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INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO OU POLÍTICO - EFICÁCIA, EFEITOS E EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL
 
 
 

(Publicada na RJ nº 227 - SET/96, pág. 5)

Washington Cantanhêde - INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO OU POLÍTICO - EFICÁCIA, EFEITOS E EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL

Promotor de Justiça

I. O PROBLEMA DO INÍCIO DO TRIÊNIO DA INELEGIBILIDADE

A interpretação literal e açodada da norma sancionadora de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, d, da LC 64/90 - trôpega exegese, então, desprovida de uma visão teleológica e sistemática do diploma legal - pode conduzir à conclusão que, posta em prática, resultará na deformação de sua própria ratio juris. É o que dispõe a citada norma, in verbis:

"Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

...............................................................................................................................

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou que tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes;" - grifo nosso.

Afoitos "exegetas" poderão concluir que a inelegibilidade dos representados a que alude a norma supracitada terá como termo inicial o trânsito em julgado da decisão declaratória respectiva, por dois motivos, a saber: a) a irrecorribilidade do decisum é condição para que se opere a obstaculização ao exercício do direito de ser votado; e b) a expressão "bem como para as (eleições) que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes" deixa margem ao tão perigoso quanto ilógico entendimento de que tais eleições serão aquelas que se realizarem nos três anos seguintes ao trânsito em julgado.

II. A EFICÁCIA INELUTÁVEL DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DE AMPLA DEFESA

Sob tal ótica canhestra, o exercício do direito a sucessivos recursos até a última instância, ao invés de constituir-se em benefício para o representado tido como inelegível, em decorrência da garantia constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), ser-lhe-ia pesado ônus, pois, a cada recurso interposto, estaria adiando o início de sua inelegibilidade, caso fosse negada sua pretensão pela via recursal até a última instância. Tal entendimento, além de evidente heresia jurídica, pela afronta ao princípio constitucional mencionado, deixaria, na prática, sem serventia a garantia da ampla defesa para o caso em consideração, o que é um despropósito, pois, em nenhuma hipótese, pode-se admitir a inoperância desse princípio na ordem jurídica nacional, eis que erigido à condição de garantia fundamental na Lex Legum, in verbis:

"Art. 5º. (Omissis).

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

A propósito, vale trazer à colação o ensino de GERALDO ATALIBA:

"Se a eficácia é o atributo específico das normas jurídicas - entendida eficácia como a produção de seus efeitos próprios pelas normas e atos jurídicos, na precisa concepção de ZANOBINI - afirmar que uma norma jurídica não tem eficácia é o mesmo que negar-lhe caráter jurídico. Ora, como deixar de reconhecer caráter jurídico a uma disposição constitucional?" (Lei Complementar na Constituição, citado em PINTO, DJALMA - Direito Eleitoral - Temas Polêmicos, Forense, RJ, 1994, pág. 48).

A admitir-se a interpretação teratológica referida retro, melhor seria o declarado inelegível não recorrer da decisão primeva, pois, transitando esta em julgado, o prazo trienal da suspensão de sua capacidade eleitoral passiva daí logo começaria a fluir. Todavia, isto seria a subversão do princípio constitucional supra. Como deixar de usar de uma faculdade insculpida na Carta Magna como garantia fundamental do cidadão por ser, num determinado caso, prejudicial? Paradoxo inadmissível! Afinal de contas, como deixou registrado o sempre festejado RUI BARBOSA, a Constituição não dá com uma das mãos e retira com a outra.

III. A IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO JUDICIAL COMO EXIGÊNCIA PARA A INELEGIBILIDADE

Prosseguindo no propósito de demonstrar a total improcedência desse entendimento extremamente prejudicial ao declarado inelegível, convém fazer uma análise sistemática da inelegibilidade por abuso de poder econômico ou político, tal como vem tratada na LC 64/90.

Prevista a referida inelegibilidade no art. 1º, I, d, daquela lei, ut supra, é o art. 22 do diploma legal que estabelece regras procedimentais e esclarece as conseqüências da representação julgada procedente. No que interessa ao deslinde da questão que ora nos propomos solucionar, vale transcrever o teor do inciso XIV, in verbis:

"XIV - julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar." - grifo nosso.

