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A interpretação doutrinária e
jurisprudencial acerca da inelegibilidade reflexa
Marianna
Martini Motta*
I.
Introdução:
O
presente estudo, de cunho estritamente acadêmico, não tem o condão de exaurir a
matéria relativa à inelegibilidade reflexa. Busca-se, a partir de
questionamentos surgidos em sala de aula e devido à leitura da Constituição
Federal, examinar o instituto da inelegibilidade advinda do parentesco mediante
a análise de sua origem, seus objetivos, sua efetividade e sua evolução
jurisprudencial nos Tribunais pátrios.
Desse
modo, muitas vezes, far-se-á necessário um estudo sistemático com as demais
inelegibilidades presentes entre os Direitos Políticos, elencados no artigo 14
da Carta Maior.
Salienta-se
que essa pesquisa não tem o fim precípuo de eliminar as interpretações
contrárias. Almeja, no entanto, demonstrar as bases teóricas, bem como os
subsídios embasadores da interpretação aqui escolhida.
Tentar-se-á
demonstrar a vasta gama de interpretações decorrentes da leitura do dispositivo
que aborda a inelegibilidade do cônjuge, parentes e afins do titular de cargo
Executivo Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Ainda, abordar-se-á a
impossibilidade da influência da Emenda Constitucional n° 16/97 na
interpretação da norma constitucional presente § 7° do artigo 14.
Por
fim, far-se-á uma interpretação da inelegibilidade reflexa em consonância com
os princípios constitucionais fundamentadores de um Estado Democrático de
Direito.
II.
Histórico das Inelegibilidades e seu Surgimento nas Constituições Federais
Brasileiras:
As
inelegibilidades são uma série de circunstâncias impeditivas do exercício do
sufrágio passivo criadas pelo texto constitucional.
Conforme
disposição de Paulino Jacques (1983, p. 384-385), as inelegibilidades são impedimentos
à capacidade eleitoral passiva (de ser eleito), que visam a assegurar a
independência e a dignidade do eleitorado. Diz ele que "as
inelegibilidades são impedimentos de ordem pública, cujo principal objetivo é
proteger o eleitorado e o mandato e não, os votantes e os votados. É o
interesse social que está em jogo, e o qual a lei ampara".
A
fim de defender a democracia contra prováveis e possíveis abusos, surgiu o
instituto das inelegibilidades. Em sua origem, as inelegibilidades surgiam como
medida preventiva, ideada
para impedir que principalmente os titulares de cargos públicos executivos,
eletivos ou não, se servissem de seus poderes para serem reconduzidos ao cargo,
ou para conduzirem-se a outro, assim como para eleger seus parentes. Para
tanto, impediam suas candidaturas, assim como a de seus cônjuges ou parentes,
por um certo lapso de tempo. (FILHO, 1996, p. 101).
Deve-se
observar, no entanto, que as inelegibilidades não se confundem com as
inalistabilidades, pois estas são impedimentos à capacidade eleitoral ativa
(direito de ser eleitor), nem mesmo com as incompatibilidades, uma vez que
estas são impedimentos ao exercício do mandato.
Enfim, para que alguém,
entre nós, possa concorrer a uma função eletiva, é necessário que preencha
certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e não incida
em nenhuma das inelegibilidades, examinadas adiante, que precisamente
constituem impedimentos à capacidade eleitoral passiva. (SILVA, 2002, p. 365).
Consoante
dispõe Alexandre de Moraes (2003, p. 239), sua finalidade é proteger a
normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico
ou do abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, § 9°).
As inelegibilidades possuem,
assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando
estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder
por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional
revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não
podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do
regime que se instaure. (SILVA, 20002, P. 387).
Analisando-se
o histórico das inelegibilidades, tem-se que elas nasceram simultaneamente às
elegibilidades, pois desde que havia indivíduos elegíveis, devia haver os
inelegíveis, ou seja, aqueles que não satisfaziam as condições de
elegibilidade.
Na Grécia e em Roma, observa
Glotz (La cite grecque, p. 254) e Momsen (Le Droit public Romain, vol. II, p.
247), os requisitos do eleitorado eram em menor número que os da representação,
não só quanto à idade, como quanto à classe social (os senadores romanos, p.
ex., haviam de ser "patrícios", como os arcontes atenienses,
"eupátridas"). Os Estados Gerais (nobreza, clero e burguesia) tinham
os seus requisitos, não só de classe, mas de bens materiais (Funck-Brentano,
Ancient Regime, vol. II, p. 165 e s.). A própria Grande Revolução manteve, em
parte essas distinções; impunha a condição de contribuinte dos cofres públicos,
não só para eleger, mas para ser eleito (M. Duverger, Cours de Droit
Constitutionnel, p. 150 e s.). As Constituições de 1848, 1852, 1870 e 1875,
entretanto, instituíram o sufrágio universal e as inelegibilidades sem
restrição, a não ser a da idade. (apud JACQUES, 1983, p. 385).
Estudou
Henry Nézard (Éléments de Droit Public, p. 188 apud JACQUES,
1983, p. 385) duas espécies de inelegibilidades: as absolutas e as relativas.
As primeiras consistem no impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo
e independem de qualquer condição para que se verifiquem. Esta espécie
refere-se à determinada característica da pessoa que pretende pleitear algum
mandato eletivo, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido. Ensina Alexandre
de Moraes (2003, p. 240) que a inelegibilidade absoluta é excepcional e
somente pode ser estabelecida, taxativamente, pela própria Constituição
Federal. Destacam-se os inalistáveis e os analfabetos como casos de
inelegibilidades absolutas no ordenamento jurídico pátrio.
Enquanto
isso, as inelegibilidades relativas sujeitam-se à condição resolutiva.
As inelegibilidades
relativas, diferentemente das anteriores, não estão relacionadas com
determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas
constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e
determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento
da eleição, em relação ao cidadão. (MORAES, 2003, p. 240).
Podem
ser examinadas quanto à natureza: funcionais, as oriundas de função pública;
familiais, as resultantes de casamento, parentesco ou afinidade; militares e,
ainda, as decorrentes de previsões de ordem legal.
Desse
modo, seguindo as divisões acima estampadas, as inelegibilidades foram
introduzidas na esfera jurídica nacional. Na Constituição Brasileira do Império
de 1824 já se encontrava tanto a inelegibilidade absoluta como a relativa, o
que também estava determinado nas leis eleitorais da época.
Entretanto,
apesar de a legislação imperial introduzir casos de inelegibilidades, deixou a
desejar quanto ao fato de não aludir em seus artigos a inelegibilidade por
parentesco. Ou seja, os parentes gozavam de uma "doce vida política no
Império". (FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 182).
A
primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, estabeleceu o princípio
da inelegibilidade absoluta ao determinar que "são inelegíveis os cidadãos
não alistados", determinando a inelegibilidade relativa de natureza
familial para o presidente e o vice-presidente da República. Após esta
Constituição, consta como a primeira lei eleitoral da República, a Lei n. 35,
de 26-01-1892, Lei Cesário Alvim, Ministro da Justiça, que previa as demais
inelegibilidades relativas para os membros do Congresso. Já existia, no
entanto, antes da promulgação da Constituição de 1891, o decreto n. 511, de
26-06-1890, que era destinado a regular as inelegibilidades.
Em
1932 foi publicado o Código Eleitoral. Até então, inúmeras leis, regulamentos e
instruções eleitorais, em caráter federal e estadual, foram promulgadas sem
maiores inovações. Esse Código previu que a inelegibilidade fosse promulgada
por lei especial. Posteriormente, surgiu o Decreto n. 22.364, de 17-01-1933,
objetivando regular as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de
1933. Sua essência assemelhava-se à da Lei n. 35, pois tinha como fito impedir
que os altos agentes do Poder Executivo, civis e militares, ou os do
Judiciário, se prevalecessem de sua autoridade para constranger ou seduzir
eleitores.
A
Constituição de 1934, bem como o Código Eleitoral de 1935, constante da Lei n.
