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Maria Thereza Wolff
Engenheira Química
Dannemann, Siemsen,
Bigler & Ipanema Moreira
Dannemann Siemsen Meio
Ambiente Consultores
Pelo Decreto nº
2.519 de 16 de Março de 1998, o Presidente da República promulgou a Convenção
sobre Diversidade Biológica assinada no Rio de Janeiro em 5
de Junho de 1992, passando a vigorar no Brasil em 29 de Maio de 1994 e decretou
que ela deverá ser executada tão inteiramente como nela se contém.
Esta Convenção foi assinada e ratificada
até hoje por praticamente todos os 178 países que participaram da Conferência
do Rio de Janeiro em 1992, com a exceção de 3 países,
entre eles o Estados Unidos, que assinaram mas ainda não a ratificaram.
Para respondermos a estas perguntas
faz-se necessário que remontemos aos idos anos sessenta, quando as preocupações
em todo o mundo acerca dos efeitos indesejáveis do desenvolvimento econômico,
sobretudo sobre a qualidade do meio ambiente tornaram-se enormes com a
crescente deterioração da qualidade da água e do ar, o acúmulo de resíduos
sólidos, os ruídos nas áreas urbanas e o mau uso da terra, oriundos nitidamente
da industrialização das economias.
Não havia àquela época um consenso claro
acerca das questões ambientais. Os países industrializados não aceitavam as
propostas de vários cientistas para diminuir ou estancar o crescimento de suas
economias, e os países em desenvolvimento, aspirando alcançar o desenvolvimento
dos países mais ricos, não se sensibilizavam com as
questões ambientais.
Com o advento da primeira crise do
petróleo em 1973, subitamente os países industrializados sentiram o fantasma da
perda de controle sobre a disponibilidade e o acesso aos recursos naturais
básicos para o funcionamento de suas economias tornando-se estes países, do dia
para a noite, vulneráveis em relação ao seus
crescimentos sócio-econômicos, que até então dominavam.
No início da década de oitenta, uma
segunda crise do petróleo mostrou cruamente ao mundo que com a crescente
explosão demográfica que ocasionava tensões em populações, os recursos naturais
e o meio ambiente eram os primeiros a serem afetados, o que em países em
desenvolvimento, se expressava pela destruição dos sistemas naturais trazendo
sérias conseqüências à segurança mundial.
Os avanços palpáveis de manejo das
questões ambientais tornaram-se nítidos no final de década de oitenta, mais
expressamente em 1987, quando foi divulgado o relatório da Comissão Mundial
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), encomendado pelas Nações Unidas
a especialistas de todo o mundo.
Um dos temas mais abordados neste
relatório foi a insustentabilidade dos
desenvolvimentos em curso que depredavam os recursos naturais e o meio
ambiente, limitando qualquer desenvolvimento futuro, tendo em vista que foi
novamente comprovado que a pobreza, a falta de desenvolvimento e a
superpopulação são os mais estreitos causadores de problemas ambientais.
Ficou claro pois
que os conceitos tradicionais de desenvolvimento teriam que ser substituídos
por um conceito novo de desenvolvimento sustentável que deveria requerer a
administração do crescimento demográfico, o uso mais eficiente da energia e o
uso mais eficiente e com menor poluição dos recursos naturais com conseqüente
preservação da biodiversidade e uma melhor administração do crescimento urbano
.
Expressões como "crescimento
sustentável" e "desenvolvimento sustentável" começaram a
aparecer com freqüência.
Em
Naquela ocasião foram aprovadas a:
Paralelamente a esta Conferência deu-se o
Forum Global que reuniu mais de 9.300 ONGs (Organizações não
governamentais) de todo o mundo e que trouxe como resultado a Carta da Terra,
uma declaração de princípios no sentido de "uma só terra".
A Convenção sobre Diversidade Biológica
pretendeu pois, em primeira linha, chamar a atenção do
mundo para o valor intrínseco da diversidade biológica e sua importância para a
evolução e manutenção dos sistemas necessários à vida da bioesfera.
Foram incluídos entre estes valores,
valores ecológicos, genéticos, sociais e econômicos, entre outros, oriundos da
diversidade biológica.
