A Tragédia Vermelha
*Celso Alcântara
Brasília foi
o palco, no segundo turno, de uma das mais emocionantes disputas eleitorais
ocorridas no Brasil em 1998. O candidato à reeleição,
com o apoio de uma frente de esquerda, o professor Cristovam Burque, vence
o primeiro turno com quase 4 pontos percentuais à frente de seu
principal adversário, versão goiana do malufismo, o ex-governador,
Joaquim Roriz, e chega ao segundo turno como franco favorito.
Lago, Plano Piloto e adjacências, parecem se transformando no pólo
de resistência à política neoliberal que assola o mundo
globalizado, tamanha a quantidade de bandeiras vermelhas a tremular por
quadras e avenidas e a carregar, segundo o próprio Cristovam, "o
sonho da esperança e da utopia".
O "Êta Ome Bom" (jingle da companha de Cristovam) era o primeiro
lugar em todas as paradas de sucesso e de ônibus. Poucos minutos
após o fechamento das urnas e pouco antes do início da apuração
das mesmas, todos os institutos de pesquisa, exceção feita
ao Instituto soma do Distrito Federal, apontavam, ainda que apertada, a
vitória de Buaque.
A "Cristovamania " era tanta, que ate mesmo eu, ateu convicto que sou, comecei a duvidar se Cristovam era Cristovam ou a encarnação da versão "careca" do predicado do seu nome, e que havia escolhido a cidade dos "sonhos de Dom Bosco" para cumprir sua promessa de retorno à Terra.
O "Pelé" de pesquisa de opinião pública no Brasil,
senhor Carlos Augusto Montenegro, diretor do Ibope, afirmava categoricamente
em programas de TV, durante a apuração, que caso o governador
não fosse reeleito, o seu instituto ficaria duas eleições
consecutivas sem realizar pesquisas no Distrito Federal.
Era a senha para que a euforia tomasse conta dos intelectuais, "formadores
de opinião" e da falida classe média - também no "vermelho"
no cheque especial e com seus carros financiados em 36 meses.
O Beirute, reduto tradicional da esquerda brasiliense, se preparava para
celebrar a vitória de Cristovam, ainda na noite do dia 25 de outubro,
graças ao "milagre" das urnas eletrônicas, que , pela primeira
vez, fazia parte em um pleito na Capital da República.
A apuração se inicia e logo nas primeiras parciais o favoritismo
do Cristovam ia se confirmando. Já com mais de 50% das urnas apuradas,
Buarque abre quase 5 pontos percentuais à frente de seu adversário.
A festa começa. Entre sorrisos e lágrima de alegria, "camaradas
e companheiros" se abraçam. Alguns, chegam até mesmo a arriscar
nomes que comporiam o novo secretariado cristovista. Cristovam vencera
um jogo que ainda havia por terminar.
Algumas horas depois, o Beirute se transforma no Maracanã
de 1950, quando a Celeste (Azul) Olímpica nos tiraria aquele título
mundial. Quase 150 mil brasileiros assistem atônitos os nossos vizinhos
platinos comemorarem a conquista do BI Campeonato Mundial de Futebol. Os
uruguaios haviam nos vencido numa final dramática e emocionante.
Obtiveram uma vitória histórica, inesperada, apertada e de
virada. Roteiro digno dos melhores cineastas. Tal e qual o azul de Roriz
vencera o vermelho de Cristovam.
De
repente o clima de euforia dá lugar ao de velório. Nem mesmo
a presença de "Juan da Presença" com seus otimistas discursos
recheados de chavões tipo " A luta continua companheiros", foi capaz
de levantar o moral e o ânimo de etílicos militantes.
Estava sacramentada a Tragédia Vermelha.
Que fatores possibilitaram que a esquerda no Distrito Federal deixasse
escapar pelas mãos e fugir pelo ralo uma vitória que parecia
tão certa? Por que os pós-graduados do Plano Piloto não
foram capazes de convencer jardineiro, porteiro, faxineiro, cozinheira,
e tantas e quantas "eiros e eiras mais", de que Cristovam seria melhor
Governador que Roriz? Por que as Universidades de Harward, Sourbone e UnB,
foram derrotados pelos "grotões" de Samambaia, Santa Maria e Recanto
das Emas? Teria sido o boicote da mídia, que tanto persegue os candidatos
de esquerda? Não creio. Cristovam estava tão ausente na mídia
quanto dupla sertaneja e banda baiana nos programas de TV imbecis no "Domingos"
à tarde.
Vai ver foi a falta de recursos financeiros? Tampouco. A Campanha de Cristovam
era tão carente de recursos financeiros quanto à sua terra,
Pernambuco, é carente de cana-de-açúcar.
Em primeiro lugar, para fazermos uma análise séria da derrota
de Buarque, não podemos deixar de reconhecer os méritos e
a competência política de seu adversário e das forças
que o apoiaram. Aliás, de burro, Roriz nada tem. Em segundo lugar,
o governo teria de olhar para dentro de si mesmo e fazer uma profunda análise
de seus próprios erros e equívocos, pois mais do que em qualquer
unidade de federação, as eleições no Distrito
Federal representaram um plebiscito entre um governo populista de direita,
como foi a gestão de Roriz, de 88 a 94 e um governo popular de esquerda,
ainda que uma esquerda à la Zagalo, que volta par cobrir o "centro",
como foi o de Cristovam Buarque, de 95 a 98, e a maioria escolheu o primeiro.
Os erros da Frente Brasília Popular começaram no governo
e terminaram na campanha, mais precisamente no conjunto de ações
do governo, no conteúdo dos discursos de campanha e na política
de alianças forjadas no segundo turno.
