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A Lei nº 11.300/06 e as restrições à propaganda eleitoral

 

 

Fabiano Pereira Gonçalves*

 

 

Es evidente que hemos progresado: hay más elecciones y más democracia, la capacidad técnica para administrarlas es cada vez superior, los organismos electorales han mejorado y, ahora han sido puestos en marcha donde antes no los había. Las acusaciones de fraude disminuyen, la recolección de datos es más rápida, los padrones electorales son más precisos. Pero algo falta. Hemos optado por aumentar las regulaciones en la financiación de la política, hemos decidido invertir los dineros de los contribuyentes, pero todavía hay algo opaco. [01]

RESUMO: Este artigo tem por objetivo a análise da nova legislação no tocante à confecção e utilização de materiais de propaganda eleitoral custeados pelo candidato e pelo próprio eleitor. Tratar-se-ão, também, dos limites impostos, pela legislação e pelo TSE, aos outdoors e placas, e da aplicação desses limites à pintura de paredes e imóveis particulares.


1. A nova legislação

Em que pese a relevância da discussão acerca da constitucionalidade da Lei nº 11300, de 10.05.2006, que alterou a Lei nº 9504/97, disso não se tratará, tendo em vista a decisão do TSE (Resolução nº 22.205/06), que determinou sobejamente sobre a aplicabilidade dos dispositivos que deveriam vigorar e aqueles que obedeceriam ao mandamento do artigo 16, 2º parte, da CR [02].

Com o advento da nova lei, a legislação eleitoral, entre outras alterações, passou a restringir ou mesmo pôs fim a dois dos maiores meios da propaganda eleitoral utilizados no país, mas que também serviam como instrumentos, em diversos casos, de abuso do poder econômico e político.

A primeira das vedações trata da proibição da confecção, utilização, e outras condutas relacionadas na lei, quanto a materiais propagativos, como se vê in verbis:

Art. 39... ............................................................................

(...)

§ 6º. É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.

A outra vedação refere-se à medida de maior impacto, depois da proibição dos "showmícios", que não entendo como sendo propaganda eleitoral propriamente dita, que é a proibição da utilização de outdoors na campanha política, medida extremamente equalizadora, já que apenas os candidatos com maior poder aquisitivo estavam aptos a comprar espaço nesse meio de publicidade:

Art. 39... ............................................................................

(...)

§ 8º. É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs.


2. Proibição da confecção de materiais de propaganda

A inclusão do parágrafo sexto ao art. 39, da lei nº 9504/97, pela Lei nº 11300/06, proibiu diversas condutas, tratando dos tradicionais "brindes", com que os candidatos agraciavam seus eleitores, por vezes em tentativas de captação ilícita de seus votos. Percebe-se o nítido caráter moralizador da norma ao vedar a troca de materiais e/ou bens, de pouco valor, destaque-se, pelo voto do eleitor, o que, com freqüência, se concretizava.

Da leitura do dispositivo, entretanto, ressalta-se um, por assim dizer, elemento subjetivo do tipo, que consiste na finalidade das condutas descritas no início do parágrafo, que levam ao entendimento, numa interpretação literal, de que os materiais ou bens devem "[...] proporcionar vantagem ao eleitor", retirando um tanto de sua força inicial.

Isso significa que, se as camisetas e demais materiais não proporcionarem vantagem ao eleitor, poderão então ser confeccionados e distribuídos?

A letra da lei é clara: deverá haver vantagem ao eleitor com o recebimento dos brindes e outros materiais. E se o candidato vender a camiseta, a fim de obter recursos para a sua campanha, deixa de haver a vantagem e legitima-se a distribuição?

Note-se que a legislação veda aos partidos a comercialização de materiais de divulgação, se tiverem menção ao candidato. Não há vedação legal expressa, ao candidato, de comercializar o material de divulgação referido na norma ora analisada.

Mesmo buscando o intuito da edição de tal medida, qual seja, o de dificultar o abuso do poder econômico ou político de determinados candidatos, forçoso é concluir que, estabelecendo a letra da lei uma finalidade específica das condutas enumeradas no mencionado dispositivo, passou-se a exigir a ocorrência dessa mesma finalidade para efetividade da vedação.