Além disto, a Convenção reconheceu a
estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades
locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais e a repartição
eqüitativa dos benefícios derivados da utilização deste conhecimento
tradicional.
Reconheceu ainda que a
conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica é de
importância absoluta para atender às necessidades de alimentação e saúde da
crescente população mundial, para o que são essenciais o acesso, a repartição
de recursos genéticos e a tecnologia.
Assim sendo, foi redigido, entre outros,
o artigo 8 j) abaixo, que consideramos de especial
relevância pois além de introduzir conceitos novos , convoca o incentivo de uma
aplicação mais ampla da Convenção e o encorajamento de uma repartição
eqüitativa dos benefícios oriundos do conhecimento tradicional.
"Em conformidade com a legislação
nacional, cada Parte Contratante deverá, na medida do possível, respeitar,
preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais
e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação
e à utillização sustentável da diversidade biológica
e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos
detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição
eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações
e práticas"
Desde os anos oitenta a WIPO e a UNESCO
formaram um Grupo de Especialistas para a Proteção de Expressões de Folklore na Propriedade Industrial e realizaram debates
sobre a melhor terminologia que deveria ser usada para descrever criações de
uma comunidade cultural.
Os representantes de países de língua
espanhola se mostraram contrários à expressão "folclore" por
considerarem a mesma arcaica, com conotação negativa
associada a criações de civilizações inferiores.
Naquela ocasião, no entanto, foi adotada
a seguinte definição para folclore:
Esta terminologia persistiu até a
realização do Fórum Mundial de Proteção do Folclore em 1997 (WIPO e UNESCO),
quando então a expressão "conhecimento tradicional" começou a ser
usada com abrangência maior, estendendo-se também ao conhecimento tradicional
de plantas e animais nos tratamentos médicos e como alimento.
O termo "folclore" ficou mais
restrito ao campo do direito de autor, focalizando trabalhos artísticos e
literários.
"Populações
indígenas", também muitas vezes referidas como " povos
tradicionais" pretendeu englobar as comunidades , os povos e as nações indígenas
que, tendo continuidade histórica com pré-invasões e sociedades pré-coloniais
que se desenvolveram em seus territórios, se consideram diferentes de outros
setores da sociedade que existe hoje naqueles territórios ou em parte deles.
No entanto, uma definição específica de
"populações indígenas" é de problemático significado, dado a sua
diversidade.
Dr. Erica-Irene
Daes em seu trabalho "Rights
of Indigenous People" apresentado no Pacific
Workshop de Suva, Fiji em
1996 leva em consideração 4 fatores que lhe servem de
guia prático de avaliação:
A implementação
no Brasil da Convenção sobre a Diversidade Biológica irá se dar através de
legislação adequada sobre o Acesso aos Recursos Genéticos e historicamente
iremos citar alguns Projetos de Lei que mostram claramente as tendências de
proteção ao Acesso.
Projeto de Lei do Senado Federal nº 306 /95
Em 9 de novembro
de 1995, portanto após a assinatura e ratificação da Convenção da Diversidade
Biológica pelo Brasil, foi apresentado ao Senado Federal o projeto de lei nº 306 de autoria da Senadora Marina Silva, que dispõe
sobre os instrumentos de controle de acesso aos recursos genéticos no País.
Este projeto passou pelas diversas Comissões do Senado Federal, sendo aprovado
em 4 de novembro de 1998 um texto substitutivo do qual
alguns artigos serão posteriormente relatados. Considero no
entanto de interesse avaliarmos agora alguns artigos do texto
originalmente apresentado pela Senadora para que possamos constatar as
modificações que foram sendo introduzidas ao longo do tempo até a elaboração do
texto final substitutivo.
São eles:
Artigo 15:
Não se reconhecerão direitos sobre
recursos genéticos obtidos ou utilizados em descumprimento desta lei, não se
considerando válidos títulos de propriedade intelectual ou
similares sobre tais recursos ou sobre produtos resultantes do acesso em tais
condições.
O Capítulo IV que diz respeito a Proteção do Conhecimento será transcrito abaixo em sua
totalidade, já que engloba conceitos novos, tais como, os de comunidades locais,
os de direitos adquiridos ancestralmente e os de direitos coletivos, entre
outros.