48, de 04-05-1934, regulou casos de incompatibilidade e inelegibilidade, que
não eram outros senão que os das leis anteriores.
Em
1937, a carta Magna previu um caso de inelegibilidade absoluta – a inalistabilidade
e não mais a qualidade de eleitor, como também o queria a
Constituição de 1934.
A
Constituição de 1946 e a de 1967, com a respectiva Emenda n. 1/69, também
aludiam ao problema da inelegibilidade, ainda prevista em lei complementar.
Quanto
à proibição em determinadas condições de cessação de funções e de jurisdição, a
inelegibilidade dos parentes vem de longa data. Quanto à Velha República,
tinha-se a Lei n. 3.208, de 27-12-1916, e o Decreto n. 3.423, de 19-12-1917,
ambos regulavam o processo eleitoral e tratavam das inelegibilidades, inclusive
a decorrente do parentesco, e tiveram a sua vigência à época do Presidente
Venceslau Brás.
Menciona-se
também o Decreto Legislativo n. 4.215, de 20-12-1920, bem como o Decreto
Legislativo n. 4315, que regulavam o problema das inelegibilidades à época do
Presidente Epitácio Pessoa.
Observa-se
que a Constituição de 1946 restaurou, em relação às inelegibilidades relativas ao
parentesco, o já tradicional entendimento da doutrina brasileira, reduzindo o
grau de parentesco por consangüinidade ou afim, ao 2° grau, salvo para deputado
ou senador, se já tivessem exercido o mandato, ou fossem eleitos
simultaneamente com o presidente ou vice-presidente da República, quando
desapareceria o impedimento, conforme se infere das lições de Paulino Jacques.
(1983, p. 390).
Por
sua vez, a Constituição de 1967, estabeleceu o parentesco até o 3° grau quanto
às inelegibilidades dele decorrentes, tendo-se incluído a adoção, inclusive
para deputados, senadores e governadores. Na mesma esteira seguiu a
Constituição de 1969, a qual manteve essas prescrições, porém enumerou as
normas que a "lei complementar de inelegibilidades" deveria observar.
Por
fim, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, restou estabelecido
no artigo 14 e seus parágrafos as condições de elegibilidade e as hipóteses de
inelegibilidade. Esta regulamentação visou, indubitavelmente, à preservação do
regime democrático, da probidade administrativa e da normalidade e legitimidade
das eleições, bem como surgiu contra o abuso de poder econômico e do exercício
dos cargos ou funções públicas.
III.
A Eficácia das Normas sobre Inelegibilidades:
A
aplicabilidade das normas constitucionais pode ser vista como "a qualidade
da norma de poder ser aplicada". (DINIZ, 1998, p. 227).
Para
Jorge Miranda, por sua vez, as normas constitucionais classificam-se em
auto-executáveis ou não-auto-executáveis.
Analisando-se
sob o critério da intangibilidade e da produção dos efeitos concretos, pode-se,
sob a ótica da aplicabilidade, distinguir as normas constitucionais em normas
de eficácia plena, contida e limitada, seguindo a tradicional classificação de
José Afonso da Silva. (1982, p. 89-91).
Conforme
preconizam os ensinamentos do aludido autor, as normas constitucionais de
eficácia plena são:
aquelas que, desde a entrada
em vigor da Constituição, produzem os efeitos essenciais, relativamente aos
interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e
normativamente, quis regular.
Maria
Helena Diniz (1998, p. 227) preconiza que as normas com eficácia plena
são as que podem ser
imediatamente aplicadas, por serem idôneas, desde sua entrada em vigor, para
disciplinar as relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, uma vez que
contêm todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção
dos efeitos previstos.
Por
sua vez, as normas de eficácia contida ou, segundo a classificação adotada por
Diniz, as normas com eficácia relativa restringível, podem ser aplicadas
imediatamente, porém sua eficácia pode ser reduzida, nos casos e na forma que a
lei estabelece. O legislador constituinte deixou uma margem de atuação ao
legislador ordinário quando da elaboração dessas normas a fim de que elas
possam ter seu alcance restringido por atividade legislativa futura.
Há,
também, as normas constitucionais de eficácia limitada. São normas que possuem
aplicabilidade indireta ou reduzida, pois somente incidem totalmente sobre
esses interesses, após serem objeto de normatividade que lhes desenvolva o
poder de aplicabilidade.
Normas
com eficácia relativa complementável são aquelas que "têm aplicação
mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou
ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou
do benefício consagrado". (DINIZ, 1998, p. 228).
Por
fim, há normas com eficácia absoluta, segundo o critério de classificação
adotado por Maria Helena Diniz (1998, p. 227). São as denominadas de
inatingíveis pelo fato de contra elas não haver o poder de emendar, pois contêm
uma "força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou
implicitamente, vier a contrariá-las".
As
hipóteses de inelegibilidade previstas na Carta Maior, artigo 14, § 4° a 7°,
são de aplicabilidade imediata e eficácia plena. Significa que não precisam de
lei complementar posterior a fim de regularizá-las. Desse modo, dispensam a
elaboração de lei complementar, prevista no § 9° do referido artigo para que
possam incidir.
Nada
impede, no entanto, que lei complementar posterior estabeleça outros casos de
inelegibilidades com a mesma finalidade das acima descritas. Dessa maneira, a
lei complementar referida no § 9°, do artigo 14, da Lei Maior, está autorizada
a regulamentar outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, a
fim de que sejam protegidos os valores originários do regime democrático.
Entretanto,
deve-se salientar que não apenas essas futuras normas acerca das
inelegibilidades é que terão como intuito proteger os valores previstos no §
9°, do artigo 14, da Lei suprema, mas também as inelegibilidades já dispostas
no corpo do texto constitucional.
Embora
sempre se tenha preconizado a inserção das inelegibilidades no texto original
da constituição federal pelo fato de elas serem restritivas de direitos
fundamentais, ou seja, do direito de ser eleito (direito à elegibilidade),
parece que o constituinte assim não desejou. "Optou por deixar à lei
complementar a possibilidade de criação de outros casos com o só limite de
indicativos não muito definidos". (SILVA, 2002, p. 388).
Observa-se
que se já foi expressamente disciplinada na Carta Maior as condições de
elegibilidade, deveriam também estar insertas no seio da atual constituição, de
modo exaustivo, as hipóteses de inelegibilidades, pois estas são mais
importantes que aquelas. Isso se deve ao fato de as inelegibilidades conter
restrições ao direito político de cidadão, como dispõe José Afonso da Silva
(2002, p. 388) ao analisar a eficácia das normas acerca das inelegibilidades.
No
entanto, cumpre ressaltar que eventuais normas que venham a disciplinar outros
casos de inelegibilidades não poderão alterar as regras já disciplinadas pelos
parágrafos do artigo 14. Nesse caso, elas poderão somente inserir novos casos,
mantendo os existentes intactos, uma vez que são vistos como normas de eficácia
plena e aplicação imediata.
Unicamente
através de emenda à constituição, desconsiderando-se, nesse caso, os direitos
políticos como garantias e direitos fundamentais, é que poderão ser modificadas
as hipóteses de inelegibilidades disciplinadas no texto constitucional. Ocorre
que, dentre a classificação das constituições, a Constituição Brasileira de
1988 é classificada como rígida. A rigidez e, portanto, a supremacia
constitucional, repousam na técnica de sua reforma (ou emenda), que importa em
estruturar um procedimento mais dificultoso para modificá-la, conforme as
lições de José Afonso da Silva. (2002, p. 63). Significa dizer que requer, para
sua alteração, procedimento diverso do adotado pelas demais normas jurídicas do
ordenamento estatal.
IV.
As Normas Constitucionais e sua Interpretação:
Ao
se estudar a Constituição Federal Brasileira, não se deve esquecer de apontar
os precedentes que a conduzem quando da análise interpretativa, como seus
princípios fundamentais que balizam a forma de governo adotada, qual seja, a
República Federativa, bem como a enunciação dos Direitos e Garantias
Fundamentais.
