® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
 
 
 
Porque rompi com o PCdoB e aderi ao PSTU 



Lindberg Farias

Carta aberta aos militantes do PCdoB e também aos demais militantes da esquerda socialista 

Aos companheiros da base do PCdoB com os quais militei, aos meus amigos e comunistas honestos e dedicados com quem convivi nestes anos. Para vocês, antes de tudo, escrevo esta primeira carta, no meio de um momento muito importante e, ao mesmo tempo também muito difícil para mim
 

Tomei a decisão de romper com o PCdoB, depois de refletir muito, por eu ter hoje profundas diferenças políticas e programáticas com o partido e por considerar que o partido vive um processo tremendo de burocratização, que não permite o debate e a discussão interna, profunda, que precisaria ser realizada.

Pelo contrário, o debate político interno é sufocado, é rebaixado e é substituído por uma luta despolitizada e, cada vez mais fratricida, de aparato, refletindo também um processo de adaptação à institucionalidade.

Quando afloram verdadeiros e profundos questionamentos políticos, quando muitos de nós tentamos nos contrapor ou nos insurgir contra esse burocratismo crescente, a resposta da direção e do aparelho dirigente é a desqualificação do oponente e, à miude, a utilização de ataques morais para tentar destruir honestos e devotados militantes. É com esse método nefasto, de misturar discussões políticas com ataques morais num amálgama, que se busca destruir todo e qualquer verdadeiro espírito crítico e impedir uma discussão profunda, franca e leal dentro do partido.

Eu estou convencido que esse processo de social-democratização que vive o partido, que é acompanhado de um burocratismo intenso e crescente, tem por trás raizes programáticas e políticas de fundo, de concepção de socialismo e de revolução. E tem também um processo objetivo de adaptação à institucionalidade.

O partido, na minha opinião, não só não tirou as conclusões e lições até o final do processo que sacudiu o leste europeu, como, de fato, acaba reafirmando de forma "renovada" os principais e mais importantes erros, vícios e concepções desastradas que levaram os paises socialistas às portas da restauração capitalista dos dias de hoje.

Tenho refletido e lido muito nestes últimos meses. Para mim, duas conclusões centrais precisariam ser retiradas do que ocorreu no Leste: a) A primeira é que a teoria stalinista da construção do socialismo num só país, que levou no plano político à coexistência pacífica com o imperialismo, revelou sua falência histórica e sua natureza reacionária. Tinha razão, quem desde o início se opôs terminantemente a essa teoria anti-marxista, produzida por Stalin, que orientou por décadas os PC's do mundo inteiro, b) A segunda lição é que a burocratização total desses Estados, o regime de partido único, a imposição de uma ditadura sobre o proletariado; mais cedo ou mais tarde (se a burocracia não fosse derrotada e a revolução mundial não ocorresse) levaria à derrota das grandes conquistas que a expropriação da burguesia e a economia planificada trouxeram e ao retorno do capitalismo.

Para mim, o stalinismo foi uma ruptura com o marxismo e com o leninismo. O stalinismo foi a um só tempo produto do isolamento da Revolução Russa e da burocratização do estado operário soviético e agente nefasto da defesa dos privilégios dessa burocracia e, portanto, da burocratização ao extremo do Estado, do partido bolchevique e um agente contra a extensão da revolução mundial. O stalinismo mudou também a concepção de partido de Lenin, acabou com qualquer democracia interna. Então, para mim, o partido teria que fazer um acerto de contas profundo com o que foi o stalinismo e com as suas concepções.

O PCdoB, no entanto, minimiza os erros desse processo todo. Pior, na minha opinião, acaba reafirmando-os. O partido explica esse processo profundo que ocorreu em todo o Leste e as insurreições que houveram, como um erro na aplicação do modelo econômico. Segundo o partido, o problema é que tinha que ser levado mais em conta as particularidades nacionais de cada país e aplicar em cada caso economias diferenciadas de transição.

Sobre o socialismo num só país, nenhuma palavra! Sobre a política stalinista da coexistência pacífica com o imperialismo, o partido não se pronuncia. Pelo contrário, a explicação da direção aproxima-se de uma visão ainda mais nacionalista e muito perigosa. Pois, para mim, não há particularidade nacional e modelo econômico nacional de transição socialista que dê jeito no fato de que esses países estavam e estão inseridos numa economia mundial capitalista, num mercado mundial imperialista.

E o pior é que essa visão da direção leva o PCdoB a defender a China e o PC Chinês como "bastião" da resistência socialista. E eu estou convencido que a China, sob a férrea ditadura do regime de partido único do PC Chinês está restaurando o capitalismo numa velocidade espantosa.