Como se vê, até (e principalmente) porque a própria Lei das Inelegibilidades determina qual o período no qual o representado ficará inelegível (eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição em que se verificou o ato configurador de abuso do poder econômico ou político), descabe asseverar que a suspensão da capacidade de ser votado só tem início com o trânsito em julgado da decisão que julgou procedente a representação.

Ora, sempre que a lei exige trânsito em julgado de uma decisão para que se opere alguma conseqüência no mundo das relações jurídicas está deixando patente que enquanto tal decisão não for irrecorrível não terá a necessária eficácia. Vale dizer, está a garantir a ampla defesa do cidadão prejudicado por aquele decisum, seu amplo acesso à Justiça, ou seja, permitindo-lhe insurgir-se contra o pronunciamento judicial anterior e dirigir seu inconformismo à instância imediatamente superior com o objetivo de vê-lo reformado. A exigência de trânsito em julgado do decisório se faz para beneficiar o prejudicado, nunca para onerá-lo mais ainda. Disto resulta que a expressão trânsito em julgado constante na letra d do inciso I do art. 1º da LC 64/90 tem razão de existir para sinalizar que a eficácia da decisão só começa quando termina a possibilidade de recorrer garantida ao representado. É uma expressão legalmente consagrada para beneficiar, como, aliás, previu a Lei das Inelegibilidades para outras situações sancionadas com a suspensão da capacidade eleitoral passiva. Assim, inelegíveis os condenados criminalmente com sentença transitada em julgado pela prática dos crimes previstos no art. 1º, I, e; os agentes públicos que abusem de poder econômico ou político, em benefício próprio ou de terceiros, desde que reconhecido por sentença transitada em julgado (art. 1º, I, h). Assim, será negado ou cancelado o registro do candidato ou declarado nulo o seu diploma, se já eleito, transitada em julgado a decisão que declarar sua inelegibilidade no processo de registro da candidatura (art. 15). Ademais, a própria CF exige o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória como condição para a suspensão dos direitos políticos.

IV. EFICÁCIA E EFEITOS DA DECISÃO JUDICIAL

A erronia da conclusão de que a inelegibilidade dos que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral em razão de abuso do poder econômico ou político se inicia com o trânsito em julgado da decisão, prolongando-se por três anos, reside na má interpretação do art. 1º, I, d, da LC 64/90 e na confusão entre eficácia e efeitos da decisão judicial no caso vertente. Sobre isto, passa-se a discorrer.

Colhendo ensino de DE PLÁCIDO E SILVA, define-se eficácia "como a força ou o poder que possa ter um ato ou fato, para produzir os desejados efeitos. A eficácia jurídica, deste modo, advém da força jurídica ou dos efeitos legais atribuídos ao ato jurídico, em virtude da qual deve ser o mesmo cumprido ou respeitado, segundo as determinações que nele se contêm. Da eficácia decorre, pois, a produção dos efeitos com validade jurídica" (Vocabulário Jurídico - Edição Universitária, vol. II, 3ª ed., Forense, RJ, 1993, pág. 138b). Segundo o consagrado autor, efeito "é empregado para significar o resultado ou a eficácia de uma causa, ou seja, de um ato praticado por uma ou mais pessoas. O efeito pode ser a conseqüência ou resultado que se queria obter ou pode ser conseqüência mesmo, imprevista. Em qualquer hipótese, é sempre o resultado, que decorre da causa ou conseqüência que se gerou do fato" (ob. cit. págs. 135b-136a, com grifo nosso).

Aplicando-se estas lições ao assunto em consideração, à luz das normas ínsitas nos art. 1º, I, d, e 22, XIV, da LC 64/90, outra conclusão não é possível além de que, transitada em julgado a decisão declaratória da inelegibilidade, passa ela a ter eficácia, isto é, força para produzir os efeitos que a lei prevê, ou seja, os resultados da decisão decorrentes. Em outras palavras, a eficácia da decisão que projetou no mundo das relações jurídicas a proibição de disputar mandato eletivo começa com o seu trânsito em julgado. Entretanto, dependendo do momento em que se operar a irrecorribilidade da decisão, os respectivos efeitos poderão ser "futuros" ou "retroativos", tratando-se, neste último caso, portanto, de decisão judicial com efeitos ex tunc. Isto ocorrerá quando a decisão transitar em julgado após o pleito em que se verificou o ato abusivo. Uma vez transitada em julgado, produz efeitos a contar de época pretérita, in casu.

