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INELEGIBILIDADE POR REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS DO MANDATO

Ricardo Maia **

O nobre Advogado Wilson Rebelo nos faz ciente de que um de seus constituintes pretende a disputa em Convenção de sua candidatura ao cargo de Prefeito Municipal do Município de Parauapebas, Estado do Pará, nas eleições de 03 de outubro.

No entanto, teve contas rejeitadas pela respectiva Câmara Municipal nos anos de 1993 e 1994, relativas a mandato de Prefeito Municipal exercido anteriormente. Para se esquivar da inelegibilidade legal, ditada pela Lei Complementar, ajuizou Mandado de Segurança e Ação Ordinária Cível, buscando a nulidade apenas do procedimento empregado pela Câmara Municipal para a rejeição, não atacando o mérito.

Por essas rejeições teve seu registro de candidatura ao mandato de Deputado Estadual impugnado para a presente legislatura, por decisão trânsita do Colendo Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Pará.

Agora, com a nova pretensão, solicita opinião jurídica, com a maior brevidade possível, se sobre si ainda incide fundamento a inelegibilidade, ditada pelo art. 1º., inciso I, letra "g", da Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990.

Transcrevemo-lo:
 
 

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão.
 
 

No que toca ao referido dispositivo temo-lo distribuído da seguinte forma:
 
 

1) contas rejeitadas no exercício de cargos ou funções públicas

2) contas rejeitadas por irregularidade insanável

3) contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente

4) inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos

5) prazo de inelegibilidade contado a partir da data da rejeição

6) salvo se a questão houver sido submetida à apreciação do Poder Judiciário

7) salvo se a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário
 
 

Dão suporte constitucional a referido dispositivo os arts. 14, § 9º., da CF/88, assim redigido:
 
 

Art. 14. (...)

(...)

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Art. 15. (...)

(...)

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

(...)

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

É consabido que a regulamentação a esses últimos preceitos é ditada pela Lei nº. 8.429, de 02.07.92.

Registro de candidatura. Impugnação. Lei Complementar nº. 64/90, art. 1º., I, g.

I - Se a Câmara de Vereadores rejeitou parcialmente as contas do Prefeito, não podia, após a impugnação da sua candidatura a Deputado Estadual, aprová-las mediante segundo decreto legislativo desprovido de fundamentação. Esse segundo ato é inválido e substancialmente imoral para fins eleitorais, não implicando a decisão da Justiça Eleitoral nesse sentido invadir competência do órgão legislativo municipal.

II - Recurso desprovido

(Acórdão m.v. 11.978, Recurso nº. 11.978, Classe 4ª., Belo Horizonte - MG, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 29.7.94, "in" JTSE 1995, v6, n3, pág. 244)

Eleitoral. Registro de candidato. Inelegibilidade. Contas. Rejeição. Câmara Municipal: retratação - LC nº 64/90, art. 1º, inciso I, g. Precedente: Recurso Eleitoral nº. 11.978/MG, de 29.7.94.

I - Não pode a Câmara Municipal retratar-se, por ato desprovido de fundamentação, de decisão que rejeitou as contas do Prefeito, quando esta deu causa à inelegibilidade por decisão desta Corte.

II - Recurso ordinário provido.

(Acórdão nº. 12.112, Recurso nº. 12.112, Classe 4ª., Palmas - TO, Rel. Min. Carlos Veloso, j. 9.8.94, "in" JTSE 1995, v6, n4, pág. 253)

A primeira observação que nos vem é a de que a irregularidade capacitada à aplicação da alínea "g" é a insanável se trata de norma de eficácia contida, ou seja, ensejadora de aplicabilidade somente mediante lei, que sobre ela disponha ou defina, por "numerus clausus".

A propósito da restrição ao exercício pleno da capacidade civil das pessoas, e em comentos sobre a norma constitucional, afirma o Professor Fávila Ribeiro, que "pertence ao Direito Civil definir os que são reconhecidos absolutamente incapazes, transplantando a contribuição para extrair as implicações constitucionais, precisamente os que estão privados dos direitos políticos. A matéria vem consubstanciada no art. 5º. Do Código Civil, que tem a redação seguinte:
 
 

Art. 5º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos.

II - os loucos de todo o gênero.

III - os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.

IV - os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
 
 

Recepcionado pela Carta Maior, permanece inalterada a enumeração taxativa e restritiva de direitos sobre fatos ensejadores da incidência.