Aponta,
com precisão, Raul Machado Horta (1995, p. 239-204)
(...) A precedência serve à
interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a
impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem
confrontados com atos do legislador, do administrador, do julgador (...)
A
interpretação da Constituição Federal sempre deve ocorrer de modo que se
proceda à confrontação do que dispõe a letra fria (grifo nosso) da lei
com as características históricas, políticas e ideológicas do momento, a fim de
que se encontre o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a
realidade sociopolítico-econômica e se obtenha sua plena eficácia.
Dentre
alguns princípios e regras interpretativas das normas presentes na
constituição, destaca-se a justeza ou a conformidade funcional, segundo
critério de classificação de Canotilho.
Significa que os órgãos
encarregados de interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma
posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional
constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário.
(CANOTILHO, 1994)
Não
se poderia se deixar de enunciar a força normativa da constituição entre
os princípios de sua interpretação. Dessa forma, deve-se adotar, entre as
interpretações possíveis, aquela que seja capaz de garantir maior eficácia,
aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.
Deve-se,
assim apontar a "necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada
norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e
extensão". (CANOTILHO e MOREIRA, 1993, p. 136). Assim, faz-se necessário
observar que as normas constitucionais desempenham uma função útil no
ordenamento jurídico, vedando-se, dessa maneira, qualquer interpretação que
lhes suprima ou reduza a finalidade, ou melhor, o objetivo almejado.
Por
fim, destaca Moraes (2003, p. 45):
a aplicação dessas regras de
interpretação deverá, em síntese, buscar a harmonia do texto constitucional com
suas finalidades precípuas, adequando-as à realidade e pleiteando a maior
aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.
V.
A Inelegibilidade por Motivo de Casamento, Parentesco ou Afinidade na
Constituição Federal de 1988:
Ocorre
que a matéria relativa às inelegibilidades está prevista no texto fundamental
da Constituição Brasileira de 1988, além de, também, estar sujeita à disciplina
de lei complementar.
Confrontar-se-ão,
neste tópico, as possíveis interpretações dadas ao disposto constitucionalmente
no artigo 14, § 7°, e sua melhor forma de inserção no ordenamento jurídico nacional,
após a Emenda Constitucional n. 16/97, a fim de que não sejam ampliados
direitos nem suprimidas garantias por vias não legais ou inconstitucionais.
A
grande questão, surge da averiguação minuciosa do disposto na Constituição
Federal, em seu artigo 14, § 7°, que estabelece o seguinte:
São inelegíveis, no
território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou
afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de
Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem
os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já
titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (grifo nosso)
Perquire-se,
num primeiro momento, o que se entende por parentesco, uma vez que configura
como causa de inelegibilidade na Constituição Federal Brasileira.
Parentesco,
para Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9° ed., p. 10), "É uma
relação entre pessoas que descendem umas das outras ou todas de autor comum:
funda-se, pois, na comunidade de geração". Não deixa de ser, por sua vez,
a relação que vincula pessoas que descendem do mesmo tronco ancestral.
Como
se não bastasse, colaciona-se a definição trazida por Maria Helena Diniz (1998,
v. 3, p. 519), conforme a sociologia jurídica, significa "relação entre
pessoas, baseada em ascendência comum, real ou suposta, ou em certa forma de
afinidade que liga um dos cônjuges aos parentes do outro". Continua
relacionando que, conforme o direito civil, é "relação vinculatória
existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo
tronco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes do outro e entre
adotante e adotado".
Dentre
as formas possíveis de parentesco, tem-se: civil; em linha colateral, oblíqua ou
transversal; em linha reta e por afinidade. A Constituição Federal vigente
alude, ao tratar das inelegibilidades derivadas do parentesco, também aquela
que é derivada da afinidade. Cabe, portanto, definir-se tal expressão.
Segundo
Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181), "afinidade é
laço que se estabelece, por efeito do matrimônio, entre um dos cônjuges e os
parentes do outro, em linha reta ou colateral". Ele ressalta que entre os
cônjuges não há afinidade.
A afinidade é um vínculo
estritamente pessoal, e não se estende além dos limites fixados na lei, por
isso: 1°. os afins de um cônjuge não são afins entre si, embora na linguagem
vulgar se usem as expressões co-sogros e concunhados; 2°. quem é afim de um
cônjuge, por força do seu primeiro matrimônio, não fica sendo afim da pessoa
com quem aquele contraiu segundas ou terceiras núpcias; 3°. os parentes de um
cônjuge e os do outro não ficam ligados entre si por afinidade. (GONÇALVES apud
FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181).
Destarte,
tem-se que a viúva do Chefe do Poder Executivo não está submissa à
inelegibilidade por casamento, uma vez que com a morte ocorre a dissolução da
sociedade conjugal.
Da mesma forma, será
inelegível para o mandato de Chefe do Poder Executivo alguém que viva
maritalmente com o Chefe do Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim de segundo
grau). Isso se deve ao fato de a Constituição Federal estender o conceito de
entidade familiar, nos termos do artigo 226, § 3°. (TSE – Consulta 12.626 – DF
– Classe 10ª - Rel. Min. Marco Aurélio – Diário da Justiça, Seção I, 12 jun.
1992).
Ainda,
observa-se que essa inelegibilidade também atinge o casamento eclesiástico,
pois neste
há circunstâncias especiais,
com características de matrimônio de fato, no campo das relações pessoais e, às
vezes, patrimoniais, que têm relevância na esfera da ordem política, a
justificar a incidência da inelegibilidade. (RTJ 148/844-845. Precedentes do
STF – RE n.° 106.043-BA; RE n.° 98.935-8-PI e RE n.° 98.968-PB).
Uma
vez esclarecida as possíveis questões em torno de o que é parentesco e como
ocorre o parentesco por afinidade, não se poderia olvidar de esclarecer que o
padrasto e a madrasta são parentes em primeiro grau dos enteados e, caso o
cônjuge de primeiras núpcias faleça, não terá parentesco com o filho do segundo
casal do outro cônjuge.
Assim,
tem-se que a inelegibilidade por parentesco visa a impedir a formação de oligarquias
vinculadas ao parentesco, ao sangue e à afinidade, conforme dispõe Ferreira
(1998, 9ª ed., p. 180).
Antes
do advento da Emenda Constitucional n. 16/97, a inelegibilidade por parentesco
não suscitava dúvidas, como agora também não deveria suscitar, pois essa emenda
não alterou a previsão do § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal
Brasileira.
Percebe-se,
diante da análise dos fatos que, após o advento da referida Emenda
Constitucional, criou-se um problema desnecessário, ou seja, foram levantados
questionamentos acerca de questões já pacificadas jurisprudencial e
doutrinariamente.
Vislumbra-se,
com a publicação da mesma, a não alteração da previsão contida § 7°, do artigo
14, da Constituição Federal. Ocorre que tal emenda veio a possibilitar o
instituto da reeleição, que é considerado um prêmio àquele que exerceu uma boa
administração durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo.
Quando
da análise do dispositivo, tem-se, àqueles que assim almejam, a hipótese de
eleição dos cônjuges, parentes consangüíneos e afins do titular do Poder
Executivo se este houver renunciado ao cargo até os seis meses anteriores ao
pleito. (grifo nosso)
Tal
assertiva não pode prosperar, pois, independentemente do tempo que o chefe do
Executivo exerceu seu mandato, as pessoas próximas a ele, seja pelo casamento
ou pelo parentesco, não poderão se candidatar ao mesmo cargo que aquele ocupa
ou ocupava. Essa desincompatibilização, em consonância com as exigências
expressas em outros dispositivos, em nada implica na possibilidade de eventual
candidatura do cônjuge ou parente.
Quando
a lei menciona "ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses
anteriores ao pleito" estipula não a necessidade de renúncia ou
desincompatibilização dos chefes do Executivo nesse interregno, mas prevê que
possam querer candidatar-se a outros cargos diversos do executivo Federal,
Distrital, Estadual ou Municipal.
