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PERDA E SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS - PERDA E SUSPENSÃO DE MANDATO ELETIVO - INVIOLABILIDADE DE VEREADOR E PARLAMENTAR - IMUNIDADE PROCESSUAL
 
 
 

(Publicada na RJ nº 202 - AGO/94, pág. 119)

Pedro dos Santos Barcelos - PERDA E SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS - PERDA E SUSPENSÃO DE MANDATO ELETIVO - INVIOLABILIDADE DE VEREADOR E PARLAMENTAR - IMUNIDADE PROCESSUAL

Juiz de Direito - Ex-Promotor de Justiça - Prof. de Direito
Processual Civil da Faculdade de Direito de Catalão

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Alcance extraterritorial do princípio da inviolabilidade. 3. Distinção entre inviolabilidade e imunidade. 4. Imprescritibilidade criminal de delitos praticados por parlamentar antes e durante o mandato eletivo. 5. Inexistência de imunidade e de suspensão de prescrição a favor de vereador. 6. Indispensabilidade de processo para apurar fatos que possam ser considerados excludentes de ilicitude pelo princípio da inviolabilidade. 7. Desnecessidade de licença da câmara para processar um de seus membros. 8. Condenação criminal. Suspensão dos direitos políticos e do mandato eletivo. 9. Suspensão e não perda dos direitos políticos com a condenação criminal definitiva. 10. Reabilitação criminal. Reabilitação dos direitos políticos. 11. Auto-aplicabilidade do art. 15 da Constituição Federal. 12. Reaquisição dos direitos políticos em conseqüência de reabilitação criminal. 13. Necessidade de fundamentação da decisão do juiz que decara a perda de mandato eletivo, cargo ou função pública com base no art. 92 do Código Penal. 14. Diferença entre suspensão e perda de mandato eletivo. 15. Aplicabilidade no direito penal e político de normas constitucionais sucessivas. 16. Perda de mandato eletivo em conseqüência da natureza de delitos praticados antes ou durante a vigência da atual Constituição. 17. Extensividade dos efeitos da suspensão dos direitos políticos. 18. Eficácia do trânsito em julgado da sentença penal como garantia dos direitos do cidadão. 19. Desnecessidade e impossibilidade de expressamente constar na sentença condenatória a suspensão dos direitos políticos. 20. Como proceder após trânsito em julgado da sentença condenatória. 21. Quem deve expedir o ato de suspensão de mandato eletivo, cargo ou função pública. 22. Entre crimes dolosos e culposos, penas restritivas de liberdade e de direitos, indistinguibilidade para suspensão dos direitos políticos. 23. Suspensão dos direitos políticos durante a suspensão condicional da pena (sursis), do livramento condicional e do cumprimento das penas restritivas de direitos. 24. Conclusões. 25. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O cidadão, na qualidade de representante de uma parcela da sociedade, no exercício de cargo eletivo, sofre uma transformação em sua posição ideológica, expressa em palavras, gestos e atos.

O legislador pátrio da última Carta-Magna trouxe a lume o que a doutrina e jurisprudência já admitiam e aceitavam como ponto pacífico, mas que era cobrado e reclamado pelo legislador municipal. De maneira expressa registrou, no texto constitucional, o princípio da inviolabilidade do vereador, porém, que só se dará no exercício do mandato e na circunscrição do município. Princípio este que até então era reconhecido, de forma expressa, apenas aos Deputados Estaduais, Federais e Senadores, que neste trabalho denominamos de Parlamentares.

Embora a legislação anterior não registrasse expressamente esta inviolabilidade em benefício do Vereador, como já dito, a Doutrina e a Jurisprudência a reconhecia, em conseqüência da condição de Servidor Público. Por isto era inviolável em suas palavras, gestos, votos e atos praticados no exercício do munus mandamental.

É certo que a Força Revolucionária de 1964, com objetivos escusos e sob pretexto de manter a ordem, a democracia, a moralidade e o poder, desvirtuou o princípio da liberdade de expressão do parlamentar no exercício do mandato eletivo, suprimindo a inviolabilidade e a imunidade. Isto se deu através da EC 01/69, em seu art. 32, contrariando toda a tradição brasileira. Retrocedeu o legislador revolucionário. Ai do Parlamentar ou do Vereador que extrapolasse o campo limitado da liberdade de expressão e caísse em terreno hostil! Estaria cometendo o delito contra a honra e, se parlamentar, não tinha a seu favor o princípio da imunidade.

"A inviolabilidade do parlamentar é necessária, como garantia do cidadão, que ele representa no Legislativo. Surgiu como forma de expressão da vontade popular e confronto com a vontade absoluta dos reis. Objetiva-se, hoje, a possibilidade de crítica de questionamento, pelo Legislativo, enquanto mandatário do povo, dos atos do Executivo e do que ocorre na vida da nação." Dr. JORGE A. PERRONE DE OLIVEIRA, Relator do Acórdão de 04.10.90, da 3ª Câmara Cível do TJRS, Ap. 590036786.

O Constituinte de 1988 reconquistando o princípio da inviolabilidade a favor dos Parlamentares (art. 53, caput c/c o art. 27, CF) deixou expresso o reconhecimento do mesmo instituto a favor do Vereador, através do art. 29, inc. VI, da mesma Carta-Magna. Desfa feita o legislador não fez nenhuma ressalva sobre o extrapolamento do Parlamentar. E ao Vereador, registra o Des. FÁBIO DE ARAÚJO que foi dado a ele "uma liberdade de palavras sem limites". HC 195.848/3 de 23.08.90, da 8ª Câm. do TACRImSP.

"A inviolabilidade estabelecida pelo Constituinte de 1988 visa a assegurar ao vereador condições psicológicas e emocionais favoráveis ao desempenho do seu direito-dever de críticas e fiscalização que é inerente ao parlamentar." Deixou, porém, consignados que os Parlamentares gozam do direito a partir da expedição do diploma, enquanto que os vereadores só após a posse, "no exercício do mandato e na circunscrição do município."

