atividade judiciária, fundada na necessidade de racionalização do serviço judicial, inerente a todas as formas de Estado.
Contudo, todas estas formas de descentralização, em obediência ao princípio do juiz natural, são fixadas com base em critérios rígidos de determinação da competência. A descentralização política da atividade jurisdicional e, a desta, em aparelhos judiciais especiais e comuns exigem divisão de competência em ratione materie. Ao passo que, na descentralização orgânica destes aparelhos judiciais (justiças especiais e comuns), a lei utiliza-se de todos os critérios de determinação da competência.
Passemos, portanto, ao estudo das formas de descentralização no interior de cada modalidade de competência, no limite próprio do objeto do presente estudo.
4. DA COMPETÊNCIA OBJETIVA:
A competência determinada pelo critério objetivo, ou simplesmente competência objetiva, é a que fixa, dentro de uma instância demarcada, o tipo ou classe de órgão que é competente por razão do objeto, como nos esclarece LORCA NAVARRETE(33). Mas o critério objetivo varia de acordo com a ênfase dada a certo aspecto do objeto, ou seja, certos elementos externos da lide(34) penal, da imputação: a) sobre o fato imputado, que é a matéria a ser apurada, a materialidade do delito - competência em razão da matéria; b) sobre a pessoa contra quem recai a imputação - competência em razão da pessoa.
5. COMPETÊNCIA RATIONE MATERIE
Em certos momentos, a determinação da competência funda-se no tipo de delito a ser apurado, no limite máximo de pena fixado para a infração processada, no tipo de pena privativa da liberdade (por exemplo: se é reclusão ou detenção) do delito em pauta ou em razão da natureza ou do titular do bem jurídico ofendido. Nestas hipóteses, dá-se o nome de competência em razão da matéria, pois esta recai sobre um dos aspectos da matéria a ser apurada, ou seja, num dos aspectos da materialidade do delito a ser averiguada.
Como vimos, este é o critério utilizado na determinação da competência dos aparelhos judiciais, isto é, das justiças especiais e comuns atribuídas ao Estado Federal e aos Estados-membros na repartição constitucional de poderes. Mas a descentralização política da jurisdição entre Estados-membros e o Estado Federal não é aleatória. Obedece a uma divisão da competência fixada de acordo com as atribuições, interesses, bens e serviços dados constitucionalmente aos Estados-membros e à União. Isto, em função de ser privativo da União ou dos Estados tais atribuições, etc.
Ora, as infrações eleitorais são as que lesam a autenticidade do processo eleitoral, o funcionamento do serviço eleitoral, a liberdade eleitoral e os valores de isonômia da atividade eleitoral, como nos elucida SEBASTIÃO OSCAR FELTRIN(35), sendo, portanto, um obstáculo a própria dinâmica da democracia, que é um interesse primordial do Poder Soberano, o qual é o próprio Estado Federal. Logo, é natural que a competência para processar e julgar as infrações eleitorais seja atribuída à União. Assim, as infrações eleitorais são atributos próprios da parcela de jurisdição reservada à federação, como se pode auferir da leitura do art. 109, IV c/c a seção VI, do capítulo do Poder Judiciário, ambos da Constituição Federal.
Mas em razão da especialidade da matéria, a atividade judiciária federal foi constitucionalmente descentralizada de forma administrativo-funcional, criando-se justiças especiais e comum na esfera da jurisdição federal. Entre as Justiças Especiais de natureza federal, em matéria criminal, encontra-se presente a Justiça Eleitoral. Por sua vez, a competência da Justiça Eleitoral, que nada mais é que um aparelho do Poder Judiciário da União, ficou a cargo da legislação complementar eleitoral, por força do art. 121, caput, da Constituição Federal. Porém, leitura atenta dos arts. 108, I, a; 109, IV, 121, § 1º, V etc., CF, nos revela que, de forma implícita, a Constituição Federal atribuiu à Justiça Eleitoral a competência para processar e julgar os delitos eleitorais. Ademais, na ausência de uma lei eleitoral complementar, inegável é a recepção do Código Eleitoral e da competência nele fixada, nos pontos em que não há colisão com a Constituição Federal. Assim, a competência criminal da Justiça Eleitoral é determinada, face a Constituição e o Código Eleitoral, em ratione materie. Portanto, compete a Justiça Eleitoral julgar e processar as infrações eleitorais e os crimes comuns com elas conexos, bem como os habeas corpus, mandado de segurança referentes a tais crimes, segundo nos preleciona JÚLIO FABBRINI MIRABETE(36), (37).
6. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE:
Como vimos, a competência em razão da matéria é a utilizada, em regra, para a descentralização política entre o Estado Federal e os Estados membros e a determinação da competência constitucional de suas justiças.
Em outros casos, o critério pauta-se pela qualidade ou função da pessoa sobre quem recai a imputação a ser apurada, dando-se o nome de competência em razão da pessoa. A fixação da competência em razão da qualidade, do status que o imputado possui em uma sociedade, não é compatível com um Estado Democrático de Direito, o qual tem como um de seus princípios a isonomia legal.
Por outro lado, a determinação da competência por prerrogativa de função, não só é compatível com o Estado Democrático, como é uma exigência sua. Entrega a Constituição, conforme a dignidade do cargo exercido, o julgamento de altos signatários da nação a órgãos colegiados superiores, com o objetivo de pre servá-los da repressão de órgão de menor ou igual estatura de poder e garantir-lhes uma maior eqüidade no julgamento. Pois há maior maturidade e isenção de preconceitos de índole política ou ideológica nesses órgãos superiores de jurisdição, que em regra não convivem diretamente com o titular da prerrogativa de função. O que traz ao espírito desses homens públicos uma maior tranqüilidade e certeza de justiça, permitindo trabalhar mais serenamente em prol da nação.
Em matéria de infração eleitoral, a competência ratione personae observa, no que não ofende o princípio da divisão federal da jurisdição, as regras gerais fixadas pela Constituição Federal e, na falta destas, as fixadas no Código Eleitoral.
Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, inc. I, letra b, c e d, da CF), que nada mais é que a Corte Constitucional, processar e julgar, originariamente, nas infrações eleitorais, que são de natureza comum, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional(38), os Ministros de Estado(39), seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, bem como julgar os habeas-corpus onde quaisquer destas pessoas sejam pacientes.
Ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105 da CF) compete processar e julgar, originariamente, nas infrações eleitorais, que são de natureza comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e os desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais, bem como os habeas-corpus quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas(40).
Ora, a tese de que a competência para julgar e processar os governadores nas infrações eleitorais é do Tribunal Superior Eleitoral(41) não procede. Em primeiro lugar, a competência do Tribunal Regional Eleitoral para processar e julgar os Prefeitos em crime eleitoral não encontra refúgio na especialidade da Corte Eleitoral, que não mantém íntima relação com uma interpretação analógica do art. 29, VIII, CF, como pretende nos fazer crer o ilustre Subprocurador-Geral da República GERALDO BRINDEIRO(42). Na realidade, como veremos logo adiante, tal interpretação é apenas uma emanação do princípio da divisão federal da jurisdição, que impede que os Estados membros atuem nas esferas de jurisdição do Estado Federal, sob pena de infração ao princípio federal. Em segundo, a especialização da Justiça Eleitoral é uma realidade constitucional, mas não é um princípio constitucional que possa opor às regras do art. 105 da CF uma exegese diversa. Tal dispositivo constitucional impõe uma exceção à especialização da Justiça Eleitoral, atribuindo, sem qualquer discriminação, ao Superior Tribunal de Justiça, a missão de julgar e processar, em todos os crimes comuns, as pessoas ali elencadas. Ademais, o TSE e o STJ são órgãos da jurisdição federal, sendo inaplicáveis às soluções dadas as prerrogativas de função originárias das Cortes Estaduais, onde a jurisdição federal, em matéria de delitos eleitorais, impõe a competência do TRE, face ao princípio da divisão federal da jurisdição - que deriva do princípio do Estado Federal - e sua combinação subsidiária com o princípio da simetria(43). Nesse sentido já decidiu o STF, por unanimidade, em conflito negativo de jurisdição(44).
O art. 22, inc. I, letra a, do Código Eleitoral, fixa a competência do Tribunal Superior Eleitoral para julgar e processar, nos crimes eleitorais e os com eles conexos, os seus próprios juízes e os juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais. Cremos que, face ao que dispõe o inc. I, letra c, do art. 102 e o inc. I, letra a, do art. 105, ambos da Constituição Federal, o art. 22, inc. I, letra a, do Código Eleitoral não foi recepcionado pela nova Ordem Constitucional. Assim, o Tribunal Superior Eleitoral, em matéria de infração eleitoral, "não possui competência ratione personae", como nos ilustra FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO(45).