O massacre dos estudantes da Praça da Paz Celestial e o "plano adaptado à realidade nacional", manteve o regime de partido único que, em aliança com o imperialismo, sobretudo o Americano, está transformando completamente a China em um país capitalista e os burocratas do PC em burgueses, até com mais facilidades que no Leste. A ditadura remove os obstáculos à restauração, pilotando uma brutal repressão. A China hoje já é um país capitalista, subordinado ao mercado mundial imperialista e funcionando internamente na base da economia de mercado. Não háelementos de mercado dentro de uma economia planificada. Há elementos de planificação para acelerar e dar bases ao funcionamento pleno do mercado, à criação de uma burguesia e à submissão ao imperialismo. Até o Banco Mundial já considera a China um país capitalista.

A afirmação de muitos dirigentes nossos de que a China está preparada para 100 anos de recuo sem perder a estratégia socialista, para mim não só é uma utopia reacionária, como uma afirmação atí-marxista, anti-materialista, beira o idealismo.

Apresentar o governo chinês como nosso aliado e como bastião da resistência socialista nos leva a ser coniventes com a restauração capitalista e com a repressão ao povo chinês. E vai levar também à desmoralização da militância quando, fruto desse processo restauracionista que ataca profundamente o nível de vida dos trabalhadores, ocorrerem explosões populares como às que levaram à queda do muro de Berlim e do regime albanês.

A principal atividade econômicada China é a agricultura: 73% da população vive no campo. E, neste momento, essa atividade está 100% em mãos privadas. A China é um país atrasado no sentido de sua base econômica. As reformas capitalistas hoje, no entanto, não se limitam ao campo. As grandes multinacionais imperialistas estão ocupando o mercado interno chinês e ao mesmo tempo aproveitando a mão de obra barata para fazer os produtos "made in China" que hoje invadem o mercado mundial. Há 22 milhões de empresas privadas hoje na China. A economia não estatal cresce num rítmo vertiginoso, as estatais que existem, subsidiam esse crescimento da iniciativa privada até se esgotarem. Agora, como vimos pela imprensa, há uma nova fase de privatização massiva. Meses atrás assistimos a incorporacão pacífica de Hong Kong, um dos centros do mercado financeiro mundial, à China. Alguém em sã consciência acredita que há um só país, um só regime e dois sistemas econômicos opostos na China atual?

Não camaradas, a China de hoje é um estado capitalista: já não possui economia planificada e sim economia de mercado; já não tem o monopólio do comércio exterior - as multinacionais, bancos estrangeiros, etc, compram, vendem, remetem lucros, etc, de forma livre. A liberdade para o capital é total, ou seja, a mesma que a dos demais países capitalistas. O PC Chinês, portanto, não é aliado do PCdoB, não tem estratégia socialista e menos ainda busca estimular e apoiar a mobilização dos povos do resto do mundo para derrotar o imperialismo. Pelo contrário, os maiores aliados do PC Chinês hoje são os capitais imperialistas.

Dessa discussão mais de fundo, que envolve concepção de socialismo e também de partido, decorre outra, que tem me levado a diferenças políticas no plano nacional. É a questão da revolução por etapas. O partido afirma que a revolução não é mais por etapas e que corrigiu sua posição etapista anterior. Mas eu hoje estou convencido que também essa revisão ficou pela metade. Pois, a nossa política, no meu modo de ver, continua reboquista em relação à dita burguesia nacional. Continuamos perseguindo as Frentes Amplas e as alianças com setores da burguesia. E agora, ademais, prisioneiros de uma nova ilusão: de que governos compostos, encabeçados e dirigidos por esses setores poderiam ser governos que avançassem no sentido de uma transição socialista.

Eu vejo o oposto: essa nossa política não acumula forças para transição alguma, mais bem torna-se um obstáculo para a organização e moblização independente dos trabalhadores. E coloca o partido inúmeras vezes na contra mão do movimento e da mobilização social contra o governo e a classe dominante.

Para mim, são totalmente erradas as alianças que temos feito em inúmeros estados e municípios, bem como nossa participação em inúmeros governos. Não considero progressivo e nem que contribua para acumular forças, fazer frente com Almir Gabriel e participar do seu governo no Pará, como fizemos. Não acho progressivo ter membro num governo capaz de produzir coisas como o massacre de Eldorado dos Carajás. Não considero também que o governo de Pernambuco, chefiado por Arraes, seja progressista e acumule para a transição socialista. A rigor, nem um governo consequente de oposição a FHC ele é. Considero um erro enorme o partido aceitar a chefia da Casa Civil de um governo enlameado no escândalo dos precatórios, de um governo que sequestrou o comando de greve da Polícia, que reprime constantemente os sem-terras e demais movimentos.