2. ALCANCE EXTRATERRITORIAL DO PRINCÍPIO
DA INVIOLABILIDADE

Pela redação dos dispositivos constitucionais que tratam sobre a inviolabilidade dos Parlamentares percebe que os mesmos estão acobertados em qualquer ocasião e local que possam ser encontrados, quer seja em território Nacional ou no Estrangeiro.

Aos Deputados Estaduais se aplicam os mesmos princípios, como reza o § 1º do art. 27 da CF. Se há constituições estaduais que tenham dado tratamento diferenciado, restringindo a inviolabilidade apenas no território estadual, tem cheiro de inconstitucionalidade porque contraria a Lei Maior Federal.

O legislador agiu sensatamente ao deixar expresso que a inviolabilidade do Vereador só deve ocorrer na circunscrição do território que exerça o munus legislativo e no exercício do mandato. Caso contrário seria deplorável, visto que teríamos uma quantidade muito expressiva de pessoas que estariam fora do alcance do direito repressivo. Muitas delas não estão ou não estariam devidamente preparadas para assim permanecer, ou, nas palavras do Dr. JORGE A. PERRONE DE OLIVEIRA, in op. cit.

"No entanto, o que se vê, como em muitos casos, é o mau uso das prerrogativas. Muitos, mostrando com isso seu despreparo para o exercício do mandato, usam as prerrogativas como um privilégio pessoal, quando a razão de ser do instituto é outra."

Quanto maior é o número de pessoas, maior é a possibilidade de entre elas estar alguém que não faz jus da confiança do Estado e da Sociedade. É por isto que muito bem andou o legislador ao limitar ao Vereador a circunscrição do município e o exercício do mandato.

A circunscrição territorial é possível prorrogar, em ocasião especial, mas o exercício do mandato não. Se o Vereador encontrar além de seu território, em missão de trabalho, devidamente autorizado pela Câmara, pode alegar a inviolabilidade. Caso contrário só na circunscrição do município em que foi eleito.

3. DISTINÇÃO ENTRE INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE

A inviolabilidade não confunde com a imunidade Parlamentar. Esta imunidade se dá no campo do direito processual, enquanto que aquela inviolabilidade faz parte do direito material.

A inviolabilidade é um instituto de excludente de ilicitude que podemos comparar com aqueles tratados pelo art. 25 do atual CP. É ela que garante a irresponsabilidade civil e penal do Parlamentar ou Vereador pelas críticas, denúncias e votos externados no exercício do mandato. É ela que garante o exercício do mandato de forma irrestrita e sem sujeitar aos delitos capitulados pelo CP. Garante também o desempenho de seus trabalhos sem receio, livre de ameaças penais e de censuras. É, portanto, uma verdadeira excludente de ilicitude porque, embora o parlamentar ou vereador use palavra que possa ser crime contra a honra, se está sob o manto da inviolabilidade, nos moldes traçados pela CF, não pratica crime e nem responde civilmente.

A imunidade, reconhecida apenas a favor dos Parlamentares - Deputados (Federais e Estaduais) e Senadores - é uma excludente processual. É por isto que o Parlamentar que a possui, para ser processado, se faz necessário autorização do órgão a que pertence - Câmara dos Deputados - Assembléias Legislativas - Senado. Não interessa, para este instituto, a natureza da ação delituosa que tenha praticado pelo Parlamentar. A inviolabilidade abrange apenas os delitos de opiniões ou os crimes contra a honra. A imunidade exclui ou proíbe o processo que tenha por fim apurar qualquer tipo de delito. Fica o Parlamentar isento de todo e qualquer ato processual que pretenda apurar contra si fatos delituosos. É uma prerrogativa do Parlamentar. Só lhe pertence enquanto estiver investido no cargo para o qual foi eleito. Pelo instituto garante-lhe o direito "de não serem processados por quaisquer crimes, sem a autorização da respectiva corporação, enquanto durar o mandato". HELY LOPES MEIRELLES. "Da Imunidade Parlamentar" - 1955, p. 81.

4. IMPRESCRITIBILIDADE CRIMINAL DE DELITOS PRATICADOS POR
PARLAMENTAR ANTES E DURANTE O MANDATO ELETIVO

Para evitar a impunidade criminal, que não esteja acobertado pelo princípio da inviolabilidade, o Constituinte sabiamente inseriu no § 2º do art. 53 da CF a imprescritibilidade dos delitos praticados antes do mandato eletivo e que não tenham sido julgados, em definitivo, ou que tenham sido praticados durante o mandato, protegido pela imunidade e que não tenha sido dado licença para o processo. Assim ficou redigido o dispositivo:

"O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato."

Pelo princípio da imunidade, o Parlamentar que houver cometido o delito antes de ser diplomado, cujo processo ainda não chegou ao fim, com a expedição do diploma terá a suspensão do processo e também da prescrição da ação penal. O processo prosseguirá ou iniciará logo após a suspensão ou extinção do mandato a que foi eleito. O Parlamentar que for reeleito mantém a suspensão do processo e da prescrição. Pode acontecer que ele, Parlamentar, nunca venha a ser julgado porque seus mandatos sucessivos se extinguirão somente com a morte.

A autorização da corporação, embora seja possível, é difícil de ser conseguida, em conseqüência do princípio do corporativismo existente entre os parlamentares.

5. INEXISTÊNCIA DE IMUNIDADE E DE SUSPENSÃO
DE PRESCRIÇÃO A FAVOR DE VEREADOR

O Vereador, como já dito, não goza da imunidade processual. Por isto não necessita, não é exigível e nem sequer é possível pedir licença à Câmara de Vereadores para que processe um de seus membros. Também não há suspensão da prescrição a favor do Estado como estabelece o dispositivo constitucional citado - § 2º, art. 53, CF. Se o Vereador comete o crime antes de ser empossado, ou se durante o exercício do mandato, o processo deve ter sua marcha normal, até final sentença condenatória ou absolutória.