Compete aos Tribunais Regionais Eleitorais processar e julgar, originariamente, nos crimes eleitorais e nos conexos com eles, os juízes eleitorais, nos termos do art. 29, I, "d", Código Eleitoral. Não há qualquer colisão deste artigo com a Constituição Federal, pois, como vimos, os arts. 96, III, da CF ressalva a competência da Justiça Eleitoral. É de competência, ainda, dos TREs o processo e julgamento originário, nos crimes eleitorais e nos conexos com eles, dos membros dos Ministérios Públicos eleitorais, que não oficiem perante Tribunais, por força de exegese que combina os art. 96, III e 108, I, letra a, da Constituição Federal, com o princípio da simetria.
Os Tribunais Regionais Eleitorais são, também, competentes para processar e julgar os Prefeitos em crimes eleitorais e comuns conexos. Aqui, no que pese a ausência de ressalva do art. 29, X, da CF, trata-se de jurisdição federal. Assim, o julgamento de Prefeitos por crime eleitoral perante o Tribunal de Justiça acarretaria o deslocamento da parcela de jurisdição reservada ao Estado Federal para os Estados membros, em flagrante infração ao princípio federal. Logo, a exegese no sentido da competência do Tribunal de Justiça em matéria de crime eleitoral não nos parece ser a interpretação possível, mas sim a que vê o art. 29, X, da CF (combinado com seu inc. VIII), como norma que visa impor um foro privilegiado, em razão da função de Prefeito, restrito ao âmbito do Estado-membro, como o é a da imunidade do Deputado Estadual (Súmula 3 do STF). Por outro lado, não haveria sentido privar o Prefeito do foro privilegiado, deixando-o, justamente no crime eleitoral, nas mãos do juiz da comarca, agora revestido da função de juiz eleitoral, quando nos demais crimes lhe é facultado foro privilegiado como garantia de maior imparcialidade em seu julgamento, graças ao distanciamento dos Órgãos de Cúpula. O que nos impõe uma exegese que combine o princípio da divisão federal da jurisdição com o da simetria. Por conseguinte, não resta dúvida, como já vem decidindo o TSE e STF, que o Tribunal Regional Eleitoral é o competente para processar e julgar Prefeitos municipais em delitos eleitorais e comuns conexos (46).
Cremos que a mesma orientação e fundamentos impõem a competência de processar e julgar os juízes e membros do Ministério Público estaduais, nas infrações eleitorais e conexas cometidas fora das funções eleitorais, aos Tribunais Regionais Eleitorais. Porém, tal orientação não tem aplicação aos juízes e membros do Ministério Público Federal não eleitoral. Aqui a letra d, inc. I, do art. 29, do Código Eleitoral restringe a competência do Tribunal Regional Eleitoral ao processo e julgamento dos juízes eleitorais. Portanto, a ressalva do art. 108, I, a, CF não tem aplicação, vez que a lei eleitoral em vigor não retira a competência do Tribunal Regional Federal nestes casos. Assim, cremos que compete ao TRF processar e julgar os juízos federais e os membros do Ministério Público da União, que não oficie perante tribunais, em crimes eleitorais, quando estes não exercem função eleitoral correspondente, pois aqui não há aplicação do princípio da divisão da jurisdição, visto que o TRF e TRE são órgãos de uma mesma jurisdição, a federal.
Quanto ao foro por prerrogativa de função atribuído em Constituições Estaduais, nem uma aplicação pode ter em matéria de infração eleitoral, pois o art. 125 da CF, em seu § 1º, concedeu ao constituinte estadual a faculdade de definir a competência dos Tribunais de Justiça, em pleno respeito ao direito de auto-organização e autogoverno dos Estados-membros, mas jamais lhe permitiu - nem poderia fazê-lo sem ofensa ao princípio do Estado Federal - que impusesse normas à parcela de jurisdição destinada ao Estado Federal. Desse modo, todos os que possuem foro privilegiado, fixados pelas Constituições Estaduais, serão processados e julgados, normalmente, nas infrações eleitorais e nas comuns que lhe forem conexas, pelo juiz eleitoral, em observância ao art. 35, II, do Código Eleitoral, não sendo lícito a aplicação do princípio da simetria, como vêm fazendo alguns julgados.
Nas infrações previstas nos arts. 324 e 325 do Código Eleitoral, a oposição da exceção da verdade, nos termos do art. 85 do CPP, será afeto à competência ratione personae fixada em razão da prerrogativa de função do ofendido.
Enfim, resta-nos aduzir, mesmo que de forma sucinta, certas questões relativas ao alcance da competência ratione personae.