Por óbvio que, qualquer arrecadação feita dessa forma deve adequar-se à legislação eleitoral, enquadrando-se como doação, nos limites legais, tratados na Resolução/TSE nº 22.250/2006, inclusive com a comunicação antecipada de sua realização:

Art. 18. Para a comercialização de bens ou a promoção de eventos que se destinem a arrecadar recursos para campanha eleitoral, o comitê financeiro ou candidato deverá:

I – comunicar sua realização, formalmente e com antecedência mínima de cinco dias, ao tribunal eleitoral, que poderá determinar a sua fiscalização;

(...)

§ 1º. Os recursos arrecadados com a venda de bens ou com a realização de eventos, destinados a angariar recursos para a campanha eleitoral, serão considerados doação e estarão sujeitos aos limites legais e à emissão de recibos eleitorais. (grifo nosso)

Numa interpretação sistemática, percebe-se a permissão de comercialização de bens para arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, instrumento mais que legítimo ao processo eleitoral, existindo uma vedação específica de essa comercialização não proporcionar vantagem ao eleitor.

De se ressaltar que, com as alterações vedatórias, a Lei nº 11300/06 também alterou o art. 26, da Lei nº 9504, que diz respeito aos gastos eleitorais:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

I - confecção de material impresso de qualquer natureza e tamanho;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas; (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

V - correspondência e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoal que preste serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e assemelhados;

IX - produção ou patrocínio de espetáculos ou eventos promocionais de candidatura;

IX - a realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - pagamento de cachê de artistas ou animadores de eventos relacionados a campanha eleitoral; (Revogado pela Lei nº 11.300, de 2006)

XII - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XIII - confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros e outros brindes de campanha; (Revogado pela Lei nº 11.300, de 2006)

XIV - aluguel de bens particulares para veiculação, por qualquer meio, de propaganda eleitoral;

XV - custos com a criação e inclusão de sítios na Internet;

XVI - multas aplicadas aos partidos ou candidatos por infração do disposto na legislação eleitoral.

XVII - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

No tocante ao assunto ora tratado, a nova lei eleitoral revogou o inciso XIII, que tratava da confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros e outros brindes de campanha.

À primeira vista pode parecer que, estando em consonância com o art. 39, § 6º, da mesma lei, reforçar-se-ia o mandamento proibitivo de venda dos materiais ali citados, não sendo essa a nossa orientação.

O art. 26 não constitui rol taxativo dos gastos que podem ser implementados em qualquer campanha eleitoral, podendo ali ser inseridos outros itens.

Posição contrária defende Denise Goulart Schlickmann, em seu estudo sobre Financiamento de Campanhas Eleitorais:

Para as eleições de 2006, com o advento da Lei 11.300/06, verificaram-se significativas alterações na definição dos gastos eleitorais, dentre elas a exclusão da expressão "dentre outros", que constava no caput do artigo. Com isso, o rol de gastos eleitorais – definidos com a intenção de delimitar o universo daqueles sujeitos a registro nas prestações de contas e aos limites fixados pela Lei – passou a ser taxativo e não, exemplificativo. Este parece ser o claro propósito da Lei.

Não nos parece, em contrariedade à douta autora, que lei nova venha estabelecer dificuldades, ou melhor, maiores limitações aos gastos eleitorais. A mens legis sempre há de ser, nas legislações eleitorais, a de conter os abusos dos candidatos e partidos, tornando a disputa eleitoral a mais equilibrada possível.

A prevalecer tal entendimento, da taxatividade do rol do art. 26, poderá haver aumento nas demandas em face dos candidatos, partido e coligações por irregularidade nas prestações de contas, haja vista que algum item poderá não estar previsto no rol e, mesmo assim, ser de utilização cotidiana.

Mesmo que a lei nova tenha um caráter generalista quanto aos gastos, tentado prever todos aqueles abarcados na espécie, não há meios de se prever a totalidade de possibilidades existentes.