Artigo 17:
O Poder Público reconhece e protege os
direitos das comunidades locais de se beneficiar coletivamente por suas
tradições e conhecimentos e de serem compensadas pela conservação dos recursos
biológicos e genéticos, seja mediante direitos de propriedade intelectual ou
outros mecanismos
Parágrafo único.
A proteção dos conhecimentos, inovações e
práticas desenvolvidas mediante processos cumulativos de conservação e
melhoramento da Biodiversidade, nos quais não é possível identificar um
indivíduo responsável diretamente por sua geração, obedecerá
regras específicas para os direitos coletivos de propriedade intelectual.
Artigo 18:
Os direitos coletivos de propriedade
intelectual constituem o reconhecimento de direitos adquiridos ancestralmente,
englobando direitos de propriedade intelectual, direitos de autor, direitos de melhorista, segredo e outros.
Artigo 19:
Os direitos coletivos de propriedade
intelectual serão regulamentados no prazo de 1 ano
contado da desta lei, obedecendo às seguintes diretrizes:
I - identificação dos tipos de direitos de propriedade
intelectual que se reconhecem em cada caso;
II - definição dos requisitos e procedimentos exigidos para
que seja reconhecido o direito intelectual coletivo e a titularidade do mesmo;
III - definição de um sistema de registro coletivo, de
procedimentos e de direitos e obrigações dos titulares.
Artigo 20:
Fica assegurado às comunidades locais o
direito de não permitir a coleta de recursos biológicos e genéticos e o acesso
ao conhecimento tradicional em seus territórios, assim como o de exigir
restrições a estas atividades fora de seus territórios, quando se demonstre que
estas atividades ameacem a integridade de seu patrimônio natural ou cultural.
Artigo 21:
Não se reconhecerão direitos individuais
de propriedade intelectual, registrados dentro ou fora do País, relativos a
recursos biológicos ou genéticos, derivados deles ou a processos respectivos,
quando:
I - utilizem o conhecimento coletivo de comunidades locais; ou
II - tenham sido adquiridos sem o certificado de acesso e a
licença de saída do País.
Artigo 22:
O Poder Público revisará as patentes e
outros direitos de propriedade intelectual registrados
fora do País, que tenham por base recursos genéticos nacionais, com a
finalidade de reivindicar a compensação correspondente ou declarar sua
nulidade.
A proteção do conhecimento das
comunidades locais e populações indígenas incluído entre os artigos acima
mencionados talvez seja a matéria de maior dificuldade técnica e política, pois
foi pretendido ali construir um sistema inovador de proteção de direitos
intelectuais coletivos. Como nenhuma das proteções da propriedade intelectual
se encontra plenamente adequada para englobar estes direitos, foi pensamento
buscar-se nas patentes, nos cultivares, no direito de autor, um pouco de suas
características e aplicá-las criando uma nova forma de proteção.
O artigo 22 da lei ora em apreciação
ficou prejudicado em sua legalidade quando diz que o Poder Público revisará
patentes e outros direitos de propriedade intelectual
registrados fora do País, com a finalidade de declarar entre
outros, suas nulidades, fato este que não se encontra na alçada do
Brasil e muito menos de seu Poder Público de anular patentes concedidas no
exterior.
De qualquer maneira o projeto de lei
alcançou seus objetivos que foram, entre outros, os de mobilizar a opinião
pública e chamar a atenção para os recursos genéticos do País e sua
conservação.
Substitutivo do projeto de lei n º 306/95, ora aprovado pelo Senado
Federal.
Em 1996 foram realizadas três audiências
públicas pela Comissão de Assuntos Sociais, para onde foi enviado o projeto
original a fim de ser instruído, a saber,
Como resultado do acúmulo de informações
e de opiniões obtidas, foi formulada uma redação
substitutiva ao projeto de lei nº 306/95 bem menos radical
do que o projeto inicial, sendo prevista a criação de uma comissão de Recursos
Genéticos que autorizará o Acesso, constituída de representantes do Governo
Federal, dos Governos Estaduais, da Comunidade Científica, das Comunidades
Locais e Populações Indígenas, de Agências de Acesso, de Organizações
não-governamentais e empresas privadas.
