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As Forças
Armadas e a garantia da normalidade do processo eleitoral
Carlos Henrique Tavares Mero*
*Coordenador de eleições do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, pós-graduando
"lato sensu"
A Constituição Federal, através da
norma contida no caput do seu art. 142, prescreve que as Forças Armadas
são instituições nacionais com a função precípua de exercer a defesa da Pátria,
de garantir os Poderes Constituídos e, por iniciativa de qualquer destes, de
assegurar a lei e a ordem.
O
cumprimento de tal missão constitucional, contudo, sujeita-se
à disciplina estabelecida pela Lei Complementar nº
97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre a organização, o preparo e o
emprego das Forças Armadas.
Em
específico no que é atinente ao desempenho dessas atividades no âmbito da
Justiça Eleitoral, tem-se matéria expressamente regida pelos arts. 23, inciso XIV, e 30, inciso XII, do Código
Eleitoral, nos quais fica registrado que às Forças Armadas, quando
requisitadas, compete a adoção de medidas capazes de obstar possíveis tensões e
conflitos que fujam ao controle da segurança pública local. O desígnio de sua
atuação, portanto, é o de garantir, com a manutenção da ordem e do respeito à lei,
a coleta dos votos, a apuração dos resultados e a proclamação dos candidatos
eleitos.
Assim
dispõem os citados dispositivos do Código Eleitoral:
Art.
23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
(...)
XIV
– requisitar força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias
decisões ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para
garantir a votação e a apuração;
Art.
30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:
(...)
XII
– requisitar a força necessária ao cumprimento de suas decisões e solicitar ao
Tribunal Superior a requisição de força federal;
Diante,
pois, de tal disciplina, pode-se desde logo concluir:
a)
que se reserva ao Tribunal Superior Eleitoral a
competência privativa para requisitar força federal;
b)
que a requisição será espontânea, isto é, por iniciativa do próprio Tribunal
Superior Eleitoral, quando se tratar de medida que entenda indispensável à
garantia do cumprimento das leis, de suas próprias decisões e da regularidade
dos processos de votação e de apuração;
c)
que a requisição será condicionada, quando ensejada por iniciativa motivada de
Tribunal Regional Eleitoral, para a garantia do cumprimento de suas decisões
ou, também, para a manutenção da observância das leis e da normalidade do
processo eleitoral.
Dessa
forma, não há como falar em requisição de força federal por provocação direta
de partidos políticos, de coligações ou de candidatos. Nada obsta,
de outro modo, que atuem os Tribunais Regionais Eleitorais em razão de
provocações promovidas pelos Juízes Eleitorais, mesmo porque sendo a estes que
incumbe a condução localizada do processo eleitoral, são eles que melhor
possuem condições de avaliar as realidades pontuais que lhes caberá enfrentar.
Releva
destacar as instruções para a requisição de Força Federal postas na Resolução nº 21.843, de 22 de junho de 2004, expedida pelo Tribunal
Superior Eleitoral. De forma esclarecedora, este instrumento normativo não
apenas aponta os fins a que se destina tal utilização das tropas federais, como
também define as pré-condições fáticas concretamente justificadoras da medida.
Quando
houver garantia da manutenção da ordem pela polícia local, é evidente que não
se fará requisição de tropa federal. A intervenção das Forças Armadas, em
conseqüência, é medida de caráter manifestamente excepcional e de adoção
contida, devendo restringir-se às localidades em que efetivamente ocorrer
imperiosa necessidade.
Daí,
também, porque a proposição formulada pelos Tribunais Regionais Eleitorais, em
qualquer hipótese, deverá ser circunstanciadamente
fundamentada para cada localidade onde se pretenda a utilização das forças
federais, expondo-se, exemplificativamente, como motivos determinantes e
justificadores da iniciativa:
a)a demonstrada impossibilidade de manutenção da ordem e do
livre exercício da cidadania, com o estrito emprego das forças locais de
segurança pública;
b)o justo receio de possíveis interferências que prejudiquem
a livre manifestação da vontade do eleitor, em face de ilegítimas condutas de
aliciamento do voto;
c)a imprescindibilidade de providências preventivas e
inibidoras de atos ilegais ou mesmo de fatos que possam comprometer os
trabalhos eleitorais;
d)a existência de veementes indícios que apontem para a
probabilidade de conflitos entre facções políticas locais, em especial durante
o período de culminância do processo eleitoral.