6. INDISPENSABILIDADE DE PROCESSO PARA APURAR OS FATOS
QUE POSSAM SER CONSIDERADOS EXCLUDENTES DE ILICITUDE
PELO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE

Quando o ato praticado pelo Vereador é daqueles que se enquadra nos crimes contra a honra, ou, usando as expressões da Constituição, "por suas opiniões, palavras e votos", necessário se faz a abertura do processo, seu desenvolvimento e seu julgamento final para que o Poder Judiciário possa dizer se cometeu ou não o delito e se está ou não acobertado pela inviolabilidade. O Vereador não pode arvorar-se de Promotor e de Juiz para dizer que não cometera o crime. O Poder Judiciário é o único órgão competente para dizer se as palavras, opiniões e votos que foram produzidos pelo Vereador, durante o mandato e na circunscrição do município, são lícitos ou delituosos. Isto também se aplica no âmbito dos Parlamentares, só que deve obedecer a imunidade e a imprescritibilidade dos delitos.

Às vezes alguém poderia achar estranho esta posição, mas não há outra a ser adotada. Aplica-se o mesmo princípio adotado pelo CP ao tratar sobre os institutos de Legítima Defesa, Estado de Necessidade e Estrito Cumprimento do Dever Legal. Em todas essas hipóteses não é necessário o processo a fim de ser declarada a excludente de ilicitude? Se reconhecido, portanto, que o ato delituoso, pelas circunstâncias em que foi produzido, foi legítimo, correto e lícito o Juiz absolverá o Parlamentar ou o Vereador. O Vereador, como não possui imunidade parlamentar, se faz necessário o processso de imediato para evitar a prescrição e apurar a ilicitude ou a licitude de fato. Para o Vereador não há interrompimento da prescrição. Não necessitando de autorização da Câmara, obedece rigorosamente aos preceitos processuais, como se não estivesse processando o Vereador, mas sim um cidadão comum. O Parlamentar, como possui imunidade, tem que aguardar a autorização do órgão competente, o término ou a extinção do madato e interrompe a prescrição. Se houver a licença para o processo ou a extinção do mandato, reinicia a contagem progressiva da prescrição. Isto para qualquer tipo de crimes, mesmo os de natureza de opinião ou contra a honra.

7. DESNECESSIDADE DE LICENÇA DA CÂMARA PARA
PROCESSAR UM DE SEUS MEMBROS

Sobre o crime de natureza diversa daqueles que possam ser cometidos pelo Vereador e acobertados pelo instituto da inviolabilidade, o TJGO, decidiu, recentemente, que:

"HC. Vereador - Imunidade Processual - Pedido de licença - Lesões Corporais - Não gozando de imunidade processual o Vereador inexige-se prévia autorização de sua Câmara para a ação penal, por fato previsto no art. 129 do CP, porque diverso de opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município". Constitucionalmente garantida (art. 29, VI). Ordem denegada. Rel. Des. PEDRO SOARES CORRÊA. HC 10.509, D.J. 27.09.91.

Embora tenha inicialmente dado uma interpretação correta a ementa pecou no final. Deixou transparecer que em caso de crimes contra a honra - opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município - acobertados pelo princípio da inviolabilidade tem a necessidade da autorização da Câmara dos Vereadores para processar um de seus membros. Isto não é verdade. Não gozando de imunidade, o Vereador pode e deve ser processado sem qualquer manifestação da Câmara, por qualquer tipo de crime, inclusive sobre aqueles ressalvados pela Constituição que podem ou não estar sob o manto sagrado da inviolabilidade. No processo é que irá ficar reconhecido se há ou não a excludente de licitude.

8. CONDENAÇÃO CRIMINAL - SUSPENSÃO DOS DIREITOS
POLÍTICOS E DO MANDATO ELETIVO

Condenado o Parlamentar ou o Vereador, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, automaticamente este Parlamentar ou o Vereador, tem seu mandato eletivo suspenso em conseqüência da suspensão de seus direitos políticos. Esta suspensão perdurará até final efeitos da condenação. Se houver o encerramento do cumprimento da pena e a respectiva reabilitação do condenado, ainda na constância do mandato para o qual foi eleito, reassume os seus direitos políticos e, por conseguinte, também o mandato, cumprindo-o até o seu final. Se o período de cumprimento de sua pena for além do término do mandato, embora tenha sido suspenso, não mais poderá exercê-lo por uma questão de lógica. Se não há mais mandato não há como exercê-lo.

Com a condenação transitada em julgado, a suspensão dos direitos políticos e a suspensão do mandato eletivo são automáticos. Independe de ser feito um processo para a sua declaração de suspensão quer na área administrativa, civil, criminal, eleitoral ou judiciária. A ordem é Constitucional e o dispositivo é cogente ao dizer que: "É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: ... condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos". Art. 15, III, CF.

O que é proibido pela CF é a cassação dos direitos políticos. Esta proibição tem por base as piores lembranças que o legislador constituinte teve do período de exceção que acabara de dar seus últimos suspiros, vez que vários daqueles que foram eleitos para redigir a CF de 1988 sofreram na pele, viram seus direitos políticos arbitrariamente cassados ou presenciaram o drama de parentes e amigos perseguidos pelo regime autoritário.

A perda e suspensão dos direitos políticos são institutos tradicionais em nosso direito brasileiro, remonta à Constituição do Império e previstos em todas as outras que regulamentaram a vida nacional.

9. SUSPENSÃO E NÃO PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS
COM A CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA

Embora o caput do art. 15 da CF tenha as expressões perda e suspensão, pelos incisos que seguiram, nota-se, perfeitamente, que no caso de condenação criminal, com sentença transitada em julgado, o que ocorre é a suspensão dos direitos políticos e não a perda. A perda é reservada, mais precisamente, para os casos dos incisos I e II. Neste último caso, se ao ser declarada a sua incapacidade total a pessoa já houvesse adquirido direitos políticos. Isto é notório porque o inciso III ressalva com a expressão: "... enquanto durarem seus efeitos". Ora, encerrando os efeitos da condenação encerrada também está a suspensão dos direitos políticos. Se houvesse perda não seria automática a requisição dos direitos políticos. Dependeria de algum ato formal. Assim como não é necessário nenhum tipo de processo para decretar ou declarar suspenso os direitos políticos, também se dá da mesma forma da suspensão dos efeitos da condenação. Nenhum processo é preciso ser instaurado para que o Estado recomponha o cidadão os seus direitos políticos, no caso de terem sido suspensos por condenação. O retorno aos direitos políticos é de imediato.

