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DIREITO DE RESPOSTA


(Publicada na RJ nº 225 - JUL/96, pág. 13)

Lourival de Jesus Serejo Sousa - DIREITO DE RESPOSTA

Membro Substituto do T.R.E. - MA

Sumário: 1.O Poder da Imprensa ; 2.A propaganda eleitoral ; 3.Direito de resposta; 3.1. O direito de resposta como direito fundamental; 3.2. O direito de resposta nas leis eleitorais; 3.3. Requisitos do direito de resposta; 4.Conclusão.

1. O PODER DA IMPRENSA

A imprensa tornou-se efetivamente um poder. A evolução dos meios de comunicação superou a expectativa do homem e reduziu o mundo a uma aldeia global. As grandes redes de comunicação fazem e desfazem ídolos, constroem e destroem reputações, tudo numa velocidade incontrolável.

As conseqüências desse avanço nas comunicações podem ser positivas ou negativas conforme o uso que se pretende alcançar. No aspecto positivo, destacamos as campanhas filantrópicas, educativas, aquelas utilizadas pelo Ministério da Saúde, etc. No aspecto negativo, ressaltam-se casos como o da Escola Base, em São Paulo, as acusações sem provas, a invasão de privacidade, inclusive através de fotos, etc. Os telejornais arvoraram-se em tribunais que julgam inaudita altera parte. Essa ambivalência de efeitos desafiam uma conclusão sobre sua finalidade e um disciplinamento mais responsável que tanto assegure o direito à informação quanto o do respeito à pessoa humana.

A ascensão e a queda do Presidente COLLOR é um exemplo recente que reflete todo o alcance desse poder, que MONTESQUIEU não imaginou que um dia viesse surgir para além da sua divisão tripartida. Os técnicos em comunicação falam no fenômeno de vitimização coletiva, para indicar as manobras de formação de opinião pública com matérias falsas.

No período eleitoral, a imprensa também tem papel importante, tanto na propaganda oficial como em outras atividades que dificultam o controle pela Justiça Eleitoral. Nesse ponto, a legislação deveria ser mais rigorosa com os infratores e prever uma repressão mais efetiva, pois essa atuação paralela e tendenciosa fere o princípio da isonomia na disputa das eleições, provocando conseqüências imprevisíveis, a ponto de um estudioso do assunto advertir: "O que existe de mais recente e contemporâneo na relação meios de comunicação/Poder é tão-somente a constatação de que o abuso de poder da mídia, em matéria político-eleitoral se tornou tão intenso e eficaz, que não seria exagero afirmar que no Brasil de hoje quem decide uma eleição é justamente a mídia, através dos abusos de poder por ela cometido" (grifos do original)(1).

2. A PROPAGANDA ELEITORAL

O início da propaganda eleitoral marca o ponto mais alto da disputa eleitoral. Nessa fase, que às vezes atinge momentos tensos, é que os candidatos expõem seus planos, publicam suas promessas, defendem suas idéias e, com freqüência, atacam seus adversários.

A propaganda atingiu requintes sofisticados de expressão. Dependendo de suas técnicas, os candidatos tidos por impopulares atingem elevados níveis na pesquisa.

A complexidade da propaganda eleitoral, justamente devido ao grau de desenvolvimento que alcançou, exigiu tratamento destacado tanto nas leis eleitorais como em instruções específicas do Tribunal Superior Eleitoral.

A Justiça Eleitoral ressente-se de meios mais enérgicos e eficientes para coibir a propaganda que contraria as previsões legais. Mesmo assim, a interferência da Justiça Eleitoral tem evitado os abusos, que a cada eleição se apresentam maiores e mais ofensivos.

Candidatos afoitos não se contentam em esperar o início do período de propaganda. Saem à frente, levando a lei de roldão, pensando que assim vencerão melhor seus adversários. Agem mal, prejudicando a si mesmo e contribuindo para retirar da disputa o equilíbrio indispensável para garantia do regime democrático.

A regulamentação rigorosa da propaganda é imprescindível para permitir um tratamento igual para todos os candidatos. É meio ético de assegurar a escolha dos candidatos, de acordo com o livre convencimento de cada eleitor.