O governo Cristovam não foi apenas Saúde em Casa, Bolsa Escola,
Escola Candanga, Temporadas Populares, BRB Trabalho, Pardais e faixas de
pedestre. Belos projetos sociais que, com certeza, devem ter contribuído
para que Cristovam obtivesse quase que metade dos votos do DF. Não
foi mais que isso. Foi também o governo das constantes disputas
pela hegemonia do aparato da máquina estatal, gerando com isso graves
crises políticas.
A mais séria delas culminou com a saída do jornalista Hélio
Doyle da Secretaria de Governo. Logo após sua saída, Doyle
gira sua metralhadora para o Buriti, convoca a imprensa e denuncia um suposto
esquema de tráfico de influência para favorecer empreiteiras
em concorrências públicas que contribuíram com a campanha
de Cristovam. Até hoje, as sérias e graves acusações
de Doyle não foram devidamente esclarecidas, e só não
causaram um estrago maior na candidatura de Cristovam por não terem
sido explorados por seus adversários, o que poderia representar
sérios arranhões na imagem do "Honestamente Cristovam".
A incompetência política e administrativa dos prepotentes
administradores regionais, sobre tudo dos chamados "grotões" que
não foram capazes de reverter uma tendência de voto Pro-Roriz,
decisiva para a derrota de Cristovam.
Foi o governo da P2, Serviço de Espionagem da Polícia Militar
típico órgão dos regimes de terror de tristes lembranças
e sujas páginas de nossa história recente.
"Isto é coisa da oposição para desestabilizar o governo".
Com este argumento pobre, reacionário e medíocre, o governo
tentava transformar um grave e crônico problema social, como déficit
habitacional no Brasil, em caso de polícia, e nomeava um interventor
militar para a favela Estrutural. A cena de duas crianças saindo
correndo de seus barracos chorando e gritando, uma delas com a camiseta
furada do Flamengo e com a chupeta na boca, enquanto truculentos soldados
derrubavam "seus lares", foi uma das que mais chocaram, revoltaram e indignaram
nesta campanha eleitoral.
Aliás, a Política Militar do governo Cristovam sempre desempenhou
um papel nefasto. Policiais foram flagrados por cinegrafista amador, se
divertindo enquanto torturavam e espancavam jovens fugidos do Caje (Centro
de Atendimento Juvenil Especializado). A polícia Militar durante
o governo Cristovam só foi "digna" de elogio uma única vez,
por Antônio Carlos Magalhães, quando reprimiu violentamente
uma manifestação de trabalhadores que protestavam contra
o desemprego e a política econômica de FHC, em frente ao Congresso
Nacional.
As constantes rebeliões no Caje, eram um sinal evidente de que a
Escola Candanga estava muito longe dos sonhos de criança e dos adolescentes
excluídos do glamour do Lago Sul, Norte e Plano Piloto.
A assinatura do protocolo de (más) intenções que comprometia
o GDF com a reprodução da polícia neoliberal de FHC
(arrocho salarial, demissão de servidores e privatizações
de empresas públicas etc.) dói mais uma "pisada de bola"
de Cristovam. Quem sabe, daí resultou sua relação
com o movimento sindical de um modo geral e com os professores em particular.
Cristovam chegou a anunciar um conjunto de medidas autoritárias,
das quais constava inclusive, demissão de professores em para acabar
com a última greve da categoria, que durou 69 dias. Dias depois,
Cristovam admitia que a chapa Governista havia sido derrotada nas eleições
dos Sindicatos dos Professores devido ao anúncio de tais medidas.
Era meia verdade. Cristovam não sabia, mas já naquela altura
do campeonato não perdia apenas o Sindicato dos Professores, começava,
também a perder o governo.
Já em plena companha eleitoral, o governador sugere a manutenção
da equipe econômica de FHC num eventual governo de Lula, sob a frágil
e ingênua, (para um engenheiro pós-graduado em economia) argumentação
de que o novo governo teria que se debruçar sobre as questões
sociais e deixar as questões econômicas em segundo plano,
nas mãos de Pedro Malan e Gustavo Franco. Como se as contradições
sociais não fossem decorrentes das políticas econômicas
adotadas pelos governos. Não deve ter sido à
toa que o senhor Pedro Malan tenha
votado, no segundo turno, no governador Cristovam Buarque.
O leque de apoio que Cristovam estabeleceu no segundo turno das eleições,
chegou a ser uma mistura do hilário com o grotesco. O barco de apoio
a Cristovam ia do "contra burguês vote 16" do PSTU, passando pela
Igreja Universal do Reino de Deus e chegando ao mais fervoroso "colorido"
deputado federal eleito pelo PFL, o empresário Paulo Octávio.
Aliar-se à direita para tentar derrotá-la, é estabelecer
um pacto com o Diabo para vencer Satanás.
Portanto, querer responsabilizar os setores mais "proletariados" da sociedade,
por seu baixo nível de consciência política, e o movimento
sindical em geral, ou os professores em particular pela derrota de Cristovam,
como tentaram fazer alguns, serve apenas para refletir duas situações:
Primeiro, a falta de responsabilidade, seriedade e de métodos de
análises científicas para avaliar o contexto em que fenômenos
políticos, sociais e econômicos se dão. E, segundo,
a de que a soberba e a prepotência dos governistas persistem até
na derrota. Sem humildade, condição necessária para
realizar-nos a auto-crítica ou auto-avaliação, não
haverá educação.
Por fim, quero afirmar que nesta eleição, na vã tentativa
de escapar de Roriz, realizei um dos atos mais difíceis da minha
vida. Votar no Cristovam.