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Infrações e delitos eleitorais

                                                                                                  

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

*Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.

 

 

 

Este artigo de caráter eminentemente jurídico, - preparado antes das eleições de 1º de outubro para publicação apenas após o 1º turno, a fim de não ser utilizado politicamente - objetiva esclarecer a meus poucos leitores o conteúdo da lei eleitoral e as possíveis implicações dos escândalos da compra de um “dossier” por colaboradores do Presidente da República e filiados ao PT.

 

É que a tentativa de compra de “dossier” para incriminar o candidato Serra não deve ter a sua solução nas urnas, mas nos Tribunais. Estes (TSE e STF) é que deverão decidir, à luz das investigações, dos fatos e do Direito aplicável.

 

Dois dispositivos legais parecem-me ser aqueles que serão utilizados pelos magistrados superiores para analisar a ocorrência ou não de infrações e delitos: no caso das infrações, com aplicação de sanções como eventual cassação de registro ou diplomação, se os candidatos já tiverem sido diplomados, ou não diplomação, se o julgamento lhe for anterior; na hipótese de delitos, com aplicação de penas de reclusão de até 4 anos e o pagamento de cinco a quinze dias-multa.

 

São eles, respectivamente, o art. 41A da lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, com a seguinte dicção:

Art. 41-A Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990.

e o art. 299 da lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, do seguinte teor:.

Art. 299, Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

 

O artigo 41-A poderá vir a ser utilizado, se as provas levarem a demonstrar que o enfraquecimento dos candidatos do PSDB (Serra e Alckmin), favoreceriam as candidaturas Mercadante e Lula, sobre facilitar eventual futuro governo do atual Presidente, mediante a conquista de um Estado da importância de São Paulo pelo PT.

 

O dispositivo estabelece que, se o candidato “doar, oferecer, permitir ou entregar” a “eleitores”, “bens ou vantagens de qualquer natureza”, poderá ter o seu diploma cassado.

 

As questões jurídicas que se colocam sobre a interpretação dessa norma são as seguintes: 1) se a expressão “a fim de obter-lhe o voto” reduziria a figura à relação entre o candidato e aquele eleitor “beneficiado”, ou se seu espectro abrangeria “ votos de terceiros”; e 2) se o vocábulo “candidato” deveria ser interpretado como extensivo àqueles que comandam sua campanha.

 

Os entendimentos variam. Para alguns, por se tratar de norma de caráter penal, a interpretação teria que ser restritiva; para outros, ela abrangeria não só o próprio eleitor, mas terceiros, também eleitores.

 

Tenho para mim que seria de profunda ilogicidade se a infração menor –obter voto de um único eleitor, mediante oferecimento de bem ou vantagem- fosse apenada, e não a infração maior, ou seja, atingir, mediante oferecimento e bem ou vantagem, a maioria dos eleitores não participantes da relação espúria. Por esta razão, não entendo desarrazoado adotar a segunda interpretação, punindo a obtenção do voto de mais de um eleitor, mediante o oferecimento de bem a qualquer um deles.

 

Quanto à abrangência do termo “candidato”, creio que é de fácil definição. Toda a campanha política deve ser dirigida por uma equipe sob o comando de um candidato. Se, pretendendo atuar em benefício dele, a equipe agir contra a lei, a culpa “in vigilando” tornará responsável o próprio candidato que a constituiu.

 

Tais considerações, faço-as para mostrar que, quaisquer que sejam os resultados das investigações, quer levem à absolvição do presidente Lula ou a sua condenação, nos Tribunais, a matéria deixou de ser eleitoral e passou a ser exclusivamente judiciária.

 

Apesar de os indícios serem todos contra o Presidente Lula, tenho a esperança de que realmente não esteja envolvido, para que, no caso de reeleição, não ocorra crise de envergadura muitíssimo maior do que a que vivemos, na atualidade. E se, realmente, não for culpado e isso vier a resultar nítido, nas investigações, que, em seu eventual segundo mandato, saiba escolher melhor os seus auxiliares, visto que jamais se viu, na história do Brasil, tantos amigos íntimos e colaboradores do primeiro mandatário envolvidos em tantas infrações e atuando com tamanha irresponsabilidade.

 

A matéria, todavia, deixa agora de ser eleitoral, para ser, exclusivamente, judiciária.

 

 

 

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Infrações e delitos eleitorais. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22786. Acesso em: 20 out. 2006.