Infere-se
da leitura do dispositivo que não há como haver desincompatibilização pelo
chefe do Poder Executivo para que o parente se candidate e, possa, futuramente,
se eleger. Tal desincompatibilização surge em função de sua própria eleição
(ocupação de cargo diverso do anteriormente ocupado) ou, se ainda preferir,
pois a Constituição pátria não exige, para sua própria reeleição (recondução ao
mesmo cargo).
Ainda,
as regras constantes no artigo 14, da Constituição Federal, são destinadas a
garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do
poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta. No § 7° do referido artigo, a Constituição
prevê a inelegibilidade reflexa que surgiu de modo a evitar que ocorresse o
chamado "continuísmo familiar".
Além
disso, ao contrário do que muitos preconizam, parece não ser possível a
extensão do instituto da reeleição àqueles vedados pela inelegibilidade
reflexa, uma vez que este "instituto carrega a idéia de continuidade
administrativa". (ARAÚJO, 1998, p. 150).
Diante
da inelegibilidade reflexa surgem duas regras: a primeira, como norma geral e
proibitiva, e a segunda, como norma excepcional e permissiva. Como expõe
Alexandre de Moraes (2003, p. 251), a norma geral e proibitiva traduz-se na
expressão constitucional
...no território da
jurisdição significa que o cônjuge e parentes consangüíneos e afins até segundo
grau do prefeito municipal, por exemplo, não poderão candidatar-se a vereador
e/ou prefeito do mesmo município. O mesmo ocorrendo no caso do cônjuge,
parentes ou afins até segundo grau do governador, que não poderão candidatar-se
a qualquer cargo no Estado (vereador ou prefeito de qualquer município do
respectivo Estado; deputado federal e senador nas vagas do próprio estado, pois
conforme entendimento do TSE ‘em se tratando de eleição para deputado federal
ou senador, cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição
eleitoral’, por sua vez, o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do
Presidente, não poderão candidatar-se a qualquer cargo no país. Aplicando-se as
mesmas regras àqueles que os tenham substituído dentro dos seis meses
anteriores ao pleito.
Observa-se
que não se perquire o tempo de mandato exercido pelo Chefe do Executivo
anteriormente, podendo variar entre meses a anos. O que se perquire,
acertadamente, é se na legislatura anterior houve o exercício do mandato por
pessoa casada, parente consangüíneo ou afim de quem, no pleito subseqüente,
pleiteie o mesmo cargo.
Ainda,
a inelegibilidade reflexa se faz presente quando há a criação de Município por
desmembramento, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 18, § 4°,
pois o irmão do prefeito do Município-mãe não poderá candidatar-se a Chefe do
Executivo do Município recém-criado.
O
Supremo Tribunal Federal salientou, como se pode vislumbrar:
O regime jurídico das
inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe compõem
a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que, sorteada
por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa a
impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O
primado da idéia republicana – cujo fundamento ético-político repousa no
exercício do regime democrático e no postulado da igualdade – rejeita qualquer
prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar
o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo
eleitoral. (STF – RE 158.314-2 – PR – 1ª T. –Rel. Min. Celso de Mello – Diário
da Justiça, Seção I, 12 fev. 1993. Nesse mesmo sentido: Súmula n° 12 do TSE).
Seguindo-se
a distinção adotada por Moraes, encontra-se a segunda regra presente na
inelegibilidade por casamento ou parentesco, que se traduz na norma excepcional
e permissiva.
Ocorre
que se o cônjuge, parente ou afim já for detentor de mandato eletivo, não
haverá qualquer impedimento para que ele pleiteie a reeleição, mesmo que dentro
da circunscrição de atuação do Chefe do Poder Executivo. A exceção prevista
constitucionalmente refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma
circunscrição eleitoral.
Caso
não se trate de reeleição, haverá a incidência da inelegibilidade reflexa. Ou
seja, ocorrendo nova e primeira eleição por uma nova circunscrição, o cônjuge,
parente ou afim ficará sob a égide da norma constitucional proibitiva.
Constata-se igual entendimento em decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal
Superior Eleitoral ao afirmar que:
O conceito de reeleição de
Deputado Federal ou de Senador implica renovação do mandato para o mesmo cargo,
por mais um período subseqüente, no mesmo Estado ou no Distrito Federal, por
onde se elegeu. Se o parlamentar federal transferir o domicílio eleitoral pra
outra Unidade da Federação e, aí, concorrer, não cabe falar em reeleição, que
pressupõe pronunciamento do corpo de eleitores da mesma circunscrição, na qual,
no pleito imediatamente anterior se elegeu. Se o parlamentar federal, detentor
de mandato por uma Unidade Federativa, transferir o domicílio eleitoral para
Estado diverso ou para o Distrito Federal, onde cônjuge ou parente,
consangüíneo ou afim, até o segundo grau, ou por adoção, seja Governador,
torna-se inelegível, no território da respectiva jurisdição, por não se
encontrar, nessas circunstâncias, em situação jurídica de reeleição, embora
titular de mandato. (TSE – Resolução n° 19.970 – Consulta n° 346/DF – Rel. Min.
Costa Porto – Relator designado: Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça,
Seção I, 21 out. 1997, p. 53.430).
VI.
Inelegibilidade Reflexa e Renúncia do Detentor de Mandato Executivo:
Primeiramente,
rezava o Tribunal Superior Eleitoral em sua súmula n° 6, "É inelegível
para o cargo de prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7° do artigo
14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao
cargo há mais de seis meses do pleito".
Essa
foi a primeira posição que o TSE adotou, optava pela inelegibilidade absoluta.
Segundo seu entendimento jurisprudencial, não importava o tempo em que havia
ocorrido a desincompatibilização do titular do cargo executivo, pois seu
cônjuge e parentes eram inelegíveis. Não produzia qualquer efeito a renúncia do
titular do mandato Executivo para fins de afastamento da inelegibilidade
reflexa.
Percebe-se
que, anteriormente ao ano de 1997, data em que foi promulgada a Emenda
Constitucional n. 16, o Tribunal Superior Eleitoral manifestava-se no sentido
de não acolher a possibilidade de registro de candidatura de parentes do
titular do chefe do Poder Executivo.
Observa-se,
por conseguinte, as decisões proferidas em sede de Resolução por este colendo
Tribunal.
Inelegibilidade. Prefeito
eleito. Parentesco consangüíneo ou afim (CF, art. 14, parágrafo 7°). Reiterada
a jurisprudência do tribunal no sentido da inelegibilidade dos parentes a cargo
de Prefeito, no território de jurisdição do titular, ainda que tenha ocorrido
afastamento definitivo do cargo, por qualquer motivo, a qualquer tempo, antes
das eleições. (RESOLUÇÃO n.° 17.783, a 17-12-1991). (Precedentes. Resoluções
n.° 13.693, 14.077, 14.288 e 14.494).
Inelegibilidade: O cunhado
do Prefeito, parente por afinidade em segundo grau, é inelegível à sucessão
dele. (CF, art. 14, parágrafo 7°). (RESOLUÇÃO n.° 17.901, a
10-03-1992).
Inelegibilidade absoluta e
inafastável do cônjuge e parentes até o segundo grau dos Chefes do Poder Executivo,
desde que candidatos aos mesmos cargos, no mesmo território de jurisdição do
titular. (RESOLUÇÕES TSE n.° 15.120, de 21-03-89; 17.574, de 05-09-91; e
17.725, de 28-11-91).
Inelegibilidade absoluta que
não se afasta ainda que tais parentes, consangüíneos ou afins, sejam filiados a
diferentes partidos. (RESOLUÇÃO TSE n.° 11.319, de 15-06-82).
Inelegibilidade de cunhado
de Governador (art. 14, § 7°, da Constituição). Condição a ser objetivamente
verificada, sem caber a indagação subjetiva, acerca da filiação partidária das
pessoas envolvidas, da animosidade ou rivalidade política entre elas
prevalecente, bem como dos motivos que haveriam inspirado casamento gerador da
afinidade causadora da inelegibilidade. (STF - RE n° 236.948/MA – Maranhão,
RExtraordinário, Relator: Ministro Octávio Gallotti, Julagamento 24-09-98 –
Tribunal Pleno).