As Partes que deverão compor o Contrato
de Acesso são:
a) o Estado,
b) o Solicitante do Acesso,
c) a Agência de Acesso,
d) o Provedor do Conhecimento Tradicional e do Cultivo
Agrícola domesticada.
Com relação a
retribuição dos benefícios, destacam-se os seguintes artigos:
Artigo 35
Além das remunerações e partilhas de
benefícios contratados entre solicitante, agência de Acesso,
provedores de conhecimentos tradicionais e contrapartes dos contratos, fica
assegurada à União justa compensação, que será monetária ou em direitos de
comercialização, na forma definida pelo contrato de Acesso.
Artigo 36
As retribuições previstas constituirão
fundo especial de conservação, pesquisa e inventário do patrimônio genético.
O artigo 41 e seu parágrafo único regulam
a propriedade intelectual.
Artigo 41
Não se reconhecerão direitos sobre
recursos genéticos e produtos derivados obtidos em descumprimento desta lei.
Parágrafo único
Os depositantes de criações intelectuais protegíveis por direitos autorais, propriedade industrial,
cultivares ou qualquer outra modalidade de propriedade intelectual que tenham
por base qualquer recurso genético ou conhecimento tradicional, bem como as que
tenham por base as tradições culturais ou artísticas de comunidades locais ou
de populações indígenas, deverão certificar a aprovação das comunidades ou
populações, obtidas previamente ao requerimento da proteção legal da criação e
em conformidade com as leis do país de origem do recurso genético.
Sobre a proteção do conhecimento
tradicional associado a recursos genéticos, salientam-se:
Artigo 44
O Poder Público reconhece e protege os
direitos das comunidades locais e populações indígenas de se beneficiarem coletivamente
por seus conhecimentps tradicionais e serem
compensadas pela conservação dos recursos genéticos, mediante remunerações
monetárias, bens, serviços, direitos de propriedade intelectual ou outros
mecanismos.
Artigo 45
As comunidades locais e populações
indígenas detêm os direitos exclusivos sobre seus conhecimentos tradicionais e
somente elas poderão cedê-los por formas contratuais previstas na lei.
Artigo 46
Ficam assegurados às Comunidades Locais e
Populações Indígenas o direito aos benefícios advindos do Acesso a Recursos
Genéticos realizado nas áreas que detêm, definido na forma de contrato conexo
previsto nesta Lei e após consentimento prévio fundamentado segundo o disposto
no artigo anterior.
Parágrafo único:
As comunidades locais e populações
indígenas poderão solicitar à autoridade competente que não permita o acesso a
recursos genéticos nas áreas que detêm, quando julgarem que estas atividades
ameaçam a integridade de seu patrimônio natural ou cultural.
Artigo 47
Não se reconhecerão direitos de
propriedade intelectual de produtos ou processos relativos a conhecimentos
tradicionais associados a recursos genéticos ou produtos derivados, cujo Acesso
não tenha sido realizado em conformidade com esta lei.
Este substitutivo ressaltou e tornou mais
límpido o valor da proposta de lei da Senadora Marina Silva, tendo revisado e
aparelhado aquele texto com instrumentos melhor definidos, a partir dos debates
realizados.
À título de informação, é importante
enfatizar que também a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual ABPI,
desejando apresentar sua colaboração ao Governo, apresentou em 1997, um Projeto
de Lei Substitutivo que internaliza a orientação adotada na Convenção de
Diversidade Biológica aprovada pela Conferência do Rio de Janeiro.
O texto do substitutivo estabelece um
vínculo coerente entre a norma interna e os preceitos da Convenção
Internacional, estabelecendo critérios e procedimentos simplificados para o
acesso ao material biológico mediante a previsão de contratos de acesso,
sistema já implementado em outros países.
Simultaneamente o Substitutivo prevê
rigoroso controle por parte da entidade destinada à fiscalização dessas
atividades.
O texto está voltado para o retorno dos
benefícios às comunidades locais, estabelecendo o acesso aos recursos
biológicos através de entidades gestoras dos contratos de acesso e a
fiscalização e controle por uma entidade de desenvolvimento, com a finalidade
de receber os recursos decorrentes de "royalties"
da exploração dos produtos derivados do material coletado e de outras
compensações que sejam estabelecidas no contrato de acesso.