Por isso é que o art. 22, XIV, determina como sanção pela prática do abuso de poder econômico ou político a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a infração para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade.

Se a inelegibilidade tivesse como termo inicial o trânsito em julgado da decisão declaratória respectiva, não seria possível agasalhar no bojo da mesma norma legal que a prevê outra sanção que tem efeito inquestionavelmente retroativo, que é a cassação do registro do candidato. Por outro lado, se não produzisse efeito retroativo, tal decisão seria inócua em determinadas situações. Assim, por exemplo, alguém declarado inelegível e que recorreu da decisão, enquanto pender de julgamento o recurso, detém a possibilidade de concorrer em qualquer eleição, dado o efeito suspensivo do recurso, haja vista a exigência de trânsito em julgado para a liberação da eficácia do decisum (q. v., desse sentido, sábia lição de PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS, in Direitos Políticos, Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades, Saraiva, SP, 1994, pág. 167). Não podendo, portanto, ser negado o registro da candidatura, suponha-se que concorre tal candidato em eleição realizada num dos três anos subseqüentes àquela em que praticou o ato determinante de sua inelegibilidade e que logra êxito na disputa, só posteriormente sendo negado provimento ao seu recurso, em última instância. Reconhecida a inelegibilidade do candidato já eleito, depara-se com a esdrúxula situação de alguém eleito quando não detinha capacidade de ser votado, de disputar o pleito. Pergunta-se: diante do espírito da Lei das Inelegibilidades, editada para proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9º, CF) e inadmitido o efeito retroativo da decisão declaratória da inelegibilidade, no caso em consideração, qual a eficácia da norma legal? Certamente, nenhuma.

Justamente porque o objetivo da norma é evitar tais absurdos, previu logo a inelegibilidade a contar das eleições em que ocorreu a infração e a própria cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pelo ato abusivo. Neste particular, convém aduzir que semelhante tratamento foi dispensado ao candidato cujo registro foi negado por decisão irrecorrível, no mesmo texto da Lei das Inelegibilidades, in verbis:

"Art. 15. Transitada em julgado a decisão que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido."

Como está claro, sendo a ratio juris da LC 64/90 proteger a normalidade e legitimidade das eleições, não poderia deixar de prever efeito retroativo para as decisões sancionadoras de inelegibilidade, obedecidos, obviamente, aos prazos em que os resultados dessas decisões podem operar-se.

Fiel a esse princípio, a mesma lei previu, no inciso XV do art. 22:

"Se a representação for julgada procedente após a eleição do candidato, serão remetidas cópias de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, para os fins previstos no art. 14, §§ 10 e 11, da CF, e art. 262, IV, do Código Eleitoral."

Tais fins são, respectivamente, a ação de impugnação de mandato eletivo e o recurso contra a expedição de diploma, cabendo observar que têm a finalidade, no caso, de dar operacionalidade à previsão contida no art. 1º, I, d, segundo o qual a inelegibilidade dá-se para a eleição na qual os representados concorrem ou tenham sido diplomados, além daquelas que se realizarem nos três anos subseqüentes. Note-se que essas medidas, definitivamente acolhidas, "terão o condão de atacar o exercício do mandato eletivo em virtude de irregular eleição de quem era, na realidade, inelegível", como acentua PEDRO NIESS (ob. cit., pág. 63).

Preocupado com a problemática, adverte JOEL JOSÉ CÂNDIDO:

"(...) eleição no art. 22, XV, da LC 64/90, para efeitos de Investigação Judicial Eleitoral, é sinônimo de diplomação. Por que deve ser assim? Porque, se não o for, o art. 1º, I, d, da LC 64/90 não teria incluído a expressão '... ou tenham sido diplomados'. Se o fez, é porque até os já diplomados podem ser atingidos pela IJE, sem necessidade do Recurso contra a Diplomação ou da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Em conclusão, o julgamento definitivo da IJE, com todos os seus efeitos originários, pode se dar até o trânsito em julgado da diplomação (15º dia, conforme CF, art. 14, § 10). Após essa data, nesses casos, não poderá mais ser julgada, sob pena de não se cumprir o art. 22, XV, da LC 64/90" (Direito Eleitoral Brasileiro, 6ª ed., EDIPRO, SP, 1996, pág. 135).

