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Amílcar Brunazo Filho*
O Uso de Biometria na Eleição
Em 2008, o Tribunal Superior Eleitoral estará testando a identificação
dos eleitores por impressão digital acoplada às novas urnas eletrônicas, que
estão sendo chamadas de urnas
biométricas ou, simplificadamente, urnas-B.
O teste será desenvolvido durante as eleições de 2008, em três
municípios – Colorado do Oeste/RO, São João Batista/SC e Fátima do Sul/MS. Em
março e abril, foi feito o recadastramento nestas cidades, com a coleta das
impressões digitais dos dez dedos e da foto digitalizada em alta resolução dos
eleitores. Em junho e julho, serão feitos testes simulados com os próprios
eleitores. Finalmente, em outubro haverá a primeira eleição com biometria
nessas cidades.
A propaganda oficial do TSE sobre as urnas-B tem seguido o mote de que
seriam "as urnas eletrônicas mais
modernas do mundo" desenvolvidas para acabar com o "último reduto da fraude eleitoral",
quer dizer, com a possibilidade de um eleitor votar no lugar de outro.
Vejam, por exemplo, o texto oficial
do TSE:
Voto Seguro
:: IDENTIFICAÇÃO BIOMÉTRICA DO ELEITOR
... merece destaque o desenvolvimento de
Urnas Biométricas, que processarão o voto a partir da identificação biométrica
do eleitor. A missão da Justiça Eleitoral brasileira é a de colocar nas mãos
dos brasileiros o futuro cada vez mais seguro para a democracia e levar o Brasil
à vanguarda tecnológica dos processos eleitorais
em todo o mundo.
... O objetivo desse cadastramento biométrico
é excluir a possibilidade de uma pessoa votar por outra,
tornando praticamente impossível a fraude
ao procedimento de votação.
Pensando por si próprio
Para não aceitar cegamente a propaganda oficial do plenipotenciária
justiça eleitoral, deve-se analisar a questão do uso de biometria
nas urnas eletrônicas sob três aspectos:
A-É adequado que um tribunal mantenha um cadastro biométrico dos
cidadãos?
B-É recomendável fazer a identificação digital do eleitor na mesma
máquina eletrônica onde o eleitor irá depositar o seu voto?
C-Se adotada, a biometria de identificação do eleitor resolve as fraudes
existentes?
A primeira questão envolve aspectos mais políticos do que tecnológicos
e, como a especialidade do autor é a segurança de dados informatizados, não se
vai adentrar neste tema mesmo se sendo absolutamente contra ao poder judiciário
administrar um cadastro de cidadãos.
A Garantia do Sigilo do
Voto
Fora do Brasil, a resposta à pergunta (B), acima, é um sonoro NÃO.
Somente aqui se usa - e os eleitores toleram - idenficar o eleitor no prório
computador onde se vota.
E não se pense que é uma questão de domínio da tecnologia. Toda a
tecnologia embutida na fabricação de nossas urnas-B é 100% importada e nem nos
países que nos vendem estas tecnologias se usa identificar o eleitor nas
próprias máquinas de votar.
Quer dizer, o software básico e o hardware de identificação do eleitor
vem pronto de fora, mas lá fora eles não se atrevem a conectar biometria com
urnas-e.
O motivo desta recusa é óbvio: não há como garantir a inviolabilidade do
voto contra um software malicioso que for inserido indevidamente nas urnas-e
Assim, para evitar esta possibilidade, toma-se a medida de segurança
mais eficaz: não se permite que a
identificação e o voto do eleitor estejam simultaneamente disponíveis na mesma
máquina.
Infelizmente, o brasileiro aceita este risco sem reclamar e o TSE
continua fazendo a identificação do eleitor nas urnas-e sob o argumento,
certamente falacioso, que seria impossível a inserção de software malicioso em
seus computadores.
A principal consequência negativa da integração entre identificação e
votação eletrônicas é o estímulo ao Voto-de-Cabresto-em-Massa,
como recentemente foi posto em
prática pelas milícias no Rio de Janeiro
O Eleitor-fantasma Eletrônico
Esta resposta negativa à pergunta (B) é tão forte que nem seria
necessário entrar no debate da pergunta (C) para condenar as novas urnas-B que
o TSE está adotando.