Tanto assim que, como a citada autora menciona, em eleições passadas, foram autorizados gastos fora das rubricas legalmente elencadas, forçando à edição, em 1998, de inclusão da expressão "dentre outros" no rol, tornando despiciendas as demais definições.

Em afinação com a opinião ora esposada está Adriano Soares da Costa [03]:

Do caput do art. 26 foi retirada a expressão "dentre outros", como se a lista apresentada deixasse de ser exemplificativa e passasse a ser taxativa. Noutras falas: apenas esses gastos seriam lícitos durante a campanha eleitoral. Não nos parece seja possível essa interpretação, todavia. É que em termos de gastos de campanha e propaganda eleitoral o princípio é da ampla liberdade, salvo as restrições previstas em lei. Quando a redação anterior fazia menção a outros gastos possíveis, ainda que não discriminados pelo art.26, estava determinando que fossem eles registrados e considerados como gastos de campanha, sujeitos aos limites fixados pelos partidos ou candidatos. Penso que, independentemente da nova redação, o sentido do texto permanece o mesmo, com a obrigatoriedade de serem registrados todos os gastos lícitos de campanha, inclusive aqueles não previstos no elenco do art.26.

Mesmo que assim não fosse, o inciso II, do art. 26, autoriza gastos com propaganda e publicidade, categoria na qual poderiam ser inseridos tais dispêndios sem maiores problemas.

Polêmica à parte, ficará a cargo dos juízes eleitorais e dos tribunais regionais eleitorais resolver, por meios hermenêuticos, a questão ora posta, estendendo o alcance da norma a todos os casos, independentemente da finalidade, ou restringindo a sua aplicação àqueles casos de busca de proporcionamento de vantagem ao eleitor.

Entendo que, para dirimir qualquer dúvida, deveria o legislador pátrio retirar a finalidade, ou melhor, a última parte do inovador § 6º, do artigo 39, da lei nº 9504/97, impedindo que os candidatos, por vias tortas, mas dentro de uma legalidade interpretada, consigam burlar o impedimento ao abuso do poder econômico visado pela norma.

Certo mesmo é que, mantendo-se ou não a nova regra na apresentada formatação e com interpretação restritiva ou ampliada, mecanismos de fiscalização e controle das prestações de contas de campanha devem ser implementados, tais como: a ampliação do poder de polícia, dos juízes para outros órgãos; criação, nos TRE''s, de órgãos específicos e exclusivos de fiscalização e controle de prestações de contas; etc.

2.1. Da possibilidade da confecção de material pelo eleitor

A Lei nº 11300/06 vedou a confecção, distribuição e utilização de materiais que podem ser utilizados como brindes aos partidos e candidatos, não se referindo diretamente ao eleitor e suas condutas.

Invocando o mandamento fundamental constitucional, tenho que o eleitor, por exercício do princípio da livre manifestação do pensamento, insculpido no inciso IV, do art. 5º, da CR, pode confeccionar, para si e para outras pessoas, itens que traduzam a sua preferência por este ou aquele candidato.

O mais difícil, para o próprio eleitor, será demonstrar, numa eventual fiscalização dos TRE''s, que aqueles itens foram confeccionados por sua exclusiva vontade e graça, estando sujeito à apreensão dos materiais até que faça a prova de sua volição.

Há brecha para a maquiagem de gastos eleitorais com propaganda considerada hoje irregular, não se podendo permitir exageros, por parte dos eleitores, em suas manifestações.

Entretanto, o próprio TSE manifestou-se favoravelmente ao uso de camisetas, bonés e dísticos, em duas resoluções, para as Eleições 2006, confirmando o mandamento constitucional:

Resolução/TSE nº 22.261/06

Art. 67. Não caracteriza o tipo previsto no art. 39, § 5º, II e III, da Lei nº 9.504/97 a manifestação individual e silenciosa da preferência do cidadão por partido político, coligação ou candidato, incluída a que se contenha no próprio vestuário ou que se expresse no porte de bandeira ou de flâmula ou pela utilização de adesivos em veículos ou objetos de que tenha posse (Res.-TSE nº 14.708, de 22.9.94; Lei nº 9.504/97, art. 39, § 5º, II e III, respectivamente, com nova redação e acrescentado pela Lei nº 11.300/2006).

