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Luís Fernando Sgarbossa*
Geziela Jensen**
Sumário. 1. Democracia. 1.1. Democracia representativa e sua
crise. 1.2. A tensão entre Democracia e Constitucionalismo. 2. Instrumentos de
radicalização da democracia: plebiscito e referendo. 3. Referendo e constituição:
o caso italiano. 4. Referendo na América Latina: o caso venezuelano. 5. Podem
os instrumentos de democracia direta constituir ameaças à Constituição? 6.
Conclusões. Referências bibliográficas.
1.Democracia.
1.1.Democracia representativa e sua crise.
A democracia pode ser conceituada como a doutrina ou o regime político
caracterizado, essencialmente, pela soberania popular, exercida através do
sufrágio, bem como pela distribuição eqüitativa do poder e pelo controle da
autoridade. É uma forma de poliarquia, em oposição a outras doutrinas e regimes
marcados pela concentração do poder. [01]
Para as teorias clássicas sobre a democracia, esta nada mais é do que
uma forma de efetivação da soberania popular. [02]
A origem grega da palavra não deixa dúvidas, demos significando povo e cratos
significando poder ou força, ou seja, o sentido semântico é aquele de exercício
do poder pelo povo, direta ou indiretamente. Opõe-se conceitualmente, portanto,
às aristocracias – nas quais o poder encontra-se concentrado em mãos de uma
elite nobre – às oligarquias – nas quais o poder encontra-se concentrado em
mãos de poucos grupos – e à monarquia, na qual, ao menos em tese, o poder
encontra-se concentrado essencialmente nas mãos do monarca (e de determinados
estamentos, como a nobreza).
Várias são as implicações entre Estado e Democracia, Estado e
Constituição e Constituição e Democracia. Diversas também são as teorias acerca
do Estado e diversas as abordagens e suas repercussões sobre o caráter
democrático do exercício do poder. As análises econômicas do Estado têm
representado este ora como agente perfeito do povo (Teorias do Governo do
Povo), ora como representantes do auto-interesse estatal (Teorias do Governo do
Estado), ora como representantes dos interesses do capital (Teorias do Governo
pelo Capital), mesmo em sistemas (ao menos formalmente) democráticos. [03]
Sem procurar adentrar os pormenores de cada uma destas categorias, o
essencial parece consistir em perceber que excetuadas as teses esposadas pelas
Teorias do Governo pelo Povo, todas as demais demonstram e problematizam
situações de desvio da conduta estatal – ainda que em regimes democráticos – em
relação à vontade popular, seja pela imisção dos agentes privados na esfera
estatal, seja pela defesa do auto-interesse do Estado, compreendidos, nessa
última categoria, tanto os interesses tipicamente estatais – tributação, etc. –
quanto os interesses dos agentes estatais – patronagem de cargos, perpetuação
no poder, etc.
Todos estes sendo, portanto, elementos aptos a desviar a atuação estatal
do curso que normalmente ser-lhe-ia conferido em um perfeito regime democrático
(temos aqui um tipo ideal no sentido weberiano).
A democracia, segundo a tipologia abstrata tradicionalmente utilizada,
poder-se-ia caracterizar como direta, semi-direta e representativa, havendo
variações e imprecisões nesta terminologia. A direta representa, em nossos
dias, verdadeira utopia, e somente realizada (aproximativamente) nas
cidades-Estado gregas. Nela, em tese, todos os assuntos públicos seriam
discutidos e submetidos à deliberação de todos os cidadãos, sem intermediários.
A democracia semi-direta representaria a miríade de modelos em que
existiriam elementos de representação direta da vontade popular ao lado de
outros de representação indireta.
Por fim, a democracia representativa seria aquela em que a vontade
popular é expressa em termos de eleição de representantes eleitos
periodicamente, a cuja deliberação serão submetidas as questões públicas, que
decidirão em nome de seus representados, os eleitores. [04]
A democracia como a conhecemos contemporaneamente é fruto das Revoluções
do Século XVIII, e, dada a rejeição, ao longo da história, de propostas mais
radicais – a dos mandatos revogáveis por desvio na representação da vontade do
eleitorado, por exemplo – aproxima-se das teorias que concebem a democracia
como mera forma de composição de
governo (elitismo democrático). [05]
Segundo tais teorias, o exercício do direito de voto acaba por
restringir-se à decisão sobre quem
governa, não assim sobre o que,
substancialmente, tal governante decidirá. Vertentes teóricas vizinhas a esta
chegam a um ponto ainda mais extremo, propugnando entendimento no sentido de
que, em face de outras contingências do sistema representativo e eleitoral, em
realidade nem mesmo se escolhe quem governa, mas se exclui quem não se quer que
governe – teorias negativas da democracia. [06]
No mundo contemporâneo prevalecem as democracias representativas com
resíduos de representação direta ou semidireta da vontade popular, e em geral
os candidatos eleitos permanecem livres da obrigatoriedade de dar consecução às
plataformas eleitorais e programas sobre os quais se elegeram, sendo, de resto,
de difícil revogação os mandatos.
Dado tal caráter, ostentado pela ampla maioria (senão pela
integralidade) das democracias modernas, seja em regimes presidencialistas ou
parlamentaristas, com notável descolamento da atuação dos representantes em
relação à vontade (ainda que presumível) dos representados, dá-se o que se tem
convencionado denominar a crise de representação ou crise de legitimidade da
democracia, cuja resposta eficaz constitui um dos desafios políticos da
contemporaneidade. [07]
1.2.A tensão entre Democracia e
Constitucionalismo.
