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Considerações
acerca da duplicidade de filiação e implicações no registro de candidatura
David Magalhães de Azevedo *
1. A duplicidade de filiação está exaustivamente disciplinada pelo
art. 22 da Lei nº 9.096/95 e pelo art. 36 da Res.-TSE n º 19.406/95, com a redação
dada pela Res.-TSE nº 22.086/05.
2. Por sua vez, a Res.-TSE nº 21.574/2003, alterada pela Res.-TSE
nº 22.085/05, tratou das condutas atinentes ao processamento eletrônico das
informações relativas ao tema em deslinde através do Sistema de Filiação Partidária.
3.Pois bem. Feitas essas ponderações iniciais, impende, antes de
adentrarmos pelo cerne deste estudo, trazermos à colação a redação dos
dispositivos legais supracitados, verbis:
(LEI Nº 9.096/97)
"Art. 22. O cancelamento imediato da filiação
partidária verifica-se nos casos de:
I - morte;
II - perda dos direitos políticos;
III - expulsão;
IV - outras formas previstas no estatuto, com
comunicação obrigatória ao atingido no prazo de quarenta e oito horas da
decisão.
Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve
fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para
cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica
configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos."
(RES. TSE Nº 19.406/95)
"Art. 36. (...)
(...)
§ 5º Constatada a ocorrência de dupla filiação, após
a devida instrução, o chefe de cartório dará ciência ao juiz, que, de imediato,
declarará a nulidade de ambas, determinando comunicação aos partidos interessados
e ao eleitor (Lei nº 9.096/95, art. 22, parágrafo único).
(RES. TSE Nº 21.574/03)
"(...)
Art. 6º (...)
§ 1º Quando a comunicação de que trata o caput for
recebida no cartório após o dia imediato ao da nova filiação, o sistema
alterará a situação da filiação anotada para o partido anterior, que passará
figurar como SUB JUDICE, e gerará comunicação da
ocorrência relativa à duplicidade de filiações, nos termos do Art. 22,
parágrafo único, da Lei nº 9.096/95, a ser imediatamente submetida ao
JUIZ ELEITORAL para decisão, após a INSTRUÇÃO que ordenar."(grifei)
4.A princípio, é relevante observamos que o controle das filiações
partidárias pela Justiça Eleitoral é, dentre um sem-número de outras medidas
protetivas do cidadão, um mecanismo concebido para salvaguardá-lo das manobras
eleitoreiras a que estão sujeitos, o que se dá por variados motivos, inclusive
em razão da prática de odiosas e antidemocráticas condutas dos dirigentes, nem
sempre escrupulosos, dos órgãos de direção das agremiações partidárias.
5.Nesse sentido, em rutilante voto, seguido pela unanimidade do
Tribunal Superior Eleitoral, em sua composição integral, assim sedimentou a
questão o eminente Ministro Néri da Silveira, verbis:
... Não sendo mais tutelados pela Justiça Eleitoral,
como ocorria no regime constitucional anterior, os partidos políticos é que
podem atestar, pela autoridade competente dos seus órgãos de direção, a
filiação do eleitor aos seus quadros. A obrigação de remessa da lista de
filiados ao Cartório Eleitoral é SALVAGUARDA do próprio filiado contra
eventual manobra da cúpula partidária visando alijá-lo... (Acórdão nº
15.384)"
6. Também é possível que determinadas agremiações, não só por
razões politiqueiras, por abjetas manobras eleitoreiras, enfim, interesses
pérfidos ou uma miríade de motivos outros torpes, propositadamente deixem de
excluir de suas relações de filiados cidadãos que tenham efetivamente promovido
regularmente os atos necessários ao desligamento, movidos pela usura, pelo
intento de não sofrerem decréscimo do quantum a que fazem jus oriundo do
Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos - Fundo
Partidário -, já que o art. 38, inciso IV, a Lei n° 9.096/95 [01]
estabelece a divisão desses recursos à medida da quantidade de filiados ao
partido.