E não concordo também com a política de Frente Ampla para as eleições presidenciais de 1998.E menos ainda, e esta foi a gota d'água no processo de descontentamento e diferenças profundas que vim acumulando com o PCdoB, com a postura do partido de aliar-se, na prática, com Arraes, Roberto Freire, e também Brizola, no sentido de contrapor-se à candidatura Lula, abrindo a possibilidade de colocar toda a esquerda à reboque e sob hegemonia do centro e de figuras burguesas. A direção do PCdoB tem feito um jogo duplo, diz ao PT que apóia Lula como candidato, mas ao mesmo tempo articula com Arraes uma candidatura de centro em alternativa a Lula. O PCdoB procura, junto com Arraes, um nome da burguesia, da "centro esquerda" para encabeçar essa "Frente Ampla". 

Como eu disse em pronunciamento na Câmara, Ciro Gomes foi da juventude arenista, Ciro Gomes não é de esquerda. E digo mais, essa vacilação em lançar Lula já, faz o jogo de Ciro Gomes. 

O movimento sindical, estudantil, dos sem-terras, o movimento popular, a verdadeira esquerda unida é quem pode ser uma real alternativa a Fernando Henrique e ao projeto neoliberal. A aliança capaz de derrotar FHC é a unidade dos sem-terra, dos sem-teto, do movimento operário e sindical, da juventude, do movimento popular e dos partidos ligados aos trabalhadores. Essa aliança representa a enorme maioria do povo. Por isso, defendo uma Frente dos Trabalhadores e defendo que lancemos Lula já, com um vice do MST. Estou pelo lançamento imediato da candidatura Lula e contra o jogo duplo do PCdoB.

É um enorme erro querer fazer alianças com Arraes, um representante dos usineiros de Pernambuco e mesmo com Brizola, que demonstrou bem seu vínculo com as elites, seu desprezo pelas reivindicações e organizações dos trabalhadores e do povo, e sua preocupação com a manutenção da ordem, quando governou o Rio ou quando até poucos instantes antes do impeachment apoiou Collor. E é um erro mais grave ainda querer aliar-se também a Itamar, Ciro Gomes e outros e, ainda por cima, cogitar em lançar um nome desse campo para a Presidência, colocando toda a esquerda à reboque da burguesia.

Nesse momento de discussão sobre as eleições de 1998, a esquerda tem que se interrogar: será que vale a pena eleger um Ciro Gomes ou um outro tipo qualquer, semelhante, à Presidência da República? Como nos diferenciarmos depois para ser alternativa? Com que cara enfrentaríamos uma greve num governo com esse perfil? De certa forma, vivemos um momento parecido com aquele em que o PCdoB acabou abraçando o governo Sarney, fazendo uma aliança com o governo Moreira Franco, no Rio de Janeiro, apoiando Fernando Collor para o governo de Alagoas em 1986, e depois teve enorme dificuldades em se diferenciar, em se mostrar como alternativa aos setores do operariado e da juventude brasileira.

O PT, na minha opinião, deve afirmar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva e encabeçar a Frente dos Trabalhadores. O PSTU está disposto - por isso a minha mudança de partido antes de 3 de outubro- a dizer ao PT que se ele se agrupar ao PSB, aos interesses do PCdoB em torno de uma candidatura de Ciro Gomes ou qualquer outro nome desse tipo, podemos lançar das fileiras de cá uma candidatura operária à Presidência da República.

O PSTU está disposto a lutar para que o PT assuma o papel que é seu de encabeçar uma Frente dos Trabalhadores, uma Frente da verdadeira esquerda, que defenda as reivindicações do movimento (Reforma Agrária, anulação das privatizações, não pagamento da dívida externa, redução da jornada de trabalho...). E, do lado de cá, lutamos por lançar Lula com um vice do MST, contra as manobras de Arraes e companhia. Lula não pode procurar aliança com Antonio Ermírio de Morais, o papel reservado a Lula é o de unir os movimentos sociais contra esse governo.

Por fim, questiono profundamente o burocratismo existente no PCdoB.

