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FIDELIDADE E DISCIPLINA PARTIDÁRIAS

(Publicada na RJ nº 228 - OUT/96, pág. 15)

Palhares Moreira Reis - FIDELIDADE E DISCIPLINA PARTIDÁRIAS

Professor de Direito Constitucional da
Universidade Federal de Pernambuco

Duas questões de especial relevância, que servem de base para o estudo teórico dos partidos políticos, distinguindo os partidos rígidos dos flexíveis, vêm sendo tratadas diferentemente na legislação brasileira sobre essas agremiações. Do ponto de vista constitucional , o problema somente foi examinado na regra de 1969 (que valeu até 1985 - EC 25), quando foi estabelecida a sanção de perda de mandato por infidelidade partidária aos membros das casas legislativas, mediante representação do próprio partido e decisão da Justiça Eleitoral. Assegurada ampla defesa, a punição era aplicável aos membros desses colégios, em duas hipóteses: aos que, por atitudes ou votos, se opusessem às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidária, ou aos que deixassem o partido que os elegera (1).

Na legislação, o Código Eleitoral de 1950, a tratar da violação dos deveres partidários, não examinava a situação dos filiados, mas da violação orgânica, aplicando a sanção única de dissolução, com o conseqüente cancelamento do seu registro, a um diretório (qualquer deles) que se tornasse "responsável por violação do programa ou dos estatutos do seu partido político, ou por desrespeito a qualquer das suas deliberações regularmente tomadas" (2).

Nos momentos seguintes, a LOPP (de 1965, de 1971 e de 1979) distinguia entre a situação semelhante à acima descrita e as violações individuais dos deveres partidários.

A regra, praticamente, tinha o mesmo texto: "Os filiados ao partido que faltarem a seus deveres de disciplina, ao respeito a princípios programáticos, à probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias, ficarão sujeitos às seguintes medidas disciplinares: a) advertência; b) suspensão por 3 a 12 meses; c) destituição de função em órgão partidário (3); e d) expulsão". Os parágrafos tratavam da definição de cada uma das sanções disciplinares e do procedimento de sua aplicação e dos recursos inerentes.

Vale destacar o caso da expulsão do membro de partido político. Em 1965, poderia ser aplicada pelo voto de 2/3 dos membros do órgão competente, reduzida esta margem para maioria absoluta a partir de 1971. O recurso da decisão expulsória era para a Justiça Eleitoral, com efeito suspensivo, o que desapareceu nas novas leis. Em todas elas, o recurso de qualquer decisão que impusesse pena disciplinar seria para o órgão imediatamente superior na hierarquia do partido, e com efeito suspensivo. O recurso ex officio, no entanto, só era cabível nos casos de decisão absolutória.

A dissolução de diretório continuava existindo, nos casos de: I) violação do Estatuto, do programa e da ética partidária, bem como de desrespeito a qualquer deliberação regularmente tomada pelos órgãos superiores do partido; II) impossibilidade de resolver-se grave divergência entre os membros do diretório; e III) má gestão financeira (4).

A Constituição vigente, ao conceder autonomia de organização aos partidos políticos, prescreveu que seus estatutos deveriam estabelecer "normas de fidelidade e disciplina partidárias" (5). Daí a lei nova ter se limitado a fixar alguns parâmetros a serem seguidos pelos organizadores partidários, a saber:

a) Quanto aos filiados - que a apuração da responsabilidade por violação dos deveres partidários é questão interna corporis e o estatuto deverá criar os mecanismos de apuração e punição, assegurando ao acusado amplo direito de defesa e garantindo que "filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido", de modo a não existir perseguição com punições estabelecidas ad personam.

b) Quanto aos parlamentares - que o integrante da bancada partidária em qualquer casa legislativa deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidária -, o estatuto fixa as orientações a respeito.

Além das normas disciplinares básicas de cunho partidário, o estatuto do partido poderá estabelecer normas sobre penalidades a serem aplicadas ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários. Oferece a lei um elenco de exemplos mínimos, que, na verdade, são mais amplos do que nas normas anteriores (a EC-1, de 1969, punia, apenas, com a perda de mandato), com a diferença de que, naquelas, poderiam as sanções ser aplicadas, pois constavam da lei, e, nestas, apenas estão sugeridas, ficando a decisão de incluir, ou não, no estatuto, a critério da direção partidária. São elas:

I - desligamento temporário da bancada;

II - suspensão do direito de voto nas reuniões internas;

III - perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na casa legislativa respectiva.

Não é a perda do mandato parlamentar decidida pelo partido, mas uma série enorme de restrições ao parlamentar dissidente para o exercício do seu mandato, que fica preservado, pois a Constituição não prevê este tipo de desqualificação do parlamentar.

Como o parlamentar somente tem o seu mandato, em qualquer casa legislativa, em decorrência de uma eleição na qual teve possibilidade de concorrer por uma legenda partidária, quando este deixar o partido, sob cuja legenda foi eleito, perde automaticamente a função ou cargo que exerça em virtude da proporção partidária.

Notas:

(1) Art. 152, parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa.

(2) Art. 141. A regra citada, nos seus parágrafos, determinava a eleição de novo diretório, em 30 dias, caso o estatuto partidário não determinasse outro prazo. Os membros do diretório dissolvido que tivessem votado contra ou expressamente discordado do ato incriminado (o termo era forte) seriam considerados reconduzidos às suas funções. Dizia, ainda, que não poderia ser reeleito o que, nos termos deste artigo, por falta individual ou coletiva, tiver decaído da função.

(3) Na regra de 1965, o texto seguia o espírito da época, falava em cassação de - vetado - função em órgão partidário. As sanções de suspensão e de destituição sempre trouxeram consigo a penalidade acessória de perda de qualquer delegação conferida ao membro do partido.

(4) A partir de 1971, os incisos II e III foram substituídos por, apenas, a hipótese de (II) indisciplina partidária.
 
 

Fonte: CD-ROM Juris Síntese: legislação e jurisprudência. n.º 15 – jan-fev/99.