Os recursos deste fundo serão utilizados
para financiar projetos destinados a:
a) contribuir para as comunidades locais do País;
b) desenvolver a utilização de técnicas de manejo sustentável
sem ameaça às áreas florestais;
c) proporcionar empregos e recursos às populações locais;
d) oferecer treinamento às populações locais.
Salientaremos alguns artigos que nos
pareceram muito importantes:
Artigo 4
Os contratantes obrigar-se-ão a manter a
entidade de controle e a entidade gestora permanentemente
informadas sobre:
a) o andamento das pesquisas com o
material biológico originário do País;
b) qualquer pedido de patente ou
negociação de licenças e respectivos pagamentos sobre o resultado da pesquisa
realizada, mantendo a confidencialidade das
informações.
Parágrafo único:
Os contratantes obrigar-se-ão igualmente
a assegurar, durante a fase de desenvolvimento do produto, a participação de
técnicos e cientistas do País, para participar da pesquisa e desenvolvimento
com o objetivo de treinamento complementar.
Artigo 8
As patentes sobre invenções resultantes
das pesquisas e desenvolvimento sobre as amostras fornecidas, pertencerão ao
contratante que deverá informar por escrito ao contratado o seu teor tão logo
seja apresentado o primeiro pedido respectivo.
Parágrafo 1º- Pela exploração da invenção obtida, o
contratante deverá pagar a compensação acordada no contrato de acesso.
Parágrafo 2º- Caso seja concedida a licença a terceiro para
exploração da invenção, deverá este ser informado das condições para sua
concessão previstas no contrato de acesso.
Artigo 10
O Acesso aos Recursos Biológicos do País
será controlado pela entidade designada pelo Governo que exercerá a
fiscalização sobre a implementação e a execução dos contratos de acesso , nos termos da lei.
Artigo 11
Pelo menos cinqüenta por cento do
resultado obtido com a venda de material genético e do recebimento de "royalties" ou qualquer outra compensação será
atribuído a um Fundo Especial de Eco Desenvolvimento, destinado a promover
projetos de desenvolvimento sustentável no País.
Projeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo que regulamenta o inciso II do
§ 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição, e os arts.
1º, 8º, alínea j, 10, alínea c e 15 da Convenção da diversidade Biológica que
dispõe sobre o Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional
Associado, sobre a repartição dos benefícios derivados de sua utilização.
O Poder Executivo, reconhecendo a
relevância da matéria objeto do referido projeto de lei, constituiu em 1996, o
Grupo Interministerial de Acesso aos Recursos Genéticos sob a coordenação do
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e
supervisão da Casa Civil da Presidência da República e composto pelos
Ministérios da Indústria, do Comércio e do Turismo, das Relações Exteriores, da
Justiça, da Saúde, da Agricultura e dos Abastecimento
, da Ciência e Tecnologia, da Marinha, da Administração Federal e Reforma do
Estado e das instituições vinculadas Fiocruz, Funai,
Ibama, INPI e Embrapa, com a missão de analisar e propor o aperfeiçoamento do
Projeto de Lei do Senado n] 306/95.
Após dois anos de estudos e discussões
internas desenvolvidas pelos diversos integrantes, este Grupo, embora
considerando louváveis tanto o Projeto de Lei do Senado nº
306/95, como seus Substitutivos, decidiu pelo encaminhamento de um novo Projeto
de Lei ao Congresso Nacional, principalmente para trazer para o executivo a
responsabilidade de definir competências para seus órgãos, passo que não pode
ser dado pelo legislativo.
Este Projeto de Lei está vinculado a
Projeto de Emenda Constitucional que será encaminhado conjuntamente ao
Congresso Nacional declarando "Patrimônio Genético" brasileiro como
bem da União, a semelhança do que já acontece com os recursos minerais e os
recursos naturais da plataforma continental e as zonas econômicas exclusivas,
nos termos do Art. 20 da Constituição, com a finalidade de permitir ao Estado
cumprir o que determina o seu Art. 225, § 1º, inciso II que diz:
"Preservar a diversidade e a
integridade do Patrimônio Genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas a pesquisa e manipulação de material genético."