Nos termos da Súmula 394 do STF, o crime cometido durante o exercício da função, mesmo que o inquérito ou ação penal tenha sido iniciado após a cessação daquele exercício, prevalece a competência por prerrogativa de função.
Quando, porém, a infração foi praticada antes do exercício da função, o foro privilegiado tem a duração de tal exercício, encerrando a competência ratione personae ao cessar o mandato.
O foro privilegiado prevalece, contudo, ainda quando afastado da função legislativa para o exercício de cargo público, sendo processado e julgado, por exemplo, pelo STF o Deputado Federal que esteja exercendo o cargo de Secretário de Estado.
Concluindo, o foro privilegiado dos magistrados e membros do Ministério Público prevalece mesmo após a aposentadoria, pois tal projeção ocorre em razão do cargo, que é vitalício, e não da Função.
7. COMPETÊNCIA FUNCIONAL:
Na competência funcional, que pressupões a competência objetiva, há distribuição das atividades jurisdicionais, dentro de um mesmo processo(47), a vários órgãos de jurisdição, do mesmo grau ou de graus ou natureza diversa.
Logo, a competência funcional permite uma tripartição, "segundo os critérios essenciais que presidem à repartição das funções do juiz pelos diversos órgãos de jurisdição", como nos orienta FIGUEIREDO DIAS(48), em:
I. Competência funcional por graus: considerada competência funcional em sentido próprio por CAVALEIRO DE FERREIRA, consiste em um instrumento que concilia a garantia do princípio do juiz natural com a do duplo grau de jurisdição, fixando os juízes competentes para processar uma mesma causa no primeiro grau e nos demais graus de recurso. Assim, a lei determina não só o primeiro juiz do feito, como, permitindo às partes interpor recursos, discrimina os órgãos de jurisdição de graus superiores onde os recursos devam ser conhecidos e julgados;
II. Competência funcional por fases: "se dá quando dois ou mais órgãos jurisdicionais de uma mesma instância praticam, num determinado feito", certos atos jurisdicionais, como nos ilustra TOURINHO FILHO(49). A lei assim procede em razão da complexidade do decurso do processo, que exige, para galgar seu fim, uma pluralidade de fases, onde cada fase é um pressuposto da seguinte e cometida ao conhecimento de juízes distintos de mesma instância. Um exemplo clássico, é o do juiz de execução. Ora, no processo penal a sentença é de natureza obrigatória, assim a execução é uma nova fase do processo penal, constituindo-se em parte da mesma relação jurídica, como nos ensina FREDERICO MARQUES(50). Assim, quando a lei distingue entre juiz de conhecimento e de execução, fixa, pela complexidade do feito, duas fases, cada qual confiada a um órgão de jurisdição de mesmo grau;
III. Competência funcional por órgãos: quando a lei distribui a órgãos, de natureza distinta, a atividade jurisdicional em um mesmo processo. Por exemplo: o processo dos crimes dolosos contra a vida, onde na fase de formação da culpa, a lei atribui a função jurisdicional a um magistrado e, na fase subsequente, incumbe o Tribunal do Júri do julgamento final.
Em matéria criminal eleitoral, além da existência possível de competência funcional por fases - em razão de execução penal -, é a competência funcional por graus a mais usual e necessária. Vejamos, agora, portanto, a competência recursal dos Tribunais em matéria de crime eleitoral.
Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar: a) em recurso ordinário, as decisões denegatória de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção proferidas pelo TSE e STJ em matéria criminal eleitoral; b) em recurso extraordinário, em matéria criminal eleitoral, quando a decisão recorrida: b.1) contraria disposição da Constituição; b.2) declarar a inconstitucionalidade de lei federal.
Ao Tribunal Superior Eleitoral compete julgar, em recurso ordinário, as decisões denegatória de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção proferidas pelos TREs em matéria criminal eleitoral(51). Ademais, compete ao TSE julgar recurso especial que vise corrigir decisão dos TREs quando forem proferidas contra expressa disposição de lei ou ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais Tribunais Eleitorais. Assim, o recurso especial previsto no art. 276, I, letras a e b do Código Eleitoral, que, apesar da semelhança, não se confunde com o recurso especial previsto na Constituição Federal, foi plenamente recepcionado, como nos elucida TOURINHO FILHO(52).
Os Tribunais Regionais Eleitorais têm a competência de julgar as decisões que concedem ou denegam habeas corpus, mandado de segurança, bem como os demais recursos criminais (apelação, recurso em sentido estrito etc.), como nos elucida TITO COSTA(53).