Pode-se definir constitucionalismo, em termos sucintos, como uma técnica específica de controle do exercício
do poder com fins garantísticos. [08] Esta é a vocação
essencial do Constitucionalismo: impor limites ao exercício do poder,
inicialmente em face do Estado, hoje mesmo diante de entes privados (o
denominado Drittwirkung, ou
efeito perante terceiros – i.e., particulares – ou ainda eficácia horizontal
dos direitos fundamentais).
O princípio da constitucionalidade, ou da supremacia da Constituição
constitui a idéia central no Constitucionalismo, implicando a sujeição do
conjunto do ordenamento jurídico e das instituições aos ditames
constitucionais. Suas expressões máximas são a rigidez constitucional – i.e., a
possibilidade de salvaguardar determinadas normas constitucionais de alterações
ulteriores, seja pela técnica do procedimento mais dificultoso, seja pela
proibição peremptória de deliberação em tal ou qual sentido – e o controle de
constitucionalidade – seja ele realizado por órgãos políticos ou judiciais,
seja ele preventivo ou repressivo, seja ele difuso ou concentrado.
De modo geral tanto a idéia de Democracia quanto a idéia de
Constitucionalismo são reputadas valiosas no pensamento político contemporâneo,
eis que parecem atrativas as pretensões de um governo pelo povo e da limitação
do exercício do poder, salvaguardada por um arcabouço institucional adequado.
Não obstante, existem tensões imanentes entre Constitucionalismo e
Democracia. Senão vejamos. Na medida em que a Constituição, no intuito de
limitar o exercício dos poderes constituídos, põe a salvo determinadas matérias
da discussão e deliberação da política ordinária – i.e., da política
parlamentar quotidiana –, retira a possibilidade dos órgãos políticos, (mais ou
menos) legitimamente eleitos em regimes democráticos e (supostamente)
representantes da vontade do eleitorado, restringe as possibilidades de
manifestação da vontade política, gerando tensão.
Tal tensão eclode tanto em situações em que se propõem ou se fazem
aprovar atos normativos – leis, medidas provisórias e o mais – colidentes com
disposições constitucionais, de maneira franca ou velada, ou em situações em
que se pretende rediscutir pontos colocados fora do debate político ordinário
pelo Poder Constituinte originário.
Trata-se aqui, portanto, de uma tensão entre posições políticas adotadas
em dois momentos da democracia representativa: aquelas manifestadas
originalmente na Assembléia Constituinte e, ulteriormente, aquelas manifestadas
na política corriqueira do Congresso Nacional ou Parlamento. As primeiras são destinadas
a subjugar as segundas em sistemas de Constituição rígida, excetuada a
possibilidade, na matéria, de regular procedimento de revisão constitucional
(emendas).
Por outro lado, sempre que uma lei inconstitucional é aprovada e
promulgada pelos poderes constituídos e, ulteriormente, declarada
inconstitucional e privada de efeitos pelo Poder Judiciário, por exemplo, com
base na interpretação da Constituição, eclode novamente a tensão original, sob
outra forma, haja vista a renitente baixa disposição dos poderes políticos a
acatarem a imisção do Poder Judiciário em suas decisões.
Aqui se trata da tensão entre as decisões dos poderes políticos (aqui
entendidos como o Executivo e o Legislativo) em suas atividades quotidianas e o
entendimento sobre a compatibilidade das mesmas para com os parâmetros
constitucionais pelo Judiciário.
Mesmo no campo acadêmico surgem vozes a dar vazão ao inconformismo dos
agentes políticos com a juridicização da política, com teorias tais quais a da
"mão morta do passado" a reger as gerações presentes e vindouras, ou
a do caráter contramajoritário – i.e., antidemocrático – e elitista do controle
judicial de constitucionalidade das leis, calcadas no argumento da ausência de
caráter representativo da magistratura não eleita, supostamente um déficit
democrático.
A despeito de tais reações à limitação do poder, por parte dos
exercentes de cargos políticos e seus sequazes acadêmicos, o fato é que a
maioria dos regimes democráticos contemporâneos buscou, em suas Constituições,
compatibilizar a política representativa com o constitucionalismo, com a
rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade.
A tensão, no entanto, permanece, e não são poucas as tentativas
encetadas tanto no campo político quanto no campo acadêmico no sentido de
deslegitimar as restrições ao exercício do poder político trazidas pelo
Constitucionalismo, colocando em permanente rediscussão questões já definidas
no momento constituinte originário ou anterior.
2. Instrumentos de radicalização da democracia: plebiscito
e referendo.
Em face da crise de representatividade nas democracias contemporâneas, à
qual se fez referência no item 1.1 retro, as constituições vêm dando abertura para formas
alternativas de representação direta ou semi-direta (variando a terminologia
nos diversos autores), como o plebiscito e o referendo. O constitucionalista
lusitano José Joaquim Gomes Canotilho adota a terminologia de procedimentos de
democracia semidireta para referenciar tais institutos. [09]
Tal denominação não é inequívoca, tendo sido utilizada diferentemente em
locais e períodos diversos, inclusive com fungibilidade [10],
encontrando-se atualmente, ao menos na doutrina constitucionalista brasileira,
pacificada a distinção aqui empregada. [11]
Ambas as técnicas consistem em consultas populares, com caráter
vinculante ou não – referendo consultivo ou deliberativo [12] –
diferindo entre si essencialmente pelo fato de darem-se anteriormente à tomada
de decisão – caso do plebiscito – ou ulteriormente à tomada de decisão -
referendo.