Esta legislação pretende fixar sem
engessamentos todos os procedimentos por meio de regulamentação
, que é o que o País necessita já que o campo da bioprospecção
e da biotecnologia vem avançando no âmbito internacional a uma velocidade cada
vez maior devido a troca de informações e conhecimentos alavancada
pela globalização.
O Projeto contempla o direito do detentor
de conhecimento tradicional associado a componentes do Patrimônio Genético de
decidir sobre o acesso de terceiros a informação sobre este conhecimento,
assegurando o direito das comunidades locais e de comunidades indígenas de
participarem da repartição dos benefícios derivados da utilização dos
conhecimentos tradicionais que detenham.
Ele regula o direito do proprietário de
decidir sobre o ingresso de terceiros em área de sua propriedade para acessar
amostras de componentes do Patrimônio Genético e assegura a participação na
repartição dos benefícios derivados da utilização de amostras obtidas em suas
terras, como estímulo a sua conservação.
Para combater a biopirataria,
o Projeto de lei prevê sanções penais para os crimes contra o Patrimônio
Genético qualificados de forma a desestimular as atividades ilícitas que visam
retirar do País sua riqueza genética sem garantir a devida repartição justa e
eqüitativa dos benefícios decorrentes da utilização econômica ou não de
amostras de componentes do Patrimônio Genético nacional.
Para assegurar melhor controle e ao mesmo
tempo promover maior desenvolvimento das atividades legais de bioprospecção no País, o projeto de lei prevê a autorização
de acesso à amostra de componentes do Patrimônio Genético que decidira sobre o
acesso de terceiros a informação sobre este conhecimento, assegurando o direito
de comunidades locais e de comunidades indígenas de participarem da repartição
dos benefícios derivados da utilização dos conhecimentos tradicionais que
detenham.
Alguns artigos que consideramos de
primordial importância são:
Artigo 9:
O acesso a componente do Patrimônio Genético
existente em condições in situ, no território
nacional, na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica
exclusiva e no Conhecimento Tradicional Associado far-se-á mediante a coleta de
amostra e de informação e somente será autorizada a instituição nacional,
pública ou privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento nas
áreas biológicas e afins.
Parágrafo 2º
A participação de pessoa jurídica sediada
no exterior na coleta de amostra de componente do Patrimônio Genético in situ e no Acesso ao Conhecimento Tradicional Associado
somente será autorizada quando feita em conjunto com instituição pública
nacional, sendo a coordenação das atividades obrigatoriamente realizada por
esta última e desde que todas as instituições envolvidas exerçam atividades de
pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins.
Parágrafo 4º
A autorização para o ingresso em terras
indígenas, para acesso à amostra de componente de Patrimônio Genético e ao
Conhecimento Tradicional Associado, dependerá da anuência prévia do órgão indigenista oficial, ouvida a Comunidade Indígena
envolvida.
Parágrafo 6º
A autorização para o ingresso em área de
propriedade privada, para acesso à amostra de componente do Patrimônio
Genético, dependerá da prévia anuência do proprietário, responsabilizando-se o
titular da autorização a ressarci-lo por eventuais danos ou prejuízos causados
desde que devidamente comprovados
Artigo 11
Os benefícios resultantes da exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente
do Patrimônio Genético, obtidos por instituição nacional ou
sediada no exterior, serão repartidos de forma justa e eqüitativa com a
União, em percentual a ser definido em regulamento.
Artigo 12
Os benefícios decorrentes da exploração
econômica do Patrimônio Genético acessado por instituição nacional ou
instituição sediada no exterior, a serem repartidos com a União, de forma justa
e eqüitativa, poderão constituir-se entre outros de :
Artigo 16
O Contrato de utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, instrumento jurídico multilateral,
deverá indicar e qualificar com clareza as partes contratantes a saber:
a) a União Federal,
b) o proprietário da área ou representante da Comunidade
Indígena ou o Representante da Comunidade Local;
e de outro lado :
a) a instituição nacional autorizada a efetuar o acesso e
b) a instituição destinatária.
Duas leis estaduais sobre o Acesso aos
Recursos Genéticos se encontram em vigor no Brasil mas
ainda não foram regulamentadas. São elas:
Lei Estadual do Estado do Acre
Consideramos de importância relevante,
entre outras, as seguintes definições contidas nesta lei:
Condições EX SITU: condições em que os componentes da
diversidade biológica são conservadas fora de seus habitats naturais.