Na
Resolução n.° 18.117, relator Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, explicitou que
não importava, para os efeitos de inelegibilidade de parentes ao mesmo cargo, a
motivação do afastamento de quem exerceu o cargo, anotando-se: "O
exercício da função, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior às
eleições, é o suficiente para o impedimento". (Precedente: Consulta n.°
8.689/87).
Colaciona-se
recente decisão, proferida posteriormente à Emenda Constitucional n. 16/97.
Assim, o TSE proclamou, porém hoje não mantém, na resolução n.° 19.973
(Consulta n.° 331-DF), a 23-09-1997, relator Ministro Maurício Corrêa, por
unanimidade, que
O advento da Emenda
Constitucional n. 16/97, que alterou o art. 14, § 5°, da Constituição Federal,
para permitir a reeleição do titular do mandato de chefe do Poder Executivo,
não produz modificação na disciplina constitucional referente ao seu cônjuge e
parentes, que continuam inelegíveis no território de sua jurisdição.
Essa
decisão foi proferida nos termos do § 7°, do art. 14, da Lei Maior,
acolhendo-se entendimento quanto a não se haver, a evidência, revogada a norma
em foco, com a superveniência da Emenda Constitucional n° 16/97.
A Emenda da reeleição em
nada alterou a inelegibilidade decorrente do parentesco. Portanto, o filho de
Governador, ao postular cargo eletivo, sujeita-se à inelegibilidade prevista no
art. 14, parágrafo 7°, da Constituição Federal. (RESOLUÇÃO n.° 19.992, de
09-10-1997, relator Ministro Costa Leite).
Entretanto,
o TSE não mais aplica a Súmula n° 6. Conforme destaca Alexandre de Moraes, o
Tribunal optou pela afastabilidade da mesma e igualou a situação da renúncia do
Chefe do Executivo seis meses antes do término do mandato para todas as
eventuais candidaturas de seu cônjuge, parentes ou afins até 2° grau.
Posteriormente
à Emenda Constitucional n° 16/97, é visível a mudança de pensamento dos
ministros do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. Ao que tudo indica, este
tribunal vem pronunciando entendimento contrário aos preceitos estabelecidos
pelo legislador constituinte originário, além de parecer legislar em matéria
eleitoral, o que não se configura como de sua competência.
Diferentemente
das lições que consagravam a inelegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do
Poder Executivo, o Tribunal Superior Eleitoral reformulou seu pensamento,
abrandando-o e consagrando que: "Mantinha-se a impossibilidade da
candidatura de seu cônjuge e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau para o
idêntico (grifo nosso) cargo de chefe do Executivo". (TSE –
Resolução n°20.114, de 10-3-1998 – Consulta n° 366 – Classe 5ª - Distrito
Federal – rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 3 jun.
1998, p. 63; TSE – Acórdão n° 192, de 3-9-98 – Recurso ordinário n° 192 –
Classe 27ª - Tocantins – Palmas – Rel. Min. Edson Vidigal).
Conforme
se verificou, essa proibição não alcançava todas as candidaturas para outros
mandatos eletivos, mas apenas aquelas que pleiteavam o mesmo cargo de Chefe do
Executivo.
Como
decorrência de tais decisões, consagrou-se a possibilidade de candidatura do
cônjuge ou parentes se o titular do cargo executivo renunciar até os seis meses
anteriores ao pleito, porém para cargo diverso do que este ocupava. Começa-se,
então, a interpretar de modo diverso o disposto constitucionalmente no artigo
14, § 7°.
Contudo,
apesar de a rigorosidade acerca da inelegibilidade por parentesco ter sido
abrandada pelo Tribunal Superior Eleitoral, não há como acatá-la em virtude de
ter nascida eivada do vício inconstitucionalidade, uma vez que carrega
interpretação contrária aos princípios e norma, expressa e proibitiva,
constitucionais.
Colaciona-se
jurisprudência do Colendo Tribunal Eleitoral que consolidaram este
entendimento, dito intermediário, após a Emenda Constitucional n° 16/97.
I. O senador por um Estado pode, no curso do
mandato, concorrer ao Senado por outro Estado, desde que satisfaça, no prazo
legal, as condições de elegibilidade nesse último. II. É inelegível, para
Senador, no Estado respectivo, o cidadão parente consangüíneo até o segundo
grau do governador; não o livra da inelegibilidade – conforme a parte final do
art. 14, § 7°, da Constituição - fato de ser Senador por Estado diverso, pois a
hipótese não seria de reeleição; essa inelegibilidade cessa, contudo, se o
governador renuncia ao mandato até seis meses antes das eleições para o Senado
Federal. III. A circunstância de poder identificar-se, pelos dados da consulta,
a situação individual que, no momento, corresponda com exclusividade à hipótese
formulada, não impede o Eleitoral. IV Não é da Justiça Eleitoral – segundo a
jurisprudência do Supremo Tribunal – decidir sobre a perda de mandato eletivo
por fato superveniente à diplomação: não cabe, assim, conhecer da consulta a
respeito de ser ou não causa da perda do mandato de senador por um Estado a
transferência do domicílio eleitoral para outro. (Consulta n° 706, Resolução n°
20.864, Sessão de 10-03-98)
CONSULTA. DEPUTADO FERAL.
CÔNJUGE E IRMÃO DE GOVERNADOR REELEITO CUJO 2° MANDATO FOI CASSADO. POSSIBILIDADE
DE CANDIDATURA A CARGO DIVERSO NA MESMA CIRCUNSCRIÇÃO. É possível a candidatura
de cônjuge ou parente do titular de cargo executivo, a cargo diverso na mesma
circunscrição, desde que este tenha sido, por qualquer razão, afastado do
exercício do mandato, antes dos seis meses anteriores às eleições. (Consulta n°
748, Resolução n° 21.059, Sessão de 10-03-98).
Dessa
maneira, parece terem surgido respostas e argumentos esdrúxulos, através dos
votos proferidos pelos ministros eleitorais, a fim de que se garanta a presença
de oligarquias familiares no poder.
À
primeira vista, tais concessões parecem ser inofensivas, pois a Emenda
Constitucional aludida foi publicada e vigora há pouco tempo. Mas daqui a
alguns anos, tal entendimento poderá conceder uma espécie de "coronelismo
moderno", onde as famílias se perpetuarão no poder mediante amparo da
Constituição nacional.
Precedentes
e julgados, hoje inócuos, podem fazer com que se multipliquem "Silvas,
Souzas, Ferreiras..." e tantos outros grupos familiares no poder.
O
TSE, como se não bastasse a avalanche de concessões que vinha fazendo a fim de
perpetuar famílias no poder, consagra, atualmente, um terceiro entendimento. O
que para este colendo tribunal é tido como "moderno", nada mais é do
que um verdadeiro retrocesso.
O
entendimento preconiza que, caso o chefe do Executivo renuncie até seis meses
antes das eleições, seu cônjuge e parente ou afins até 2° grau, poderão,
desprovidos de quaisquer óbices, candidatar-se a qualquer cargo eletivo,
inclusive à chefia do Executivo até então por ele ocupada, desde que esse
pudesse concorrer a sua própria reeleição. Opta, por conseguinte, pelo
afastamento total da inelegibilidade reflexa.
Ocorre
que, a reforma de 1997 modificou o § 5° - o da reeleição – mas em nada mudou o
§ 7° - o do nepotismo, deixando-o intacto. Este posicionamento foi consagrado
em vários acórdãos, inclusive do Supremo Tribunal Federal. E intacto estava,
por exemplo, nas eleições para prefeitos municipais ocorridas em 2000. Porém em
agosto de 2001, o Tribunal Superior Eleitoral, mediante um recurso relatado
pela Ministra Ellen Grecie, optou por ajustar um parágrafo ao outro.
