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A
judicialização da política e o ano eleitoral
Janine Malta Massuda *
Ano eleitoral é repleto de notícias: candidatos, gastos de campanha,
pesquisas eleitorais, debates, propagandas, etc. Nesta eleição, as discussões
acaloradas se iniciaram cedo e já foram levadas aos tribunais.
Refiro-me mais precisamente à polêmica sobre a verticalização que,
apesar de já estar devidamente consolidada, após posicionamento do Supremo
Tribunal Federal, revelou uma interessante – mas não inédita – judicialização
da política.
A judicialização, com base na doutrina especializada a respeito,
valendo-se dos ensinamentos de cientistas políticos como Alec Stone, Vallinder,
Tate, Donald Kommers [01], pode ser contextualizada tanto na
expansão da área de atuação das cortes judiciais com a transferência de
decisões políticas aos tribunais, como na propagação dos métodos judiciais de
decisão para fora das cortes de direitos.
Também se verifica em processos políticos nos quais a jurisprudência
constitucional se torna paradigma do processo decisório, uma vez que a ameaça
de futuros vetos ou censuras judiciais, com base nos preceitos constitucionais,
direciona ou mesmo é capaz de alterar os resultados legislativos.
Mas qual seria a relevância deste fenômeno para as eleições? A
pergunta, a princípio, pode levar à seguinte sugestão: nem sempre as questões
políticas estão revestidas de discussões eleitorais (pelo menos, é desejável
que não o estejam), mas certamente as eleições estão imbuídas essencialmente de
política.
É interessante, portanto, notar o traço presente na vivência brasileira
da judicialização da política, principalmente quando a relação e o limite entre
os três poderes ficam tão sensíveis, como notoriamente ocorre em ano eleitoral.
Com efeito, a Constituição de 1988 aumentou a demanda por justiça na
sociedade brasileira e ampliou o exercício da jurisdição constitucional. Com a
constitucionalização, o aumento por demandas na justiça e o desempenho de um
papel político do Poder Judiciário, verificou-se a judicialização de questões
políticas e sociais que passaram a ter nos tribunais a sua instancia decisória
final.
No episódio da verticalização, o STF evidenciou sua vocação de solucionar
também crises políticas, neste caso, político-eleitorais.
Sem a pretensão de analisar o acerto ou não do posicionamento da Corte,
destaco apenas que o exemplo é interessante, pois releva que mais uma vez o
tribunal foi acionado para se manifestar em questões da arena política.
De fato, no início deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral manteve a
vinculação das coligações partidárias regionais àquelas formadas para eleições
presidenciais, regra esta que deve ser aplicada na eleição de 2006.
O Congresso Nacional, por sua vez e em reação a este entendimento,
promulgou a Emenda Constitucional nº 52 (de 8 de março de 2006) que instituía o
fim da verticalização ainda neste ano. Com a alteração, o §1º do artigo 17
passou a ter a seguinte redação: "é assegurada aos partidos políticos
autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de sus coligações eleitorais, sem
obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional,
estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária".
Contra esta emenda constitucional, foram impetradas ações diretas de
inconstitucionalidade, em que o principal argumento era de que a alteração
desobedecia ao artigo 16 da Constitucional, segundo o qual a lei que alterar o
processo eleitoral somente terá eficácia na eleição que ocorrer até um ano da
data de sua vigência (lembre-se, assim, que a alteração se deu em março do
mesmo ano eleitoral).
O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária de 22.3.2006, no
julgamento da ADIn 3685, impetrada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, por maioria, julgou procedente a ação para fixar que o § 1º, do
artigo 17, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
52, não se aplica às eleições de 2006. Conseqüentemente, remanesce aplicável a
esta eleição a redação original do artigo e a regra da verticalização.
O interessante neste episódio (que não é um caso isolado, mas notável em
face de sua evidente relevância, polêmica e atualidade) é que a emenda
constitucional pareceu representar uma resposta à jurisprudência dos tribunais.
E mais, não obstante o Supremo Tribunal Federal ter função política vinculada
aos limites de observância à Constituição, de onde advém sua autoridade e seu
poder, não se pode deixar de reconhecer que suas decisões têm evidente reflexo
político, já que pautam o comportamento do Legislativo e do Executivo.
É certo, assim, que, mesmo quando o Tribunal se manifesta contrariamente
aos interesses políticos que o suscitaram, a importância que a oposição ou uma
minoria política tiver dispensado ao evento pode alterar a direção do debate
político, razão pela qual Donald Kommers lembra que, em qualquer área em que a
Corte Constitucional é chamada a se pronunciar – até mesmo quando a política
anteriormente adotada é mantida – o Tribunal estabelece regras e pauta de
comportamento do legislador, presente e futuro.
Ou seja, a atuação ostensiva do Poder Judiciário passa a ter papel de
controle de poder e, ao exercer o controle de constitucionalidade, acaba até
mesmo por negar efeito à norma produzida pelo Poder Executivo e Poder
Legislativo. Por conseqüência, não se pode negar que a judicialização da
política amplia a análise pelo Poder Judiciário de questões políticas, não
significando necessariamente que os juízes decidam por critérios políticos.
É no Supremo Tribunal Federal que se decidirá, em caráter final, se uma
lei aprovada pela maioria política, muitas vezes formulada em íntima cooperação
entre o Legislativo e o Executivo, é tecnicamente perfeita e apta a ser
aplicada, pois, acha-se conforme a Constituição, ou se ela é imperfeita e deve
ser suspensa no todo ou em parte, por estar em desacordo com a Constituição.
O Supremo Tribunal Federal acaba se tornando o local em que os partidos
políticos, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o texto constitucional
formam uma intersecção com a produção concreta da política que regra a vida da
Nação.
De fato, considerando o conturbado início do processo eleitoral, pode-se
antever que a judicialização da política já demonstrou ser fenômeno de fácil
percepção e que a disputa eleitoral não estará restrita ao ambiente político,
mas com clara participação do Poder Judiciário.
Nota
01 A respeito do tema, recomendo a leitura de: KOMMERS, Donald
P. The Federal Constitution Court in the German Political System. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p. 470-491, jan. 1994;
TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial Power: the
judicialization of politics. New York: New York University Press, 1995; STONE,
Alec. Judging Socialist Reform: the politics of coordinate construction in
France and Germany. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p.
443-469, Jan. 1994 e SHAPIRO, Martin; STONE; Alec. The new constitutional
politics of Europe. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p.
397-420, Jan. 1994.
* Advogada em Brasília (DF).
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8920>. Acesso em: 15 set. 2006.