10. REABILITAÇÃO CRIMINAL - REABILITAÇÃO
DOS DIREITOS POLÍTICOS

Agora, o que é mais complexo é saber se o retorno dos direitos políticos se dá logo após o encerramento do tempo da condenação, com o cumprimento integral da pena, ou por qualquer meio de extinção da punibilidade, ou se deve aguardar a reabilitação, já que o art. 93 em seu parágrafo único do CP assim disciplina: "A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação. Parágrafo único: A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo". JÚLIO FABBRINI MIRABETE, "Manual de Direito Penal", Ed. Atlas, 2ª ed., 1986, p. 342 ensina que:

"A reabilitação é apenas um instituto que faz com que fiquem suspensos condicionalmente alguns efeitos penais de condenação, pois, se revogada, ficam eles restabelecidos. A reabilitação é a declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, assegura o sigilo dos registros sobre o processo e atinge outros efeitos da condenação."

11. AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 15 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O Código Penal foi elaborado na vigência da antiga Constituição e a mesma, embora falasse em perda e suspensão dos direitos políticos, art. 149, § 2º, era entendida, na época, que despendia de uma lei complementar para que tais institutos passassem a vigorar. Isto porque dizia o § 3º do mesmo dispositivo citado: "Lei Complementar disporá sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição." Agora, com a nova Constituição, os doutrinadores têm entendido, com razão, que não mais precisa dessa Lei Complementar porque não houve a ressalva que a antiga trazia. O dispositivo, art. 15, é auto-aplicável.

O Código tratou em seu art. 92 dos efeitos da condenação. Entre eles está a "perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública quando a pena aplicada for superior a quatro anos". Esta posição foi tomada pelo Constituinte no art. 15, V c/c o art. 37 § 4º. O legislador ordinário - CP - achou por bem tratar da matéria, regulamentando-a porque o instituto se refere aos efeitos da condenação criminal, com um resultado e uma conseqüência criminal sobre o cidadão: a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo.

A figura auto-aplicável da suspensão dos direitos políticos para todas as condenações, quaisquer tipos de crime e a qualquer pena, não se confunde com a tratada pelo CP, em seu art. 92. Quando se enquadra no art. 92 do CP, além de ter seus direitos políticos suspensos, se a condenação ultrapassar a quatro (4) anos, o condenado sofrerá um agravamento em sua pena que é a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, se assim entender o julgador. Agora, se o crime não é daqueles praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, o agente pode ser condenado a até trinta (30) anos que ele não perde o cargo, a função pública ou o mandato eletivo. O que acontece, neste caso, é a suspensão, em conseqüência, da suspensão de seus direitos políticos.

Há, então, duas situações distintas que não se confundem, embora meio parecidas: a uma, se condenado por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, com pena superior a quatro anos, além de ter seus direitos políticos suspensos também pode perder o mandato eletivo; a duas, condenado a qualquer pena e por qualquer crime (homicídio, furto, etc.) o agente tem seu mandato eletivo, cargo ou função pública suspensa, enquanto durar os efeitos da condenação e em conseqüência da suspensão dos direitos políticos.

12. REAQUISIÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS EM CONSEQÜÊNCIA
DE REABILITAÇÃO CRIMINAL

Os efeitos da condenação criminal são atingidos pela reabilitação. É o que diz o art. 92 da CP. A CF fala "enquanto durarem seus efeitos" e o parágrafo único do art. 93 do CP diz que a reabilitação atinge os efeitos da condenação. Com isto não há dúvida que a "reabilitação dos direitos políticos" do condenado por crimes comuns, que não se enquadrem naqueles referidos pelo art. 92 do CP, suspensos pela condenação, só acontece com a reabilitação criminal do condenado.

A reabilitação dos direitos políticos e a criminal, quando a condenação é originária dos delitos praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, com pena superior a quatro anos e que tenha sido declarada a perda, reabilita os direitos políticos mas não reabilita o mandato eletivo, cargo ou função pública. É o que diz o art. 92, § único do CP.

13. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO JUIZ QUE
DECLARA A PERDA DE MANDATO ELETIVO, CARGO OU FUNÇÃO
PÚBLICA COM BASE NO ART. 92 DO CÓDIGO PENAL

Aos delitos praticados pelo acusado que venham se enquadrar no art. 92 do CP, aplicada a pena restritiva de liberdade acima de quatro anos, o Juiz tem que deixar expresso e fundamentadamente, na sentença condenatória, a declaração da perda do cargo, função pública ou mandato eletivo do agente. Caso contrário, se não ficar consignado na sentença, a perda não se dá. Ocorre, nesta hipótese, apenas a suspensão dos direitos políticos e, conseqüentemente, a suspensão do cargo, função pública e mandato eletivo, enquanto que nas outras hipóteses, nos crimes comuns (furto, homicídio, etc.), não é necessário e até mesmo impossível a declaração da suspensão dos direitos políticos na sentença condenatória. Isto se dá automaticamente, após o trânsito em julgado da decisão condenatória e durará enquanto perdurar os efeitos da condenação só encerrando com a reabilitação criminal.

O certo é que, com a condenação do agente, por qualquer tipo de crime, os direitos políticos do cidadão ficarão suspensos, nos termos do art. 15, III da CF. Agora, a perda do mandato eletivo só se dará quando for condenado por crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, com pena aplicada superior a quatro anos e expressamente reconhecida na sentença.