8. COMPETÊNCIA TERRITORIAL:
A lei, também, em certos casos, distingue, por razão de território, o assunto pertinente aos órgãos de jurisdição penal de um mesmo tipo e grau de jurisdição, como nos ilustra LORCA NAVARRETE(54). O que é conhecido por competência territorial. Este critério tem uso na descentralização orgânica dos aparelhos judiciários, que distribui, dentro de uma mesma justiça e no mesmo grau de instância, geograficamente, a competência jurisdicional de cada juiz.
Assim, entre órgão de jurisdição do mesmo tipo (pertencente a mesma justiça: estadual, federal, militar ou eleitoral) e grau (mesma instância) de jurisdição, descentralizados em circunscrições territórios de jurisdição, a lei fixa a competência, em regra, com fulcro no lugar da infração e, subsidiariamente, no da residência do imputado. São, portanto, critérios de natureza territorial, que demarcam a competência territorial.
Por uso subsidiário autorizado pelo art. 364 do Código Eleitoral, a competência territorial é fixada pelo art. 70 e segs. do CPP. O indigitado art. 70 determina a competência territorial pelo lugar em que se consuma a infração ou, em caso de tentativa, pelo local onde foi praticado o último ato de execução. Porém, alguns crimes eleitorais suscitam complexidade na aplicação da regra do art. 70 do CPP.
No crime de calúnia, difamação e injúria eleitoral, previstos nos arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral, a consumação do delito, quando este é praticado por meio de panfletos, se dá com a distribuição destes, não com a sua impressão, que é mero ato preparatório. Sendo competente o juiz eleitoral da Zona Eleitoral onde se deu a distribuição dos panfletos(55).
No delito previsto no art. 353 do Código Eleitoral, a consumação se dá no local onde se fez uso do documento falso, não no de sua falsificação. Sendo competente para processar e julgar a ação penal correspondente o juiz da Zona Eleitoral onde se utilizou o documento falso(56).
9. OS CRITÉRIOS DA PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA FACE A CONEXÃO OU CONTINÊNCIA:
A conclusão do presente estudo nos impõem, ainda, a análise de uma última questão: os efeitos da prorrogação da competência, por conexão ou continência, em matéria penal eleitoral.
A questão central em matéria de conexão(57) e continência(58) é a determinação de qual Juízo terá a sua competência prorrogada, face a necessidade da unidade de processo. Antes de discutirmos este tema, porém, é preciso não confundirmos a prevenção, que é um dos critérios subsidiários de determinação da competência, com as formas de prorrogação da competência. Enquanto a prevenção é a antecipação da jurisdição por um juiz competente sob outro também competente, a jurisdição prorrogada, por conexão ou continência, "é a de um juiz incompetente dilatando-se na jurisdição de outro", como nos elucida, TEIXEIRA DE FREITAS, citado por FREDERICO MARQUES(59).
O primeiro efeito da conexão ou continência é a prevalência da especialidade da Justiça Eleitoral sobre a comum(60) (art. 78, IV, CPP, aplicação subsidiária). Especialidade que, face a excepcionalidade constitucional, prevalece sobre a competência do Júri, vez que a Constituição Federal (Art. 121, caput) recepcionou o Código Eleitoral e a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos (Art. 35, inc. II, Código Eleitoral), sem qualquer ressalva à competência do Júri. Assim, havendo conexão entre delito eleitoral e doloso contra a vida, a competência é da Justiça Eleitoral, mantendo-se a unidade do processo, como nos preleciona TOURINHO FILHO(61)
Na continência, quando há pluralidade de agentes e unidade de infração, há a prevalência da competência em razão de prerrogativa de função de maior grau sobre a dos demais juízos de grau inferior (art. 78, III, CPP, aplicação subsidiária). Por exemplo: um Prefeito Municipal, que em concurso de agente com um Deputado Federal cometeu crime eleitoral, será processado e julgado, originariamente, pelo STF, pois a prerrogativa de função do Deputado Federal, por ser de maior grau, prevalece sobre a do Prefeito, impondo-se a prorrogação daquela sobre esta.
No concurso de jurisdição da mesma categoria, em razão de conexão ou continência, prepondera a da Zona Eleitoral da infração à qual for cominada a pena mais grave e se as penas forem de igual gravidade, a do lugar onde houver ocorrido o maior número de infrações (art. 78, II, CPP, aplicação subsidiária).
Concluindo, no concurso entre Justiça Eleitoral e Militar não há unidade de processo (art. 79, I, CPP, aplicação subsidiária).