7. Impelida pela ganância, é possível que uma agremiação
partidária, não só deixe de excluir de suas relações aquele que pediu
desligamento, como também inclua aquele que jamais se filiou, robustecendo,
assim, seu quinhão do Fundo Partidário, hipótese em que jamais poderia o
cidadão comprovar ter atendido às exigências de requerer junto ao Partido e
comunicar ao Juiz Eleitoral, já que assim nunca procedeu, eis que, se de fato
não era filiado, obviamente não teria razão para proceder como se efetivamente
fosse.
8. Enfim, nessa seara, tudo é possível, inclusive nada.
9. Observe-se que estamos a discorrer sobre a Lei nº 9.096/95, que
versa sobre "partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º,
inciso V, da Constituição Federal" - como expressamente o diz sua
ementa -, e resoluções do e. TSE que a regulamentam.
10.A Lei nº 9.504/97, conhecida como Lei Geral das Eleições,
dispõe, entre outras matérias, sobre as candidaturas e as condições necessárias
para deferimento dos pedidos respectivos, e impõe, além de outras, a condição
inerente à filiação partidária, apenas e tão-somente filiação partidária, isto
é, não se presta a normatizar a validade da filiação partidária,
tema que, como salientado alhures, é regulado pela Lei nº 9.096/95.
11.Então, fácil ver que, conquanto bastante tênue a diferença, uma
coisa é a filiação partidária, outra é a duplicidade de filiação.
12.A duplicidade de filiação, quando atribuída ao cidadão de fato
duplamente filiado, tem uma conseqüência inquestionável, eis que expressamente
prevista na lei e no regulamento: é a anulação de ambas.
13.Entretanto, não é ato automático, algo que a máquina possa
fazer pelo homem. Impõe-se, consoante as imposições do e. TSE, após a
"máquina" detectar a possível irregularidade, e alterar a situação do
filiado para "sub judice", a geração de uma
comunicação, que deverá ser "imediatamente submetida ao JUIZ
ELEITORAL para decisão, após a INSTRUÇÃO que ordenar.
14.Observe-se que NÃO basta a máquina simplesmente
detectar um suposto vício e pronto, anuladas estarão as filiações em
duplicidade, triplicidade, multiplicidade...; não, decerto que não.
15.O sistema jurídico vigente determina seja o caso submetido ao
Juiz Eleitoral de 1º Grau, detentor do juízo natural para processar e decidir
questões que tais; único, portanto, com a imprescindível competência, o qual,
somente após ordenar a pertinente instrução, estará apto a decidir.
16.E não se diga que, como a anulação de ambas as filiações é ato
declaratório, tal nulidade prescinde da decisão do juiz originariamente
competente, sob pena de se reconhecer como absolutamente desnecessário o
procedimento previsto na Res.-TSE nº 21.574/03.
17.E se prevalecer essa concepção – a desnecessidade da decisão do
juiz de 1º grau –, aí daqueles que integram os pólos passivos de ações
DECLARATÓRIAS de paternidade, uma vez, além de terem de pagar a famigerada
pensão alimentícia, ainda padeceriam nas profundezas abissais da perplexidade e
da insegurança, eis que estariam sujeitos à múltipla jurisdição simultânea, e
todo juízo, de qualquer grau de jurisdição, poderia se arvorar como apto a
julgar tais ações, já que delas só decorem declarações. .. ; e, por estranho
que possa parecer, o preceito contido na alínea a do art. 265 [02]
do Código de Processo Civil acerca das questões prejudiciais também seria letra
morta, e nenhum processo seria mais suspenso por tal razão, já que o juiz que
se deparasse com questão do gênero a julgaria de plano, mesmo que não tivesse
competência originária para tanto.
18.Ora, se há a necessidade de DECISÃO, é evidente
que, enquanto essa não sobrevier, o cidadão gozará de filiação válida
sub judice, nada obstante a "máquina" acuse duplicidade,
ou mais filiações, pois, reiteramos, a orientação jurisprudencial do e. TSE
recomenda seja o candidato julgado consoante a sua situação no momento do
julgamento do registro.