Assim sendo, em nossa literatura jurídica se cristalizou um entendimento
quanto ao emprego de tais termos no sentido de tal caráter autorizatório prévio do plebiscito e ratificatório ou revogatório ulterior do
referendo.
José Afonso da Silva ensina:
o referendo popular que
se caracteriza no fato de que projetos de lei aprovados pelo legislativo devam
ser submetidos à vontade popular, atendidas certas exigências, tais como pedido
de certo número de eleitores, de certo número de parlamentares ou do próprio
chefe do executivo, de sorte que o projeto se terá por aprovado apenas se
receber votação favorável do corpo eleitoral, do contrário, reputar-se-á
rejeitado (grifos do original). [13]
José Afonso da Silva lembra ainda que, nos ditames da vigente Constituição
Federal, a autorização da realização do referendo é de competência exclusiva do
Congresso Nacional. [14]
Ainda conforme o magistério de Silva, plebiscito
é também uma consulta popular, semelhante ao referendo; difere deste no
fato de que visa a decidir previamente uma questão política ou institucional,
através de sua formulação legislativa, ao passo que o referendo versa sobre a
aprovação de textos de projeto de lei ou de emenda constitucional, já
aprovados; o referendo ratifica (confirma) ou rejeita o projeto aprovado; o
plebiscito autoriza a formulação da medida requerida... [15]
O mesmo autor nos faz recordar, também, que, no Brasil, a convocação de
plebiscito também é de competência exclusiva do Congresso (art. 49, XV).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê ambos os
mecanismos em seu artigo 14, incisos I e II, ao lado dos mecanismos
representativos do sufrágio universal e do voto direto, secreto e com igual
valor para todos. [16]
Ou seja, em nosso sistema, embora prevaleça o princípio da
representação, são recepcionados mecanismos de manifestação direta da vontade
popular.
Em diferentes países as modalidades e o cabimento de tais instrumentos
de consulta direta da vontade popular são de natureza vária. Na Alemanha, por
exemplo, a Constituição de Weimar de 1919 privilegiava o instituto do
plebiscito, sendo que a atual Constituição da República Federal da Alemanha de
1949 restringe seu cabimento à hipótese de reestruturação do território
federal, nos termos do art. 29 e 118, daquela Carta Política. [17] [18]
Em Portugal, após um texto constitucional originalmente refratário aos
institutos de consulta popular – por razões que ver-se-á adiante – revisões
constitucionais passaram a incluir na Carta Política variadas hipóteses, tais
quais o denominado referendo local
(art. 238º da CRP de 1976, revisão de 1982), o referendo político e legislativo (art. 112º da CRP de 1976,
revisão de 1989), a deflagração
popular do referendo
nacional ou local (art. 115º/2, art. 166º, art. 240º, nas revisões de 1997) e
ainda o referendo regional e o referendo acerca da instituição in concreto
de regiões administrativas (art. 232º/2 e art. 256º, ainda nas revisões
de 1997). [19]
Canotilho define o referendo político e legislativo como sendo aquela
consulta cujo objeto são "matérias de especial relevância
político-legislativa", esclarecendo estarem excluídos do âmbito material da consulta os referendos
constitucionais, assim entendidos aqueles que objetem a introdução de alterações
na Constituição, dentre outros. [20]
Quanto à deflagração da consulta popular referendaria, a iniciativa pode
partir da Assembléia da República Portuguesa, ao Governo e aos cidadãos, na
dicção do art. 115, 1 e 2 da CRP de 1976. Quanto à sua eficácia, Canotilho
observa ser vinculante no caso de o número de votantes na consulta ter sido
superior à metade dos eleitores inscritos no recenseamento, conforme o art.
115, 11, da CRP de 1976, na redação conferida pela Lei Constitucional n. 1, de
1997. [21]
O presente estudo visa, particularmente, analisar as implicações entre
consulta popular, especialmente na modalidade referendo, e a Constituição,
explorando as potencialidades protetivas da Carta Política através de tais
mecanismos – o que se fera pela análise de recentes acontecimentos na Europa e
América Latina –, bem como eventuais riscos representados pelos instrumentos de
democracia direta para a higidez constitucional, em face da forma com que se
tem pretendido interpretá-los e utilizá-los.
3. Referendo e constituição: o caso italiano.
Por vezes consultas plebiscitárias ou referendarias são realizadas no
intuito de alterar a Carta Política. O constitucionalista português José
Joaquim Gomes Canotilho define tal modalidade de referendo ou plebiscito como
referendo ou plebiscito constituinte.
Segundo Canotilho:
Embora a distinção entre referendo e plebiscito não seja clara e tenha
havido mesmo, num período inicial, a utilização indiscriminada dos dois termos,
o plebiscito passou a designar a votação popular de um projecto de constituição
unilateralmente fabricado pelos titulares do poder e dirigido a alterar em
termos de duvidosa legalidade a ordem constitucional vigente (plebiscitos
napoleónicos). (destaques do original).