Resolução/TSE nº 22.426/06

Art. 1º. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada no uso de camisas, bonés, broches ou dísticos e pela utilização de adesivos em veículos particulares.

Como ambos os dispositivos acima citados dizem respeito ao dia das eleições, paira a dúvida a respeito do uso de camisetas e demais adereços no decorrer da campanha, sendo certo que, em qualquer caso, deverá haver a prova de abuso do poder econômico e a intenção de captação de votos, como já decidiram alguns TRE''s:

Acórdão nº: 3789 Processo: Recurso Eleitoral nº 43/2000 - Classe II – Paranaíba Partes: Ministério Público Eleitoral x Antônio Miziara Relator: Dr. Carlos Alberto Pedrosa de Souza Decisão: Por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Ementa: RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA POLÍTICO-PARTIDÁRIA EM CAMISETA. AUSÊNCIA DO PRÉVIO CONHECIMENTO. PROVIMENTO.

O prévio conhecimento acerca da propaganda que se dessume do parágrafo 3º do art. 36 da Lei nº 9504/97 é "conditio sine qua non" para aplicação da multa cominada, devendo restar provado, não sendo suficiente a sua mera presunção.

Publicação: DJMS, (5409):41, 19.12.2000

Julgado em: 14.12.2000

Acórdão nº: 2463 Processo: Recurso Eleitoral nº 3360/2000, Minas Gerais (Belo Horizonte) Relator(a): Dra. Maria das Graças S. Albergaria S. Costa Decisão: Rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao recurso.

Ementa: RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ART 41-A DA LEI Nº 9504/97 C/C ART 22 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. ALEGAÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. DISTRIBUIÇÃO DE CAMISETAS, CESTAS BÁSICAS E OUTRAS BENESSES.

Ausência de prova de que as condutas foram praticadas com a finalidade de obtenção de votos. Impossibilidade de decretação de inelegibilidade e cassação de registro de candidatura com base em meras conjecturas e presunções. Recurso a que se nega provimento.

Publicação: DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 12/10/2000, Página 54.

Data Julgamento: 27.09.2000

Mesmo o TSE indicou a concordância com a abalizada jurisprudência dos tribunais regionais, transcrita no art. 65, da Resolução/TSE nº 22261/06:

Art. 65. Para a procedência da representação e imposição de penalidade pecuniária por realização de propaganda irregular, é necessário que a representação seja instruída com prova de sua autoria e do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável.

Parágrafo único. O prévio conhecimento do candidato estará demonstrado se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de vinte e quatro horas, sua retirada ou regularização e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda (Ac.-TSE nº 21.262, de 7.8.2003). (grifo nosso)

O entendimento acima esposado embasa a crítica à legislação, se interpretada no sentido de se restringir a liberdade de manifestação e expressão do eleitor, que pode, no decorrer da campanha, confeccionar camiseta, boné ou flâmula, de sua própria expensa e apoiar o candidato de sua preferência, seja no dia da eleição, seja no decorrer da campanha.

O cidadão está protegido por dispositivos constitucionais, quais sejam, os incisos IV e VIII, do art. 5º, o primeiro tratando de liberdade de manifestação do pensamento, com a única reserva legal do anonimato, e o segundo que garante que ninguém será privado de direitos por motivo de convicção política, com a reserva legal de não poder se eximir de obrigação legal a todos imposta, com recusa de cumprimento de obrigação alternativa.

Ensina Moraes que, "proibir a livre manifestação do pensamento é pretender alcançar a proibição ao pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal." [04]

Além do mais a liberdade de consciência é fundamento das demais liberdades do pensamento, assim explicitado por José Celso Mello Filho [05]:

... liberdade de consciência constitui o núcleo básico de onde derivam as demais liberdades do pensamento. É nela que reside o fundamento de toda a atividade político-partidária, cujo exercício regular não pode gerar restrição aos direitos de seu titular.

