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Silvia Regina Dain Gandelman
A rápida transformação dos meios de
comunicação, com a associação da linha telefônica, o computador e o fax e a
interligação destes elementos às redes internacionais, vem modificando as
relações individuais a nível privado e profissional, causando na segunda metade
da década de 90 impacto semelhante ao causado pelo advento dos computadores
pessoais na década passada. A tecnologia da informação segue sua marcha
inexorável.
É só seguir as evidências: em 1996, haverá no
mundo mais de 100 milhões de caixas postais eletrônicas. Este ano, só nos
Estados Unidos, devem ser enviadas 26 bilhões de mensagens eletrônicas. O
correio eletrônico de hoje se comunica em escala global interligando milhões de
cenários. Transporta documentos formatados, arquivos de imagens e de som e
permite que não só os usuários, mas também os aplicativos conversem entre si.
Mesmo assim, o potencial das tecnologias de transmissão de mensagens apenas
começa a ser explorado. Novos produtos estão chegando ao mercado este ano com
capacidade para suportar um contigente muito maior de usuários e com segurança
e confiabilidade suficientes para que aplicações envolvendo dados sigilosos,
operações financeiras e outras informações de conteúdo crítico possam utilizar
também o correio eletrônico.
No Brasil, só recentemente o Governo Federal
começou a desburocratizar o setor de telecomunicações, condição essencial para
a arrancada do uso comercial da Internet. Ainda assim, e mesmo com o custo da
ligação situado entre os mais altos em termos mundiais, milhares de usuários
cadastrados aguardaram a data marcada de 15 de setembro pela Embratel para
iniciar seu acesso ao sistema.
Tudo isto significa que, muito mais rápido do
que poderíamos imaginar, o sistema Internet estará cobrindo o Brasil de
informações, serviços e perplexidades jurídicas, tal como vem ocorrendo no
resto do mundo.
II. A ELASTICIDADE DO DIREITO AUTORAL - DE
GUTEMBERG À INTERNET.
O conceito de direito de autor nasceu com a
possibilidade técnica de reprodução e disseminação da criação intelectual.
Desde a invenção dos tipos móveis por Gutemberg surgiu no direito moderno a
proteção ao criador intelectual em oposição ao direito do dono da tecnologia, o
gráfico, o editor ou o publisher moderno. Teria o direito autoral, ainda hoje
administrando idéias do século XVI, elasticidade suficiente para acolher em seu
cesto as relações jurídicas autorais geradas pela Internet? Será que a
"netiquette", que controla a ética dos usuários da Internet, poderá
reforçar os direitos de autor e a sua proteção?
Estas e outras questões têm sido tão freqüentes
que advogados, bibliotecários, cientistas e editores voltaram-se, muito
apropriadamente, para a própria Internet em busca de soluções. Eles se
encontram diariamente na CNI-Copyright, um grupo de interesse Internet que
troca perguntas e respostas quanto a cópias ou adaptações de informações de
certa maneira que possam constituir violações ao direito de autor.
No entanto, a maior parte das discussões dos
intelectuais e legisladores gira em torno dos princípios de direito de autor e
como tais princípios podem ser alargados para acomodar a nova tecnologia com a
estrutura legal para assegurar a utilização máxima e a inovação da informação e
do pensamento. Recentemente, Bruce A. Lehman, do Departamento Americano de
Copyrights, Patents e Trademarks publicou recomendação no sentido de que as
regras contemplando os critérios de remuneração dos direitos autorais
necessitam apenas de atualização. Outras correntes, porém, defendem a
reestruturação completa, já que viajar pela auto-estrada da informação deveria
ser gratuito, sem pagamento de pedágio.
Estes defensores advogam o conceito de que a lei
autoral foi concebida para a mídia impressa. Aplica-se o mesmo padrão de
"uma criação do espírito exteriorizada em meio físico tangível" a uma
obra literária em livro de capa dura passando de mão em mão e a um comentário
acessado através de um boletim informatizado por milhares de leitores. Como
resultado, alguns malabarismos intelectuais são necessários para aplicar os
conceitos legais à crescente mídia eletrônica.
Qual o significado da expressão
"utilização" de uma obra intelectual? A resposta é bastante simples
quando a obra é reproduzida em papel ou gravada em áudio ou videotape: é quando
um editor obtém direitos de reprodução e alguém compra um exemplar de jornal, revista,
livro ou fita. No entanto, a resposta é mais complicada quando um computador
entrega a obra: será a leitura na tela uma utilização? Armazenar no disco
rígido e imprimir a obra são modalidades distintas de utilização? Rebobinar o
texto na tela do computador para relê-lo seria ainda uma nova utilização?
Até o próprio conceito de propriedade e da
essência da proteção de uma obra não está claro - será que o direito do editor
a uma obra abrange também as versões eletrônicas a que os usuários dos
computadores têm acesso repetidamente? será que a proteção autoral dada a
textos e imagens alcança também a sucessão de uns e zeros, o código digital que
somente o computador pode ler para transmissão e cópia?