3. O DIREITO DE RESPOSTA

Para reparar o comportamento ofensivo dos candidatos na mídia, criou-se o direito de resposta, verdadeira legítima defesa da honra, assegurada pela lei em benefício dos ofendidos. É um instituto que equilibra a liberdade de imprensa com o direito de cada cidadão ter sua honra preservada.

Consumado o agravo, nasce o direito de resposta, que tem efeito de um desagravo. "A resposta é um desagravo"(2).

Difícil se apresenta para o juiz o deferimento do direito de resposta àquele que se diz ofendido em sua honra subjetiva. Até que ponto essa interferência do julgador é permitida? CRETELLA JÚNIOR, em seus Comentários, já citados, leciona: "Não interessa o conteúdo ou o sentido do artigo, crítico ou elogioso, citando dados exatos ou não, porque o direito de resposta nasce no momento em que alguém é descrito, no artigo, sendo o criticado o único juiz da oportunidade ou conveniência de exercer o direito de resposta, desde que seu nome foi citado"(3).

Creio que nesses momentos o julgador deve usar seu tirocínio para aferir essa conveniência, o grau de ofensa, para sentir se ali não está uma mera leviandade, uma honra exageradamente sensitiva. Especificamente sobre esse problema assim se pronunciou, em voto, o então Ministro VILLAS BOAS, do TSE:

"Entendo, por isso, que eventuais considerações a propósito desse ou daquele candidato, ainda que mediante linguagem enfática ou mesmo mais dura, mas que se situem dentro de níveis toleráveis, em campanha eleitoral como a que se trava no momento, não podem ser equiparadas a ofensas, para fins de aplicação do referido preceito"(4).

Vamos a um exemplo. Um candidato de nome José Murilo é alvo de ironias pelo seu adversário que o trata no programa eleitoral por "Zé". Alterna acusações e críticas com a expressão "e agora Zé?" . No outro dia, o candidato pede desagravo por considerar o tratamento de Zé como ofensivo à sua honra, pela insistência e tonalidade empregadas pelo adversário. Houve injúria? Seria válido esse julgamento do próprio ofendido sentindo-se injuriado?

Não resta dúvida, diz o mestre DARCY ARRUDA MIRANDA, que o juiz da oportunidade, necessidade ou interesse da resposta é o acusado ou atingido pelo escrito que lhe possa ocasionar dano patrimonial ou moral, seja ele pessoa natural ou jurídica, mas - adverte o autor - esse direito não é indiscriminado nem absoluto como pretende CHASSAN, porque está condicionado por certas regras cuja inobservância acarretará a sua ineficácia(5).

SERRANO NEVES contribui para o esclarecimento do tema com a seguinte lição: " O direito de resposta, como se percebe, não é um instrumento banal, a serviço de vaidades, melindres, segundas intenções ou discussões sem causa. Há de ser usado com parcimônia e renovada prudência, até mesmo porque, notadamente em relação ao homem público, a imprensa goza, em geral, de maior dose de liberdade. O interesse público, com efeito, reclama dos órgãos de divulgação o exame dos atos e das atitudes de tais individualidades"(6).

3. 1. Direito de Resposta como Direito Fundamental

O direito de resposta mereceu, em nosso ordenamento jurídico, o prestígio de sua constitucionalização, alinhando-se entre os direitos fundamentais da pessoa humana, conforme está no artigo 5º, V, da CF: É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

CELSO RIBEIRO BASTOS observa que pela amplitude com que foi tratado o tema, em nossa Constituição, o direito de resposta deve ser assegurado em quaisquer de suas manifestações, seja na imprensa falada, escrita, televisionada ou, até, numa assembléia(7).

Da dicção do texto constitucional percebe-se que o direito de resposta surge de um agravo, notadamente um agravo que atinja a honorabilidade do ofendido, sua auto-estima e sua respeitabilidade na comunidade.

A Constituição da República Portuguesa, ao tratar da liberdade de expressão e informação, assegura o direito de resposta "em condições de igualdade e eficácia" ( art. 37, nº 4). Nesses termos, aponta para dois fatores intrínsecos ao exercício do direito de resposta: a proporcionalidade e a eficácia da reação, capaz de inibir os efeitos desgastantes à honra, à imagem, ao nome e à reputação do ofendido.

Nessa mesma orientação e como acréscimo à força constitucional do direito de resposta, o artigo 14 do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana Sobre Direitos Humanos) traz a seguinte redação:

Art. 14. Direito de retificação ou resposta

1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.