Além da proteção constitucional relatada, também o cidadão não está restrito em sua manifestação por norma penal, já que o dispositivo do art. 39, § 5º, II e III, da Lei nº 9504/97, diz respeito somente ao dia da eleição, estando excluídas tais condutas pelas normas interpretativas colacionadas nas Resoluções do TSE acima transcritas. Por óbvio que a prática das condutas em outra data não se subsume ao tipo penal mencionado.

Com isso, fica livre o eleitor a se manifestar e a produzir as peças que entender necessárias ao instrumento de sua vontade, ficando, mesmo assim, sujeito à fiscalização da Justiça Eleitoral, tendo limites ao seu ato de manifestação de preferência.

Entendo que a confecção de apenas uma camiseta, ou mesmo de algumas poucas, não leva à necessidade de informar o candidato e, conseqüentemente, de prestar contas pelo gasto realizado, seja no dia da eleição, seja no decorrer da campanha.

Porém, se é de tal monta o gasto que atinja eleitores até mesmo desconhecidos (distribuição), deve haver informação ao candidato de seu ato de volição e expressão, bem como esse gasto deve constar na prestação de contas, como doação, dentro do limite determinado pela legislação eleitoral (um mil UFIR) [06], gerando recibo eleitoral, sem se descuidar da possibilidade de burla à vedação legal e do abuso de poder econômico e político.

Fica em aberto a discussão sobre a possibilidade de distribuição de materiais com manifestação de apreço ao candidato, pelo eleitor, no exercício de sua autonomia, já que não lhe é vedada essa conduta. As bases de tal liberdade configuram-se nas mesmas expostas acima: liberdade de manifestação e liberdade política.


3. Proibição da utilização de outdoors

A outra inovação da Lei nº 11300/06 foi a vedação à utilização, na propaganda eleitoral, dos chamados outdoors, elementos publicitários de grande alcance mediático e de grande expressão do poder econômico dos partidos e candidatos.

Ainda que houvesse, na legislação revogada, o sorteio dos pontos onde seriam utilizados outdoors nas campanhas políticas, nem todos os candidatos e partidos dispunham da capacidade econômica necessária à aquisição de tal espaço publicitário.

A lei foi extremamente moralizadora nesse aspecto, equalizando os candidatos que estão na disputa, dando maior chance àqueles de menor poder aquisitivo (ou menor poder mobilizador de recursos), principalmente nas eleições proporcionais.

Mesmo com tal medida, surgiram dúvidas a respeito da possibilidade da utilização de placas, para promover os candidatos, e do tamanho a ser adotado nas placas, caso viessem a ser autorizadas.

O senador Valmir Antônio Amaral levou ao TSE, através da Consulta de nº 1274 (Resolução/TSE nº 22246/06), a indagação a respeito da afixação de placas, em terrenos de propriedade particular, sendo respondida tal consulta nos termos abaixo [07]:

Processo: Consulta nº 1274 Nº da Decisão: RESOLUÇÃO 22246 - BRASÍLIA - DF Data: 08/06/2006 Relator: CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 31/07/2006, Página 1 Decisão: O Tribunal, por unanimidade, respondeu à consulta nos termos do voto do relator.

Ementa: POSSIBILIDADE. VEICULAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. LEI Nº 11.300/2006. AFIXAÇÃO. PLACA. BENS DE DOMÍNIO PRIVADO. LIMITAÇÃO. TAMANHO.

A fixação de placas para veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares é permitida, com base no § 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/97.

Só não caracteriza outdoor a placa, afixada em propriedade particular, cujo tamanho não exceda a 4m².

À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é admissível, em propriedade particular, placa de tamanho igual ou inferior a 4m².

O tamanho máximo de 4m² para placas atende ao desiderato legal, na medida em que, em função de seu custo mais reduzido, não patenteia o abuso de poder econômico e o desequilíbrio entre os competidores do jogo eleitoral.

Os abusos serão resolvidos caso a caso, servindo o tamanho de 4m² como parâmetro de aferição. (grifo nosso)

Ressalte-se que somente em propriedades particulares podem ser afixadas placas e/ou propaganda eleitoral de qualquer espécie, em virtude da norma incriminadora do art. 334, do Código Eleitoral [08], e do art. 37, da Lei nº 9507/97..