Com a mesma preocupação, vai além DJALMA PINTO, quando comenta acórdão do TSE que, embora dando provimento a recurso para julgar procedente representação e declarar a inelegibilidade dos recorridos para o triênio seguinte às eleições de 1990, entendeu não ser o caso de aplicar o inc. XV da LC 64/90, por terem decorridos mais de 15 dias da diplomação. Sustenta o ilustre jurista cearense:

"A Lei Complementar não teve a sua edição recomendada pela Constituição para tutelar mandato obtido mediante abuso do poder econômico, ou do poder de autoridade, etc. Sua atribuição é, justamente, contrária: erigir óbices para impedir o acesso ao poder de quem praticou atos repelidos pelo Constituinte.

Ao concorrer ela, justamente, para tornar factível aquilo que a Constituição reprime, torna-se, nesse ponto, irremediavelmente, inconstitucional.

Não se pode admitir a paralisação da eficácia do comando constitucional pelo simples fato de exigir lei complementar para sua mais abrangente execução. Aliás, a norma do art. 5º, § 1º, da CF se insurge contra isso" (Direito Eleitoral - Temas Polêmicos, Forense, RJ, 1994, págs. 47-48).

V. O LAPSO TRIENAL DA INELEGIBILIDADE NA DOUTRINA

Demonstrando a impossibilidade de interpretação diversa da que neste trabalho é exposta a respeito do termo inicial do prazo de inelegibilidade a que se refere o art. 1º, I, d, da Lei das Inelegibilidades, impõe-se trazer à colação as lições dos mestres do Direito Eleitoral em nosso País, como segue.

PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS:

"Concentra-se o julgamento, pois, na pessoa do representado. Assim julgada procedente a representação, será cassado o seu registro e declarada sua inelegibilidade também para as eleições que vierem a se realizar dentro em três anos, a contra da eleição em que se verificou o ato irregular, como tal judicialmente reconhecido" (Direitos Políticos, Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades, Saraiva, SP, 1994, págs. 164-165).

FÁVILA RIBEIRO:

Ficará, portanto, o candidato submetido aos efeitos da sanção de inelegibilidade com que se vão distender às eleições que se realizarem nos três anos porvindouros, e a invalidação do diploma eletivo, se ainda não transcorrido o prazo de quinze dias de efetivação" (Abuso de Poder no Direito Eleitoral, 2ª ed., Forense, RJ, 1993, pág. 178).

"Nessas condições, em se apresentando a postular registro candidato ou alguém que tenha sido atingido pela sanção de inelegibilidade, pertinente à eleição anterior, estando no período dos 3 (três) anos subseqüentes, comporta seja o pedido denegado com a reafirmação de encontrar-se o postulante privado de seu direito passivo à disputa de cargo eletivo" (Direito Eleitoral, 4ª ed., Forense, RJ, 1996, pág. 253).

JOEL JOSÉ CÂNDIDO:

"O processo terá rito sumário porque será ajuizado sempre a partir do registro da candidatura já deferida e deverá estar julgado, para alcançar sua plena finalidade, até antes da eleição. Se procedente antes do pleito, cassará o registro do investigado e declarará sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 3 anos subseqüentes à eleição em que ocorreram os fatos. Vale dizer: o candidato não concorrerá a essa eleição porque perdeu seu registro e será inelegível, a partir dela, para os próximos pleitos, dentro dos 3 anos seguintes" (Direito Eleitoral Brasileiro, 6ª ed., EDIPRO, SP, 1996, pág. 135).

TITO COSTA:

"Também novidade é a inelegibilidade dos que tenham tido julgada procedente, contra sua pessoa, representação, com trânsito em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, em eleição na qual concorreram ou tenham sido diplomados. Nesse caso, o castigo da inelegibilidade perdura por três anos seguintes a contar da eleição em que se tenha verificado a hipótese" (Recursos em Matéria Eleitoral, 4ª ed., RT, SP, 1992, págs. 201-202).

