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José Batista de Andrade*
Não se faz
campanha eleitoral sem financiamento, que consiste no instrumento de captação
de recursos financeiros para bancar as despesas da campanha eleitoral de todo e
qualquer cidadão que se dispõe a disputar um cargo político eletivo para fazer
jus à representação popular.
O nosso
Estado adotou o sistema misto ou híbrido de financiamento de campanhas
eleitorais. Por esse sistema as despesas das campanhas eleitorais são pagas com
recursos públicos e com recursos privados.
Os
recursos públicos que são utilizados no pagamento de campanhas eleitorais
provêm de multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código
Eleitoral e leis conexas; por recursos financeiros destinados por lei, em
caráter permanente ou eventual; por doações de pessoa física ou jurídica,
efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo
Partidário e por dotações orçamentárias da União. Todas essas rubricas de
recursos compõem o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos
Políticos, popularmente conhecido por Fundo Partidário, que é gerido pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Criado em 1995, por meio da Lei 9.096 (Lei
dos Partidos Políticos), o Fundo Partidário tem, nas dotações orçamentárias da
União, a sua principal fonte de receita, cujo valor anual obtém-se através da
multiplicação do número de eleitores inscritos no último dia do ano anterior à
proposta orçamentária pelo coeficiente de R$ 0,97 (noventa e sete centavos de
real). O Orçamento da União para este ano destina R$ 194,3 milhões para os
partidos políticos, dos quais R$ 135,614 milhões em recursos da própria União e
R$ 58,20 milhões provenientes da arrecadação de multas eleitorais.
Os
recursos privados decorrem de doações feitas por pessoas físicas e jurídicas
mediante depósitos em espécie, devidamente identificados, cheques ou
transferência bancária, ou ainda em bens e serviços estimáveis em dinheiro,
para as campanhas eleitorais. O candidato também poderá receber diretamente
doações para a sua campanha eleitoral.
Até o
décimo dia útil após a escolha de seus candidatos em convenção, o partido
político constituirá comitês financeiros, com a finalidade exclusiva de
arrecadar recursos financeiros e aplicá-los nas campanhas eleitorais, podendo
optar por um comitê financeiro para prefeito e outro para vereador, no caso das
eleições municipais.
Legalmente,
as doações limitam-se a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no
ano anterior à eleição, no caso de pessoa física, e a 2% (dois por cento) do
faturamento bruto do ano anterior à eleição, no caso de pessoa jurídica. O
próprio candidato pode se auto-financiar, até o limite máximo dos gastos de
campanha por ele informado à Justiça Eleitoral, por ocasião da entrega do seu
requerimento de registro de candidatura.
Até aqui
tudo bem. Quase todos os candidatos conseguem obedecer às regras estabelecidas
em lei, e no final da campanha ter suas contas aprovadas pela Justiça
Eleitoral.
Há uma
relação direta entre os valores arrecadas para as campanhas eleitorais e os
candidatos eleitos. Quase sempre quem recebe maiores doações são os candidatos
com maiores chances de serem eleitos, que, coincidentemente, pertencem aos
grandes partidos políticos, ou à coligações integradas por estes. É muito
difícil os candidatos majoritários pertencentes a pequenas agremiações ganharem
eleição, salvo no caso de siglas de aluguel, quando há brigas internas no
âmbito dos grandes partidos políticos.
As últimas
eleições municipais, ou seja, de 2004, segundo o Jornal Correio Brasiliense,
edições 23.01.2005, custaram R$ 1,24 bilhões, com uma média nacional de R$
12,00 (doze reais) por eleitor [01]. Seus custos foram o dobro das
eleições gerais de 2002, quando foram declarados R$ 580 milhões na disputa pela
Presidência da República, governos estaduais e vagas parlamentares. Há duas
explicações para a constatação dessa enorme diferença. A um, porque foi
justamente nas eleições de 2004 que, pela primeira vez na história, a
arrecadação nos municípios foi totalizada a partir de dados oficiais do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para alcançar as cadeiras de prefeito,
15.746 candidatos juntaram R$ 656 milhões. Na disputa pelas Câmaras Municipais,
os 346.419 postulantes a vereador somaram R$ 378 milhões. Os comitês dos
partidos ajudaram a engordar a cifra, ao distribuir R$ 213 milhões entre os
candidatos. A dois por causa da utilização indiscriminada do caixa dois nas
eleições gerais de 2002.
Agora,
passando do campo do deve ser para o do ser, é no lixo, sim, no lixo mesmo, que
os candidatos a Prefeito, e até a Governador ou mesmo Presidente da República,
por via reflexa, obtêm a principal fonte real de financiamento de suas
campanhas eleitorais, quase sempre.
Os relatórios
oficiais dizem que, nos últimos 14 anos, foram destinados 154 bilhões de reais
anualmente para programas de gerenciamento de resíduos sólidos nas cidades
brasileiras. Porém, as estatísticas oficiais desse setor não merecem
credibilidade, por inúmeras razões, dentre elas porque é justamente no lixo que
os ratos da nossa política encontram os melhores insumos para os seus esquemas
de fraudes e corrupção.