2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.

3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.

Apenas para informação, esse Tratado foi referendado pelo Congresso Nacional em novembro de 1992, obtendo, por conseguinte, eficácia no nosso ordenamento legal, ex vi do art. 5º, § 2º, da CF.

3. 2. O Direito de Resposta nas Leis Eleitorais

Nosso Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) assegura o direito de resposta a quem for injuriado, difamado ou caluniado, através da imprensa, rádio, televisão ou alto-falante (art. 243 § 3º). Esse direito vem sendo assegurado em todas as "leis do ano" e pelas resoluções do TSE que tratam de instruções sobre a propaganda eleitoral.

A Lei nº 9.100, de 29.09.95, traz em seu artigo 66 a previsão geral sobre o direito de resposta:

Art. 66 . A partir da escolha de candidatos em Convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação, atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

A comparação desse texto com o da Lei nº 8.713, de 30.09.93, que regulamentou as últimas eleições, constata um aperfeiçoamento em sua redação e alcance. No art. 68 da referida lei, lia-se o seguinte: "A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o exercício do direito de resposta ao partido, coligação ou candidato atingido por afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa praticada nos horários destinados à programação normal das emissoras de rádio ou televisão".

A normatização atual ampliou o alcance do direito de resposta para alcançar inclusive as formas indiretas de ofensas, como exibição de imagem ou declarações caluniosas, difamatórias e injuriosas. E mais: alcançou, também, as afirmações "sabidamente inverídicas difundidas por qualquer veículo de comunicação social".

Essas afirmações inverídicas são constantes no período de propaganda eleitoral, com resultados, às vezes, irreversíveis para o candidato prejudicado. A prática de difundir veleidades e versões mentirosas de fatos ocorridos é o ápice da falta de ética no debate eleitoral. É o momento que denota o desespero do candidato que se sente derrotado e apela para os mais sórdidos meios ao seu alcance. Aqui é quando a Justiça Eleitoral deveria estar mais alerta e mais fortalecida para reprimir imediatamente esses abusos.

Voltando ao texto da Lei nº 9.100/94, temos que fazer as seguintes observações: a) o momento inicial da legitimidade para pleitear direito de resposta, como candidato, é a partir da escolha em convenção; b) essa legitimidade se estende aos partidos e às coligações.

Ainda sobre o artigo citado, o que se entende por imagens ofensivas? Acredito que são aquelas capazes de levar o candidato ao ridículo, ou por meio de trucagens, montagens ou alguma cena íntima. A exibição de fotos com comentários desairosos pode atingir o decoro e a reputação de um candidato. Por exemplo, nas últimas eleições, em pleno escândalo dos "anões do orçamento", a exibição de fotos de candidatos junto a um deles, em confraternização ou intimidades, foi motivo para muitas insinuações, com o objetivo de envolvimento, de comprometimento daquele candidato com o esquema de corrupção.

Ponto delicado que se impõe distinguir, porque freqüente nas campanhas, é a jocosidade (animus jocandi ) e a ofensa à honra. Às vezes, essa prática denota inteligência arguta no uso de trocadilhos e situações engraçadas de bom gosto. Outras, entretanto, a pretexto dessa intenção jocosa, o ofensor torna-se maledicente, levando o adversário ao ridículo. E o ridículo, como dizia, NELSON HUNGRIA, " é uma arma terrível, pois uma piada malévola pode destruir toda uma reputação"(8). Não devem ser permitidas as piadas de baixo nível, com tons injuriosos, que pretendem ridicularizar o candidato.

A linguagem de uma campanha mostra o nível dos seus candidatos e essa imagem e postura deve ser reclamada pelos eleitores que precisam auferir idéias e projetos dos seus candidatos e não insultos recíprocos.

3. 3. Requisitos do Direito de Resposta

Os requisitos do direito de resposta são determinados pela Lei de Imprensa e pelas leis eleitorais, notadamente as que são promulgadas, no Brasil, para disciplinar as eleições (art. 16, da CF).

Em cada pleito, a jurisprudência e a doutrina vêm avaliando e traçando as balizas do direito de resposta, em contínuo aperfeiçoamento, pois se trata de um tema delicado, que deve ser analisado no contexto em que é reclamado.