14. DIFERENÇA ENTRE SUSPENSÃO E PERDA DE MANDATO ELETIVO

Não se pode confundir suspensão do mandato eletivo com a perda do mandato eletivo. Aquela suspensão, se dá quando o cidadão é condenado, com sentença transitada em julgado, por qualquer crime e a qualquer quantidade de pena restritiva de liberdade ou de direito, enquanto que esta, perda, ocorre apenas quando o agente é condenado a pena superior a quatro anos, por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. A suspensão do mandato eletivo é o efeito da condenação criminal.

Direitos Políticos, segundo J. CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição 1988", 2ª ed. 1991, Forense-Universitária - p. 1.117:

"É a condição de ser eleitor e a de poder ser eleito" e que a cassação de direitos políticos é a medida que impede o indivíduo de alistar-se como eleitor, bem como de concorrer às eleições, a qualquer cargo. "Direito Político" ou direito de votar e de ser votado "é o direito de participar do governo do Estado".

Segundo o referido autor, o legislador constituinte de 1988 anatematizou o vocábulo cassação "em decorrência da conotação político-arbitrária que adquiriu no regime anterior". Com isto a expressão cassação de direitos políticos por corrupção e por improbidade administrativa passou a ser entendida por perda.

J. CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 1.118/1.117 ainda ensina que suspensão não se confunde com perda. Suspensão é interrupção temporária daquilo que está em curso, cessando quando terminam os efeitos do ato ou medida anterior. Enquanto que perda, não se perde o que não se tem. Perde-se aquilo que se tinha a posse, ou a detenção. Perda é idéia ligada à idéia de definitividade, embora nem sempre o seja. Pode-se recuperar o que se perde. Perde os direitos políticos quem deles era detentor, como o naturalizado brasileiro, ou o que, sadio aos dezoito anos, fica afetado das faculdades mentais. A perda, regra geral, é definitiva, para sempre, a não ser que, quem perdeu faça esforço para recuperar o perdido. Quem está no pleno gozo dos direitos políticos, sem exercê-los, ou no exercício, exercendo-os, pode perdê-los.

O Vereador e/ou Parlamentar, este se teve licença para ser processado, sendo condenado durante o mandato eletivo, terá seus direitos políticos suspensos. Se condenado por corrupção ou improbidade administrativa terá os direitos políticos suspensos e poderá perder o mandato eletivo, se a pena ultrapassar a quatro anos e o Juiz achar por bem, fundamentalmente, decretá-la.

15. APLICABILIDADE NO DIREITO PENAL E POLÍTICO
DE NORMAS CONSTITUCIONAIS SUCESSIVAS

Que tratamento deve se dar ao crime praticado sob os auspícios da antiga Constituição, cujo processo é julgado na vigência da atual, no que se refere a suspensão dos direitos políticos, perda e suspensão de mandatos eletivos? A resposta deve ter o cuidado para não ferir o princípio da irretroatividade da Lei Penal, consagrado pela CF atual em seu art. 5º, XL.

É certo que não se confunde suspensão dos direitos políticos com perda ou suspensão de mandatos eletivos. Isto já ficou por demais demonstrado. A questão deve ter um tratamento voltado para os direitos políticos ao se tratar de suspensão, e ao cuidar da perda deve ter como ótica o direito penal.

Como direito político não se confunde com o criminal, o legislador constituinte não determinou a aplicação do princípio da irretroatividade da Lei Penal.

É perfeitamente possível admitir a suspensão do mandato eletivo quando da condenação criminal, de crimes praticados antes da atual CF, se deu na vigência desta, porque também aplica à suspensão, neste caso, dos direitos políticos. Há perda do mandato eletivo, se enquadrada no art. 92 do CP ou quando o agente perde os direitos políticos com base nos incisos I e II do art. 15 da CF. No caso do art. 92 do CP não há discussão, mesmo porque já havia, anteriormente, previsão legal e a matéria é de natureza criminal.

O legislador constituinte de 1988 não adotou o mesmo princípio, como era de se esperar, da irretroatividade da Lei no que se refere aos direitos políticos. Direito Político é o direito do cidadão de eleger e de ser eleito. Esta condição é sempre tratada pelo legislador obedecendo às peculiaridades do interesse do Estado em um determinado tempo. É bastante lembrar, que aqui no Brasil, já existiu seres humanos que não eram pessoas e muito menos cidadãos. Isto vigorou até 1888 quando foi promulgada a Lei Áurea, pela generosa Princesa Isabel. Com a liberdade dos escravos não pensem que foi dado a eles o status de cidadãos, titulares de direitos políticos. Passaram a ser reconhecidos como pessoas, mas não conseguiram a cidadania, e, por conseguinte, não tinham o direito de votar e de ser votado. A lei restringia a certas categorias essa condição. Além dos recém-libertos, também estavam na mesma linha os pobres, as mulheres, os analfabetos e outros seguimentos da sociedade. Isto só veio a ser modificado com o estabelecimento do direito universal do voto, inclusive para a mulher. Mesmo assim continuou com alguns defeitos. Era proibido o analfabeto votar e ser votado. O direito evoluiu. Recentemente foi dado a ele, analfabeto, o direito de voto, mas ainda não de ser votado, art. 14, § 4º, CF. Os índios, genuinamente brasileiros, não são detentores políticos. Com isto nota-se que nada tem a ver o direito político com o direito penal no que se refere a irretroatividade da Lei. No dizer de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, citado por WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, "Comentários à Constituição de 1988", 1ª ed., 1989. Ed. Julex Livros Ltda., p. 349:

"Os direitos políticos são poderes que a lei confere e retira, definitiva ou temporariamente. São direitos a propósito dos quais não cabe separação entre o gozo e exercício desde que a suspensão deste esvazie totalmente aquele."

O condenado por crime praticado antes da vigência da atual CF automaticamente terá seus direitos políticos suspensos e, se detentor de mandato eletivo, este também estará suspenso pelo tempo da condenação e de seus efeitos.

A suspensão é dos direitos políticos, nada tem a ver com os direitos criminais ou de liberdade do cidadão.