Estas são apenas algumas das questões levantadas
diante da recente utilização comercial da Internet.
III. A REMUNERAÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL -
CRITÉRIO DE DISTRIBUIÇÃO - LICENÇA COMPULSÓRIA - CONFLITOS DE LEI NO ESPAÇO.
O direito que os autores sempre detiveram, ao
longo dos séculos, de receber remuneração pela utilização e reprodução de sua
criação constitui no principal incentivo para que a criação intelectual
continue florescendo. Editores, escritores e artistas normalmente são a favor
de medidas restritivas de controle que protejam seus rendimentos na divulgação
de seu material por quaisquer meios. Os opositores de restrições na
auto-estrada da informação, entretanto, argumentam que uma política mais solta
inicialmente poderá torná-lo mais lucrativo com o passar do tempo, atraindo
maior quantidade de autores e artistas para ingressar no mercado eletrônico,
com a vantagem de arrebanhar maior número de usuários ansiosos por conhecer o
material acessível e sem restrições. A idéia principal seria de que a
legislação autoral desistiria de controlar o uso privado de matéria protegida,
onerando unicamente a utilização para fins comerciais.
Neste ponto, entram na discussão diferentes
conceitos de legislação autoral que variam de sistema jurídico para sistema
jurídico, o que suscitaria conflitos de direito internacional privado, já que o
material que navega na Internet pode ser utilizado em qualquer dos países
ligados na rede. Mais do que a "netiquette", será necessária a adoção
de padrões de utilização e cobrança aceitos internacionalmente.
Um exemplo possível é a questão da existência da
licença compulsória para obras musicais nos Estados Unidos: uma vez tornada
pública uma obra musical, qualquer cantor, músico, gravadora pode regravá-lo
sem que qualquer solicitação de autorização seja necessária, desde que remunere
o autor ou autores no valor estipulado de 6,25 cents por cópia. Ocorre que em
países europeus e na América do Sul a legislação não prevê a licença
compulsória, as autorizações são concedidas para cada caso e os autores têm
direitos morais, ou seja, podem impedir gravações por terceiros. Como resolver
esta questão se justamente a sugestão americana para a Internet prende-se à
adoção da licença compulsória para as obras integradas na rede, com a
remuneração através de tabela pré-fixada, obedecendo o conceito de distribuição
que vem sendo utilizado pelas Tvs a cabo, ou seja, pague pela utilização (pay
as you use).
IV. PERPLEXIDADES - SUGESTÕES E SOLUÇÕES.
O primeiro grande problema identificado nos
Estados Unidos e que já está sendo submetido aos tribunais é a questão dos
direitos autorais dos jornalistas autônomos, com os quais os grandes jornais
firmaram o contrato padrão para a área, no qual os jornais se reservam apenas o
direito da primeira utilização. Dizem os jornalistas que o oferecimento de seus
artigos via fax ou via Internet fere os contratos e viola seus direitos. Cerca
de 4.000 jornalistas estão acionando diversos jornais e revistas contra o que
chama de uso subseqüente. O caso chama-se Tasini v. The New York Times Corporation.
O
grupo de trabalho do governo federal americano, dirigido por Bruce A. Lehman,
preparou as seguintes recomendações preliminares, para adequar a lei autoral às
necessidades da mídia eletrônica:
"- Emendar a lei para declarar que as obras
podem ser publicadas, importadas e distribuídas via transmissão;
- Transmissão seria interpretada como
distribuição de reproduções e não da obra original, baseada na intenção do
remetente;
- A doutrina da primeira utilização, que regula
a disponibilidade das obras pelos proprietários não se aplicaria às
transmissões;
- Anular qualquer proibição para a utilização de
dispositivos de segurança que previnam cópias não autorizadas".
Como se verifica das sugestões oferecidas, uma
das soluções que vem ganhando força contra o grupo que prega a total liberdade
na Internet é a de utilizar-se chaves de proteção para o material protegido
pelo direito autoral, que só seria liberado mediante um código, após o
pagamento dos direitos. O pagamento, como tudo na Internet, poderia ser realizado
através da conta de telefone ou mediante o uso de cartão de crédito.
V. CONCLUSÃO.
A multimídia, e a conseqüente integração dos
computadores via Internet constituem hoje um grande desafio para os juristas e
uma enorme ameaça para os autores. Ao mesmo tempo em que se alarga o universo
de usuários/consumidores dos produtos culturais, maiores são os problemas que
surgem quanto ao escopo da proteção jurídica e seus meios de controle. Há um
certo saudosismo quando se recorda o fácil controle de meios físicos bem
delimitados e o usuário certo e definido. "Tecnologia e nostalgia são os
irmãos gêmeos da imaginação moderna" acredita o professor de Yale, David
Gelernter. "A primeira nos atormenta com o possível milagre do que está
por vir, a outra nos compele a chorar pelo que passou". (in 1939, O Mundo
Perdido da Exposição).
Rio de Janeiro, maio/1996.
Disponível em: http://www.cbeji.com.br/br/novidades/artigos/index.asp?id=4833
Acesso em: 16 setembro. 05.