Olivar Coneglian levanta a hipótese de falta de sanção àqueles que se utilizarem de outdoors ou aparato similar, tendo em vista a revogação do dispositivo que tratava da multa, o art. 42 da Lei das Eleições.

O referido autor, entretanto, conclui que é de ser aplicado o art. 30-A, § 2º, da mesma Lei, para sancionar o uso de outdoor ou assemelhado, por constituir gasto ilícito [09]:

O § 2º do art. 30-A aduz que será negado diploma ao candidato se comprovados gastos ilícitos. Ora, como a utilização do outdoor supõe necessariamente gasto eleitoral, e como a utilização de outdoor é ilícita, esses gastos serão ilícitos.

Então se conclui que a utilização de outdoor leva à aplicação do § 2º do art. 30-A da Lei das Eleições.

3.1. Pinturas em bens particulares

A Lei das Eleições assim trata do assunto:

Art. 37... .............................................................................

(...)

§ 2º. Em bens particulares, independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral, a veiculação de propaganda eleitoral por meio da fixação de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições.

A decisão da Consulta de nº 1274, acima transcrita, não adentrou no mérito das pinturas e inscrições em muros e fachadas, de propriedades particulares, sendo tal matéria tratada em diversos outros julgados [10], dos quais destaco a Resolução/TSE de nº 22243/06, resultado da Consulta de nº 1263:

Processo: Consulta nº 1263 Nº da Decisão: RESOLUÇÃO 22243 - BRASÍLIA - DF Data: 08/06/2006 Relator: CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 08/08/2006, Página 117 Decisão: O Tribunal, por unanimidade, respondeu à consulta, na forma do voto do relator.

VEICULAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. LEI No 11.300/2006. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO LEGAL. COLOCAÇÃO. BONECO FIXO. VIA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. AFIXAÇÃO. BANDEIRA. PLACA. FAIXA. BONECO. BENS DE DOMÍNIO PRIVADO.

Não é permitida a colocação de bonecos fixos ao longo das vias públicas, a teor do § 4º do art. 9º da Resolução nº 22.158/2006.

É permitida a afixação de placas, faixas, cartazes, pinturas ou as inscrições em bens particulares, para fins de veiculação de propaganda eleitoral, com base no § 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/97.

A propaganda eleitoral, em tamanho, características ou quantidade que possam configurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico, é de ser apurada e punida nos termos do art. 22 da LC no 64/90. (grifo nosso)

Como se depreende da decisão transcrita, o TSE não se imiscuiu na questão relativa a pinturas e inscrições em muros e fachadas, deixando para o caso concreto a análise de uso indevido, desvio ou abuso, que deverão ser punidos nos termos do art. 22, da Lei de Inelegibilidades.

Com a devida vênia e atrevimento, ouso discordar das manifestações do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, que não estabeleceu limites, que deveriam ser claramente justos, às pinturas e inscrições em muros e fachadas particulares.

A ousadia encontra guarida na mens legis da Lei nº 11300/06, que buscou coibir o abuso do poder econômico e acertar o desequilíbrio existente nas disputas eleitorais.

Assim, se o candidato, impedido de se utilizar de outdoor, encontrar um indivíduo que lhe alugue ou empreste um muro ou fachada de dimensões próximas às daquele aparato publicitário, poderá nele fazer inscrever a sua promoção eleitoral, afigurando-se um notável abuso do poder econômico ou mesmo um desvio ou uso indevido da propaganda.

Ainda que possa ser objeto de investigação judicial, como não existe vedação específica, dificilmente haverá punição ao candidato infrator.

Penso que a intenção do legislador foi vedar quaisquer atitudes que pudessem ferir o buscado equilíbrio na contenda eleitoral, e esse objetivo deverá ser alcançado utilizando-se da interpretação extensiva da norma posta na Resolução/TSE nº 22246/06, limitando as pinturas e inscrições em fachadas e muros particulares a painéis de 4m2, sem prejuízo das ofensas às posturas municipais.


4. Epílogo

Com a análise posta nas páginas anteriores, buscou-se contribuir com o desenvolvimento do regime democrático e com a evolução do processo eleitoral, na incansável procura pelo ideal equilíbrio na disputa eleitoral.