16. PERDA DE MANDATO ELETIVO EM CONSEQÜÊNCIA
DA NATUREZA DE DELITOS PRATICADOS ANTES OU
DURANTE A VIGÊNCIA DA ATUAL CONSTITUIÇÃO

A perda do mandato eletivo, no caso do art. 92 do CP, é efeito da condenação criminal, como bem reza o Título V, Cap. VI da Parte Geral do Código Penal. O art. 92 expressamente registra:

"Dos efeitos da condenação". "São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo..."

Com isto não há dúvida que se o julgamento ocorre na vigência da atual Constituição pode aplicar o efeito da condenação na perda do mandato eletivo, mesmo porque já era previsto antes da sua vigência. Era preceito criminal já regulamentado. Neste caso não há o que falar em irretroatividade da Lei Penal porque a Lei já existia antes.

Agora, os crimes praticados antes da reforma penal, Lei 7.209/84, que tenham sido julgados na vigência do Diploma Legal citado, antes ou durante a vigência da atual Constituição, deve, como é de Lei, ter a aplicação da Lei da época do fato delituoso. A pena, com referência à perda do mandato eletivo, no antigo Código era acessória e com a sua extinção ou desaparecimento, deve ter a aplicação do princípio da retroatividade da lei para beneficiar o Réu. Mesmo assim, havendo a condenação, haverá a suspensão dos direitos políticos, porque este nada tem a ver com o direito penal.

17. EXTENSIBILIDADE DOS EFEITOS DA SUSPENSÃO
DOS DIREITOS POLÍTICOS

Este efeito, a suspensão do mandato eletivo, atinge não só ao Vereador e/ou Parlamentar. Afeta também o Prefeito, o Governador e o Presidente da República ou qualquer pessoa que o detenha. Em breve teremos o Juiz de Paz que deverá ser eleito pelo sufrágio universal.

A suspensão dos direitos políticos abrange a todo e qualquer cidadão que o detém. Aos índios e aos incapazes não alcança porque não os possuem. Além de irresponsáveis inimputáveis não são detentores de direitos políticos. O analfabeto só parcialmente é atingido, porque lhe é mitigado os direitos políticos. Tanto aqueles, índios e incapazes, como este, analfabeto, não podem exercer qualquer função pública que dependa estar no gozo pleno dos direitos políticos, ressalvando que ao analfabeto é proibido apenas o cargo, função e mandato eletivo que dependam do voto, ou melhor, de ser votado. Alcança a todas as áreas do Poder do Estado - Executivo - Legislativo - Judiciário e aos órgãos independentes, como o Ministério Público que chamamos de um Quarto Poder ou um poder anão, PEDRO DOS SANTOS BARCELOS, "Bastidores da Assembléia Nacional Constituinte", RTJE, vol. 42, p. 51, Ed. Vellenich. Também Editora e Livraria Três Poderes. Publicação Independente, p. 15.

WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, em sua obra citada, p. 349, enumera alguns casos que são afetados com a sua suspensão dos direitos políticos. Diz o autor:

"Quando perdidos, ou suspensos, acarretam o impedimento para: a) alistar eleitor; b) ser elegível; c) participar de eleições sindicais; d) dirigir ou ser redator-chefe de jornal ou periódico; e) ser investido em cargo público; f) participar de atividade partidária, inclusive comícios e atos de propaganda em recinto fechado ou aberto."

18. EFICÁCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL
COMO GARANTIA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

Não seria necessário o legislador deixar registrado, no inc. III, do art. 15, da Carta Magna, que a perda e suspensão dos direitos políticos só se darão após o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. Este é um princípio por demais sacramentado no direito brasileiro, ainda mais que isto poderia ser apenas a repetição do que dispõe o art. 5º, LVII da CF. Acontece que o legislador teve o cuidado especial de deixar registrado. Esta sentença irá produzir efeitos nos direitos políticos do cidadão, e, é sabido que a LC 05, de 29.04.70, ao tratar sobre as inelegibilidades do cidadão, em seu art. 1º, letra n não exigia o trânsito em julgado da sentença condenatória. Bem decidiu o TRE-GO, cujo acórdão data de 27.09.88, da cidade de Cumari, com a seguinte ementa:

"Recurso Eleitoral: 1) Postulante de candidatura ao cargo de Prefeito. Condenação por crime contra o patrimônio (art. 171, caput, do CPB). Sentença não transitada em julgado. Irrelevância, em face da norma do art. 151, I a IV da CF, c/c o art. 1º, I, letra n, da LC 05/70. Inelegibilidade". Rel. Juiz do TRE Dr. GERALDO GONÇALVES DA COSTA.

A necessidade do trânsito em julgado da sentença penal para suspender os direitos políticos do cidadão era discutida. Foi inclusive submetida à Suprema Corte quando, por maioria de votos, reconheceu a sua desnecessidade. Acórdão citado no de nº 99.069, 1, Bahia de 12.11.82, B.E. nº 402/66. Mesmo assim, ficou o ranço da questão, visto que fugia a regra geral adotada pelo sistema jurídico brasileiro. Isto não era de admirar pelas circunstâncias da LC 05/70, editada em 29 de abril de 1970, em pleno período de exceção, época que vigorava o AI-5 e demais interferências externas à ordem jurídica. E, como já dito, o legislador constituinte de 88, que acabara de sair de um período negro da história brasileira, procurou cercar de todos os lados as interpretações que pudessem prejudicar o cidadão. Não há dúvida que foi esta a razão de ter deixado expresso, no dispositivo legal, a ordem de que os direitos políticos só podem ser suspensos com o trânsito em julgado da decisão condenatória.

19. DESNECESSIDADE E IMPOSSIBILIDADE DE EXPRESSAMENTE
CONSTAR NA SENTENÇA CONDENATÓRIA A SUSPENSÃO
DOS DIREITOS POLÍTICOS

Não é necessário, nem mesmo possível, constar na decisão condenatória a suspensão dos direitos políticos do condenado. Esta é automática. E repetindo mais uma vez MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, citado por WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, op. cit., p. 349:

"Os direitos políticos são poderes que a Lei confere e retira, definitiva ou temporariamente." No caso da condenação criminal são retirados provisoriamente.