ALBERTO ROLLO e ENIR BRAGA:

"A previsão da alínea d do inc. I do art. 1º da LC 64/90 impõe inelegibilidade para todos que cometam abuso do poder econômico ou político para as eleições que se realizarem nos três anos posteriores ao pleito para o qual foram direcionadas as infrações" (Inelegibilidade à Luz da Jurisprudência FIUZA, SP, 1995, pág. 59).

VI. O LAPSO TRIENAL DA INELEGIBILIDADE NA JURISPRUDÊNCIA

Transcritas estas considerações doutrinárias, importa saber como a matéria vem sendo decidida judicialmente:

"Posto isto, julgo, parcialmente, procedente o pedido inicial, para declarar a inelegibilidade de Maria Aparecida Campos Straus, conhecida como Cidinha Campos, qualificada na peça vestibular, para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes a 03.10.92, e improcedente em relação aos demais, Transitada em julgado, façam-se as devidas comunicações. Intimem-se, ciente o MP. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1992. PAULO CÉSAR SALOMÃO, Juiz da 1ª Zona Eleitoral, Coordenador da Fiscalização da Propaganda Eleitoral no Município do Rio de Janeiro" (sentença confirmada pelo TRE do Rio de Janeiro) - apud REVISTA JURÍDICA, nº 202 - ago./94, pág. 148.

"Inelegibilidade. Alegação de abuso de poder econômico ou de autoridade.

Vencida a preliminar de nulidade e admitidas como contundentes e robustas as provas do cometimento de abuso de poder de autoridade, quando da utilização de dinheiro público para propaganda pessoal e de seu marido; demonstrada, ademais, a infringência de dispositivo constitucional (CF/88, art. 37, § 1º), dá-se provimento ao RO para julgar procedente a representação e declarar a inelegibilidade dos recorridos para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição de 1990 (LC 64/90, art. 22, XIV) apud Jurisprudência do TSE, 1992, nº 3, págs. 18 e 19.

"Investigação Judicial. Abuso de poder econômico e de autoridade. Comprovadas as denúncias de abuso do poder econômico praticada pelo Prefeito Municipal. Julga-se procedente a representação para os efeitos dos incisos XIV e XV da LC 64/90.

Acordam os Juízes do TRE do Estado do Piauí, por unanimidade de votos e de acordo com o parecer verbal do órgão ministerial, rejeitar a preliminar argüida pelo Reclamado e, no mérito, julgar procedente a representação para declarar inelegível o Representado pelo período de três anos subseqüentes às eleições de 1992, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC 64/90, e encaminhar cópias do processo ao Ministério Público Eleitoral, para os fins do inciso XV do citado artigo 22" (AC. TRE/PI, Rel. Des. AUGUSTO FALCÃO LOPES, DJE 2.503/92) apud Crimes Eleitorais e Outras Infringências, Juruá, PR, 1994, pág. 337.

"Investigação Judicial. Representação ministerial. Abuso do poder econômico. Procedência da representação. Cassação do registro. Inelegibilidade.

Caracterizado o abuso do poder econômico, em benefício de candidato, julga-se procedente a representação, cassa-se o registro do representado, que se torna inelegível para as eleições em que ocorreu a transgressão, bem como para as que se realizarem nos três anos subseqüentes, de conformidade com o art. 1º, I, letra d, em combinação com o artigo 22, XIV, todos da LC 64/90" (Ac. TRE/AC nº 797, de 02.10.90, Rel. Des. GERCINO JOSÉ DA SILVA FILHO) - apud ob. cit., págs. 424-425.

VII. A NATUREZA DAS NORMAS REGEDORAS DAS INELEGIBILIDADES

Provada como está a improcedência do argumento que desde o início vem sendo rechaçado, à guisa de conclusão, transcreve-se, ainda, ementa de acórdão recente do TSE, em que reconhecida a impossibilidade de interpretação que elasteça o teor das normas atinentes à inelegibilidade, jogando por terra, em definitivo, eventual tese de que o início do lapso trienal de inelegibilidade referido no art. 1º, I, letra d, da LC 64/90 começa a fluir do trânsito em julgado da decisão respectiva.

"Inelegibilidade. Disciplina. Natureza das normas. Abuso do poder econômico ou político.