O partido centralizado democraticamente, defendido e construido por Lenin, não significava monolitismo interno, nem falta de democracia interna. O partido de Lenin era vivo e cheio de polêmicas profundas, ao mesmo tempo que assegurava a maior unidade na ação, no combate às elites. A história do partido de Lenin é a história da luta e do debate interno, é a história de suas tendências e frações. No PcdoB não é assim, A recente conferência do partido no Rio de Janeiro me fez ver que não há espaço para uma profunda discussão política interna. Me fez ver que, diante de profundas diferenças como essas que expresso nessa carta, a direção do partido não assegura um ambiente que permita aprofundar as discussões, clarificar as diferenças, fazer um franco e leal debate entre comunistas, pelo contrário, usa um vale tudo para sufocar as diferenças. 

Não há democracia interna no PCdoB. Não é permitido a organização de grupos de opinião, de tendências ou frações durante o período que precede o Congresso do partido. É impossível organizar um verdadeiro debate político interno. A suposta democracia permitida, de que militantes individualmente se expressem em artigos de 40 linhas numa Tribuna de Debates, não garante um verdadeiro debate. Na verdade, evita-se o debate.Publica-se em grande número, artigos periféricos e sobre questões pontuais em torno das posições globais apresentadas pela direção em milhares de linhas.

Por isso, rompi com o PCdoB para poder defender o que penso. E tenho certeza que temos muitos e muitos militantes aguerridos, valentes comunistas honestos divergem dessa situação atual do partido e também têm diferenças políticas, talvez não exatamente as mesmas que as minhas. Confio que estaremos, lado a lado nas lutas e no combate contra as elites, contra a burguesia e o governo. E confio que vamos nos encontrar na luta pelo socialismo. São muitos e muitos os companheiros honestos do PCdoB que têm divergências e, com certeza, a luta pelo socialismo vai nos fazer, mais à frente, participar de um grande processo de transformação da vida política brasileira.

A direção do PCdoB, neste momento, tenta desqualificar e caracterizar minha ruptura como oportunismo eleitoral. A direção do PCdoB julga todo mundo por aquilo que ela é. Julga que todo mundo está disposto a tudo por um mandato parlamentar. Por isso, o companheiro Renato Rabelo, uma semana antes de minha ruptura com o partido tentou aplainar meu descontentamento político com o PCdoB, oferecendo-me um lugar privilegiado na chapa de deputados em São Paulo. A direção do PCdoB não consegue entender que o que me motiva não é uma disputa mesquinha de aparato, de cargos. Se estivesse a procura deste tipo de coisa não só não teria saido do PCdoB como jamais teria aderido ao PSTU. Teria optado por um partido com mais viabilidade eleitoral, teria optado pelo PT, partido que respeito muito, mas com o qual não tenho acordo político. 

Penso que a direção do partido quer com isso evitar o debate político no seu interior sobre as posições que apresento. Esse é mais um traço profundo do stalinismo no PCdoB. Para evitar o debate recorre a calúnias políticas, quando não a ataques morais e à falsificação da história. 

Foi o stalinismo quem introduziu no movimento operário essa metodologia de utilização de calúnias, do vale tudo para derrotar oponentes políticos. A máxima expressão dessa metodologia foram os processos de Moscou, quando Stalin acusou, caluniou e, inclusive, mandou matar a maioria dos dirigentes do partido bolchevique, que tinham feito a Revolução. Foi o stalinismo também, que mudou e falsificou os livros e a história da Revolução Russa. O PCdoB tem essa metodologia stalinista.

Esta semana foi lançada a revista comemorativa dos 60 anos da UNE e, para meu espanto e, acredito, para espanto de toda juventude brasileira, a luta do Fora Collor foi apagada dessa revista. Contam a história da UNE a seu modo, falsificam a história da entidade num esforço por deletar Lindberg e promover o PCdoB. Dão uma página para José Serra e o Fora Collor, que foi a maior mobilização de massas desta década, onde a juventude e a UNE tiveram o papel que tiveram, está reduzido a uma linha. A pagaram o Fora Collor da história da UNE!.

Sigo afirmando que há no PCdoB muitos e muitos militantes aguerridos, honestos, valentes comunistas que ficam no partido e que eu respeito profundamente esses companheiros. Ao longo de minha trajetória militante tive a oportunidade de, braço a braço, nas manifestações estudantis, nas manifestações pelo impeachment, na luta pela defesa da Vale do Rio Doce e mesmo no parlamento, reconhecer valorosos companheiros que continuam nas fileiras desse partido.

A esses companheiros, quero dizer, mais uma vez, que tenho certeza que vamos nos encontrar mais à frente na luta pelo socialismo.

Fonte: http://www.geocities.com/CapitolHill/3375/congress/lincart.htm