A hipótese, rechaçada pela Carta Magna portuguesa, como visto, encontra
guarida na Constituição da República Italiana de 1948, cujo art. 138 determina
que as leis de revisão da Constituição (leggi
di revisione della Costituzione) e demais leis constitucionais (leggi costituzionali), observados os
demais requisitos constitucionais, serão submetidas a referendum popular (referendum popolare) sempre que, no
prazo de três meses, a contar de sua publicação, assim requeiram 1/5 dos
parlamentares de uma Câmara legislativa (iniciativa parlamentar) ou 500.000
eleitores (iniciativa popular), ou ainda cinco Conselhos Regionais. [22]
No ano de 2006 uma reforma da Constituição da República Italiana de
1948, levada a cabo pelo governo de Silvio Berlusconi, alterando inúmeros
dispositivos, foi submetida à consulta popular, então já sob o governo de
Romano Prodi.
A reforma proposta pelo Executivo alterava substancialmente a parte
segunda da Constituição peninsular, notadamente itens relativos ao Parlamento,
suas Câmaras e o processo legislativo, o Presidente da República, o Governo, a
Magistratura, notadamente a composição da Corte Constitucional, unidades
territoriais, garantias constitucionais e procedimentos de reforma da
Constituição.
Dentre os aspectos mais relevantes da reforma, insta destacar que, quanto
ao Parlamento, a aprovação da reforma implicaria no fim do denominado bicameralismo perfeito, em que as
matérias iniciadas e aprovadas em uma das Casas Legislativas é submetida a nova
discussão na outra, que atua, portanto, como casa revisora. Pela proposta,
ficariam afetas à competência da Câmera as leis de âmbito nacional, ao passo
que ao Senado competiriam as leis relativas a matérias de competência regional
exclusiva ou concorrente com o Estado italiano (Governo central).
Uma das alterações pretendidas mais polêmicas era aquela do aumento
exponencial dos poderes do Primeiro Ministro (instituição do
"Premierato"), com conseqüente larga independência em relação ao
Conselho de Ministros e ao Parlamento, de modo a desfigurar substancialmente o
sistema parlamentarista vigente na Itália.
O primeiro ministro teria, caso aprovada a reforma, poderes de revogação
dos mandatos dos membros do Conselho, prevalência sobre estes e ainda o Poder
(até então exclusivo do Presidente da República) de dissolver a Câmara. O
presidente da República somente poderia dissolver a Câmara sob requerimento do
Premier ou em outras condições residuais. Outros aspectos relativos ao
parlamentarismo foram objeto da reforma, mas esta concentração de poderes em
mãos do chefe de governo foi a que mais chamou a atenção.
A proposta previa ainda a alteração da proporção de nomeações de membros
da Corte Constitucional, com aumento das nomeações feitas pelo Parlamento e
diminuição das nomeações feitas pelo Presidente e eleitos pela Corte de Cassação
(Corte di Cassazione), pelo Conselho de Estado e pela Corte de Contas, com
afetação conseqüente da independência da Corte.
Este, em resumo, o teor dos principais pontos da reforma constitucional
aprovada pelo Parlamento e submetida à apreciação dos eleitores pelo referendum
constitucional (segundo na história da Itália, depois daquele de 2001),
realizado em 25 e 26 de junho de 2006.
O resultado da consulta popular foi o rechaço às reformas pretendidas,
com 61 % dos eleitores manifestando-se pelo "não" às alterações e
pela manutenção do texto constitucional. [23]
4. Referendo na América Latina: o caso venezuelano.
Há apenas alguns dias o mundo assistiu novamente a interação entre
referendo popular e Constituição, desta feita na América Latina. O governo da
República Bolivariana da Venezuela, encabeçado pelo presidente Hugo Chávez,
avançou proposta de alterações substanciais na recente Constituição venezuelana
de 1999, que implicaria na alteração de 69 dos 350 artigos daquela Carta
Política. [24]
A Constituição venezuelana de 1999, em vigor, prevê o referendo popular
na Sessão Segunda do Capítulo IV, em vários artigos, dentre os quais o de nºs
71, 73 e 74. [25]
Dentre as alterações propostas e aprovadas pela Assembléia Nacional da
Venezuela – 161 votos a favor e 6 abstenções –, encontrava-se a possibilidade
de reeleições infinitas, cujo objeto era, nitidamente, o de permitir a
perpetuação de Chávez, sine die,
no poder. [26]
Ainda havia a previsão de extinção dos latifúndios – início do
"Socialismo do Século XXI" apregoado por Chávez–, criação do
denominado "Poder Popular", um quarto poder ao lado dos demais
(Conselhos Comunais), criação de novas formas de propriedade social e coletiva,
estas duas últimas propostas recordando institutos análogos do antigo socialismo
real da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. [27]
Outras alterações aprovadas pela Assembléia Nacional e submetidas a
referendo popular eram o controle das reservas internacionais do país
diretamente pelo Chefe do Executivo, com o fim da autonomia do Banco Central.
[28]
Tais propostas estavam atreladas à de redução da carga horária de
trabalho semanal de 40 para 36 horas, a pretexto da criação de mais empregos,
mas cuja finalidade era, evidentemente, cooptar votos em favor da reforma.
Chamavam a atenção, ainda, alterações no âmbito das Forças Armadas, com
adaptação da doutrina militar ao bolivarianismo e criação da "Milícia
Popular Bolivariana", bem como a proposta de alteração do art. 337 da
Carta Política venezuelana, alteração esta que restringia o direito de
informação em estado de exceção.