Mas, desobedecendo às recomendações de colegas que também rejeitam a
identificação biométrica do eleitor pelos dois primeiros critérios, vamos
enfrentar o debate sobre as fraudes eleitorais que a biometria supostamente
estaria impedindo.
O exemplo citado da propaganda oficial do TSE apenas mostra, mais uma
vez, a Justiça Eleitoral apelando para o ufanismo simplório do brasileiro -...levar o Brasil à vanguarda - para
vender a mistificação da tecnologia como panacéia contra todas as fraudes.
É um exemplo crasso da Seita do
Santo Baite!
A tecnologia das fraudes evolui junto (e às vezes antes) com a
tecnologia de segurança e é puro engodo esta propaganda de que agora é "praticamente impossível a fraude".
Entre as fraudes eleitorais em urnas eletrônicas via identificação falsa
do eleitor - o eleitor fantasma eletrônico - duas se destacam por mais
frequentes:
- Os mesários se aproveitam da ausência de eleitores e fiscais e
introduzem votos nas urnas-e em nome de eleitores que ainda não compareceram;
- Pessoas "compram" ou "alugam´´ o título de um eleitor
legítimo e se apresentam no lugar dele para votar.
O Mesário Desonesto
Com relação a primeira destas modalidades de fraude em urnas-e
brasileiras - o mesário desonesto - o TSE simplesmente não conseguiu resolver o
problema do falso negativo nas urnas-B - quando ela recusa o voto a um eleitor
legítimo - e na Resolução TSE 22.713/08 concede ao mesário uma forma de liberar
a urna-B para votação por meio de uma senha:
Res.
TSE 22.713 - Art. 4º...
VIII - por fim, não havendo o reconhecimento
biométrico do eleitor, o presidente da mesa receptora de votos autorizará o
eleitor a votar por meio de um código numérico e consignará o fato em
ata;"
De posse deste senha - igual para todas as urnas-B -, mesários desonestos simplesmente continuarão podendo
votar por eleitores ausentes e, provavelmente, não consignarão
o fato em ata!
Numa demonstração destas novas urnas-B verificou-se que, para liberar a
urna-B sem que o eleitor esteja de fato a sua frente, basta ao mesário digitar
repetidas vezes as teclas CANCELA/CONFIRMA do seu micro-terminal quando for
solicitado ao eleitor colocar os dedos no sensor ligado à urna-B.
Se nas urnas-E normais era possivel para um mesário introduzir um voto
falso por eleitor ausente em 15 a 20 s, com as urnas-B será possivel fazer o
mesmo em uns 35 a 40 s.
O Eleitor-fantasma
Biométrico
Com relação à segunda modalidade de fraude, comumente chamada de "compra de votos", convém assistir o
episódio da série Myth Busters
do Discovery Channel onde eles detonam o mito da inviolabilidade da
impressão digital biométrica.
Com humor eles mostram como conseguem enganar o sistema de
reconhecimento biométrico tanto do computador quanto de uma "fechadura biométrica" recorrendo a
recursos banais como gelatina balística, filme de latex (cola branca escolar) e
até com a impressão digital impressa em papel! Mostram, também, como obtiveram
a amostra da impressão digital da pessoa autorizada sem que esta a tivesse
fornecido voluntariamente.
Além de tentativas de falsificar impressões digitais, outra forma de
fraude no cadastro biométrico seria a inserção maliciosa, na base de dados, de
comando que libere o cadastramento de pessoas com impressões digitais já
cadastradas. Esta modalidade de fraude centralizada, que não seria possível sem
as novas urnas-B, atende ao conceito de "centralismo
fraudocrático" ironicamente anunciado pelo Prof. Pedro Rezende
da UnB.
Um exemplo deste tipo de ataque interno ao cadastro biométrico veio à
tona com o recente desbaratamento de uma quadrilha que
fraudava o cadastro biométrico do DETRAN/SP para burlar a emissão de
carteiras de motorista.
Folha Online
04/06/2008 - 18h06
Venda de CNHs derruba corregedor e dois
delegados do Detran
PAULO TOLEDO PIZA
A Polícia Civil de São Paulo anunciou nesta
quarta-feira o afastamento do corregedor do Detran (Departamento Estadual de
Trânsito), Francisco Norberto Rocha de Moraes, e outros dois delegados acusados
de envolvimento no esquema de venda de CNHs (Carteira Nacional de Habilitação)
desmantelado na Operação Carta Branca.
......