Como
se vê, portanto, os motivos da providência haverão de realmente ser assentados
em circunstâncias efetivas de eventual comprometimento do processo eleitoral,
do livre exercício da cidadania e da tranqüilidade social. Cenário fático,
assim, que verdadeiramente denuncie a fragilidade da ordem e da segurança, de
modo que não é satisfatória a mera alegação de insuficiência do efetivo
disponível dos órgãos ostensivos e locais de segurança, caso inexista qualquer
evidência de que não possa ser reforçado.
Ademais,
também não basta a alegação de apreensão quanto ao
suposto comportamento de determinados integrantes da Polícia Militar no dia do
pleito, sendo imprescindível a contribuição de outros elementos que justifiquem
a justa preocupação revelada, segundo se dá com a falta comprovada de isenção
política, por exemplo, que venha a contribuir para a proliferação de tumultos e
desordens.
O
pedido, por outro lado, deverá relatar os fatos que justifiquem receio de
perturbação dos trabalhos eleitorais. As tensões políticas marcadas por ameaças
de incêndios em prédios públicos, lutas corporais, tentativas de aliciamento de
eleitor e compra de votos são fatos que consolidam a solicitação perante o
Tribunal Superior Eleitoral.
As
circunstâncias que recomendam a requisição das Forças Armadas, enfim, deverão
estar vinculadas a fatos que, notórios, sejam verdadeiramente reveladores de
instabilidade social atual ou iminente e, ainda, de ações que, a par do
afastamento dos princípios éticos prevalentes, façam-se comprometedoras da
ordem pública, especialmente quando descambem para climas ostensivos entre
facções político-partidárias antagônicas, que em alguns casos até resvalam para
atos de flagrante violência, inclusive agressões físicas e mesmo homicídios.
Em
todo caso, é pertinente que a autoridade judiciária atue intensamente, sem a
mínima dúvida, ao impulso de históricos e freqüentes conflitos entre eleitores,
entre candidatos e entre uns e outros, em localidades determinadas, onde se
façam comuns intensas e explosivas tensões políticas. Por manifesto que o fim
objetivado, quando da requisição de forças federais, deverá ser sempre o de
prevenir eventuais exaltações de ânimos e quadros de beligerância tendentes a
inviabilizar a normalidade do processo eleitoral.
Só
no caso, desse modo, em que demonstrada, de forma segura e motivada, a
caracterização de circunstâncias efetivamente justificadoras da medida
excepcional, é que o Tribunal Superior Eleitoral decidirá pela requisição. O
Tribunal Regional, a seu tempo, na hipótese de
aprovação do emprego das tropas federais, promoverá as conseqüentes e
necessárias gestões junto ao Comando competente das Forças Armadas, de forma a
que se viabilizem o planejamento e a mobilização do efetivo que se faça caso a
caso necessário.
Por
tudo isso, fica evidente que a requisição de força federal ocorrerá somente em
caráter excepcional, quando ficar patente que a polícia local indispõe de meios
reais para assegurar a ordem nos trabalhos eleitorais, haja vista que é dever
da Justiça Eleitoral promover os meios necessários à garantia da normalidade
das eleições, com resultados livres de quaisquer vícios e que, de fato,
fielmente revelem a vontade popular.
E
em sendo assim, não resta dúvida de que a requisição de força federal haverá de
ocorrer sempre como providência de índole cautelar, necessária e adequada à
promoção do resguardo da ordem pública, da normalidade do processo eleitoral,
da tranqüilidade social e da preservação do Estado Democrático de Direito.
MERO, Carlos Henrique Tavares. As Forças Armadas e a garantia da
normalidade do processo eleitoral. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8808.
Acesso em 23 de agosto de 2006.