O resultado da consulta popular foi, surpreendentemente, dados os
prognósticos até então feitos, a rejeição da proposta chavista por 50% (bloco A
das reformas nas cédulas) e 51% (bloco B das reformas nas cédulas), de modo a
impossibilitar as pretensões de Cháveze manter a Constituição venezuelana de
1999 inalterada.
5. Podem os instrumentos de democracia direta
constituir ameaças à Constituição?
O caso venezuelano não é uma exceção na América Latina contemporânea.
Cabe lembrar que o Equador encontra-se com uma Assembléia Constituinte
instalada no momento em que este artigo é redigido, de cujos trabalhos deverá
resultar uma nova proposta de texto constitucional a ser submetido a referendo
popular em futuro próximo.
O mesmo se diga a respeito da Bolívia, cuja Assembléia Constituinte fora
instalada em 2006, com a finalidade de promulgar uma nova Carta Magna. O
projeto de uma nova Constituição vem causando protestos e o ápice das tensões
política no país se deu no mês de novembro deste ano, com conflitos na cidade
de Sucre que resultaram em três mortos. O caráter democrático da referida
Constituinte ficou arranhado pela aprovação do texto da nova Carta Política,
pelo Presidente Evo Morales em um sábado à noite, dentro de um quartel.
[29] O texto deverá ser submetido, em breve, a refendo popular.
Viram-se, até aqui, duas hipóteses em que o referendo popular serviu de
instrumento de salvaguarda da Constituição, tendo o povo demonstrado notável
cultura constitucional, ao rechaçar propostas governamentais discutíveis, haja
vista representarem concentração de poderes, colocarem em risco a alternância
no poder, representarem perigos para direitos e liberdades fundamentais, como a
liberdade de informação, e assim por diante.
Não obstante, todos os prognósticos, especialmente no caso venezuelano,
que eram pela aprovação das reformas constitucionais propostas, bem como pela
forte propaganda governamental em favor das reformas e vinculando a aprovação a
alterações atrativas para a população, como a redução da carga horária laboral.
O governo estava confiante na sua vitória e o rechaço popular
surpreendeu o mundo. No entanto, a despeito dos dois felizes episódios, aptos a
demonstrar uma crescente consciência constitucional popular tanto na Europa
quanto na América Latina, percebe-se que não raro se fala em plebiscito e
referendo no intuito de propiciar ataques à Constituição e legitimar-lhe
alterações de teor duvidoso.
O caso não é novo. Canotilho, referindo-se ao contexto português,
explicando o receio, no texto originário da Constituição lusitana de 1976,
explicita as razões:
No plano da história constitucional, pesavam sobretudo as heranças
plebiscitárias da República de Weimar e as condutas plebiscitárias gaullistas.
No contexto político interno, a recordação da aprovação plebiscitária do texto
constitucional de 1933 e as tentativas plebiscitárias revisionistas
(continuadas depois da aprovação do próprio texto de 1976) reforçaram as
dúvidas quanto à bondade democrática dos esquemas de democracia semidireta.
[30]
Ou seja, nem sempre os instrumentos de consulta popular – plebiscito e
referendo – foram utilizados para a salvaguarda da Constituição. Muitas vezes
na história os mecanismos de colheita direta da vontade popular foram
utilizados para impor ou tentar impor ou legitimar alterações no mínimo
discutíveis do texto constitucional.
Esta a razão do rechaço tanto da Constituição alemã de 1949 quanto pela
Constituição lusitana de 1976 aos instrumentos do referendo e do plebiscito,
especialmente em matéria constitucional, conforme vimos.
No Brasil mesmo, vez por outra, às vezes com preocupante freqüência,
vê-se fazer avançar discussões definitivamente excluídas pelo Poder Constituinte
originário da pauta da política ordinária – leia-se, da pauta da política
corriqueira pós-Assembléia Nacional Constituinte, seja por atos normativos
infraconstitucionais, seja por propostas de emenda à Constituição.
E, com a mesma freqüência, vê-se, ao serem objetadas as limitações
constitucionais ao Poder Legislativo ou ao Poder Constituinte Reformador,
cogitar-se a convocação de consultas populares para legitimar propostas
absurdas e constitucionalmente vedadas, como pena de morte, castração química e
quejandos.
Isto como se os instrumentos de democracia direta ou semidireta tivessem
uma natureza, um efeito de Poder
Constituinte Originário instantâneo e momentâneo, numa interpretação
leviana ou maliciosa do arcabouço político-jurídico-institucional traçado pela
vigente Carta Política.
Assim como nas constituições tedesca e lusitana, o que se vê na
Constituição brasileira de 1988 é a consagração do regime representativo – com
todas as suas mazelas, a serem combatidas pelos meios institucionais e reformas
possíveis e apropriadas – com a utilização, residual e supletiva, de mecanismos
de consulta popular.
Toda a literatura constitucional é acorde no sentido de que o momento
constituinte originário é um momento ímpar e que o exercício de poderes constituídos,
ainda que do poder reformador, não possui a mesma natureza, razão mesma da
possibilidade das limitações materiais ao poder reformador, consignadas, em
nossa Carta Política, no § 4º do art. 60.
Assim, não se deve deixar levar pela ilusão, induzida por alguns, de que
tudo é possível, bastando, para
tanto, que se convoque um plebiscito ou referendo, violando a rigidez
constitucional e o arcabouço de garantias jurídicas e institucionais que
encerra.