19.E há uma razão lógica para que o e. TSE tenha resolvido
instituir esse iter procedimental, qual seja, assegurar, em consonância
com que preceitua o art.5º, inciso LV, da Lex Fundamentalis, a
possibilidade de o cidadão envolvido na pendência, bem como os partidos
interessados, exercerem o mais amplo direito de defesa, com a fiel observância
do due process of law.
20.Essa oportunidade de defesa, aliás, é, num primeiro instante,
"assegurada na instrução ordenada pelo Juiz" e,
num segundo, depois de decidida a questão (Res.-TSE nº 19.406, art. 36, § 5º, in
fine), medida que parece dar o máximo de eficácia a tão importante e
salutar princípio de envergadura constitucional.
21.Não asseveramos que após a decisão do Juiz natural, obedecido o
devido processo legal, mesmo havendo recurso, hipótese que também se conceitua
como sub judice, deva ser deferido o pedido de registro, já que,
aí, incidiria o art. 257 [03] do Código Eleitoral, isto é, não
haveria efeito suspensivo e deveria prevalecer a decisão do magistrado de 1º
Grau, isto é, não haveria filiação partidária, tampouco duplicidade, mas
efetivamente nenhuma filiação, já que ambas estariam anuladas, exceto
se obtida medida cautelar concessiva desse extraordinário efeito.
22.Falamos, sim, da situação sub judice gerada pelo Sistema
de Filiação Partidária, aquela em que sequer foi formalizado o procedimento
previsto no art. 6º, § 1º, da Res.-TSE 21.574/03, supratranscrito.
23.E não pode prevalecer o argumento segundo o qual no processo de
registro de candidatura é assegurado ao candidato o direito de provar a
inexistência de duplicidade, de provar a validade de sua filiação.
24. Sendo competência do Juiz Eleitoral da Zona em que estiver
inscrito, é direito público subjetivo desse candidato ver-se processar e ser
julgado pelo juiz natural, sob pena de subversão da ordem legal e, não
bastasse, também constitucional, uma vez que a Carta Política cuidou de
estatuir tal garantia, de forma que resta inferirmos que essa prova tem de ser
produzida perante o Juiz Eleitoral de 1º Grau e no PROCESSO ESPECÍFICO
tendente à solução da DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO.
25. Não pode vingar a idéia de que, sendo questão de ordem
pública, a duplicidade de filiação poderia ser reconhecida pelos
Tribunais Regionais Eleitorais. E não pode por duas evidentes razões: 1ª -
porque duplicidade não se enquadra no conceito de questão de ordem pública e;
2ª - porque, mesmo se considerada como questão de ordem pública, essa só
poderia ser apreciada em qualquer juízo ou grau de jurisdição quando o caso
estivesse submetido ao crivo respectivo mediante a interposição do pertinente
recurso, jamais originariamente, como sói acontecer, de forma que
"qualquer juízo ou grau de jurisdição" só pode se manifestar após
instaurada regularmente a instância, via de regra pela interposição de recurso.
26. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA, segundo a melhor
doutrina, é aquela cuja importância – para a regularidade processual –
proporciona ao Judiciário a autoridade para manifestar-se, ainda que silentes
as partes a respeito nas razões de recurso, ou seja, a expressão
"ordem pública" está relacionada à regularidade processual.
Entendem-se, assim, por questão de ordem pública, todas as matérias de
interesse de toda a sociedade, situadas acima das disposições dos sujeitos de
uma relação jurídica, devendo ser, assim, analisadas de ofício pelo órgão
jurisdicional, independentemente de qualquer pedido expresso das partes de uma
relação processual, conforme a competência estabelecida para cada fase
processual.
27. Também podem ser consideradas as questões assim definidas
expressamente em lei e, ainda, aquelas relacionadas ao controle concentrado de
constitucionalidade, vertente sobre a qual deixamos de discorrer por não ter a
devida afinidade com os lindes do presente estudo.
28. Nada obstante que enfatizado no item anterior, as questões de
ordem pública estão, em numerus clausus, previstas no art. 267, incisos
IV, V e VI e § 3º, e reforçadas pelo art. 301, inciso I a VIII e X a XI, todos
do Código de Processo Civil, a saber: a) pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo; b) perempção, litispendência ou
de coisa julgada; c) condições da ação, como a possibilidade jurídica, a
legitimidade das partes e o interesse processual.