O negócio
do lixo é tão bom que, segundo o Jornal Nova Democracia, ano VI, nº 42, edição
de abril de 2008, o grupo Queiroz Galvão desdobrou-se, criando uma ramificação
para operar apenas na área de saneamento, principalmente na coleta e destinação
final de lixo em oito Estados da nossa federação, um nicho que já representa
20% do faturamento da construtora, que somou R$ 1,2 bilhão em 2004.
Segundo o
IBGE, apenas 20% do lixo coletado em todo o país vão para aterros controlados.
O restante, estimado em 147 mil toneladas diárias, é levado para os vazadouros,
responsáveis por impactos ambientais praticamente invisíveis aos olhos do
cidadão: contaminação de lençóis freáticos e do solo pelo chorume e do ar pelos
gases emitidos pela destinação inadequada (lixões) dos resíduos gerados por
3.672 municípios (66% do total). A coleta e disposição do lixo é uma atividade
muito pouco regulada que, além de mexer com a vida de um exército de pessoas
empobrecidas — catadores e sucateiros — financia desde campanhas eleitorais de
pessoas comprometidas com a expansão do negócio até a ampliação dos quadros de
funcionários públicos, como instrumento da terceirização, com a contratação de
pessoal sem concurso público.
A coleta
de lixo é um serviço público prestado pelo Município ou por seus delegados, sob
regime jurídico de direito público, com vistas ao saneamento das áreas urbanas
e a saúde básica da coletividade. São, ao todo, 5.564 municípios [02].
Praticamente todas as prefeituras contratam empresas privadas para a coleta do
lixo.
Em sendo
um serviço público a coleta de lixo, que normalmente é feita por empresas
privadas, estas deverão ser escolhida através de prévio processo de licitação
pública, em obediência à norma contida no art. 5º, inciso XXI, da Constituição
Federal, que assim estabelece:
Art.
37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, da moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:
(...)
XXI –
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos
da lei, o qual permitirá as exigências de qualidade técnica e econômica
indispensável à garantia do cumprimento das obrigações.
Um fato
que desperta a curiosidade, é que a regra constitucional acima começa com as
exceções, para somente depois trazer a regra. É esquisito, mas ela diz
expressamente que depois de retiradas as exceções, a regra é que todas e
quaisquer obras, serviços, compras e alienações feitas pela Administração
Pública serão precedidas de licitação pública, para escolha da melhor proposta,
incluindo melhor preço e/ou técnica.
A
regulamentação da norma constitucional acima, ou seja, das licitações e
contratos da Administração Pública foi feita pela a Lei 8.666, de 21.06.1993.
Esta lei, nos seus artigos 24 e 25, elencou 27 (vinte e sete) situações em que
a Administração Pública pode contratar sem licitação, dentre elas destaco as
seguintes situações: 1) para a compra de bens e serviços comuns e alienações no
valor de até R$ 8.000,00 (oito mil reais), desde que não se refiram a parcelas
de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior valor que possa ser realizada
de uma só vez; 2) nos casos de emergência ou de calamidade pública; e 3) na
contratação de profissionais ou empresas de notória especialização. É
justamente nessas três situações onde se concentram os esquemas de fraudes de
corrupções.
É muito
comum encontrar na contabilidade das prefeituras compras de bens e serviços,
inclusive relacionados com a coleta de lixo, com valores pouco abaixo de R$
8.000,00 (oito mil reais). Claro, tais compras não passam pela burocracia de um
processo de licitação. E isso abra caminho para todo tipo de pequenas fraudes,
tais como: aquisição de bens e serviços inexistentes, para saldar pequenas
despesas de campanha; aquisições de notas fiscais frias para encobrirem farras
de integrantes da administração pública, despesas com salões de beleza das
damas do poder e despesas com residência e faculdade de amante do prefeito, na
capital no Estado, etc.
Quando um
grupo político que está no poder há muito tempo perde a sua hegemonia, é comum
"abandonar" a cidade nos três últimos meses da sua administração.
Como conseqüência, o novo grupo político que assume o poder recebe a cidade
toda esburacada, fedorenta, com os esgotos estourados, e muito lixo.
Com a
ascensão do novo grupo político acontecem duas grandes sucessões: 1) os
apadrinhados do grupo político derrotado sedem o lugar para os do novo grupo
político; 2) os ratos quadrúpedes que estão no lixo sedem o lugar para os ratos
bípedes.
O novo
chefe da administração decreta estado de calamidade pública da cidade e
contrata, sem licitação pública, o grupo empresarial que fez a maior doação
para campanha eleitoral, justamente para fazer, de forma urgente, a coleta do
lixo da cidade; contrata também, sem licitação, outra empresa que contribuiu
com doações expressivas, para tapar os buracos da cidade e consertar os
esgotos. Quando não se decreta o estado de calamidade pública da cidade,
contrata-se empresa com notória especialização técnica, sem licitação pública,
claro, para fazer a coleta do lixo, ainda que esta empresa tenha sido
constituída depois da vitória nas urnas, como aconteceu no ano de 2000, numa
grande cidade brasileira. Neste caso, coincidentemente, a neo-empresa pertencia
a um grupo empresarial que fez a maior doação para a campanha do alcaide.