As normas regedoras das inelegibilidades são de direito estrito, descabendo a adoção de forma interpretativa que importe elastecer-lhes o teor. A inelegibilidade prevista na alínea d do art. 1º da LC 64/90 pressupõe, quer se trate de eleições pretéritas ou futuras, o trânsito em julgado do provimento emanado da Justiça Eleitoral que, no bojo da representação, haja implicado o lançamento, ao mundo jurídico, da ocorrência de abuso do poder econômico ou político. Não há como dissociar a regra insculpida no inciso XIV do art. 22 da LC 64/90 da condição imposta na referida alínea d - trânsito em julgado do que decidido" (Ac. TSE 12.235, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, sessão de 23.08.94) - apud Jurisprudência do TSE, Brasília, 6(4) : 11-360, out./dez. 1995, págs. 331-336.

VIII. TRÂNSITO EM JULGADO, EFEITO RETROATIVO E EFETIVIDADE DO "DECISUM"

O decisum supracitado mais ainda reforça o argumento expendido neste trabalho, segundo o qual, conjugando-se o disposto na letra d do inciso I do art. 1º com o disposto no inciso XIV do art. 22 da Lei das Inelegibilidades, como recomenda referido acórdão, é que se torna possível encontrar a solução para o problema da delimitação da eficácia e dos efeitos da decisão declaratória de inelegibilidade a que se referem aqueles dispositivos. Repisa-se, portanto, que a eficácia da decisão tem início com o seu trânsito em julgado, mas os seus efeitos, a partir desse momento decorrentes, projetam-se para o passado, se a representação tendente à inelegibilidade for julgada procedente após o pleito em que ocorreu o ato abusivo. Daí poder-se falar que a efetividade da decisão corre o risco de se dar por período inferior a três anos, visto que sua eficácia tem início com o trânsito em julgado. Ora, se a decisão que declara a inelegibilidade de alguém por três anos, a contar das eleições em que praticou abuso de poder econômico ou político, só se torna eficaz quando transita em julgado, após essas eleições, tem-se que seus efeitos, embora retroativos, são efetivos apenas pelo tempo restante do triênio, se efetividade aqui for entendida, como deve ser, segundo a lição de DE PLÁCIDO E SILVA, indicando a qualidade do que está em atividade, em vigência (Vocabulário Jurídico, Edição Universitária, vol. II, 3ª ed., Forense, RJ, 1993, pág. 138).

Nesse sentido, alguém que praticou ato tido como abuso de poder econômico ou político nas eleições de 1990 e teve contra si representação tendente à inelegibilidade julgada procedente, mas que transitou em julgado somente em 1992, estava inelegível apenas até 1993, entretanto, pelos motivos à saciedade expostos. E qualquer entendimento judicial diverso que nas eleições de 1994, por exemplo, tenha resultado no indeferimento do pedido de registro de candidatura sua, baseado na tese de que ele ainda estava inelegível (três anos após o trânsito em julgado, a findar-se somente em 1995), ensejaria não só o cabível recurso dessa decisão denegatória do registro, como também a impetração de mandado de segurança para dar efeito suspensivo a esse recurso (que, de regra, não tem tal condão, nos termos do art. 257 do Código Eleitoral), permitindo a realização da campanha eleitoral enquanto o recurso pendesse de julgamento, visto que, reunindo condições de elegibilidade, estaria sendo preterido no seu legítimo direito de ser votado, com ofensa ao princípio expresso no art. 5º, caput e inc. II, da Magna Carta, a saber:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Infringido também estaria sendo o direito de acesso a cargos públicos, o jus honorum previsto no art. 37, I, da Carta, in verbis:

"Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei."

Portanto, sem embargo da condenação devida aos malefícios do abuso de poder no processo eleitoral, que, de múltiplas formas, pressionando e induzindo o eleitor a votar em tal ou qual candidato, compromete a legitimidade das eleições e, por via de conseqüência, a própria representatividade dos mandatos eletivos, faz-se mister compatibilizar o espírito das normas sancionadoras de inelegibilidade com os direitos e garantias consagradas pela Constituição da República, para não dar margem a injustiças.

É como vejo a questão.
 
 

Fonte: CD-ROM Juris Síntese: legislação e jurisprudência. n.º 15 – jan-fev/99.