Condições IN SITU: condições em que os recursos biológicos
existem em ecossistemas e habitats naturais e, no
caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido
suas propriedades características.
Espécie Domesticada ou Cultivada: espécie cuja evolução foi influenciada
pela atividade humana.
Produto derivado: produto natural isolado de origem
biológica, ou que nele esteja estruturalmente baseado, ou ainda que tenha sido
de alguma forma criado a partir da utilização de um conhecimento tradicional a
ela associado.
Produto Sintetizado: substância obtida por meio de um
processo artificial a partir da informação genética ou de outras moléculas
biológicas. Inclui os extratos semi-processados
e as substâncias obtidas através de transformação de um produto derivado por
meio de um processo artificial (hemisíntese).
Estas definições englobam,
como pode ser visto, qualquer composto obtido a partir de recursos genéticos,
como por exemplo, substâncias ativas medicamentosas que se encontram nas
plantas, microorganismos, gens, cultivares, entre
outros, cuja proteção por propriedade intelectual fica condicionada ao acesso
autorizado.
São partes do Contrato de Acesso:
a) o Estado;
b) o Solicitante do acesso;
c) o provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo
agrícola domesticado.
A Secretaria do Meio Ambiente do Estado
do Acre poderá propor e celebrar com a Universidade Federal do Acre e/ou
centros de pesquisa nacionais convênios que amparem a execução de um ou mais
contratos de acesso.
Esta Secretaria poderá firmar com
terceiros contratos de acesso a recursos genéticos que estejam depositados em
centros de conservação "ex situ"
localizados no território estadual.
Os direitos coletivos de propriedade
intelectual serão regulamentados no prazo de um ano contado da publicação desta
lei e não se reconhecerão direitos individuais de propriedade intelectual
registrados dentro ou fora do Estado que utilizem conhecimento coletivo de
comunidade local ou que tenha sido adquirido sem o certificado de acesso e a
licença de saída do Estado.
As biotecnologias estrangeiras poderão
ser utilizadas desde que se submetam a esta lei e às normas de biossegurança e que a empresa pretendente assuma
integralmente a responsabilidade por qualquer dano que possa acarretar à saúde,
ao meio ambiente ou às culturas locais, no presente e no futuro.
Lei Estadual do Estado do Amapá
Nesta lei ressaltamos as seguintes
passagens:
As pessoas físicas ou jurídicas
autorizadas a desenvolver trabalho de acesso aos recursos genéticos brasileiros
ficam obrigadas a comunicar às autoridades competentes quaisquer informações
referentes ao transporte de espécimes coletadas, não implicando a autorização
de acesso à sua remessa ao exterior
O uso de recursos genéticos com fins de
pesquisa, conservação ou aplicação comercial ou industrial que não conte com o
certificado de acesso é vedado.
Em contrapartida haverá por parte do
Poder Público, incentivo para o desenvolvimento de tecnologias nacionais
sustentáveis.
Medida Provisória
Em 29 de Junho de 2000 foi editada uma
Medida Provisória nº 2.052 que
regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição e
os arts. 1º, 8º, alínea j, 10º, alínea c, 15º e 16º,
alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica
, da qual destacamos os seguintes pontos relevantes:
Os 34 artigos que compõem esta Medida
Provisória (ainda não regulamentada) correspondem em grande
parte aos conceitos básicos postulados nos principais Projetos de Lei
acima referidos e que tramitavam no Congresso Nacional, na ocasião.
Comentando a Medida, sobretudo no que diz
respeito diretamente à Propriedade Industrial, gostaríamos dar ênfase ao
conteúdo do artigo 28 (item 7 acima), já que este
assunto tem sido objeto de grandes discussões em forums
internacionais.
É alegado por diversas fontes em todo o
mundo que pesquisadores e companhias de países desenvolvidos, estão utilizando
recursos genéticos extraídos de países ricos em biodiversidade, sem a
autorização apropriada, a fim de obter novas tecnologias, novas invenções,
novas técnicas e novos produtos. Além disto, é dito que a orientação para identificação
e descoberta daqueles recursos genéticos e seus princípios ativos é obtida
através de membros de comunidades locais que cooperam com os pesquisadores,
mesmo sabendo que muito raramente eles receberiam qualquer tipo de pagamento.