Ainda sobre a inelegibilidade constitucional, também nos assegura o emérito Professor Antônio Carlos Mendes, que "a autonomia da vontade (entender e querer) é pressuposto da capacidade de agir e, especialmente, da capacidade eleitoral. O art. 15, II, da Constituição Federal de 1988 estabelece que a ‘incapacidade civil absoluta’ acarreta a suspensão dos direitos políticos. Portanto, o preceito constitucional, ao apontar a incapacidade civil absoluta, circunscreveu a suspensão dos direitos políticos a fatores psíquicos de características patológicas que impossibilitam o cidadão de entender e querer. Resulta, pois, que essa incapacidade de entender e querer constitui-se em causa determinante da incapacidade de agir. Reconhecida judicialmente essa incapacidade, seguindo-se a conseqüente interdição daquela pessoa para a prática dos atos da vida civil, implica a incapacidade eleitoral.

Pinça-se de lições da eminente professora Maria Helena Diniz, que "a incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que ‘a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção’" e "a incapacidade civil absoluta somente se dá em havendo proibição total do exercício do direito pelo incapaz, acarretando, em caso de violação do preceito, a nulidade do ato (CC, art. 145, I)".

Em outras palavras, resulta que os absolutamente incapazes têm direitos, mas que somente poderão ser exercidos por representantes legais, e não direta ou pessoalmente. A incapacidade jurídica ou incapacidade civil absoluta, por conseguinte, é a inabilidade ao exercício de direitos determinados pela lei, constatando como certa a carência, numa pessoa, de condições ou requisitos que a lei considera indispensáveis para o exercício de direitos. Objetiva a lei o zelo por tais pessoas, impedindo o exercício danoso de seus direitos. Essa incapacidade absoluta impede a pessoa de praticar qualquer ato jurídico, pois sendo este uma declaração de vontade, deve ser livre e consciente.

Em face disso, o Código Civil comina pena de nulidade ao ato jurídico praticado pelo absolutamente incapaz, que será, portanto, representado, no exercício de seus direitos, por outra pessoa, pai, tutor ou curador, conforme o caso.

Pelo que se vê da própria sentença exarada pelo digno magistrado, em nenhum momento, acertadamente, houve declaração de incapacidade civil absoluta de seu constituinte. Pelo contrário, em seu fundamento, há observação no sentido de que "dá-se a insolvência civil toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor, nos termos do art. 748 do CPC.", concluindo somente pela declaração da insolvência civil, para as conseqüências legais.

Para o eminente Marcus Cláudio Acquaviva, "ocorre a insolvência quando as dívidas do devedor excedem ao montante de seus bens. Presume-se a insolvência quando o devedor não possui outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora, ou quando forem arrestados bens do devedor. A declaração de insolvência do devedor acarreta: 1) o vencimento antecipado de suas dívidas; 2) a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo; 3) a execução por decurso de universal dos seus credores. Declarada a insolvência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles, até a liquidação total da massa. A declaração de insolvência pode ser requerida: 1) por qualquer credor quirografário; 2) pelo devedor; 3) pelo inventariante do espólio do devedor. CPC: arts. 748 a 786; 813, I a III.
 
 

Em conclusão, tem-se que:
 
 

01 - A incapacidade civil absoluta, prevista no art. 15, inciso II, da Carta Constitucional de 1988, é causa de suspensão de direitos políticos, e causa de inelegibilidade constitucional a cargos ou mandatos eletivos;

02 - Essa incapacidade civil absoluta é ensejadora de incapacidade política;

03 - Tratando-se de dispositivo de eficácia contida, as normas infra-constitucionais que lhe torna eficaz são as do art. 5º., incisos I a IV, do Código Civil, recepcionado pela nova ordem;

04 - Tratando-se de dispositivos cuja taxatividade ("numerus clausus") lhes são inerentes, porque restritivos de direitos, afirma-se que somente são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (I) os menores de dezesseis anos; (II) os loucos de todo o gênero; (III) os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; e, (IV) os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

05 - A declaração de insolvência civil, ou falência pessoal, por falta de patrimônio ou de liquidez suficiente ao pagamento de débitos (pessoais) não é cláusula contemplada como incapacidade civil absoluta;

06 - A insolvência civil não é causa de incapacidade política e, nos termos do que foi proposto, o insolúvel civilmente é elegível a cargos ou mandato político.
 
 

** O autor é Promotor de Justiça, titular da 29ª. Promotoria de Justiça Cível de Fortaleza - Ceará, atualmente Coordenador-Geral do PROCON - DECOM, do Ministério Público do Ceará, com Pós-Graduação a nível de Mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

E-mail: rmaia@ultranet.com.br
 
 
 

retirado da revista justiti@net www.geocities.com