A investigação do esquema começou com a
Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso do Sul. Os policiais verificaram que
diversas ocorrências envolvendo motoristas com carteiras emitidas no Estado de
São Paulo eram suspeitas de fraude. Entre os fatores que despertaram a
desconfiança de policiais estão CNHs de pessoas analfabetas e deficientes
físicos, que não possuíam a carteira para portadores de deficiência.
De acordo com o Ministério Público, essas carteiras
eram emitidas sem que houvesse a necessidade da presença física do candidato a
condutor. A quadrilha descobriu que o
sistema de identificação por impressão digital do Detran (Departamento Estadual
de Trânsito) de São Paulo poderia ser fraudado
Além de usar a mesma digital em diversos
documentos, a quadrilha também usava dedos de silicone e digitais coletadas em
massas de modelar.
A Tinta Indelével
Existem, ainda, outras modalidades de fraudes de identificação menos
frequentes que também não serão resolvidas pelas novas urnas-B como a "compra da abstenção" - quando se
paga para um eleitor do adversário político não votar, mediante retenção do seu
título e do seu RG.
Enfim, a biometria só ajuda a atenuar o problema do eleitor fantasma
onde mesários e os operadores do cadastro são honestos e os fiscais atentos.
Mas, para evitar que eleitores ilegitimos possam votar em seções
eleitorais onde os mesários são honestos e os fiscais atentos, não é necessário
se recorrer a um carríssimo "maior
cadastro biométrico do mundo" que o TSE planeja montar em 10
anos.
Bastaria usar a velha "tinta indelével",
como se usou recentemente na eleição presidencial do Paraguai e que se usa nos
parques Playcenter, para pintar o dedo do eleitor que já votou. Simples,
baratíssimo e tão eficaz quanto a parafernália eletrônica.
Em países em que se adota a tinta indelével, exibir o dedo pintado
depois de votar se tornou um ato de orgulho e prova de cidadania, como mostra a
foto abaixo da candidata a presidente no Paraguai em 2008, Blanca Ovelar.
Custo da Biometria Eleitoral
Para fazer a coleta dos dados biométricos dos eleitores, o TSE
desenvolveu computadores especiais, chamados de Kitbio, que substituirão a função dos computadores comuns
usados atualmente nos cartórios eleitorais.
Kitbio completo com laptop, sensor de digitais,
mini-estúdio fotográfico e caixa de transporte |
Sensor coletor das impressões digitais
biométricas |
Os primeiros 60 Kitbio comprados pelo TSE em 2008 custaram mais
de R$ 13.500,00 por unidade. Para implantar o equipamento biometrico
em todos os cartórios eleitorais serão comprados quase 10 mil destes Kitbio,
com custo superando R$ 100 milhões.
E este não é o custo maior do sistema. Há ainda o custo de adaptar os
leitores de impressão digital às 400 mil urnas-e já existentes.
Mas muito mais caro que os equipamentos de coletas de dados serão os
serviços de batimento, que consiste na conferência on-line das impressões
digitais dos eleitores já cadastratados, que teria que ser feita para evitar o
cadastro duplo de Eleitores-Fantasmas-Biométricos.
Devido ao altíssimo custo do batimento biométrico (protocolo AFIS), o
TSE não o implantará por enquanto. Quer dizer, o teste com as urnas biométricas em 2008 não estará apto a detectar
casos de eleitores-fantasmas com cadastro biométrico duplicado!!!
Conclusões
Enfim, analisando sem tecno-fascinação o uso da biometria nas urnas-E
brasileiras se constata que este processo:
- dá a um tribunal a administração de um cadastro de cidadãos;
- põe em risco a inviolabilidade do voto;
- dificulta mas não elimina a falsificação de identidade
- facilita ainda mais o Voto-de-Cabresto-em-Massa;
- não elimina a fraude do mesário;
- tem o custo proibitivo a ponto do essencial batimento ser postergado;
- é rejeitado no resto do mundo
Assim, sob nenhum ângulo que se examine com mais cuidado, como o
político, o da segurança e o econômico, se encontra argumentos que justifiquem
o enorme gasto que o adminstrador e justiça eleitoral pretende incorrer com a
adoção das urnas-e biométricas que, no resto do mundo, são evitadas e até
proibidas
* engenheiro em
Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados,
moderador do Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org)
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11444
Acesso em: 30 jun.
2008.