20. COMO PROCEDER APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

O Juiz ao condenar o cidadão deve ter o cuidado especial de determinar que se faça as necessárias averbações e anotações após o trânsito em julgado da sentença condenatória criminal. Nestas determinações estão embutidas, além do lançamento do nome do Réu no rol dos culpados - art. 408, § 1º, CPB - a comunicação aos órgãos de prevenção e repressão, também a comunicação à Justiça Eleitoral da condenação para que ocorra ou opere a suspensão dos direitos políticos. Aí está a proibição de votar, de ser votado e de exercer qualquer cargo ou função pública reservada a cidadão em pleno gozo dos direitos políticos. Infelizmente isto não vem sendo observado.

Além dessas comunicações, se houver notícias nos autos do processo, ao Juiz de Execuções Penais cabe a comunicação ao órgão em que o condenado exerça função pública, para que este possa tomar as necessárias providências no sentido de suspender das funções, cargo e mandato eletivo, pelo tempo da condenação e até que seja o mesmo reabilitado. Relembrando MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, citado por WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, op. cit., p. 349:

"não se pode sustentar que pessoa suspensa de seus direitos políticos permaneça como titular de cargo e muito menos exerça funções privativamente reservadas ao cidadão".

21. QUEM DEVE EXPEDIR O ATO DE SUSPENSÃO DE MANDATO
ELETIVO, CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA

Ao Juiz não cabe decretar a suspensão do cargo, função pública ou mandato eletivo que o cidadão esteja exercendo. Cabe apenas comunicar ao órgão a fim de que esta expeça o ato suspensivo. Se Vereador ou Parlamentar, a presidência da casa a que pertence. Se Prefeito, Governador e Presidente da República, ao órgão competente para assim declarar. Se funcionário público, ao responsável superior. Assim por diante. Uma vez comunicado o fato da condenação e o órgão responsável não emitindo o ato suspensivo, havendo provocação de qualquer cidadão ou do MP, cabe ao Juiz declarar suspenso o mandato eletivo, o cargo ou a função pública que esteja sendo exercida pelo condenado.

É esta a disposição legal que vigora no País após a entrada em vigor da Nova Constituição Federal. Agora, difícil será colocá-la em prática, porque sabemos o quanto é penoso fazer valer a Lei quando esta atinge ou procura atingir poderosos e pessoas que detêm certo poder político, mesmo que só de fato. Por isto não se deve decepcionar quando ver que a Lei não está sendo cumprida como deveria. Deve-se lutar para que a ordem legal prevaleça sobre a prepotência.

Não há dúvida que o legislador foi muito severo ao estabelecer que o cidadão condenado, com a sentença transitada em julgado e enquanto durar os seus efeitos, fique com seus direitos políticos suspensos. Parece que teve ele, legislador, um cuidado especial sobre "o fundamento ético, já que o criminoso não é idôneo para participar dos negócios públicos". MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", ed. 1990, Ed. Saraiva, citando, nessa ocasião, PONTES DE MIRANDA, em "Comentários à Constituição de 1946", t. 4, p. 576.

22. ENTRE CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS, PENAS RESTRITIVAS DE
LIBERDADE E DE DIREITOS, INDISTINGUIBILIDADE PARA
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Às vezes se pergunta se a regra constitucional também abrange os delitos conhecidos por culposos, por sua própria natureza, e se não seria por demais excessivo o rigor da medida constitucional! Parece que a resposta é positiva. Se assim não quisesse o legislador constitucional, que foi muito meticuloso na redação à Constituição teria ressalvado esta situação. Teve, ele, o cuidado de ressalvar que os direitos políticos só ficariam suspensos após o trânsito em julgado da sentença condenatória e enquanto durar seus efeitos. Se não tivesse a pretensão de abranger todos os delitos, de qualquer natureza, teria ele também o cuidado de deixar ressalvado o tipo de crime, a quantidade e a espécie da pena. E não o fez.

O legislador, embora não seja o Constitucional, quando achou que deveria fixar algum parâmetro para a perda do mandato eletivo, estabeleceu no art. 92 do CP, dizendo que a pena de reclusão, acima de quatro anos, é que autoriza o decreto de perda.

O condenado a qualquer tipo de pena restritiva da liberdade - reclusão e detenção - e de direitos terão seus direitos políticos suspensos. A condenação à pena de multa, embora seja considerado condenação, se quitada dentro do prazo legal, art. 50, CPB, não acarreta a suspensão dos direitos políticos. Isto porque o condenado está obrigado a cumprir a pena nos moldes estabelecidos pela Lei e ao cumpri-la exaure a condenação. Agora, se solvente deixar de pagar a multa ou frustra a sua execução (art. 51, CPB), convertendo-a em pena de detenção, nos termos do § 1º do art. 51, do CPB, não há dúvida que, com a conversão, ocorre a suspensão dos seus direitos políticos até a sua reabilitação. A condenação há de ser por crime.

A condenação por contravenção penal não suspende os direitos políticos.

23. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DURANTE A SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA (SURSIS), DO LIVRAMENTO CONDICIONAL
E DO CUMPRIMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO

O condenado a pena restritiva de liberdade, que receber o benefício do sursis, ficará com seus direitos políticos suspensos, pelo período da suspensão condicional do cumprimento da pena? A resposta é positiva. Com o benefício do sursis, seus direitos políticos continuarão suspensos até que encerre o período do sursis e venha a se reabilitar. Assim afirma PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", 1ª ed., 1988, Ed. Saraiva, p. 316.

"A suspensão decorre da simples imposição da pena principal, o sursis ou livramento condicional não impede a sua incidência."

Assim também ensina WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, op. cit., p. 347/8:

"Durante a execução da pena, seja de reclusão ou de detenção, não há que se distinguir, pois ambas são privativas de liberdade. Quem está sob os favores da suspensão condicional da pena (sursis) está com os direitos políticos suspensos. Não se falou em cumprimento da pena e sim em condenação penal".