A criatura não pode e não deve se voltar
contra o criador. Os institutos do referendo e do plebiscito não podem, em nenhuma
hipótese, ser legitimamente interpretados como meios de fragilização da Constituição ou de burla às suas disposições cogentes. Ademais, o que nem sequer o
poder constituinte derivado reformador pode fazer, tampouco o podem os
residuais e excepcionais institutos de consulta popular.
Impõe-se uma interpretação sistemática da Carta, devendo a previsão
constitucional de ambas as modalidades de consulta popular ser encaradas em
suas devidas proporções, vale dizer, sem minoração e tampouco superestimação.
Em outras palavras, o disposto no art. 14, I e II da CRFB/88 deve ser lido e
interpretado em conformidade com o restante do texto constitucional,
especialmente o § 4º do art. 60, ou seja, as limitações materiais ao poder
reformador – e a todos os demais poderes, a ele subalternos – comumente
denominadas cláusulas pétreas.
A preocupação é válida em face do contexto contemporâneo. O
ressurgimento de governos populistas ou de inclinação populista na América
Latina contemporânea vem acompanhado, como não poderia deixar de ser, de
inúmeras propostas de alterações das Constituições.
Ora, as Constituições sendo,
por definição instrumentos de limitação do exercício do poder, são os
primeiros alvos para governos que pretendam extrapolar a medida de poder que
lhes cabe pelos sistemas jurídico-constitucionais em vigor.
Vêem-se inúmeros projetos de reforma constitucional atualmente na
América Latina, ao lado daquele da Venezuela. Avança-se, no momento atual, para
novas Cartas Constitucionais para a Bolívia de Evo Morales e para a o Equador
de Rafael Correa.
Mesmo no Brasil, com freqüência perturbadora, ouve-se falar, aqui e
acolá, de alterações constitucionais para possibilitar uma tre-eleição do
Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o que é reconhecido pelo próprio
Presidente como um arrematado absurdo. Isto quando não se fala em uma nova
Assembléia Constituinte, com vistas a colocar por terra as conquistas obtidas
com a promulgação da Carta de 1988.
A Constituição consagra as regras mais caras ao jogo, regras estas que não podem ser modificadas
ao bel prazer dos ventos políticos ou para fazê-la adaptar-se às (supostas)
necessidades do momento.
É imprescindível o fomento de uma cultura de respeito à Constituição no
país, respeito este que implica sujeição incondicional dos poderes e das
autoridades constituídos, e que não será obtido enquanto se falar, a todo
momento, em alterar a Carta Magna por qualquer razão contingente de somenos
importância, ou ainda (e pior), em utilizar institutos como aqueles do
plebiscito e referendo, para buscar burlar a Constituição ou promover sua
degradação.
6. Conclusões.
6.1. A Constituição, apesar das tensões para
com a democracia, pode ser um instrumento importante para salvaguardá-la.
Vislumbrou-se a interação entre Constituição e democracia. Viu-se, nos
itens introdutórios do presente Estudo, que há uma tensão entre a democracia e
o Constitucionalismo, na medida em que este, como técnica de controle do exercício do poder por definição,
restringe a liberdade de conformação dos atores políticos representativos
(presuntivos) da vontade popular.
Não obstante, de se observar que as
Constituições contemporâneas consagram e salvaguardam de alterações discutíveis
exatamente a democracia, assegurando o sufrágio universal, o voto
secreto, direto e de igual valor, dentre outros direitos políticos, e afastando
a possibilidade de deliberações anti-democráticas por parte dos poderes
constituídos, como faz a Constituição brasileira, em seu art. 60, § 4º, II.
Assim, a Constituição, com sua supremacia e
sua rigidez, revela-se a melhor garantia dos regimes democráticos.
6.2. Os instrumentos de democracia direta ou
semidireta podem, em determinadas circunstâncias, salvaguardar a Constituição
Analisou-se a interação entre Constituição e consultas populares
referendarias. Viu-se que disposições como as adotadas pela Constituição
italiana em seu art. 138, podem representar um mecanismo de salvaguarda da
higidez constitucional, através da abertura de possibilidade do rechaço popular
a propostas de alteração constitucional de índole discutível.
Os dois casos analisados – o italiano e o venezuelano – nos dão provas
evidentes disso. [31]
6.3. O desvirtuamento do uso dos instrumentos
de democracia direta ou semidireta pode, no entanto, representar uma ameaça à
Constituição
Não obstante, como demonstra a história ao explicitar as razões da
resistência lusitana e germânica aos institutos de consulta popular, o uso
desvirtuado dos institutos do plebiscito e do referendo pode constituir uma
ameaça à Constituição.
No caso brasileiro, por exemplo, as renitentes propostas de realização
de consultas populares para deliberar sobre o indeliberável – pena de morte,
castração química e o mais – deixa claro tal risco.
Para combatê-lo, resta evidenciada a imprescindibilidade de uma
formulação teórica geral acerca da interação entre plebiscito, referendo e
Constituição no marco da Carta Política de 1988.
6.4. Conclusão final por uma formulação geral
da interação entre referendo ou plebiscito e Constituição
A conclusão singela deste estudo é pela impossibilidade de utilização do referendo e do plebiscito para violar
a Carta Política. Conceituados os instrumentos de coleta da vontade
popular como residuais em nosso
sistema representativo – razão mesma pela qual a Carta Política estabelece a
exclusividade do Congresso Nacional para a autorização de referendo e a
convocação de plebiscito (art. 49, XV da CRFB/88) – resta evidente que não se
prestam a fazer mais do que é permitido ao próprio Poder Constituinte Derivado
ou Reformador.