29. Fixadas essas premissas, cumpre observar que a duplicidade de
filiação, ou melhor, a inexistência de filiação, pode ser objeto de impugnação
ao pedido de registro de candidatura, cuja legitimação está jungida aos
candidatos, partidos políticos, coligações e Minisitério Público, ou seja,
tanto não é de ordem pública, tanto não há interesse de toda a sociedade que a
própria legitimação para a propositura de litígios foi limitada pelo
legislador.
30. Como já salientado, e mesmo se num hercúleo esforço
concebêssemos tal questão inserida no conceito de ordem pública, mesmo assim os
Tribunais não poderiam dela conhecer originariamente, dada a evidente incompetência,
que é absoluta, de forma que, conquanto não suscitadas questões que tais só
poderiam ser objeto de julgamento nos TREs após a prévia decisão do juiz
competente e, ainda, se houvesse o recurso adequado.
31. A contrario sensu, não só os TREs poderiam conhecer
originariamente das questões atinentes à Duplicidade de Filiação, como também o
e. TSE e até mesmo o c. STF, já que são de ordem pública, o que não faz
qualquer sentido, máxime quando atentamos para o fato de que até mesmo
em sede de Recursos Especiais ou Extraordinários tais questões só podem ser
apreciadas ser tiver havido no julgamento recorrido o devido prequestionamento,
isto é, as verdadeiras questões de ordem pública, nada obstante o CPC afirme
que possam ser apreciadas em julgadas em qualquer tempo e grau de jurisdição,
encontram esse intransponível obstáculo.
32.O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, por decisum que
se reveste de todas as condições para ser considerado um azimute perfeito, um
caminho a ser seguido sem hesitação, dadas a judiciosa forma em que redigido e
a irretocável justeza de sua conclusão, merece ser trazido à colação. Trata-se
do recentíssimo Acórdão nº 4.556, de 06/04/2004, por meio do qual, à
unanimidade de votos, consolidou-se o seguinte entendimento, verbis:
"(...)
3. Caso questão referente a um dos requisitos da
candidatura esteja sub judice, o registro deve ser deferido ou
indeferido de acordo com a situação do candidato naquele momento, mesmo que
tenha havido recurso, porque apelos eleitorais, em regra, não têm efeito
suspensivo..."
33.Por conduto do referido Acórdão, o e. TSE julgou Agravo de
Instrumento contra decisão que negou seguimento a Recurso Especial que, por sua
vez, foi manejado em face de decisão do TRE/SP onde se cancelou registro de
candidatura em razão de decisão trânsita em julgado em distinto
processo de duplicidade de filiação, ou seja, havia dois processos: um
de registro, outro de duplicidade. O de registro foi indeferido porque a
duplicidade havia sido reconhecida no processo próprio, e a respectiva decisão
havia transitado em julgado.
34.Na hipótese objeto deste estudo não falamos, como já
salientado, em situação sub judice decorrente da interposição de recurso
contra decisão que julgou duplicidade. Não, efetivamente não.
35. Discorremos sobre a situação sub judice gerada pelo
Sistema de Filiação, dissociada de qualquer processo específico ou de decisão
do magistrado competente, caso em que, no momento do julgamento do pedido de
registro, ainda não há decisão sobre a duplicidade, estando o candidato com
mais de uma filiação, situação que, embora tenha o condão de implicar a
anulação de ambas as filiações, ainda não operou tal efeito, de forma que deve
prevalecer o entendimento do e. TSE, em face do qual "caso questão
referente a um dos requisitos da candidatura esteja sub judice,
o registro deve ser DEFERIDO ou indeferido de acordo com a
situação do candidato naquele momento".