Uma análise da orientação jurisprudencial, colhidas em diversos julgados, fornece-nos as seguintes lições:

a. "a honra tutelada, na espécie, é aquela que tem, como referência, as qualidades éticas da pessoa" ( Min. OCTÁVIO GALLOTTI, in JTSE 2/90/155 );

b. "Penso que o direito de resposta reveste excepcionalidades que a Corte não pode deixar de considerar, isto é, esse direito só seria de deferir-se quando as acusações assacadas contra qualquer pessoa, candidato ou não, se revistam de gravidade suficiente para caracterizar uma das três figuras contempladas pelos textos da lei e da Resolução". (Min. VILLAS BOAS, in JTSE 02/90/143 );

c. "Tendo a fala natureza injuriosa, atingindo diretamente a dignidade e a honorabilidade do requerente, é de lhe ser deferido direito de resposta" ( Min. VILLAS BOAS, in JTSE 2/90/1611 - Res. 15.775);

d. " Caracterizada a ofensa à honra subjetiva do representante, é de lhe ser concedido o pretendido direito de resposta" ( JTSE 2/90/172);

e. "Não configurado o teor ofensivo das declarações, nega-se o pretendido direito de resposta" ( JTSE 2/90/156 );

f. "Reconheço que é bastante contundente a declaração recriminada; como, também, que é chocante a exibição daquela cena de uma pessoa agredida. Mas a campanha não pode ser contida, a ponto de não abranger uma ou outra exacerbação" ( Min. BUENO DE SOUZA, in JTSE 2/90/160 - Res. 15.772);

g. "O indivíduo quando entregue a uma campanha eleitoral e pedindo a representação popular, não pode entender como ofensa à sua pessoa, comentários sobre fatos devidamente publicados por órgãos de imprensa e referidos por terceiras pessoas. Tais circunstâncias demonstram a posição em que se encontram os candidatos e não se trata de indivíduos com privacidade a serem defendidos. Pelo contrário, trata-se de cidadãos que colocam suas vidas ao exame dos eleitores" ( Des. LUIZ CARLOS SANTINI - TRE-MS, in Informativo Eleitoral do TRE/MS nº 3/148 ).

4. CONCLUSÃO

Desde a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (arts. 29 a 36), a garantia do direito de resposta vem merecendo mais atenção e sendo usado com freqüência.

Pelo alcance que chegou o poder da imprensa hoje, ratificar o direito de resposta como direito fundamental do cidadão foi uma decisão elogiável dos nossos constituintes.

Exercido prontamente, o direito de resposta pode minorar os abusos que os candidatos e os meios de comunicação cometem em cada pleito.

Ao lado da Lei de Imprensa e, especificamente a chamada "lei do ano", em matéria eleitoral, a jurisprudência e a doutrina tem contribuído para estabelecer os requisitos para a concessão do direito de resposta. Esses requisitos giram em torno da necessidade de proteger a personalidade dos candidatos, buscando resguardar sua imagem e evitando prejuízos irreparáveis.

Não pretende a Justiça Eleitoral coibir a liberdade de pensamento dos candidatos, mas garantir os princípios democráticos da disputa eleitoral, cobrando a responsabilidade de cada cidadão para a preservação desses valores.

Não há dúvida de que o direito de resposta é uma defesa legítima a serviço do cidadão para exercê-la com proporcionalidade à ofensa, sempre que for ofendido em sua honorabilidade.

Notas:

(1) BARRETO, LAURO. Escrúpulo & Poder: o abuso de poder nas eleições brasileiras. Bauru (SP): Edipro, 1995.

(2) CRETELLA JÚNIOR, J. Comentários à Constituição de 1988, vol. 1. Rio: FU, 1992, p. 213

(3) Id., ibid.

(4) JTSE 02/90/143

(5) MIRANDA, DARCY ARRUDA. Comentários à Lei de Imprensa. 2.ed. S.P.: ERT, Tomo 2, 1994, p. 541

(6) NEVES, SERRANO. Direito de Imprensa. S.P.: Bushatsky, 1972, p. 230

(7) BASTOS, CELSO RIBEIRO, MARTINS, IVES GANDRA. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2º vol. 1989, p. 46

(8) NEVES, SERRANO. ob. cit. p. 209
 
 

Fonte: CD-ROM Juris Síntese: legislação e jurisprudência. n.º 15 – jan-fev/99.