Em sentido contrário entendeu a 5ª Câmara Cível do TJSP. Prefiro ficar com ROBERTO LIRA: 'Suspensa, exclusivamente, a execução da pena privativa de liberdade, executam-se as demais penas e operam-se todos os efeitos da condenação (art. 700 do CPP). Não seria preciso mencioná-lo, diz o eminente mestre.'

Se a pena aplicada não for de caráter restritiva de liberdade, mas sim restritiva de direitos, também, enquanto durar seus efeitos, permanecem suspensos os direitos políticos do condenado. Às vezes a concessão do sursis ao condenado lhe prejudica. Esta é a razão do porque a Lei determina que, havendo a concessão da suspensão condicional do cumprimento da pena, deva ser questionado ao condenado se aceita ou não. Como o prazo do sursis varia de dois a quatro anos, por este período e até que seja o condenado reabilitado, ficará com os direitos políticos suspensos.

Acontece que havia discussão sobre a auto-aplicabilidade do § 2º do art. 149 da revogada Constituição de 67/69. A Jurisprudência entendia que o dispositivo legal citado necessitava de ser regulamentado, conforme determinava o § 3º. Assim PINTO FERREIRA, op. cit., p. 317, citando o STF, ensina que:

"Por força deste dispositivo, o STF entendeu que o sursis decorrente de condenação criminal não acarretava a suspensão dos direitos políticos, devido ao § 3º do art. 149 da EC nº 1, de 1969 (RTJ, 61/581 e 82/646; RT 280/396). No mesmo sentido se orientou o TSE (BE 256/328; BE do TRE/SP, 15/11 e 16/11)."

A situação legal mudou com a nova CF. Esta não repetiu o § 3º do art. 149 da revogada. Por isto não há nenhuma dúvida que o seu dispositivo, art. 15 e incisos, especialmente o III, estejam em vigor. É auto-aplicável. Não tem necessidade de qualquer norma regulamentadora ou interpretativa. "O texto atual, que é o art. 15, não se refere mais a Lei complementar, de modo que se tornou auto-aplicável". PINTO FERREIRA, op. cit. p. 317.

24. CONCLUSÕES

Por tudo isto e pelo que foi exposto, examinado e discutido, conclui-se que: a) o instituto da imunidade é de natureza processual enquanto que o de inviolabilidade é material; b) que o vereador só possui a inviolabilidade. Não possui a imunidade; c) que para ser reconhecida a inviolabilidade criminal, a favor do vereador ou parlamentar, necessário se faz a instauração do processo crime. A decisão final, havendo prova de que tenha cometido o ato acobertado pelo instituto da excludente de ilicitude de inviolabilidade, reconhece, nos moldes da legítima defesa, do estrito cumprimento do dever legal e do estado da necessidade (art. 23, CPB) a legalidade do ato. Caso contrário, há condenação; d) que a inviolabilidade atinge apenas os crimes conhecidos por Delitos contra a honra, tanto que do Vereador como do Parlamentar; e) que o Vereador e/ou Parlamentar condenado, com sentença transitada em julgado, por qualquer tipo de crime e a qualquer espécie de pena, tem seus direitos políticos suspensos e, automaticamente, suspenso também está o seu mandato eletivo; f) que não se confunde os institutos de perda com suspensão de direitos políticos. 1. Aquele, perda, se dá na hipótese dos incisos I e II do art. 15 da CF. Este último, inc. II, somente quando o agente que já possui os direitos políticos e venha ser declarado absolutamente incapaz. 2. Nos demais casos, especialmente sobre o inc. III, ocorre a suspensão dos direitos políticos do cidadão. Suspensos permanecerão até que ocorra a reabilitação ou venha a ser cumprida a obrigação, como no caso do inc. IV; g) que a suspensão dos direitos políticos é automática, sem qualquer manifestação do Poder Judiciário; h) que o Vereador, Parlamentar ou qualquer pessoa que exerça mandato eletivo, cargo ou função pública, se condenado pelos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada for superior a quatro anos, além de ter seus direitos políticos suspensos, pode perdê-los, se assim entender e o Juiz fundamentar a decisão; i) que os direitos políticos não se confundem com direitos penais e, por conseqüência, não se aplica àqueles (direitos políticos) o princípio da irretroatividade da Lei; j) que direitos políticos "é a condição (da pessoa) de ser eleitor e a de poder ser eleito" - J. CRETELLA JÚNIOR, op. cit.; 1) que a condenação criminal, transitada em julgado, deverá ser comunicada aos órgãos competentes, de ofício, pelo Juiz processante, para que façam as necessárias anotações no prontuário do cidadão, e, pelo Juiz das Execuções Penais à Justiça Eleitoral para que essa possa tomar as providências necessárias e cabíveis para fazer valer a disposição da Lei e da sentença; m) que a suspensão dos direitos políticos acontece tanto de condenação por crimes dolosos, quanto por culposos. Não há também distinção sobre o tipo de pena, se restritiva de liberdade ou de direitos; n) que se a condenação for multa, havendo o pagamento dentro do prazo legal, não ocorre a suspensão dos direitos políticos. Não havendo o pagamento, transformando esta em pena restritiva da liberdade, automaticamente suspende os direitos políticos; o) que mesmo concedido ao condenado o direito de suspensão condicional da pena - sursis -, livramento condicional, prestação de serviços à comunidade, etc. perdurará a suspensão dos direitos políticos, enquanto durar os efeitos da condenação; p) que o dispositivo constitucional - art. 15 e seus incisos - é auto-aplicável; q) que a suspensão do mandato eletivo, cargo e função pública é efeito da suspensão dos direitos políticos. Se dá automaticamente, independentemente de uma nova relação jurídico-processual.

BIBLIOGRAFIA

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MEIRELLES, HELY LOPES - "Da Imunidade Parlamentar" - 1985.

VIDIGAL, EDSON - Ministro do STJ. HC 660/MG - ADV/COAD. Revista dos Tribunais. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados.
 
 

Fonte: CD-ROM Juris Síntese: legislação e jurisprudência. n.º 15 – jan-fev/99.