36.Note-se que, em rota irreversível de colisão, de um lado
encontra-se a capacidade eleitoral passiva, o direito constitucional de o
cidadão brasileiro poder ser votado, seu jus honorum, direito inerente
ao status civitatis, e que está insculpido com letras indeléveis na Lei
Maior; do outro lado, uma legislação infraconstitucional de péssima redação,
regulada por ato normativo emanado do e. TSE, sempre passível de modificações
(sem qualquer alteração da Lei regulada), tanto que se encontra, o ato
regulado, multiplamente retalhado, o que se explica pela constante alteração da
composição mista daquela c. Corte Superior.
37.Então, por amor e respeito à Constituição Cidadã - lei
fundamental da República -, e por indissociável apego ao basilar princípio da
sua Supremacia, somos forçados a crer que deva prevalecer, em todo e qualquer
julgamento, a interpretação que lhe dê a maior eficácia; na hipótese em estudo,
mais ainda deve ser assegurado ao cidadão o direito de votar e ser votado, já
que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, para que possa,
só assim, exercer em toda a plenitude a capacidade política assegurada pela Lei
Maior.
38.Tendemos, pois, a pender para o conteúdo, mesmo em detrimento
da forma, que dirá quando nem mesmo a forma seja violada – como no objeto deste
estudo!
39.Abro aqui um parêntese para afirmar que, em nossa óptica,
parecem escancaradamente NÃO-RECEPCIONADOS pela Constituição Federal os
dispositivos do Código Eleitoral e INCONSTITUCIONAIS aqueles das Leis nºs
9.504/97 e 9.096/95, que outorgam poderes de regulamentação ao e. TSE, já que,
por expressa previsão inserida no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal
de 1988, apenas ao Presidente da República, e privatimante, é concedido tal
poder. Convém conferir, verbis:
"Art. 84. Compete privativamente
ao Presidente da República:
(...)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;"
40.Ora, sendo as leis eleitorais espécies do gênero "lei
federal", e sendo essas sujeitas à regulamentação privativa do Presidente
da República, nos termos da Constituição Federal, não poderia uma lei anterior,
o Código Eleitoral, tampouco as posteriores, Leis nºs 9.096/95 e 9.504/97,
conferir a qualquer outra autoridade, ou órgão, poder que CF/88 conferiu PRIVATIVAMENTE
ao Presidente da República.
41.De lege lata, só o Presidente poderia regulamentar a Lei
Eleitoral; de lege ferenda, todavia, seria razoável que fosse mesmo o e.
TSE o escolhido para tal missão, nada obstante se possa enquadrar como no
mínimo estranho cometer a um mesmo órgão do Estado as atribuições de legislar,
administrar o processo eleitoral e julgar os litígios respectivos, ou seja,
conferir a um órgão do Poder Judiciário competência para agir, simultaneamente,
como Poder Executivo, Legislativo e Judiciário!
42.Mas isso desborda das finalidades deste estudo.
Finjamos, pois, que as resoluções do e. TSE são válidas, que não padecem de
vício algum de forma, e tornemos ao tema inicial.
43.Façamos um breve resumo:
a) a Lei Eleitoral, regulada pelo e. TSE, impõe a necessidade de DECISÃO
do Juiz Eleitoral de 1º Grau nos procedimentos atinentes à Duplicidade de
Filiação, estando o filiado envolvido automaticamente incluído, mesmo antes de
ser inaugurado aquele procedimento, na situação SUB JUDICE;
b) antes de decidir, deve o magistrado ordenar seja feita a
pertinente INSTRUÇÃO, de forma a assegurar ao cidadão interessado o sagrado
direito de, observado o devido processo legal, e perante o juízo competente, o
exercício do mais amplo direito de defesa e seus consectários;
c) antes desses passos prévios, estará o cidadão com duas, três ou mais
filiações válidas, eis que válidas são até que seja impingida a conseqüência, a
sanção legal, que é a anulação de todas, isso se efetivamente estiverem
maculadas pela irregularidade a que se refere o art. 22 da Lei nº 9.096/95 o
que, até ser exarada a indispensável DECISÃO, é no máximo dúvida e, em caso de
dúvida, deve-se consagrar o direito do cidadão, pois a sua exclusão do processo
eleitoral é exceção, e como tal deve ser tratada.
