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Almira Rodrigues é socióloga e assessora técnica do CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria.

BANCADA FEMININA NO CONGRESSO NACIONAL
 

Dia 1° de fevereiro tomaram posse as deputadas e senadoras eleitas em 1998. A grande ausência foi e será a de Ceci Cunha, eleita deputada federal pelo PSDB de Alagoas, diplomada e assassinada em 16 de dezembro último. A nova bancada feminina no Congresso Nacional fica composta de 28 deputadas, em um total de 513, e de 5 senadoras (sendo duas eleitas e três em continuação de mandato), em um total de 81. Em ambas as Casas, as parlamentares somam 33 mandatos, representando 5,5%. São 13 as parlamentares que assumem, pela primeira vez, um mandato em âmbito federal.

Nas eleições de 1994, os resultados para a Câmara Federal foram melhores: 33 deputadas eleitas. A bancada feminina, ao final da legislatura passada chegou a 37 deputadas (com a posse de quatro suplentes) e atingiu 42 parlamentares (com cinco senadoras), totalizando 7% dos parlamentares no Congresso Nacional.

No ar, fica a inquietação com o acontecido. Quanto mais pela vigência da Lei 9504/97, dispondo para as eleições proporcionais de 98, que "cada partido ou coligação deverá reservar, para candidatos de cada sexo, no mínimo, vinte e cinco por cento e, no máximo, setenta e cinco por cento do número de candidaturas que puder registrar"(art. 80). Para as eleições seguintes, a cota mínima assegurada para as candidaturas de cada sexo foi de 30%, e a máxima, de setenta por cento (art. 10, § 3°). Esta foi a primeira experiência de cotas por sexo para a Câmara Federal e Assembléias Estaduais; a outra experiência nesse sentido - e aí especificamente de cota para as mulheres - foi instituída para as eleições municipais, em 1994.

Antes de tudo, faz-se importante observar que o sistema de cotas na política representa uma intervenção pública no sentido de promover a redistribuição de poder, garantindo e limitando a participação de ambos os sexos. Enquanto uma medida afirmativa, cujo objetivo é superar situações de profunda desigualdade, visa, na atualidade, preservar um espaço de participação política para as mulheres. Apresenta, assim, um caráter justo e progressista, sendo um tipo de política adotada em inúmeros países do mundo, com retornos positivos em termos da mudança nos espaços de poder, de decisão e de gestão públicas, territórios, por excelência, masculinos.

Aliás, diga-se de passagem, talvez o último reduto masculino, já que neste século, as mulheres adentraram maciçamente o mercado de trabalho, as escolas médias e as universidades, e conquistaram o direito de voto. No entanto, os efeitos das cotas na política não são imediatos, e sim processuais e cumulativos. No Brasil, o sistema foi adotado, inicialmente para as direções de alguns partidos políticos e de entidades sindicais. Só posteriormente o dispositivo expandiu-se para o âmbito do Estado, e, mesmo assim, apenas para o Poder Legislativo. Menção deve ser feita a dois projetos de lei em tramitação na legislatura passada, dispondo sobre cotas por sexo para os primeiros escalões do Executivo e do Judiciário. Novos tempos esses, pois até os anos 30 desse século, as mulheres brasileiras não tinham direitos políticos, sendo impedidas de exercer o direito de voto, prerrogativa apenas dos homens. A legislação em vigor apresenta singularidades. A mesma lei que instituiu a cota por sexo, ampliou consideravelmente o número de candidaturas que cada partido ou coligação pode apresentar, respectivamente, até 150% e o dobro do número de lugares a preencher (art. 10, § 1°), o que provocou o aumento da competição entre os candidatos e a dispersão de votos.

Ainda nesse contexto, é importante destacar que as eleições de âmbito federal expressam uma grande concentração de poder econômico e político e que as campanhas eleitorais são processos cada vez mais seletivos, repercutindo diretamente sobre as mulheres que, comparativamente aos homens, têm menos recursos financeiros e políticos. É nessa medida que a participação feminina é bem superior em níveis da política estadual e municipal: as mulheres representam 10% de todos os deputados estaduais eleitos em 1998 e 12% do total de vereadores eleitos em 1996.

Ainda a ser considerado é o fato de que os partidos políticos não conseguiram preencher a cota mínima com candidaturas de mulheres, traduzindo o perfil masculino de suas agremiações e o inexpressivo investimento em seus quadros femininos. Enquanto os poderes de Estado são quase que exclusivamente ocupados por homens, os poderes da sociedade civil organizada parecem ser mais abertos à participação das mulheres, as quais têm atuado predominantemente em movimentos comunitários, grupos feministas e de mulheres, movimentos em defesa dos direitos humanos, grupos profissionais e por atividade econômica. Além disso, as mulheres têm assumido, geralmente sozinhas, a responsabilidade pela gestão da casa e da família, dado que o Estado não oferece serviços sociais básicos e os companheiros, nem sempre, compartilham essas responsabilidades.

A reduzida expressão das mulheres nos poderes de Estado e, no caso em questão, no Legislativo Federal, contrasta com a grande capacidade, consideração e dedicação das parlamentares para com problemas sociais do país, em especial, com os segmentos socialmente discriminados e excluídos.

Na legislatura passada, embora as parlamentares representassem 7% do Congresso Nacional, elas foram responsáveis pela apresentação de mais de 30% das principais proposições referentes à cidadania das mulheres. Mais ainda, foram essenciais para a introdução das pautas feministas no Congresso Nacional, inclusive mediante a iniciativa de criação de Comissão Especial para analisar a aplicação das resoluções da IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing’95) no Brasil. Desempenhando um importante papel de sensibilização e convencimento de seus pares, as parlamentares atuaram em estreita vinculação com as organizações do movimento de mulheres brasileiras.

Em relação à atual bancada feminina, de 33 parlamentares, 2/3 integram partidos da base governista e 1/3 vincula-se a partidos de oposição. Entretanto, a cultura que vem predominando na bancada é a de um trabalho conjunto, pela garantia e ampliação dos direitos das mulheres, pela igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens, pela eqüidade nas relações de gênero. O atual Congresso irá defrontar-se com matérias que atingem diretamente a vida das mulheres e a todos que lutam por uma sociedade justa e democrática: reformulação dos Códigos Civil (de 1916) e Penal (de 1940); trabalho/remuneração/capacitação das mulheres; integridade física, moral e psicológicas das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos.

De resto, a certeza de que só é possível construir uma sociedade democrática, justa e solidária, com homens e mulheres compartilhando responsabilidades, conquistas e desafios públicos, caso contrário, uma parte da humanidade não se fará representar e tampouco se reconhecerá nos feitos do outro, que tenderão ao comprometimento pela auto-referência.
 

Fonte: http://www.starmedia.com/politicahoje/