A tese é de evidente simplicidade: afigura-se absolutamente inviável qualquer pretensão de se valer dos
institutos de democracia direta (ou semidireta) instituídos pela Constituição
para violar a Constituição mesma. É impossível, legitimamente, desbordar
os limites materiais ao Poder Constituinte Reformador em se valendo,
astuciosamente, dos mecanismos de consulta da vontade popular, como se Poder Constituinte Originário
fossem.
Assim, o âmbito de
possibilidade de deliberação legítima dos mecanismos em mesa é o núcleo rijo
que a própria Constituição colocou a salvo, em interpretação sistemática
e teleologicamente homologa para com a Carta.
As conclusões aqui esboçadas restringem-se à utilização de consultas
populares para reformar a Constituição, não abrangendo, é verdade, momentos
constituintes verdadeiramente originários, sobre os quais, fatalmente, qualquer
teoria enfrenta dificuldades de monte incomensuravelmente maior.
Buscaram-se aqui, portanto, dentro do marco institucional da CRFB/88,
critérios para a utilização legítima e constitucional dos instrumentos de
democracia direta, lançando-se mão do estudo da casuística internacional. No
que se refere ao poder constituinte originário, outro estudo diverso é
requerido, o que se pretende fazer em breve. [32]
Referências bibliográficas.
AVRITZER, Leonardo. A moralidade
da democracia. Ensaios de teoria habermasiana e teoria democrática. São
Paulo: Perspectiva, 1996.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
HESSE, Konrad. Elementos de
Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís
Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
PRZEWORSKY, Adam. Estado e
Economia no Capitalismo. Trad. Argelina C. Figueiredo, Pedro Paulo Z.
Bastos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Elementos de Direito Comparado. Ciência, política legislativa,
integração e prática judiciária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 1998.
TAILLON, Patrick. Pour une redéfinition du référendum consultatif. Revue Internationale de Droit Comparé,
Paris, v. 59, n. 1, pp. 142-156, jan./mar. 2007.
Notas
01 Poliarquia pode ser definida como uma "sociedade na qual o poder e
a influência estão bem distribuídos". AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia. Ensaios de
teoria habermasiana e teoria democrática. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 118.
02 AVRITZER, Leonardo, op. cit. p. 103.
03 PRZEWORSKY, Adam. Estado e
Economia no Capitalismo. Trad. Argelina C. Figueiredo, Pedro Paulo Z.
Bastos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, pp. 08-09.
04 SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 140.
05 AVRITZER, Leonardo, op. cit. p. 113.
06 PRZEWORSKY, Adam, op. cit. p. 24: "Riker [1982] argumentou que os
teoremas da impossibilidade invalidaram a interpretação das eleições como uma
expressão da vontade popular, sugerindo que deveríamos pensar as eleições como
uma oportunidade negativa de eliminar dirigentes indesejáveis. Uma vez que as
eleições não são um mecanismo significativo para a expressão da vontade
popular, não podem ser vistas como outorgando aos governos um mandato para
perseguir quaisquer políticas particulares".
07 PRZEWORSKY assim resume a questão: "Mesmo em uma democracia, os
ocupantes de cargos no Estado – políticos eleitos ou burocratas nomeados – não
são agentes perfeitos do público em nome do qual assumem responsabilidades:
eles não agem de acordo com o melhor interesse dos cidadãos. Op. cit. p. 77.
08 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 51.
09 CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. pp. 294-295: "O exercício do
poder directamente pelo povo – democracia
directa – pressupõe uma estrutura territorial e social praticamente
inexistente na época actual. O arquétipo dos Town Meetings americanos ou dos Landsgemeine suiços desapareceu quase por completo nas
democracias constitucionais complexas (cfr. entre nós, art. 245º/2 da CRP, que
prevê o ‘plenário de cidadãos eleitores’). Não desapareceram, porém, os
mecanismos político-constitucionais de democracia
semi-directa, progressivamente presentes nas constituições modernas de
vários Estados (Suíça, Dinamarca, Irlanda, França, Áustria, Alemanha, Itália,
Suécia)."
10 Neste sentido, CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 80.
11 Não assim em Portugal, onde o emprego da terminologia é diverso.
CANOTILHO define referendo como a consulta feita aos eleitores sobre uma
questão ou texto através de um procedimento formal regulado em lei (op. cit. p.
295), ao passo que plebiscito é definido pelo jurista lusitano como a pronuncia
popular sobre escolhas ou decisões políticas – i.e., confiança num chefe
político ou opção por uma ou outra forma de governo (op. cit., p. 296).
12 Sobre a questão da distinção entre referendo consultivo e deliberativo
(référendum consultatif et référendum décisionnel), ver o interessante estudo
abordando o instituto no Canadá, nos países escandinavos e no Reino Unido da
Grã-Bretanha e da Irlanda da lavra de Patrick Taillon, publicado na Revue International de Droit Comparé. V. TAILLON, Patrick. Pour une redéfinition du
référendum consultatif. Revue
Internationale de Droit Comparé, Paris, v. 59, n. 1, pp. 142-156,
jan./mar. 2007.
13 SILVA, José Afonso da, op. cit. p. 146.
14 CRFB/88, art. 49, inc. XV.
15 SILVA, José Afonso, op. cit. p. 146.
16 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto, secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei,
mediante: I – plebiscito; II – referendo; [...]