Entendeu
que, se o titular pode se reeleger, seus parentes também podem. Subscreveu o
Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, "o cônjuge e os parentes
do titular do cargo são inelegíveis apenas nas hipóteses em que o titular
também for".
A
Constituição Federal, de modo imperceptível, sofreu uma alteração informal e
inconstitucional por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Entretanto,
mantinha-se viva a esperança de este entendimento vir a ser rechaçado pelo
Supremo Tribunal Federal, o que parece não ter se concretizado.
Baseiam-se
eles, quando da aplicação do instituto das inelegibilidades por parentesco, na
seguinte argumentação: Se os titulares de cargos executivos podem pleitear a
reeleição, por que não poderiam seus parentes se candidatar ao mesmo cargo que
aqueles ocupam?
Consideram,
dessa forma, que não havendo óbices à reeleição para um único mandato
subseqüente para aqueles que são chefes do Executivo Federal, Distrital,
Estadual e Municipal, não haveria também entraves à candidatura de seus
cônjuges e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau.
Houve,
portanto, por parte de muitos juristas e ministros dos tribunais pátrios uma
interpretação ampliativa, extensiva do § 5° do artigo 14 da Constituição
Federal, de modo a lhes permitir que alterassem o disposto no § 7° do citado
artigo constitucional.
Ponto
importante para que se entenda os institutos da reeleição e da inelegibilidade
por parentesco é a averiguação da interpretação dada pelo Tribunal Superior
Eleitoral à ressalva "salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à
reeleição", disciplinada no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal.
Salvo
melhor juízo, essa interpretação foi equivocada, conforme se depreende da
Instrução n° 55 do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2002, em seu
artigo 9°, §§ 3° e 4°. Nota-se que o teor desses parágrafos não é encontrado em
nenhuma legislação eleitoral, nem mesmo na Constituição Federal.
O
equívoco dessa interpretação reside no fato de que tal ressalva refere-se ao
candidato que é parente do chefe do Executivo. É àquele inerente, e não ao
próprio titular ou suplente do cargo ao qual quer se candidatar o cônjuge ou
parente.
Frise-se:
a inelegibilidade reflexa é afastada com a renúncia do Chefe do Poder Executivo
dentro do prazo legal de até seis meses antes do pleito cumulada com a
possibilidade de reeleição desse mesmo Chefe, segundo jurisprudência dominante
do Tribunal Superior Eleitoral.
Elegibilidade. Cônjuge.
Chefe do Poder Executivo. Art. 14, § 7° da Constituição. O cônjuge do chefe do
Poder executivo é elegível para o mesmo cargo do titular, quando este for
elegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito. (TSE – Acórdão n°
19.442, decisão: 21-8-01).
ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E
PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, §7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes de
governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido eleito
para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito. (Consulta
n° 788, Resolução n° 21.099, Sessão de 10-03-98).
CONSULTA. FILHA DE PREFEITO
REELEITO. DEPUTADA ESTADUAL. CANDIDATURA AO MESMO CARGO DO PAI NAQUELA
JURISDIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Inadmissível à filha, deputada estadual, reeleita,
concorrer ao cargo de prefeito municipal na jurisdição em que o pai é prefeito
reeleito. (Consulta n° 848, Resolução 21.322, Sessão de 10-03-98).
Parece
ser este o entendimento que possibilitou a candidatura, e subseqüente vitória,
de Rosangela Barros Assed Matheus de Oliveira. À primeira vista desconhece-se
tal vencedora, seu nome parece não fazer parte do cotidiano dos brasileiros.
Mas se fosse proclamado o nome de Rosinha Matheus, todos, inegavelmente,
reconheceriam a ex-primeira-dama que passou ao cargo de titular do Poder
Executivo do Estado do Rio de Janeiro.
Pergunta-se
onde Rosinha Garotinho, que hoje além de ter levado o cargo do marido carrega
também seu apelido, teria conseguido subsídios jurídicos capazes de embasar o
registro de sua candidatura. No entanto, vê-se que sua candidatura à sucessão
de seu marido foi facilmente registrada, conforme se confirma no Acórdão n°
20.239, 01-10-2002 em decisão ao Recurso Especial Eleitoral n° 20.239 – Classe
22ª - RJ, que assim concluiu:
ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E
PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, § 7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes
de governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido
eleito para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito.
O
principal argumento utilizado a fim de possibilitar a candidatura da esposa de
Anthony Garotinho, foi o de que ele havia cumprido apenas um mandato eletivo,
além do já consagrado entendimento de ter ele se desincompatibilizado do cargo
antes dos seis meses que antecedem ao pleito.
Parece
ser essa a asserção mais condizente de modo a embasar o registro da candidatura
de Rosinha Matheus e, no mesmo ano eleitoral, impugnar a candidatura de Ricardo
Murad, cunhado de Roseana Sarney, ao governo do Estado do Maranhão. Ocorre que
esta, apesar de ter sido governadora do Estado do Maranhão,
desincompatibilizou-se dentro do prazo legal dos seis meses que antecedem às
eleições, como manda o Tribunal Superior Eleitoral, porém seu cunhado teve sua
candidatura impugnada.
A
objeção à candidatura de Ricardo Murad deu-se devido ao fato de que sua cunhada
já havia cumprido dois mandatos eletivos executivos por dois períodos
subseqüentes. Significa que, uma vez tendo sua cunhada esgotado o instituto da
reeleição, não poderia ele, irmão do esposo da governadora, pleitear sua
candidatura.
Entretanto,
deve-se observar que a impossibilidade de os cônjuges e parentes postularem uma
primeira e nova eleição surge em conseqüência da inelegibilidade reflexa
prevista no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal Brasileira, e não
devido à invocação do § 5° desse mesmo artigo constitucional, que aborda o
instituto da reeleição. Este, por sua vez, possui caráter personalíssimo. É
considerado um prêmio, um bônus ao bom administrador e não é estendido aos
cônjuges e familiares do titular do Chefe do Poder Executivo.
Ainda,
deve-se salientar de maneira a justificar este último posicionamento que, se o
Tribunal Superior Eleitoral não entendeu como necessária a renúncia do titular
do Chefe do Poder Executivo do cargo que ocupa caso pleiteie a reeleição,
também não poderá exigir tal renúncia caso o cônjuge ou parentes pleiteiem
eleição para o mesmo cargo do titular do Executivo. Essa seria a interpretação
mais acertada, caso se abarcasse o entendimento de que o instituto da reeleição
não é intuitu personae.
Parece
haver incongruência entre a exigência feita pelo Tribunal Superior Eleitoral se
o chefe do Executivo for postular a reeleição e se cônjuge ou parente for
pleitear a eleição ao cargo por aquele ocupado. Assim como a Carta Maior não
exige desincompatibilização do Chefe do Poder Executivo caso queira se
reeleger, também não poderá exigir que este renuncie para que seu parente possa
se candidatar.
Afasta-se,
desse modo, os dois principais argumentos utilizados pelo Tribunal Superior
Eleitoral nacional ao permitir a eleição do cônjuge e parentes consangüíneos ou
afins do Chefe do Executivo ao mesmo cargo que este ocupava, pois o instituto
da reeleição é próprio e destinado ao bom administrador.
Ainda,
se fosse condizente tal argumento, não haveria necessidade de
desincompatibilização do chefe do Executivo para que seu cônjuge ou parente
pudesse se candidatar. Uma vez entendo-se que a reeleição os abrange, poderia o
Chefe do Executivo permanecer no exercício de seu mandato até o termo final de
sua legislatura. Se há o desejo por parte dos representantes do Poder Executivo
de concorrerem ao mesmo cargo, não há, por conseguinte, necessidade da
renúncia, pois a Constituição Federal não a exige expressamente. Aplica-se,
desse modo, analogicamente, às candidaturas em que há casos de inelegibilidade
reflexa. Por fim, vislumbra-se que o entendimento do Tribunal Superior
Eleitoral carece de subsídios legislativos, além de grave contradição, a fim de
que possa prosperar.