É a assim chamada "Biopirataria".
Consequentemente, a fim de haver um
registro de invenções que tenham sido desenvolvidas usando os recursos
genéticos conservados in situ e/ou o conhecimento
tradicional de populações locais ou indígenas, tem sido proposto que os pedidos
de patente oriundos de recursos genéticos informem o país de origem destes recursos , de modo que na ausência desta informação, o país
de origem possa nomear os titulares de tais patentes como infratores das leis
nacionais que implementam a Convenção sobre a Diversidade Biológica.
Nosso questionamento a este respeito é o
seguinte:
Pode uma lei de acesso a recursos
genéticos de um país dispor sobre a concessão ou não de direito de propriedade
industrial sobre processo ou produto, decisão esta sujeita aos requisitos de patenteabilidade da lei de Propriedade Industrial daquele
país?
Em outras palavras, pode a concessão de
uma patente ficar sujeita, além de a lei de Propriedade Industrial também a lei
de acesso aos recursos genéticos, como quer o artigo 28 da Medida Provisória
acima citada?
Para responder esta pergunta é importante
salientar que, além de ter o Brasil assinado e ratificado a Convenção sobre
Diversidade Biológica em Maio de 1994, assinou e ratificou também o Acordo TRIPs em Dezembro de 1994.
A Convenção do Rio tem como um de seus
objetivos, conforme disposto no artigo 1º, o uso sustentável da biodiversidade,
incluindo a repartição eqüitativa dos benefícios advindos dos recursos
genéticos e o acesso apropriado a estes recursos através da transferência das
tecnologias relevantes levando em consideração todos os direitos sobre estes
recursos e tecnologias.
Dentro destes direitos estão incluídos os
direitos de Propriedade Intelectual e os direitos das comunidades provedoras
destes recursos.
Já no Acordo TRIPs, que em seu artigo 27 rege a matéria
patenteável, é dito que qualquer invenção de produto ou de processo, em todos
os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um
passo inventivo e seja passível de aplicação industrial.
Nada foi falado neste Acordo no que tange
aos direitos de propriedade intelectual de produtos ou processos, sobre alguma
obrigatoriedade de constar do documento de patente, quer para produto, quer
para processo, a informação da origem do material genético e do conhecimento
tradicional associado.
Aliás, esta informação relativa a
recursos genéticos através de conhecimentos tradicionais é uma das muitas
etapas no caminho de uma invenção patenteável e as empresas não utilizam
diretamente estas informações como meio único e exclusivo para obterem
patentes.
Após o contato com a informação, são
empregadas então tecnologias específicas que não mais pertencem ao conhecimento
tradicional, para separar os compostos ativos, purificá-los, sintetizá-los,
manufaturar o produto final, testá-lo e colocá-lo no mercado.
Assim, uma invenção tem como resultado
final, um resultado completamente diferente daquele da invenção gerada pela
informação indígena original.
Tal obrigatoriedade descrita no artigo 28
da Medida, a nosso ver, fere Acordos assinados e ratificados pelo país.
Consideramos importante sim que as
comunidades locais e populações indígenas que contribuíram com seu conhecimento
tradicional para a obtenção de direitos de propriedade intelectual
, venham a ser premiadas com os benefícios oriundos de suas informações,
mas não através de um documento de patente que premia o inventor, por um
determinado período de tempo, pela novidade de sua invenção, sua atividade
inventiva e sua aplicação industrial.
Fica aqui como sugestão prática, àquela
colocada por Nuno Pires de Carvalho da WIPO em seu artigo "From the Shaman´s
Hut to the Patent Office: How long and winding
is the road?"
publicado na revista da ABPI nº 41.
Ali foi sugerido um Sistema de base de
dados indígena que utiliza três das execuções contidas na proteção de dados de
teste, como adotado pelo Acordo TRIPs
em seu artigo 39.3, ou seja,
Bibliografia:
Disponível em : < http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=mtw3&pos=5.7&lng=pt >
Acesso: 21/07/06