17 Nesse sentido, HESSE, Konrad. Elementos
de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís
Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 130, § 148.
18 Dispositivos análogos em nossa Carta Constitucional encontram-se no
art. 18, §§ 3º e 4º, que determinam, dentre outros requisitos, a realização de
plebiscito – i.e., consulta popular prévia –, compreendendo a população
diretamente interessada, para as hipóteses de incorporação, subdivisão e
desmembramento de Estados da Federação ou para a incorporação, fusão e
desmembramento de municípios.
19 CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. pp. 297-298.
20 CRFP, art. 115º, 4, a. CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 298.
21 CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit. p. 299.
22 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Elementos de Direito Comparado. Ciência, política legislativa,
integração e prática judiciária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2008, pp. 52-53, nota de rodapé n. 111.
23 Idem, p. 53, nota de rodapé n. 112.
24 Lembrando-se que a Constituição vigente, de 1999, foi fruto de
referendo convocado pelo próprio Chávezpara tal finalidade.
25 Constituição da República Bolivariana da Venezuela: Artículo 71. Las matérias de especial trascendencia nacional
podrán ser sometidas a referendo consultivo por iniciativa del Presidente o
Presidenta de La República en Consejo de Ministros; por acuerdo de la Asamblea
Nacional, aprobado por el voto de La mayoría de sus integrantes; o a solicitud
de un número no menor del diez por ciento de los electores y electoras
inscritos en el registro civil y electoral. Artículo 73. Serán sometidos a
referendo aquellos proyectos de ley en discusión por la Asamblea Nacional,
cuando así lo decidan por lo menos las dos terceras partes de los o lãs
integrantes de la Asamblea. Si el referendo concluye en un sí aprobatorio,
siempre que haya concurrido el veinticinco por ciento de los electores o
electoras inscritos o inscritas en el registro civil y electoral, el proyecto
correspondiente será sancionado como ley. Los tratados, convênios o acuerdos
internacionales que pudieren comprometer la soberania nacional o transferir
competências a órganos supranacionales, podrán ser sometidos a referendo por
iniciativa del Presidente o Presidenta de la República en Consejo de Ministros;
por el voto de las dos terceras partes de los o las integrantes de la Asamblea;
o por el quince por ciento de los electores o electoras inscritos e inscritas
em el Registro Civil y electoral. Artículo 74. Serán sometidas a referendo,
para ser abrogadas total o parcialmente, las leyes cuya abrogación fuere
solicitada por iniciativa de un número no menor del diez por ciento de los
electores o electoras inscritos o inscritas em el registro civil y electoral o
por el Presidente o Presidenta de la República en Consejo de Ministros. [... omissis...].
O restante do texto do art. 74 prevê o referendo abrogatório dos decretos
presidenciais dotados de força de lei pela lei habilitante (art. 236, 8 da CBV
de 1999), mediante solicitação de ao menos 5% dos eleitores inscritos no
registro civil e eleitoral. Talvez resida aqui o gérmen de uma idéia de
controle sobre medidas provisórias.
26 O atual texto constitucional venezuelano permite uma única reeleição
para um novo mandato presidencial, cuja duração é de seis anos.
27 Sobre as características da família dos direitos socialistas, v.
SGARBOSSA, pp. 121 e ss. No âmbito da família vigia o princípio da colegialidade
e forte ênfase na participação popular na administração pública. Magistrados
eram eleitos e ao lado dos juízes togados havia os assessores populares. Havia
ainda o Comitê de Controle Popular (op. cit. p. 123). A propriedade privada era
muito restrita (pessoal e familiar), existindo, a seu lado, as formas de
propriedade coletiva, social e Estatal (id., p. 124).
28 Lembrando-se, outrossim, que outras medidas de concentração de poder em
mãos de Hugo Chávez, como os plenos poderes legislativos outorgados ao mesmo
pela Assembléia Nacional em novembro de 2000 foram duramente criticadas, dentro
e fora da Venezuela.
29 O novo texto constitucional boliviano contém repercussões polêmicas em
questões sensíveis, como a reflexa redução dos direitos fundamentais, o fim do
limite de reeleições e mudanças no Congresso boliviano.
30 CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 297.
31 No Brasil, os resultados da recente pesquisa Datafolha demonstram algo
análogo quanto ao Brasil. Segundo dita pesquisa, 63% dos consultados declarou
ser contra uma segunda re-eleição, bem como 65% declarou ser contra uma (nova)
alteração constitucional para viabilizar uma tal aberração.
32 Reconhece-se que alguns dos casos estrageiros utilizados no presente
estudo são pretensamente momentos constituintes originários. Serviram, no
presente texto, como ilustração das interações entre Constituição e Democracia
e entre Democracia Direta ou Semidireta e Constituição.
* Mestrando em Direito pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Membro da Société de Législation Comparé (SLC), em
Paris (França). Membro da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), de
Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences
Juridiques (AISJ), de Paris (França). Especialista em Direito Constitucional.
Bacharel em Direito.
** Mestranda em
Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Membro da Société de Législation Comparé (SLC), de Paris (França). Membro da
Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), de Florença (Itália), seção
italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), de Paris
(França). Especialista em Direito Constitucional. Bacharel em Direito.
Professora das disciplinas Hermenêutica Jurídica e Teoria da Argumentação.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10757
Acesso em: 09 set.
2008.