44.A questão se torna mais grave quando constatamos que, segundo a
Res.-TSE nº 22.156/06, que dispõe sobre o registro para as eleições 2006, os
candidatos foram dispensados do ônus de apresentar as certidões eleitorais,
entre elas as relativas à filiação partidária. Verbis:
"Art. 26. Os requisitos legais referentes à filiação
partidária, domicílio e quitação eleitoral, e à inexistência de crimes
eleitorais serão aferidos com base nas informações constantes dos bancos de
dados da Justiça Eleitoral, sendo dispensada a apresentação dos documentos
comprobatórios pelos requerentes (Lei nº 9.504/97, art. 11, § 1º, III, V,
VI e VII)."
45.Em face desse dispositivo, os candidatos que eventualmente
estivessem envolvidos em duplicidade de filiação, todos ou quase todos, só
tomariam ciência dessa pendência após serem notificados, isso no curso do
processo de registro de candidatura, não no específico da duplicidade.
46. Além disso, a prova da apartação partidária muitas vezes
poderá ser simplesmente impossível. Imaginemos um caso hipotético, mas
possível:
a)determinado cidadão, no dia 16/08/1996 tenha apresentado
requerimento de desligamento junto ao diretório municipal do Partido X e, no
dia imediato, feito a pertinente comunicação ao Juiz Eleitoral competente, e
que, nada obstante esse exaustivo cumprimento da legislação de regência, nem o
dito Partido X o excluiu de sua relação de filiados, nem o servidor do Cartório
Eleitoral fez o devido registro no sistema apropriado.
b)esse candidato jamais se candidatou e, portanto, não teve necessitado
de obter da Justiça Eleitoral qualquer comprovante de filiação.
c)entretanto, resolveu concorrer nas Eleições 2006 e, no curso do
processo de registro de candidatura, tomou conhecimento dessa aparente
irregularidade de que contra si pendia vício consistente em duplicidade de
filiação.
47. Nesse caso hipotético, fácil concluir que, nada obstante tenha
o cidadão cumprido suas obrigações, em razão de omissão de servidor da Justiça
Eleitoral e do Partido X, a que outrora estava filiado, agora não poderá
exercer o constitucional direito de ser votado, já que, passados 10 (dez)
longos anos, não terá como comprovar o escorreito desligamento, pois não seria
mesmo razoável e tampouco atenderia aos imperativos do princípio da segurança
jurídica que, graças a um inominável e inexorável zelo, tivesse tal cidadão
guardado os respectivos comprovantes, pois isso não é o que ordinariamente
acontece, nem mesmo com as pessoas mais compulsivas no que concerne à
precaução.
48. Aliás, as pessoas comuns não têm tamanho cuidado sequer com
comprovantes de pagamentos de débitos, deslize que pode até implicar nova
cobrança, quanto mais com simples comunicações a partidos políticos, mormente
quando agravada a situação pelo implacável decurso do tempo.
49.Fácil perceber, assim, que seriam irreversivelmente
prejudicados e teriam suas defesas irrefutavelmente conturbadas, senão
inviabilizadas, o que não se coaduna com os princípios da ampla defesa, da
segurança jurídica e da razoabilidade.
50.Nesse sentido, pondo uma par de cal na questão, o e. TSE sequer
conheceu do Recurso Especial agitado contra Acórdão do e. TRE/PI, consoante
decisão do festejado Ministro Fernando Neves, cuja ementa segue abaixo
transcrita:
"Trata-se de recurso contra decisão do eg.
TRE/PI que manteve sentença que DEFERIU a candidatura de Cláudia
Marinho da Silveira, ao cargo de Vereador do Município de Chapada da Areia-TO.
O aresto regional restou assim ementado (fls. 64):
‘EMENTA: REGISTRO – DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO
PARTIDÁRIA – FALTA DE CONTROLE OPORTUNO PELA JUSTIÇA ELEITORAL.
Compete à Justiça Eleitoral providenciar com
rapidez as providências previstas nos parágrafos do art. 36, da Resolução TSE
19.406/95. Não o fazendo oportunamente não é justo que venha a
fazê-lo quando do pedido de registro de candidatura.