Por certo a nova legislação acrescentou maior honestidade e moralidade no processo de escolha dos representantes dos brasileiros.

Não se nega a necessidade do contato do político com as suas bases, ou mesmo com aqueles que dele nada conhecem, todavia essa divulgação deve atender um mínimo de princípios, tanto éticos e morais, como jurídicos.

A amplidão da propaganda eleitoral [11], esse direito garantido pelo Código Eleitoral e pelas diversas legislações a ele concernentes, não pode ser empecilho ao exercício do poder de polícia [12], isso sem falar na realização do princípio da igualdade, este peremptoriamente gravado no art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.

O que se deve combater são os abusos do poder econômico e político, mantendo-se o espírito de disputa leal que caracteriza ou deve caracterizar o Estado Democrático de Direito.

Finalizo com uma passagem de Djalma Pinto, que considero como um axioma eleitoral e democrático, para reflexão de todos quantos participam e desfrutam da escolha política fundamental – o sufrágio [13]:

É preciso que fique bem sedimentada, no grupo social, a idéia de que o processo eleitoral é a seiva que revitaliza o Estado democrático. Todos têm o dever de zelar por sua regularidade, retirando dele tudo o que possa contaminá-lo ou levá-lo ao descrédito. A prosperidade, na democracia, tem como base a lisura e a confiabilidade no processo eletivo. Se a corrupção, o abuso, a fraude nele forem tolerados, definitivamente, a nação, que o consente, será pobre. [...]

As restrições analisadas acima, trazidas pela Lei 11300/06 devem servir a esse objetivo: afastar a corrupção, o abuso e a fraude, e fazer rica a nossa pátria.


REFERÊNCIAS

CALLE, Humberto de La. Financiamiento de partidos y campañas. Site OEA-UPD. Disponível em http://:www.icpcolombia.org apud d’ALMEIDA, Noely Manfredini. Financiamento Político de Campanhas e Partidos: A Experiência Mundial sobre Prestação de Contas. Revista Paraná Eleitoral. n. 57, Julho 2005. Paraná: TRE/PR, 2005.

CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8ª ed. Curitiba: Juruá, 2006. pp. 336-337.

COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8641>. Acesso em: 03 maio 2008.

MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 440.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 119.


Notas

01 CALLE, Humberto de La. Financiamiento de partidos y campañas. Site OEA-UPD. Disponível em http://:www.icpcolombia.org apud d’ALMEIDA, Noely Manfredini. Financiamento Político de Campanhas e Partidos: A Experiência Mundial sobre Prestação de Contas. Revista Paraná Eleitoral. n. 57, Julho 2005. Paraná: TRE/PR, 2005.

02 Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência.

03 COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8641>. Acesso em: 03 maio 2008.

04 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 119.

05 MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 440.

06 Art. 27, da Lei nº 9504/97 e art. 22, da Resolução/TSE nº 22250/06.

07 Recomendo a leitura do inteiro teor da consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral, que aqui não será transcrita pela falta de motivação no aprofundamento da matéria neste trabalho:

(www.tse.gov.br/servicos/jurisprudencia/index.html).

08 Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores:

Pena – detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for candidato.

09 CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8ª ed. Curitiba: Juruá, 2006. pp. 336-337

10 Resolução/TSE nº 22303/06 (Consulta nº 1323); Resolução/TSE nº 22247/06 (Consulta nº 1286); Acórdão/TSE nº 502, de 27.11.1997; e Resolução/TSE nº 13046/86 (Consulta nº 8066).

11 Art. 248. Ninguém poderá impedir a propaganda eleitoral, nem inutilizar, alterar ou perturbar os meios lícitos nela empregados.

12 Art. 249. O direito de propaganda não importa restrição ao poder de polícia quando este deva ser exercido em benefício da ordem pública.

13 PINTO,Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3ª ed. São Paulo:Atlas, 2006. p. 3.

 

 

* Analista Judiciário do Poder Judiciário da União (TRE/MS), Especializando em Direito Constitucional pela Uniderp/MS

 

 

Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11477

Acesso em: 09 jul. 2008.