Em
ambos os casos mencionados algures, observa-se que houve desincompatibilização
não com o intuito de que aqueles que eram submetidos à inelegibilidade reflexa,
dela fossem desonerados, mas para que os titulares dos cargos executivos
pudessem concorrer a cargos diversos dos que ocupavam anteriormente.
Seria
uma mera coincidência tal argumento, pois a Constituição Federal, em seu artigo
14, § 6°, assim exige expressamente quando a candidatura pleiteada for para
cargo diverso do ocupado anteriormente. Como essa assertiva foi insuficiente
para impugnar a candidatura de Ricardo Murad, conforme mencionado, o Tribunal
Superior Eleitoral foi além e legislou. Elaborou e consolidou,
jurisprudencialmente, esses argumentos, convicto de que estava desempenhando
seu papel, quando na verdade estava legislando, função precípua do legislativo
enquanto ao TSE, integrante do Poder Judiciário cabe, tão-somente, proferir
decisões aplicando corretamente a lei.
Diante
de tais decisões judiciais que impugnaram a candidatura de Ricardo Murad e
legitimaram a de Rosinha Garotinho, resulta evidente o desrespeito à atual
Constituição Federal. O TSE, a fim de legitimar candidaturas até então tidas
como proibidas, entendeu que a Emenda acerca da reeleição teve reflexos na
norma constitucional que aborda a inelegibilidade decorrente do matrimônio e do
parentesco.
Segundo
o pronunciamento muito bem elaborado de Roberto Pompeu de Toledo (VEJA, Seção
Ensaio), tem-se que
A emenda da reeleição, eis a
chave da história, segundo o TSE. Ao permitir que presidente, governadores e
prefeitos postulassem um segundo mandato, ela lhes deu um direito que, se não
exercido, não pode ser negado aos parentes. Ou seja: se o titular de um desses
cargos pode candidatar-se à reeleição, e não o faz, nada impede que um parente
o faça.
Infere-se,
destarte, a inconsistência de tais decisões, pois fizeram com que o direito à
reeleição pudesse ser repassado de uma pessoa a outra, assim como, continua
Toledo, se repassa um cheque, endossando-o atrás.
Contudo,
deve-se ter presente que o § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal continua
plenamente em vigor, servindo como meio de luta "contra o nepotismo ou a
perpetuação no poder por meio de interposta pessoa", segundo a definição
que o Supremo Tribunal Federal deu a este centenário princípio republicano.
Relata-se,
conforme Caldeira (INSIGHT, 2002), que "o TSE interpretou o que era
incontroverso".
...sob a presidência do
Ministro Nelson Jobim, o TSE está mudando a Constituição, coisa que tribunal
nenhum pode fazer. É tarefa para o legislativo e assim mesmo por três quintos
dos votos, o quorum da reforma constitucional. Está em andamento uma mutação
constitucional pela interpretação do TSE contra disposição expressa da
Constituição Federal de 1988.
Diante
dos fatos articulados, deve-se impedir que cônjuge de Chefe do Executivo seja
votado, anulando o registro do candidato. Caso haja demora na decisão final,
deve-se tornar insubsistente o mandato que já tenha sido expedido, excluindo-se
da legenda os votos que tenham sido destinados ao candidato impugnado.
Esclarece, ainda, Caldeira (REVISTA INSIGHT, 200) "a inelegibilidade sendo
obstáculo à reeleição, anula-a por certo".
Muitos
autores tomaram como exemplo os casos transcritos e salientaram que, no jogo
eleitoral, Rosinha Garotinho derrotou a Constituição no TSE por um a zero.
Entretanto,
esperava-se que o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição
procedesse à revanche. Mas o que se verifica é que de sua parte houve
acomodação ao resultado da "partida", parecendo confirmar as
"técnicas do jogo" adotadas pelos Ministros do Tribunal Superior
Eleitoral.
Muito
embora, por longo período o Supremo tenha consolidado entendimento de que não
era possível a elegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do Poder Executivo
ao mesmo cargo que este ocupava, atualmente, em recente decisão, rendeu-se aos
argumentos do Sr. Ministro Nelson Jobim e parece adotar diferente entendimento.
A
esperança que se alimentava acerca da possibilidade de mudança de entendimento
por parte do STF não durou muito tempo. Ocorre que este Egrégio Tribunal veio a
consolidar uma espécie de "coronelismo moderno" e a regrá-lo conforme
as normas da Constituição Federal. Aquilo contra o qual se lutou durante
décadas, surge, agora, amparado pela Lei Maior. Há vários anos, os cidadãos,
mediante o Poder Legislativo, tentam pôr fim à presença de oligarquias no
poder, principalmente quanto às familiares, que efetuam "rodízios
executivos" nos salões da República. Lutou-se, ao que parece, em vão.
Se
possível a posição adotada por ambos os Tribunais, poderá haver situações em
que, por exemplo, um governador eleito num Estado qualquer desse país, pela
primeira vez no ano de 2002, seis meses antes das eleições de 2006, renuncia.
Quem assume é o vice. Ocorre que este é de sua confiança, podendo ser
facilmente manipulado pelo ex-governador, uma vez que se postularam a
candidatura juntos, gozam de igual ou parecida ideologia e princípios.
Logo,
candidata-se ao cargo de governadora a filha do ex-governador. Este, conforme o
TSE, renunciara no tempo legal. Como o ex-governador era reelegível se não
renunciasse, pois somente havia cumprido um único mandato, sua filha, segundo
entendimento do TSE, poderia se candidatar ao mesmo cargo anteriormente ocupado
pelo pai, desprovida de óbices legais. Vence as eleições, provavelmente
impulsionada pela máquina administrativa, que está nas mãos do atual
governador, e homem de confiança do ex-governador, com evidente vantagem em
relação para os demais competidores e para a lisura do processo de escolha
democrática. Toma posse, então. Como é o seu primeiro mandato, é também
reelegível para o próximo.
Observe-se
a inconsistência de tal entendimento. A filha pode postular a eleição porque o
pai somente havia cumprido um único mandato eletivo. Porém o instituto da
reeleição a ela também é válido, podendo postular uma recondução ao cargo no
período subseqüente. Veja-se que, nesse exemplo, haveria a possibilidade de se
pleitear um terceiro mandato subseqüente, o que é expressamente vedado pela
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 14, § 5°.
Ainda,
como se não bastasse, poderá essa então governadora chegar ao ano de 2006 e
renunciar seis meses antes das eleições. Ocorre que a governadora renuncia para
candidatar-se a outro cargo de maior relevância. Quem se candidata, não
importando nesses casos se por igual ou diferente partido político, para
sucedê-la? Ninguém mais, ninguém menos do que seu irmão. Como também poderia
ter sido seu pai, aquele que começou a dinastia da família no poder, como
também sua irmã ou seu marido.
Tem-se,
dessa maneira, a possibilidade de, por vários anos seguidos, uma família gozar
do poder livremente, desprovida de obstáculos legais, segundo interpretação do
TSE e do STF. Logo, haveria a possibilidade de um "continuísmo
familiar", alternando-se gerações familiares no poder.
Ao
contrário do que se esperava, o STF não cumpriu sua tarefa de resguardar e
proteger a Constituição da República Federativa do Brasil. Deveria ele, no
exercício de sua função precípua, ter anulado os Acórdãos proferidos pelo TSE,
em sede de inelegibilidades, que feriam dispositivos constitucionais.
Ocorre
que o STF, resolveu adotar a interpretação do disposto no artigo constitucional
14, § 7°, em consonância com o preconizado no § 6° desse mesmo artigo. Parece
ter tido seus olhos vendados quando da escolha de tal interpretação, pois
procedeu a uma interpretação sistemática de somente esses dois dispositivos
constitucionais, abandonando preceitos fundamentais que servem de base à
constituição pátria e ao perfeito funcionamento de um Estado Democrático de
Direito.