O
interessante, no caso acima, é que durante a campanha eleitoral seguinte, o
candidato adversário, que tanto criticou e prometeu passar a limpo a questão da
coleta do lixo, uma vez eleito e tendo assumido a prefeitura, nunca mais falou
em lixo.
O lixo,
numa relação direta e imediata, financia as campanhas eleitorais municipais.
Mas, uma vez no poder, a nova administração, faz uso do lixo para pagar as
despesas de campanha, no primeiro ano da administração; depois, para fomentar
fundo destinado à reeleição; por fim, para arrecadar dinheiro para um projeto
político mais arrojado, governadores e até presidente da República.
Por causa
dos financiamentos de campanhas eleitorais vinculadas à coleta do lixo urbano,
muitos incidentes políticos têm surgido por todo este país afora, de norte a
sul e de leste a oeste, inclusive com assassinatos de vereadores e prefeitos.
A questão
da coleta de lixo tem corrido tão frouxo, que os Tribunais de Contas dos
Estados, ou dos Municípios, onde existem, mesmo se restringindo a fazerem uma
análise meramente formal das contas dos gestores municipais, pois, não chegam
ao nível de aprofundamento suficiente à identificação de firmas fantasmas, de
"laranjas" e de notas fiscais "frias", salvo nos casos de
denúncia formal e bem documentada, tem identificado irregularidades nos números
do lixo de diversas Prefeituras. E isso tem acontecido justamente por causa de
deslizes dos administradores, dentre os quais se destacam: licitação
direcionada e superfaturada, contratação de empresas que na prática nunca
efetuaram o serviço, além de pagamento acima do valor da quantidade de lixo
coletada.
Diante do
exposto, conclui-se o seguinte: 1) há uma relação direta entre o valor das
doações feitas por pessoas físicas e jurídicas na campanha eleitoral e o
sucesso nas urnas; 2) o pagamento do financiamento da campanha eleitoral ocorre
o primeiro ano de administração dos candidatos eleitos; 3) o esquema de fraude
e corrupção na nova administração é montado durante o período de transição
política, ou seja, nos dois meses que se segue ao resultado do pleito
eleitoral; 4) os esquemas de fraudes e corrupção na coleta de lixo até hoje
noticiados pela mídia e os identificados pelos Tribunais de Contas representam
apenas a ponta do iceberg de uma prática difícil de combater, uma vez que a
complexidade técnica do tema envolve cifras elevadas e toneladas de resíduos
despejadas diariamente. Algo complicado (mas não impossível) de fiscalizar,
ainda mais para quem faz vista grossa.
REFERÊNCIAS
BIBILIOGRÁFICAS:
1. CAMPOS,
Mauro Macedo. Financiamento de campanhas eleitorais e accountability na
América Latina: Argentina, Brasil e Uruguaio. Disponível em: http://neic.iuperj.br/Financiamento%20Campanha%20(Argentina-Brasil-Uruguai).doc.
Acesso: 17.08.2008.
2.
CAMANDOCAIA, Nara de Sousa e. Multas eleitorais x Fundo partidário. Disponível
em:http://www.tre-mg.gov.br/sj/publicacoes/revistas/revista15/doutrina/multas_fundo_partidario.htm.
Acesso: 17.08.2008.
3. FILHO,
José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen júris, 2005.
4. FILHO,
Marino Pazzagliini. Eleições 2008. São Paulo: Atlas, 2008.
5. Jornal
a Nova Democracia, ano VI, nº 42, edição de abril de 2008. Disponível no site: http://www.anovademocracia.com.br/index.php/Lixo-e-banquete-para-os-ratos-da-politica.html.
Acesso: 17.08.2008.
6. Site: http://www.cbic.org.br/mostraPagina.asp?codServico=1569&codPagina=8438.
Acesso: 17.08.2008.
7. Site: http://www.senado.gov.br/JORNAL/arquivos_jornal/arquivosPdf/070228.pdf.
Acesso: 17.08.2008.
http://www.depacom.org.br/informativos/2008/772_28_01_08.htm.
Acesso: 17.08.2008.
www.tce.sp.gov.br/sessoes/atas/pleno/2007_10_31_pleno_31so.pdf.
Acesso: 18.08.2008.
http://www.tce.pe.gov.br/processosJoomla/processos/ConsultaPrestacaoContasMunicipal.asp.
Acesso: 18.08.2008.
8. Site: http://www.paraiba.com.br/noticia.shtml?10051.
Acesso: 19.08.2008.
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=345&id_pagina=1.
Acesso: 19.08.2008.
Notas
01 Portal Paraíba.com.br, edição de
23.01.2005.
02 http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060717101552AABRYEs.
Acesso: 19.08.2008.
* Juiz de Direito do Estado do Ceará.
Ex-Duiz de Direito na Paraíba. Ex-Promotor de Justiça no Pernambuco.
Pós-graduado em Direito Processual.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11644
Acesso em: 26 ago.
2008.