Política, políticos e politicagem...
Antônio Ozaí da Silva *
A política, para a maioria das pessoas, encontra-se ausente do
seu cotidiano. Quer dizer, os indivíduos vivem o seu dia-a-dia sem
qualquer preocupação com a política: parece-lhes
que isto é coisa que não lhes diz respeito. Torcem o nariz
quando alguém lhes fala
deste assunto. É interessante como as ruas e praças púbicas
se encheram de milhares de pessoas nos anos 80, exigindo não
salários, empregos, terra etc., mas, simplesmente, democracia:
liberdades políticas, diretas já! etc. Hoje, dez anos após
as primeiras
eleições presidenciais, prevalece a indiferença.
Teria ocorrido uma overdose de democracia ou simplesmente as pessoas
perceberam que a democratização da sociedade não mudou
essencialmente as suas vidas? Como bem compreendeu o príncipe
siciliano Tomasi di Lampedusa, em sua obra prima, Il Gattopardo:
"Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo
mude". Em outras palavras, a situação econômica-material
da maioria da
população não mudou para melhor. Pelo contrário,
a coisa piorou. A ponto das pessoas questionarem a própria validade
da nossa
democracia. Foi assim na Itália unificada no século passado;
é assim no nosso Brasil atual.
Acrescente-se outro fator: a performance dos nossos políticos
nos últimos anos fortaleceu o preconceito contra a política
nutrido pelos
simples mortais – aqueles que dependem unicamente do seu trabalho e
do seu salário para sobreviver. Cada vez mais, a política
é
interpretada como algo essencialmente imoral, relacionada ao egoísmo,
aos privilégios, status social e antiético – a ponto de várias
instituições e movimentos da sociedade civil lançarem
o movimento pela ética na política.
A letra da música – de Cosme Diniz e Rosemberg – cantada pelo
"crítico popular" Bezerra da Silva, condensa essa verdade comum:
"Para tirar o Brasil dessa baderna só quando o morcego doar sangue
e o Saci cruzar as pernas."
Essa composição, não apenas ironiza os políticos,
como joga-lhes nas costas toda a responsabilidade por nossas desgraças
–
inclusive por aceitarem que "a tal da dívida externa" continue
por cima e ainda levarem "os vinte por cento dela." Ironia à parte,
os
poetas populares apenas expressam o que o senso comum pensa sobre a
política, ou seja, como a maioria dos cidadãos a
concebem.
Vejamos outro exemplo: recentemente os jornais divulgaram que a popularidade
do Sr. Presidente da República se mantém em queda
livre. Quem acompanha a conjuntura nacional não se surpreendeu.
O mesmo noticiário informa que o Congresso Nacional conseguiu a
proeza de 'conquistar' um nível de impopularidade igual ao do
chefe do executivo. Os parlamentares, que historicamente mantém
níveis
de popularidade inferiores ao presidente, nem puderam comemorar. Ocorre
que, pelas pesquisas, não foi a avaliação dos eleitores
em
relação aos congressistas que melhorou, mas a de FHC
que caiu. O que explica a igualização por baixo de ambos.
Não é novidade que os políticos há muito
padecem da rejeição popular. Também não constitui
algo novo o fato da população vê-los,
em geral, de forma extremamente negativista. O mesmo podemos afirmar
quanto às instituições políticas. Aliás,
diga-se de passagem
– e talvez em favor dos nossos políticos tupiniquins – que isto
não é algo que se restringe ao Brasil. Em todo o mundo, os
políticos
'gozam' da apatia e antipatia dos seus eleitores.
O número de votantes nas eleições decrescem. Mesmo
onde o voto é obrigatório – como no Brasil –, não
apenas cai a quantidade dos
que comparecem às urnas como aumenta a soma dos votos nulos
e brancos. E, ainda que consideremos apenas os que votam,
somos obrigados a reconhecer que a maior parte dos eleitores 'desligam-se'
da política quase que simultaneamente à declaração
dos
resultados oficiais.
Faça um pequeno teste: você lembra em quem votou nas últimas
eleições – em todos os cargos? Você sabe quais projetos
seu
deputado ou vereador apresentou? Como ele se posicionou nas principais
questões em discussão no legislativo? E, quanto ao
executivo: você lembra das promessa que seu candidato a prefeito,
governador ou presidente fizeram? Eles estão cumprindo-as? Se
você não lembra e deseja expiar sua 'culpa', faça
as mesmas perguntas a umas dez pessoas que você conhece.
Mas não fique traumatizado. Você e os eleitores comuns
tem razões evidentes e justificáveis para negar a política
e os políticos. A
própria atuação dos políticos contribui
para a sua execração. Aliás, observe quem financiou
suas campanhas eleitorais. Você acha
que eles iriam realmente defender o bem comum? Ou não seria
mais óbvio concordar que, prioritariamente, eles defenderão
interesses
próprios e os interesses dos grupos econômicos que lhes
financiam? Isso sem contar os casos onde os representantes diretos destes
grupos se elegem com um discurso em favor do povo. Sempre o povo! Você
sabe qual o maior interesse dos políticos em geral? Se
reeleger...
Com tudo isto, é justificável que as pessoas identifiquem
política com a prática política da maioria dos nossos
políticos, ou seja:
politicagem. Esta palavra, no bom Aurélio, significa: "política
mesquinha, estreita, de interesses pessoais"; "o conjunto dos políticos
pouco escrupulosos, desonestos."
Porém, justiça seja feita, como dizem os bons cristãos:
é preciso separar o joio do trigo. Não sejamos incrédulos
ao ponto de negar
as exceções. Como se afirma no bom popular: não
podemos colocar todos no mesmo saco. Concordo que a tarefa é difícil
–
principalmente quando aqueles que se caraterizavam pela diferenciação,
por inspirar confiança e esperança em seus eleitores, são
'domesticados' e jogam o mesmo jogo. É bom ter claro que em
política a retórica está ao alcance de todos.
Não por acaso, a política tornou-se uma atividade profissional.
Se antes as pessoas viviam para a política, hoje, vivem principalmente
da política. Também aqui é preciso capacitar-se:
fazer cursos, ter uma boa assessoria, aperfeiçoar a oratória
etc. O que era um meio
transformou-se no fim.
É sobretudo no locus dos partidos que se faz política.
Eis o cerne da questão: a política em seu sentido amplo é
identificada com o
sentido restrito da política partidária e, portanto,
com a mera atividade dos políticos. Daí sua conotação
negativa. De fato, a política
partidária é uma parte importante da política.
Mas, é somente um dos seus aspectos – e não é o mais
importante.
*Antônio Ozaí da Silva é Mestre na área
de Política pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC/SP), docente na Universidade Estadual de Maringá e autor de
História das Tendências no Brasil: Origens, cisões
e propostas e de Partido de Massas e partido de quadros: a social-democracia
e o PT.
retirado de www.starmedia.com