Salientou
que se interpretado isoladamente o disposto no § 7°, do artigo 14, da
Constituição Republicana de 1988, ter-se á a inelegibilidade absoluta de
cônjuge e parentes dos Chefes do Executivo para o mesmo cargo por este ocupado
ou para cargo diverso quando for candidato a primeira e nova eleição. Disse
haver, nesse caso, uma interpretação literal da Constituição Federal, de modo
que lhe pareceu mais condizente proferir uma análise constitucional
sistemática.
No
entanto, o STF ao consolidar seu entendimento no Recurso Especial n° 344.882 –
BA, de 27-11-01, referiu-se ao recurso especial eleitoral n° 19.442 (Ibiraçu –
ES), de 21-08-01, no qual se colhe
...Referiu S. Exa. ao
temperamento que foi dado por este TSE ao § 7° do art. 14, quando o tribunal
decidiu pela elegibilidade de cônjuge e parentes dos chefes do Executivo para
outros cargos, desde que o titular tivesse renunciado até seis meses antes do
pleito. Entendeu S. Exa., com rigor de lógica, que a inspiração para este
tempero o tribunal buscou, sem dúvida, no § 6°, pois, se a renúncia viabiliza a
candidatura do próprio titular a outro cargo, essa mesma renúncia deveria
viabilizar a candidatura dos seus parentes.
O argumento principal para a
solução da presente controvérsia, porém, emerge, de fato, da alteração das
normas de inelegibilidade, introduzida pela EC n° 16/97, a qual, ao alterar a
redação dada ao parágrafo 5° do mesmo art. 14, permitiu a reeleição dos chefes
do Poder Executivo por um único período subseqüente. A interpretação sistêmica
da nova realidade constitucional leva à necessária compatibilização desse
dispositivo com aquele constante do § 7° do mesmo artigo.
Já a preocupação com o mau
uso da máquina pública para finalidades eleitoreiras fica resguardada pelo
afastamento daquele que, eventualmente, poderia desviar, em benefício de seu
parente ou cônjuge, serviços ou recursos públicos. A regra de licenciamento,
anterior a pelo menos seis meses do pleito, resguarda, como quis o
constituinte, a lisura das campanhas.
Uma interpretação literal do
§ 7°, como se vê, gera situação paradoxal, na medida que impede a eleição dos
parentes e do cônjuge para o cargo do titular, quando ele mesmo, por sua vez,
pode candidatar-se para esse mesmo cargo.
Daí concluir que a única
solução razoável é a que conjuga os ditames dos §§ 5° e 7° e lhes dá leitura
condizente com os princípios que informaram a redação das normas
constitucionais, sem desconsiderar a nova realidade, introduzida pela EC n°
16/97. A interpretação dada pelo tribunal Regional Eleitoral atende à
finalidade da norma, que é evitar o uso da máquina administrativa pelo titular,
por seu sucessor ou por seu substituto em benefício de seus familiares.
Seria
uma falácia crer, como querem os Colendos Tribunais, que a máquina
administrativa não irá trabalhar em prol do candidato parente do ex-chefe do
Executivo. Ainda que não trabalhe, a imagem do ex-titular e do atual candidato
sempre estará ligada, o eleitorado não a dissocia e, invariavelmente, elege o
substituto em função de seu antecessor. Não é dada margem a novos pensamentos e
novas ideologias que, muitas vezes, estão escondidas devido à falta de
publicidade e conhecimento acerca daqueles que as defendem.
Apesar
de rezar pela possibilidade da candidatura do cônjuge e parentes do Chefe do
Poder Executivo, relata o Sr. Ministro Nelson Jobim, então acompanhado pelo Sr.
Ministro Fernando Neves, no Recurso Especial n° 17.199 (Itapemirim) que a
solução condizente para o "continuísmo familiar" não ter
prosseguimento, em atendimento à finalidade das normas constitucionais, está na
limitação imposta pela nova redação do § 5°, do artigo 14, da Constituição
Federal, que estabelece o limite de eleição para "um único período
subseqüente".
Diz
ele, "esse é o limite constitucional para o ‘continuísmo’". Continua
salientando que deve ser aplicado, também, em relação aos parentes e cônjuges.
Ressalta-se esta vedação, pois foi por ele legislada, não estando contida na
Constituição de modo expresso, ou seja, diz que "o parente eleito, nessas
circunstâncias, não poderá concorrer á reeleição. E os parentes deste não
poderão concorrer ao mesmo cargo, pois o titular não poderá concorrer à
reeleição. Impede-se o continuísmo".
Solução
bastante controvertida essa adotada pelo ex-Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral. Primeiro, prevê a possibilidade de se ampliar o que a Constituição
Federal expressamente proibiu. Logo, veda a possibilidade de reeleição dos
parentes e cônjuge, após ter permitido que se elegessem em sucessão a seu
marido, esposa e parentes, uma vez que não se permite a reeleição para um
terceiro período subseqüente.
No
entanto, observa-se que se o Constituinte assim desejasse, teria previsto
constitucionalmente. Ou ainda, teria o constituinte derivado alterado essa
norma constitucional, mas não os Tribunais nacionais, cuja única função é a
aplicação da Constituição de modo a julgar os casos que lhes são colocados sob
exame. Têm a função máxima de órgãos julgadores e não de legisladores. Ainda,
vieram a legislar contrariamente à Constituição. Logo, transparece a falta de
subsídios jurídicos em tais decisões preconizadas tanto pelo Tribunal Superior
Eleitoral quanto pelo Supremo Tribunal Federal.
Podem
eles, contudo, desejarem que assim seja tratada a inelegibilidade reflexa, mas
daí a aplicarem o que bem entenderem na prática, há uma larga diferença. Devem
esperar por uma nova Emenda Constitucional que venha a alterar expressamente o
disposto no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal, de modo a permitir a
elegibilidade de cônjuge e parentes e disciplinar o instituto da reeleição
quanto a eles. Ainda, que seja aprovada, por no mínimo, três quintos dos
membros da Câmara dos deputados e do Senado Federal, como dispõe o § 4°, do
artigo 60, da Constituição Federal, e não pela vontade dos Senhores Ministros
do TSE ou do STF.
VII.
Conclusão:
Infere-se
diante da análise feita, o extravasamento dos Tribunais pátrios em relação a
suas funções, bem como uma atividade legislativa contrária aos fundamentos
preconizados por um Estado Democrático de Direito. Ainda, é visível a
ocorrência de um retrocesso quando da análise do instituto da inelegibilidade
reflexa.
Reitera-se,
mais uma vez, que a emenda Constitucional pertinente à reeleição alterou
tão-somente o artigo 14, § 5°, não se estendendo para o § 7° como preconizam os
Tribunais nacionais. Caso assim desejassem, os legisladores o teriam alterado
de modo expresso e não teriam deixado tal tarefa aos órgãos judicantes.
O
que se percebe, após averiguação dos fatos, é a conjugação da renúncia do
titular de cargo Executivo com a possibilidade de sua reeleição a fim de se dar
prosseguimento ao registro de candidatura de cônjuge, parentes e afins daquele.
Surgiu,
desse modo, uma atividade legislativa por parte dos Tribunais brasileiros,
acolhendo preceitos e modificando normas constitucionais como melhor lhes
convinha. Assim, parecia pouco importar, p/ o STF, a guarda da Constituição e
sua efetiva aplicabilidade, visto que são seus deveres no mister jurisdicional.
Nessa esteira, deu-se a aplicação distorcida das regras acerca das
inelegibilidades.
Apresenta-se,
hoje, aos cidadãos brasileiros, uma espécie de coronelismo, dita
"moderna" ou "às avessas", onde não é imposta a força
física de modo a eleger-se alguém ao Poder, mas é imposta a força
constitucional, o que é mais grave. Percebe-se que a alteração informal da
Constituição passou a legitimar novas formas de poder e aLei Suprema,
muitíssima bem elaborada, recheada de direitos e garantias a fim de consolidar
um Estado Social e de Direito, passou a perder sua eficácia diante do
retrocesso do julgador.
VIII.
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