A comunicação de desfiliação ao Partido Político e à
Justiça Eleitoral, ainda que fora do prazo, extingue, para todos os efeitos a
filiação partidária.
Deve prevalecer a manifestação de vontade do eleitor
em manter-se filiado a determinado partido político, quando suas filiações, em
caso de duplicidade, não foram oportunamente anuladas pela Justiça Eleitoral,
principalmente nos casos em que os autos demonstram claramente a militância em
determinada agremiação, em detrimento daquela que caiu em desuso.
Por unanimidade’
(...)
A decisão recorrida entendeu que a comunicação, ainda
que fora do prazo, impede a declaração de nulidade das filiações, mormente
porque o Cartório Eleitoral não verificando a existência da duplicidade, não
procedeu como determinado no § 1º do art. 36 da Resolução nº 19.406/95.
Entretanto, o recorrente apenas alega a falta de
comunicações tempestivas, deixando de atacar o fundamento que diz com a
impossibilidade de se declarar a nulidade das filiações em sede de pedido de
registro, se a duplicidade não tiver sido detectada e declarada pela
própria Justiça Eleitoral.
Ante o exposto, não conheço do presente recurso
especial, com base no art. 36, § 6º do art. 36 do RITSE.
Brasília, 25 de Setembro de 2000
Ministro FERNANDO NEVES, Relator"
(TSE. RESPE nº 17706)
51. Em derradeiras considerações, consignamos que toda a lei
eleitoral sempre tende a prestigiar o cidadão até o trânsito em julgado de
decisão judicial que estabeleça o contrário. É o caso daquele que, perante o e.
TCU teve oportunidade para o exercício da mais ampla defesa e, nada obstante,
foi condenado, em favor do qual basta uma singela protocolização de ação
perante a Justiça Federal para afastar a inelegibilidade (Súmula 1 do e. TSE);
outro pratica homicídios em série, mas só é inelegível após o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória; outro é julgado inelegível pela Justiça
Eleitoral por infame captação ilícita de votos, abuso de poder econômico,
políticos etc. e, mas mais uma vez, pode concorrer livremente até o trânsito em
julgado, além de outra infinidade de hipóteses espraiada na legislação.
52. Diante desse quadro dantesco, não nos parece razoável que uma
simples e muitas vezes apenas aparente duplicidade de filiação possa alijar o
candidato do pleito eleitoral, notadamente porque, como registrado nas
primeiras linhas deste estudo, o controle da Justiça Eleitoral sobre as
filiações partidárias foi concebido para resguardar o direito do cidadão,
motivo por que jamais poderia ser interpretado de forma diametralmente oposta,
em prejuízo daquele que deveria ser protegido, o que, às escâncaras, contraria
a aristotélica teleologia da norma.
53.Em razão de todo o exposto, entendemos, humildemente, que: 1º -
só e tão-somente ao Juiz Eleitoral de 1º Grau cabe processar e julgar os feitos
relacionados à Duplicidade de Filiação Partidária; 2º – só após decisão exarada
pelo Juiz competente que anule ambas as filiações pode ser o cidadão
considerado não-filiado; e 3º - até que sobrevenha tal decisão, o cidadão
possui duas ou mais filiações válidas; 4º - não é possível, no processo de
registro de candidatura, ser julgada a questão da duplicidade de filiação, sob
pena de flagrante usurpação de competência e, por conseqüência, ao arrepio da
Constituição Federal, que impõe a fiel observância do devido processo legal,
princípio de envergadura constitucional do qual deflui o direito público do
cidadão de ser processado e julgado pela autoridade previamente fixada pela
legislação como devidamente competente.
Notas
01"Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira
aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por: (...) IV -
dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número
de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta
orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real,
em valores de agosto de 1995."
02Art. 265.Suspende-se o processo: (...) IV-quando a sentença
de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da
existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto
principal de outro processo pendente;
03 Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito
suspensivo.
* Analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral
de Alagoas.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8854>. Acesso em: 15 set. 2006.